Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1585/18.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/14/2019
Relator:ANABELA RUSSO
Descritores:GARANTIA
ISENÇÃO
PATRIMONIO SOCIAL
PATRIMÓNIO PESSOAL
ONUS DA PROVA
Sumário:I- Ao Executado que pretende que lhe seja concedida a isenção da prestação de garantia, tendo em vista a sustação da execução fiscal contra si instaurada, apenas cabe formular o pedido de isenção e alegar e provar factos que sejam suficientemente reveladores de que não possui bens suficientes para, através deles, garantir o pagamento da dívida exequenda ou que dessa prestação resultarão para si prejuízos irreparáveis (artigo 170.º do CPPT e 52.º, n.º 4, 1ª parte, da LGT).

II - O indeferimento do referido pedido de isenção, comprovados aqueles pressupostos, só pode ter por fundamento a prova de que a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia da dívida em cobrança é o resultado de uma dissipação de bens promovida pelo (a) Executado (a) com o objectivo de diminuir a garantia dos credores.

III. Não pode subsistir na ordem jurídica um despacho de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia, formulado pela sociedade executada, que tem por fundamento a falta de prova de manifesta falta de meios económicos para a prestar, se, nesse mesmo despacho, a Administração Fiscal reconhece que aquela executada não tem quaisquer bens móveis ou imóveis sujeitos a registo susceptíveis de garantir a dívida exequenda e não logra provar que essa inexistência é o resultado de transacções realizadas pela sociedade executada tendo em vista dissipar o seu património e frustrar a satisfação dos créditos fiscais.

IV – É inócuo, para efeitos de validade do despacho de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia com o fundamento referido em III, a existência de móveis ou imóveis susceptíveis de penhora no património pessoal dos sócios fora do quadro da responsabilidade subsidiária e antes de proferido o despacho de reversão.

V – A conclusão enunciada em IV mantém-se válida mesmo no quadro do instituto de levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva, quer porque não resultou provada factualidade que o permita preencher em qualquer uma das suas vertentes, quer porque, a ter-se comprovado, a questão da isenção da prestação nunca se colocaria no âmbito de uma execução instaurada originariamente contra a sociedade, mas no âmbito de execução directamente instaurada contra os sócios e visando directamente o património destes, o que, nas situações de responsabilidade subsidiária tributária, não pode ocorrer por a lei exigir que a afectação/oneração do património dos sócios só é legitima por via do instituto jurídico-privativo do direito tributário, a reversão, e no quadro de uma execução que primitivamente tenha sido instaurada contra a devedora originária
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I – Relatório

“A......................, Lda.” apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do preceituado no artigo 276.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, a presente reclamação do despacho do Chefe de Finanças de Lisboa que indeferiu o seu requerimento de dispensa de prestação de garantia no âmbito do processo de execução fiscal nº........................... (e apensos n.º ........................... e ...........................).

Na sentença, em que apreciou do mérito da pretensão, ficou decidido pelo Tribunal a quo anular o despacho reclamado.

Inconformada com o julgado, interpôs a Fazenda Pública recurso jurisdicional concluindo, nas alegações que apresentou, nos termos que infra se reproduzem:

«Visa o presente recurso reagir contra a douta Sentença proferida em primeira instância, porquanto a mesma julgou procedente, por provada, a Reclamação da Recorrida, no processo de execução fiscal n.º........................... e apensos n.ºs........................... e ..........................., pendente no Serviço de Finanças de Lisboa …, do despacho do Órgão de Execução Fiscal, de 14 de agosto de 2018, que indeferiu o pedido de dispensa da prestação de garantia para suspensão dos processos, conexa com a suscitação da impugnação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e de Imposto sobre o Valor Acrescentado, de que emergem as dívidas exequendas, e com anulação do referido despacho.

