Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:396/08.6BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:05/08/2019
Relator:HÉLIA GAMEIRO SILVA
Descritores:IRS
MAIS-VALIAS
EXCLUSÃO DA TRIBUTAÇÃO
CIRS N.º 5 DO ART. 10.º
Sumário:1 - A lei prevê a exclusão tributária da mais-valia realizada na transmissão onerosa de imóvel destinado à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, quando dentro de determinados prazos e condições o valor realizado for reinvestido em imóvel destinado ao mesmo fim, ou seja, à habitação própria e permanente do sujeito passivo e do seu agregado familiar.

2 - Uma das condições para fazer operar a exclusão de tributação de mais valias reside na circunstância de o imóvel alienado ou “de partida” ter sido destinado a habitação do sujeito ou do seu agregado familiar.

4 – A falta de um dos pressupostos da exclusão da tributação da mais-valia realizada com a venda do imóvel afasta a aplicação do nº5 do artigo 10º do CIRS.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

José ............... e Ana ..............., notificados da decisão de indeferimento do recurso hierárquico por si interposto na sequência de indeferimento da sua reclamação graciosa, vieram deduzir IMPUGNAÇÃO JUDICIAL contra a liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares referente ao ano de 2002, no montante de € 19.031,78.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, por decisão de 30 de junho de 2016, julgou improcedente a impugnação.

Inconformados, José ............... e Ana ..............., vieram recorrer contra a referida decisão, tendo apresentado as suas alegações e formulado as seguintes conclusões:

«a) Embora a falta de impugnação especificada dos factos por parte da Fazenda Pública não represente a sua confissão (art.º 110.º n.º 7,do CPPT), deve o juiz apreciá-la livremente;

b) Sendo assim, impõe-se que, à falta dessa impugnação especificada por banda da Fazenda Pública, se faça relevar a presunção de veracidade das declarações do contribuinte, por mor do disposto no art.º 75. n.º 1,da LGT, conferindo a esta disposição efectiva eficácia normativo­aplicativa;

c) Por outro lado, não pode o tribunal deixar de valorar no sentido da sua credibilidade, na ausência de impugnação, as afirmações de facto feitas pelos recorrentes na petição inicial da impugnação judicial que estejam em linha de coerência com o também alegado na reclamação graciosa e no recurso hierárquico apensos, bem como com os documentos apresentados;

d) Para além dos factos que fez constar do probatório da decisão recorrida, o tribunal a quo devia dar também como provados mais os seguintes factos, pelo que, não o tendo feito, incorreu em erro de julgamento de facto:

1) Desde criança que o impugnante morou com os seus pais, no imóvel sito na Rua ..............., n.º 158, ....-... Coimbra, primeiro em regime de locação e, posteriormente, como proprietários;

2) Os impugnantes contraíram matrimónio e foram habitar para o referido imóvel com os pais do impugnante marido;

3) Em 1992, os pais do impugnante, que é filho único, doaram-lhe o imóvel, mantendo contudo, por questões de salvaguarda, o usufruto do mesmo;

4) Por força da actividade profissional do impugnante de funcionário público, os impugnantes por diversas vezes tiveram que fixar residência profissional fora de Coimbra, voltando, todavia, a esta cidade durante os fins de semana e as férias e aqui mantendo a sua residência habitual, inclusivamente, para efeitos de correspondência, constando de alguns documentos oficiais (cfr. doc. 1 junto com a petição).

5) Em 2002, os impugnantes e os pais do impugnante venderam o imóvel;

6) Com o produto da venda os impugnantes adquiriram um imóvel na Covilhã, cidade onde trabalhavam e onde, então, se decidiram fixar definitivamente;

e) Quando o titular do direito de usufruto sobre certo imóvel abandona, em acordo com o titular do direito o seu direito, permitindo a venda do imóvel, coetânea e conjuntamente, com o titular do direito da nua propriedade do imóvel estamos perante uma transmissão onerosa do imóvel que releva para os efeitos consignados no art.º 10.º, n.º 5;. do CIRS;

f) Esta interpretação tem na letra da lei suficiente e adequada expressão (art.º 9.º do CC) e cumpre inteiramente a axiologia e teleologia da exclusão da tributação: na verdade, o objectivo da lei é do eliminar obstáculos fiscais à mudança de habitação, em casa própria, por parte das famílias em território português, favorecendo a mobilidade que a economia de hoje impõe quase como regra e de que hoje tanto se fala e o Governo incentiva, mesmo na administração pública;