A. O Ilustre Tribunal “a quo” começou, após a circunscrição da matéria que resulta provada, por afirmar que a fundamentação do despacho reclamado inscreve-se num quadro de actividade instrutória praticamente inexistente e de ocorrer um total alheamento do que seja o procedimento.

B. Concluindo, que a decisão do Órgão de Execução Fiscal foi proferida em incidente com instrução a dado passo antes da decisão entendida como lacunosa, que viola os vários preceitos e princípios citados, que é uma decisão, que no pouco apurado, decide de modo contrário e incongruente com o que refere, culminando num juízo irrazoável sobre a demonstração da impossibilidade de prestação de garantia pela Reclamante, ou sobre a sua insuficiência patrimonial para o efeito. Assim, anulando o despacho reclamado.

C. Quanto à matéria de facto dada como provada e não provada, importa começa por aclarar, com o devido respeito, que não se acompanha o elenco da matéria de facto não provada, porque da consulta dos autos, decorre nas folhas 29 e 30 do processo instrutor, que o sócio Daniel, aí melhor identificado, é proprietário de vários imóveis e de automóveis., assim como, decorre da folha 31 do processo instrutor, que o sócio Nuno, aí melhor identificado é também detentor de vários automóveis.

D. Pelo que, ficou provado a existência de património dos sócios da Recorrida, não devendo dar-se como não provado os factos não provados 4), 5), 6), 7).

E. Pelo contrário, entende-se que deveria dar-se como provado esses factos, por serem relevantes para a decisão, e nesse sentido também contrário ao valor que a douta decisão deu a esses factos, como irrelevantes, que infra melhor veremos, para efeitos da possibilidade da prestação de aval.

F. Atento o referido quanto ao elenco da matéria de facto, assim como à apreciação da douta decisão que recaiu sobre essa matéria de facto, que infra melhor veremos, e ainda, acrescido da aplicação do direito, entende-se que a douta decisão incorre, com o devido respeito e salvo melhor entendimento, em erro de julgamento, conforme melhor veremos de seguida.

G. É o requerente, aquele que pretende a dispensa de prestação da garantia, que impende o ónus de provar que se verificam os pressupostos constitutivos do direito à referida dispensa.

H. O procedimento de isenção de garantia previsto no artigo 52.º, referido supra, é regulamentado pelo artigo 170.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) que prevê que o pedido de dispensa da prestação de garantia é formulado na sequência de notificação para prestar garantia, devendo conter as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão.

I. Por seu turno, o nº3 do artº170, do CPPT, aponta no mesmo sentido, ao estabelecer que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária, o que pressupõe que toda a prova relativa aos factos constitutivos da dispensa de garantia deve ser carreada para os autos aquando da apresentação daquele pedido.

J. Ora, pese embora a AT possa incumbir realizar as diligências necessárias ao apuramento da verdade dos factos alegados, ao abrigo dos princípios inovados na douta decisão, tal realidade não exime de todo o requerente do pedido de comprovar o alegado em sede de pedido de dispensa e explicar o seu raciocínio, atento o mencionado regime do ónus da prova.

K. Entende-se que não assistia qualquer dever de convite do Órgão de Execução Fiscal ao requerente, ora Recorrido, para efeitos de aperfeiçoamento do seu requerimento, conforme prescreve a douta decisão, para concluir que a o despacho reclamado oferece-se à crítica por existirem falta de condições para a decisão.

L. Ora, da referida informação subjacente do despacho reclamado, no ponto 5., não decorre essa afirmação, não podendo interpretar-se no sentido preconizado pela douta sentença. O aí aduzido, deve interpretar-se como tendo o escopo de ficar registado que o requerente, ora Recorrido, não juntou o suporte documental que permita aferir o alegado, ou seja, que permita esmiuçar os fundamentos em que assentou o requerimento do pedido dispensa.

M. Nesse sentido, o elenco de documentos aí referidos, devem ser interpretados como meramente exemplificativos, e não como um pressuposto taxativo e condições, como interpreta a douta sentença.