g) O conceito de residência permanente, embora de origem civil, é um daqueles conceitos de essência ou de síntese substancialmente normativa, de plasticidade variável, e não de conceito de facto, razão pela qual deve ser entendido de acordo com a axiologia e teleologia que justificam materialmente a sua convocação no direito civil ou no direito tributário, sendo que as mesmas são diferentes: no direito civil está funcionalmente dirigido a ser (ou a servir de), aí, uma causa de resolução do contrato de arrendamento existente entre dois sujeitos de direito privado; no art.º 10.º, n.º 5; do CIRS, o conceito é convocado para justificar materialmente a atribuição de um direito fiscal - do universo hipotético jurígeno da norma de tributação ficam excluídas certas situações, por o legislador entender que as razões que subjazem a essas situações se sobrepõem às que justificam a obtenção da receita fiscal.

h) A plasticidade ou elasticidade normativas do conceito de residência permanente justificam que deva ser equacionado com o grau de vida do residente e consequente incidência em relação ao espaço, nas situações fácticas de ausência do inquilino do locado por virtude, entre outras, do exercício de outras funções públicas ou de comissão de serviço público, mencionadas no art.º 64.º, n.º 2 alínea b), do RAU - categoria onde cabe a situação do impugnante discutida nos autos - continue a ser tida como residência permanente a residência que anteriormente se tinha no locado;

i) A lei civil apenas contempla esse prolongamento de efeitos por períodos determinados [art.º 64.º, n.º 1, alínea i), do RAU]. Mas não é assim no plano fiscal. É que as razões (teleologia) que justificam essa limitação no âmbito do direito civil não ocorrem no direito fiscal: no direito civil, a limitação encontra a sua razão de ser na necessidade de não manter o locado fechado por longos períodos, pois isso determina a sua deterioração física e com isso perda do seu valor económico; no domínio fiscal, este interesse está totalmente ausente da norma de exclusão da tributação, devendo o conceito de residência permanente ser aferido essencialmente em face da sua ratio tributária;

j) O conceito de residência permanente, sendo embora um conceito relativo, plástico ou plurignificante, apela, no entanto, à existência de traços constitutivos e indispensáveis, sob pena de se tomar um conceito imprestável como diferenciador de situações jurídicas e lácticas e se frustrarem a razões que levaram à construção dele como síntese jurídica;

l) Tais traços são a habitualidade de residência, a estabilidade de residência e a circunstância de a residência constituir o centro da organização da vida doméstica (cfr. Jorge Alberto Aragão Seia, Arrendamento Urbano,7.ª edição, revista e actualizada,págs.449);

k) A habitualidade não pode ser entendida enquanto referente a qualquer média de comportamentos à semana, ao mês ou ao ano, mas sim enquanto atitude que é a tomada normalmente quando inexistem condições limitativas da liberdade de residir aqui ou acolá;

l) O elemento constitutivo da estabilidade apela a que pessoa do morador possa, com toda a normalidade e eficácia, ser achada, contactada, interpelada na sua mesma morada: a morada estável é algo que está sempre no mesmo sítio, não é uma morada que à laia da do caracol hoje está aqui mas amanhã está ali e é neste novo local que o caracol tem de ser procurado;

m) O traço constitutivo de a residência permanente dever ser o centro de organização da vida doméstica significa sinteticamente que essa residência seja o ninho onde se desenvolve o essencial da relação familiar e do agregado familiar em função se cuja protecção se move o legislador na construção do conceito: é o local onde, na ausência de constrangimentos não definitivos de saúde (cfr. Acórdão da Relação de Lisboa, de 4/6/2002, Col Jur. XXVII, 3,90, referente a pessoa que passou a residir num lar de idosos), profissionais ou limitativos de liberdade de deambulação (como a prisão), etc. a pessoa organiza a sua vida pessoal e familiar e concretiza a vida social do agregado familiar, na comunidade social;

n) Não se objecte que, sendo os impugnantes titulares do direito de nua propriedade e os seus pais titulares do direito de usufruto, eles não podiam ter legalmente direito ao usus ou fructus do prédio de Coimbra sobre o qual pudessem construir a sua residência permanente, o seu ninho familiar, pois tal confunde incompreensivelmente a natureza e os poderes jurídicos insertos no direito real do usufruto com os poderes que justificam materialmente o direito a residir na coisa objecto do usufruto;

o) O título jurídico ao abrigo do qual o residente pode morar legalmente no prédio objecto do direito do usufruto não está em conflito com este: o residente apenas tem de ter um título de acesso às potencialidades de que a mesma é capaz no que diz respeito à satisfação das necessidades do residente, titulo aquele que pode ser reconhecido pelo titular do direito de usufruto de diferentes modos, sendo que, no caso, era a título de elemento componente do agregado familiar;

p) No caso, os impugnantes, fazendo vida em comum com os seus pais, tinham o uso da coisa objecto do direito de usufruto como elementos componentes do mesmo agregado familiar e não aceitar este facto em sede probatória é pensar fora do normal ou da experiência comum em que o contrário é que teria de ser demonstrado.

Termos em que, ao contrário do concluído pela sentença haverá de entender-se que os impugnantes tinham no imóvel de Coimbra a sua residência própria e permanente e que o re-investimento, nos termos declarados, do valor de realização proveniente da sua venda no imóvel onde actualmente os impugnantes residem, na Covilhã, está abrangido pela exclusão de tributação prevista no art.º 10.º, n.º 5, do CIRS e, decorrentemente, e com o douto suprimento de V.ªs Ex.as, deve ser dado provimento ao recurso e ser revogada a sentença recorrida, com as legais consequências, assim se fazendo a devida justiça.»


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A Recorrida, não apresentou contra-alegações.

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Foram os autos com vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, nos termos do artigo 289.º, n.º1 do CPPT, que veio oferecer o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.

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Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.

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2 – OBJECTO DO RECURSO

Antes de mais, importa referir que, independentemente das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões do recorrente nas alegações de recurso que se determina o âmbito de intervenção do tribunal (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de junho.

Assim e constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Aqui chegados importa antes de mais referir que os Recorrentes “aceitam a bondade da fundamentação expendida na sentença recorrida relativamente à improcedência da causa de pedir da petição de preterição de formalidades essências no procedimento de inspeção”, como expressamente referem na petição de recurso (pag. 1v in fine).

Termos em que a questão que nos vem apresentada consiste em aferir se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento em sede de matéria de facto e na aplicação do direito ao decidir pela improcedência da impugnação, por concluir, por um lado que os impugnantes não tinham no imóvel de Coimbra a sua residência própria e permanente e bem assim que os mesmos não eram, á data da alienação, detentores da propriedade do imóvel de modo a poder dispor dele de forma plena.

3 - FUNDAMENTAÇÃO

De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida

«1) Em 17-03-2003, os impugnantes apresentaram a declaração de rendimentos – IRS, modelo 3, referente ao ano de 2002, acompanhada dos Anexos “A” e “H”, tendo dado origem à liquidação n.º ................, com imposto a pagar na quantia de € 1.733,28 – cfr. Informação de fls. 1 e 2, bem como prints informáticos de fls. 3 a 5, todos do processo administrativo apenso;

2) Em 18-04-2006, os impugnantes apresentaram uma segunda declaração de rendimentos – IRS, modelo 3, referente ao ano de 2002, acompanhada dos Anexos “A”, “G” e “H”, tendo dado origem à liquidação n.º ................, com imposto a pagar na quantia de € 1.739,28 – cfr. Informação de fls. 1 e 2, bem como prints informáticos de fls. 3 a 5, todos do PA apenso;

3) No Anexo “G” os impugnantes declararam a alienação de um imóvel urbano inscrito na matriz da freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra, sob o artigo ......., pelo preço de € 89.000,00, tendo manifestado a intenção de reinvestimento total do valor de realização – cfr. Informação de fls. 1 e 2, bem como prints informáticos de fls. 6 a 10, todos do PA apenso;

4) Os impugnantes foram alvo de acção inspectiva, em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI................ datada de 29-05-2006 – cfr. resulta de fls. 18 do PA apenso;

5) Na sequência da declaração mencionada em 2), foi efectuada a reliquidação daquela declaração, na qual foi apurado o imposto a pagar na quantia de € 19.027,70 - cfr. Informação de fls. 1 e 2, bem como print informático de fls. 11, todos do PA apenso;

6) Em 29-06-2006, os impugnantes apresentaram nova declaração de IRS, acompanhada dos Anexos “A”, “G” e “H”, tendo declarado no Anexo “G” o reinvestimento do valor de realização do mesmo ano de alienação – cfr. Informação de fls. 1 e 2, bem como prints informáticos de fls. 12 a 15, todos do PA apenso;

7) Em 13-09-2006 foi pago o IRS resultante da liquidação mencionada em 5) – cfr. Informação de fls. 1 e 2, bem como prints informáticos de fls. 16, todos do PA apenso;

8) No âmbito da inspecção tributária referida em 4) foi, em 18-10-2006, elaborado Relatório Final, donde constava, além do mais, o seguinte:

«Efectivamente em 2002 o sujeito passivo José ..............., casado, residente na Rua ................ nº 70, 3º na Covilhã, e Gastão ................ e mulher, residentes na Rua ............... nº 158 em Coimbra, venderam o 1º a nua propriedade e os segundos o usufruto de um prédio urbano inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra, sob o artigo nº ........

Os ganhos resultantes desta venda constituem mais valias, (…).

Como já atrás ficou dito o que foi vendido foi a nua propriedade (direito real) de um prédio urbano, e não um imóvel destinado a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, logo afastado da exclusão de tributação referida no nº 5 do artigo 10º do Cirs.

(…)

O valor da realização recebida com a venda do direito real sobre o referido imóvel foi efectivamente reinvestido no exercício de 2002, na aquisição de um prédio urbano, inscrito na matriz predial urbana da freguesia de Conceição, concelho de Covilhã sob o artigo nº .......

No entanto face ao disposto no nº 5 do artigo 10º do Cirs e uma vez que o que foi vendido foi um direito sobre um bem (nua propriedade), as mais valias resultantes desta venda não estão excluídas da tributação, por não previstos naquela disposição legal.

Isto é, há incidência sobre o ganho obtido na alienação de um direito parcelar sobre um imóvel, mas na exclusão prevista no nº 5 do artigo 10º, o reinvestimento do valor de realização desta venda, não está previsto.

Desta forma, vamos propor a correcção do valor das mais valias, referente à venda da “nua propriedade” do prédio sito na freguesia de Santo António dos Olivais, concelho de Coimbra, inscrito sob o artigo nº ......., a qual foi realizada por 89000 €.

Nestes termos, e após consulta ao sistema informático, verifica-se que o sujeito passivo ao ter entregue uma declaração de rendimentos de substituição (lote ........ nº 39) que foi liquidada com o valor da categoria G em causa e depois reliquidada (liquidação nº ................ de 6/7/06) sem que tenha sido considerado o valor do reinvestimento, por que não enquadrável conforme atrás se disse, no nº 5 do artigo 10º, tal correcção encontra -se já efectuada voluntariamente pelo sujeito passivo, pelo que não haverá já qualquer correcção a realizar.

Note-se que o s.p. após esta declaração de rendimentos de substituição, veio entregar uma outra (lote ......., nº 17) tendo nela sido indicado que o valor da realização em causa havia sido reinvestido.

No entanto tal declaração de rendimentos de substituição, conforme verificado no sistema, não vai produzir os seus efeitos, pelo que a liquidação correcta e definitiva é a relativa à reliquidação da declaração de rendimentos de substituição, entregues em Abril pelo s. passivo.» - cfr. fls. 33 a 39 dos autos;

9) Pelo Ofício n.º ......., datado de 25-10-2006, no âmbito da acção de inspecção levada a cabo em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI................, de 29-05-2006, foi o ora impugnante José ............... notificado nos seguintes termos:

«Para conhecimento, fica(m) V. Exª(s), por este meio notificado(s) nos termos do artigo 62º do R.C.P.I.T., que da acção de inspecção levada a cabo por este Serviço, ao abrigo da Ordem de Serviço acima referida, não resultam quaisquer actos tributários ou em matéria tributária que lhe sejam desfavoráveis.» - cfr. fls. 51 da RG apensa;

10) A notificação que antecede não foi acompanhada do relatório final da acção inspectiva mencionada na alínea antecedente – cfr. resulta dos autos, assumida pela Fazenda Pública [vide decisão do recurso hierárquico constante de fls. 94 a 97 do recurso hierárquico apenso];

11) Em 09-01-2007, os impugnantes apresentaram no Serviço de Finanças de Covilhã-… reclamação graciosa contra a liquidação mencionada em 5) – cfr. Informação de fls. 1 e 2 do PA apenso, bem como fls. 3 a 6 da Reclamação Graciosa apensa;

12) Em 22-03-2007 foi proferido despacho de indeferimento relativamente à reclamação graciosa mencionada na alínea antecedente, notificado aos impugnantes por carta registada com aviso de recepção expedida em 28-03- 2007 – cfr. Informação de fls. 1 e 2 do PA apenso, bem como fls. 56 a 59 da RG apensa, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido [despacho] e ainda fls. 60-A da RG apensa [A/R] e 61, todos da RG apensa;

13) Contra o indeferimento da reclamação graciosa os ora impugnantes apresentaram recurso hierárquico – cfr. fls. 1 a 7 do RH apenso;

14) Por despacho de 05-06-2008 foi o recurso hierárquico indeferido, reiterando a decisão proferida em sede de reclamação graciosa – cfr. fls. 94 a 97 do RH apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido;

15) Notificados, vieram os ora impugnantes apresentar, por correio registado remetido em 22-09-2008, a presente impugnação – cfr. fls. 52 dos autos;

16) Os impugnantes José ............... e esposa Ana ..............., no período compreendido entre 23-02-1994 e até 2002, residiam, durante a semana, na «R ..............., 70 – 3 COVILHà ….-… COVILHû - cfr. fls. 29 e 30 da RG apensa [situação cadastral do impugnante onde consta essa morada como domicílio fiscal daquele], corroborado pelo depoimento da testemunha inquirida;

17) Durante as férias e os fins-de-semana, os impugnantes deslocavam-se para a morada sita na Rua ..............., n.º 158, em Coimbra – cfr. resulta do depoimento prestado pela testemunha inquirida;

18) Na habitação mencionada na alínea antecedente, da propriedade dos impugnantes, foi constituído usufruto a favor dos pais do impugnante – cfr. resulta dos autos e do depoimento da testemunha inquirida.


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Não se provaram quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa.

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O Tribunal alicerçou a sua convicção com base no exame crítico dos documentos juntos aos presentes autos e do PA [que inclui a reclamação graciosa e o recurso hierárquico] apenso, os quais não foram impugnados, bem como no depoimento da testemunha arrolada pelos impugnantes e inquirida no âmbito do presente processo, o qual, corroborou os demais elementos do processo, afirmando que conheceu a filha dos impugnantes em 1997/1998, na Covilhã, sendo que à data esta residia em Coimbra, na casa onde viviam os avós paternos daquela, na qualidade de usufrutuários, por estar a estudar naquela cidade [estava a tirar uma pós-graduação em Coimbra], afirmando, ainda, que os pais da sua esposa, na altura [1997/1998] viviam na Covilhã [mesmo quando esteve colocado fora, ia e vinha para a Covilhã], afirmando que a residência de Coimbra era para férias e fins-de-semana e, por fim, que durante a semana os impugnantes viviam na Covilhã, sendo que, desde que conheceu a sua esposa até 2002, sempre os impugnantes residiram na Rua ..............., afirmando, por fim, que se pudessem, a vivência dos impugnantes seria em Coimbra, mas que a partir do momento que as condições de trabalho assim o exigiram tiveram que deslocar-se [sublinhado nosso].

Este depoimento mostra-se claro, sério e congruente com os demais elementos documentais.»

De direito

Comecemos por recordar que nos autos de impugnação estava em causa a liquidação oficiosa de IRS n.º ............... no valor de € 19.031,78 referente a rendimentos de 2002 que inclui rendimentos de mais valias imobiliárias realizadas aquando da alienação do direito de “nua propriedade” que os Recorrentes detinham no imóvel sito na Rua ............... n.º 158 em Coimbra.

A esta liquidação vem opor-se os impugnantes, aqui Recorrentes, arguindo que o produto da alienação foi reinvestido na aquisição de outro imóvel destinado á habitação própria e permanente do agregado familiar e por conseguinte está excluído de tributação por força doa n.º 5 do art.º 10.º do CIRS.

Apreciando a questão a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação por considerar que, o imóvel alienado corresponde a uma segunda habitação e não à uma residência permanente dos sujeitos passivos e do seu agregado familiar, já que estes eram, á data dos factos, residentes na Covilhã e ainda porque, não detinham a propriedade plena do imóvel alienado, já que o usufruto era pertença dos pais do impugnante e este apenas detinha propriedade de raiz “nua propriedade”.

A divergência dos Recorrentes relativamente ao decidido em primeira instância resulta da prova produzida que no entender dos apelantes, deveria conduzir o tribunal à convicção de que tinham, em 2002, residência permanente em Coimbra, no imóvel alienado, o que não aconteceu e, por conseguinte, veem, nesta sede, arguir erro de julgamento de matéria de facto e na aplicação do direito,

Vejamos por partes:

Do erro de julgamento de facto

Quanto ao julgamento da matéria de facto, entendem dos recorrentes que, para além dos factos que fez constar do probatório da decisão recorrida, o tribunal a quo devia dar também como provados mais os seguintes (cfr. concl. d)):

“1) Desde criança que o impugnante morou com os seus pais, no imóvel sito na Rua ..............., n.º 158, ....-... Coimbra, primeiro em regime de locação e, posteriormente, como proprietários;

2) Os impugnantes contraíram matrimónio e foram habitar para o referido imóvel com os pais do impugnante marido;

3) Em 1992, os pais do impugnante, que é filho único, doaram-lhe o imóvel, mantendo contudo, por questões de salvaguarda, o usufruto do mesmo;

4) Por força da actividade profissional do impugnante de funcionário público, os impugnantes por diversas vezes tiveram que fixar residência profissional fora de Coimbra, voltando, todavia, a esta cidade durante os fins de semana e as férias e aqui mantendo a sua residência habitual, inclusivamente, para efeitos de correspondência, constando de alguns documentos oficiais (cfr. doc. 1 junto com a petição).

5) Em 2002, os impugnantes e os pais do impugnante venderam o imóvel;

6) Com o produto da venda os impugnantes adquiriram um imóvel na Covilhã, cidade onde trabalhavam e onde, então, se decidiram fixar definitivamente;”

Diga-se, antes de mais que, no que se refere à fixação da factualidade, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, mas sim o de selecionar e retirar, de toda a que vem aduzida, apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do CPC, na redação da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do CPPT) – (vide Ac. deste TCAS proferido em 05/03/2015 no processo n.º 05680/12).

Seguindo para a situação que nos ocupa, diga-se desde já que, não se vislumbra em que é que os factos que ora se pretende ver aditados ao probatório poderiam alterar a convicção do julgador de que em 2002 (na data da alienação) os Recorrentes eram residentes na Covilhã e que se deslocavam a Coimbra em período de fins de semana e férias.

Deveras o primeiro, segundo e terceiro facto indicado na al. d) das conclusões de recurso reportam-se a situações ocorridas em período anterior à data da alienação do imóvel, nomeadamente quando o impugnante era criança, quando se casou e quando lhe foi doada a “nua propriedade” do imóvel (em1992) e como tal nada acrescentam para a situação que nos ocupa, já que esta ocorreu em 2002.

Quanto ao quarto, quinto e sexto factos, confirmam, de forma genérica, a materialidade dada por provada nos pontos 16 e 17, 3 e 8 da fundamentação de facto sentença recorrida, nomeadamente que os impugnantes por diversas vezes fixaram residência fora de Coimbra, voltando, todavia, a esta cidade durante os fins de semana e as férias e aqui mantendo a sua residência habitual, inclusivamente, para efeitos de correspondência e bem assim que em 2002, os impugnantes e os pais do impugnante venderam o imóvel e que com o produto da venda os impugnantes adquiriram um imóvel na Covilhã.

Como claramente se nota, ainda que os factos cujo aditamento se pretende, fossem admitidos e considerados provados, nunca conduziriam á convicção de que à data da alienação do imóvel de Coimbra (em 2002) o mesmo se destinava à habitação própria e permanente dos Recorrentes, pelo contrario trata-se de factos que reforçam a materialidade provada apresentando coerência com a prova testemunhal a que se alude em sede de motivação da matéria de facto supra transcrita e que aqui se recorda, sem olvidar que a testemunha inquirida era genro dos aqui Recorrentes, o que acrescenta ao respetivo depoimento credibilidade e segurança.

Recordemos que se diz-se na motivação em que se alicerçou a factualidade provada relativamente à testemunha inquirida “…corroborou os demais elementos do processo, afirmando que conheceu a filha dos impugnantes em 1997/1998, na Covilhã, sendo que à data esta residia em Coimbra, na casa onde viviam os avós paternos daquela, na qualidade de usufrutuários, por estar a estudar naquela cidade [estava a tirar uma pós-graduação em Coimbra], afirmando, ainda, que os pais da sua esposa, na altura [1997/1998] viviam na Covilhã [mesmo quando esteve colocado fora, ia e vinha para a Covilhã], afirmando que a residência de Coimbra era para férias e fins-de-semana e, por fim, que durante a semana os impugnantes viviam na Covilhã, sendo que, desde que conheceu a sua esposa até 2002, sempre os impugnantes residiram na Rua ..............., …”

Convicção que sustenta os factos enunciados no probatório e que assumem que os Impugnantes, aqui Recorrentes eram, no período compreendido entre 23-02-1994 e até 2002, residentes, na «R ..............., 70 – 3 COVILHà ….-… COVILHû e que apenas ao fim de semana e nas férias se deslocavam para Coimbra para o prédio sito na Rua ..............., n.º 158, (cfr. pontos 16 e 17)

Face ao que considera este Tribunal que os factos que ora se pretendem ver provados não acarretam qualquer relevância para o decidido, sendo de concluir que, nesta parte, as conclusões de recurso estão incontornavelmente condenadas ao insucesso.

Do erro na aplicação do direito

Nesta sede advém-nos a questão de saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de direito ao não considerar verificados os pressupostos para, a exclusão de tributação de mais-valias sendo que os Recorrentes, no ano de 2002, reinvestiram o produto da venda na aquisição de um prédio urbano destinado à habitação (facto consensual).

Antes, porém, diga-se, relativamente ao que vem invocado nas alíneas a) e b) das conclusões de recurso quanto à falta de impugnação especificada dos factos por parte da Fazenda Pública apenas releva a presunção da veracidade das declarações do contribuinte, circunstância que in casu perde pertinência uma vez que a controvérsia apenas resulta da aplicação do direito.

A resposta à questão da exclusão de tributação no reinvestimento do produto da venda, prende-se com a interpretação do artigo 10.º nº 5, alínea a), do Código do IRS, na redação que lhe foi dada pela Lei 109-B/2001 de 27.12, que aqui se transcreve:

Art.º 10.º do CIRS

«1 – Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:

a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;

(…)

5 – São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a) …»

(o sublinhado e o negrito são nossos)

Decorre desde logo da norma transcrita que a lei exige dois requisitos essenciais para que os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis, possa beneficiar da exclusão de tributação:

· Que se trate de ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação dos alienantes;

· Que o imóvel alienado constituísse residência permanente dos mesmos ou do seu agregado familiar.

Em suma: a exclusão de tributação em IRS em sede de Mais Valias imobiliárias prevista no n.º 5 do art. 10.º do CIRS exige a concomitância ou simultaneidade do carácter próprio e permanente da habitação por parte do sujeito passivo.

A questão da concomitância da habitação própria e permanente do sujeito passivo encontra-se hoje perfeitamente e consolidada na jurisprudência dos tribunais superiores que aqui convocamos e citamos por todos o nos diz o acórdão proferido em 25/03/2015 no processo n.º 0158/13: “(…) Constata-se assim que a referida redacção do art. 10./5 do CIRS resultante da Lei n. 109-B/2001 de 27-12, manteve a exclusão de incidência relativa às mais valias realizadas em bens imóveis, mas passou a exigir que também o prédio alienado se destinasse a habitação própria permanente do beneficiário da mais-valia.
O legislador usou uma técnica de rool over que torna não tributáveis essas mais valias enquanto os valores de realização forem reinvestidos em imóveis também destinados à habituação e situados em território nacional. A exclusão referida só vale pois para as mais valias de imóveis destinados à habitação própria e permanente quando o reinvestimento se opera em imóveis com o mesmo destino.
Ou seja o imóvel de "partida" e o de "chegada" têm de ser destinados à habitação própria e permanente. Qualquer outro destino de ambos, ou de só de um deles, destrói as condições de aplicação da exclusão de incidência e a mais valia realizada no imóvel de "partida" será tributável (Cf., neste sentido, José Guilherme Xavier de Basto, IRS, Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, pags. 413/414.)”
- Vide ainda os acórdãos deste Tribunal n.ºs 07529/14 de 15.05.2014 e 08826/15 de 18/02/201615-05-2014 -

Na situação sub judice, resulta da materialidade dada por provada que á data da alienação do imóvel de Coimbra, os aqui Recorrentes, residiam na Covilhã, deslocando-se habitualmente a Coimbra em férias e fins de semana permanecendo então no imóvel sito na Rua ............... n.º 158, residência dos pais do Recorrente marido.

Ora, como se vê a situação descrita não se enquadra nem no espirito nem na letra da lei cuja proteção se invoca já que o imóvel “de partida” era, para os Recorrentes uma segunda habitação, usado em períodos de lazer e tempos livres, situação que per si, obsta ao enquadramento legal requerido.

Acresce ainda relembrar que juridicamente o direto de propriedade do imóvel se encontrava distribuído em direitos parcelares sendo o usufruto detido pelos pais do Recorrente e este e a mulher apenas eram proprietários do direito à “nua propriedade”, o que significa que os Recorrentes tinham o seu direito comprimido pela existência de um direito real de gozo que não lhes pertencia e que, em último caso, lhes poderia limitar o acesso à habitação, tal como dimana do artigo 1446.º do Código Civil.

Diga-se ainda que o conceito de “nua propriedade” é definido como ”Direito real resultante do desmembramento do direito de propriedade pela constituição do usufruto, e que dá ao respetivo titular o direito de disposição da coisa mas não lhe confere os direitos de usar e fruir, visto que estes passam a ser poderes do usufrutuário da coisa” (In “Dicionário Jurídico – Volume I”, 5.ª Edição, Almedina, p. 972/3)

Convocamos aqui por concordância e similitude o acórdão do STA proferido em 22/11/2017 no processo n.º 0384/16, em que foi Relatora a Sra. Conselheira Isabel Marques da Silva, que, seguimos de perto não olvidando, porém, que ali está em causa um contrato de comodato.

Diz-se assim “… a adição da palavra “própria” ao conceito “habitação” por parte do legislador fiscal não é desprovida de sentido; aquela palavra permite, precisamente, sublinhar a necessidade de que, nesse caso, a habitação deverá encontrar-se na titularidade jurídica do sujeito passivo.”

Ora, no caso dos autos, a titularidade é repartida, sendo os recorrentes afetados quanto ao uso e fruição, o que inviabiliza também, por esta via a sua pretensão.

Considera ainda este tribunal que não pode vingar o argumento referido no ponto e) das conclusões de recurso no sentido de que o abandono por parte do titular do direito de usufruto sobre certo imóvel permitindo a venda do mesmo, coetânea e conjuntamente, com o titular do direito da nua propriedade se trata de uma transmissão que releva para os efeitos consignados no art.º 10.º, n.º 5;. do CIRS, porque, in casu, lhe falta o pressuposto que permite a exclusão de tributação e que se consubstancia na prova da de que o imóvel se destina a residência própria e permanente dos Recorrentes.

Assim como também não podem vingar os argumentos vertidos nas conclusões de recurso que se referem à plasticidade ou elasticidades normativas do conceito de residência permanente (concl. g) e seguintes) com o mesmo argumento, repita-se, que o imóvel alienado constituía para os Recorrentes uma casa que estes usavam em férias e de fins de semana.

Sendo ainda de referir que no plano conceitual, a residência habitual não se identifica com a residência permanente, nem o domicílio coincide com a morada, ou seja, o local onde a pessoa tem a sua habitação, tal como se pode inferir dos dois números do artigo 82º do C Civil (vide Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, Vol. I, pág. 98), porém em matéria tributária há necessidade de dar estabilidade ao conceito tendo sido introduzido na LGT a noção de domicilio fiscal, fazendo coincidir este, no caso das pessoas singulares, com o local da sua residência permanente (art. 19.º n,º 1 al. a da LGT) com a criação de declaração obrigatória da comunicação do domicílio do sujeito passivo à administração tributária (art. 19.º n.º 2 também da LTG, á data dos factos, agora n.º 3),

Concluindo-se assim, de acordo com a factualidade provada não se encontram, manifestamente, reunidos os requisitos cumulativos, para acionar a exclusão de incidência tributária prevista no art.º. 10.º, nº. 5, al. a), do CIRS, não incorrendo a sentença recorrida em erro de julgamento de direito que lhe vem imputado.

Aqui chegados e dispensamo-nos de mais considerações e concluímos que a sentença recorrida não enferma de qualquer erro de julgamento de facto, nem de direito, e nessa medida, o recurso não merece provimento.

4 - DECISÃO

Em face do exposto, acordam, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso jurisdicional e manter a decisão recorrida.

Custas pela Recorrente

Lisboa, 08/05/2019.


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(Hélia Gameiro Silva)

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(Jorge Cortez)

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(Lurdes Toscano)