N. A este respeito, e atento ao raciocínio percorrido pela douta sentença, então convêm aclarar que a requerente, ora Recorrida, trata-se de uma pessoa colectiva, com as inerentes obrigações contabilísticas.

O. Assim, a Recorrida, tendo o ónus de instruir com a prova documental necessária o seu pedido, sabia que tinha de juntar os respectivos instrumentos contabilísticos, que comprovassem a sua situação económica-financeira que decorria do seu pedido.

P. Por outro lado, e na tónica do ónus da comprovação documental ser da requerente com o pedido de dispensa, ora Recorrida, encerrando-se assim o momento para esse efeito, com vista a melhor explanar o erro do julgamento da douta decisão quando invoca a falta do convite de aperfeiçoamento para decidir pela falta de condições para a tomada de decisão do despacho, importa alocar a questão sobre a exigência da audição prévia em sede de pedido de dispensa de garantia.

Q. Porque tal como não há lugar à audição prévia no pedido de dispensa de garantia, quando é projectada o seu indeferimento, entendemos que também não deve haver qualquer convite de aperfeiçoamento ao pedido do requerente, designadamente quando se trata da exigência da instrução da prova documental necessária.

R. Como bem refere a douta decisão, o pedido de dispensa de garantia qualifica-se como célere e urgente, de rápida decisão, pelo que essas qualidades não podem ser derrogadas com um convite de aperfeiçoamento de uma exigência que ab initio consitui um pressuposto estrutural desse pedido, especificamente disposto na lei: instrução com a prova documental necessária.

S. Ora, a mais recente jurisprudência da Secção de Contencioso Tributário do STA tem vindo a acentuar, de forma dominante, que não há lugar ao exercício do direito de audiência previamente à decisão do pedido de prestação de garantia, porque a isso obsta a natureza urgente que o legislador atribuiu ao respectivo procedimento – nº 4 do art. 170º do CPPT (cfr. os Acs. do STA de 20/6/2012, rec. nº 625/12, de 9/5/2012, rec. nº 446/12, de 23/5/2012, rec. nº 489/12 e de 23/2/2102, rec. nº 59/12).

T. E, na verdade, a natureza urgente que o legislador atribuiu ao procedimento previsto no art. 170º do CPPT é de configurar como circunstância que, pela sua excepcionalidade e pela incompatibilidade com a duração mínima da audiência de interessados, justifica a preterição daquela formalidade, de acordo com o disposto na al. a) do nº 1 do actual art. 124º do Código de Procedimento Administrativo - doravante, CPA -, aplicável por força da al. c) do art. 2º da LGT, sendo que tal situação de urgência (determinante da não audiência dos interessados) ocorre quando haja de se prosseguir determinada finalidade pública em que o factor tempo se apresente como elemento determinante e constitutivo e seja impossível ou, pelo menos, muito difícil, cumpri-la através da observância dos procedimentos normais.

U. A prescrição de um prazo imperativo tão curto, associado à preocupação do legislador em estabelecer que do pedido devem constar as razões de facto e de direito em que se baseia a pretensão e que o mesmo deve ser instruído com a prova documental pertinente, apontam no sentido de a AT ser chamada a decidir apenas com base nos elementos que lhe forem aportados pelo executado, recaindo sobre ele o ónus de instruir o procedimento com todos os elementos necessários à formação da decisão pela AT.

V. Ou seja, é de concluir que o legislador, tendo em conta a forma como regula os elementos que devem constar do requerimento e o prazo exíguo para a resposta da AT, não quis deliberadamente assegurar o direito de audiência, assim como, notificações de convite a aperfeiçoamento ou de total instrução da prova documental necessária.

W. Cabe ao executado carrear para o procedimento todos os elementos, incluindo provas e demais informações, necessários ao êxito da sua pretensão, incluindo os necessários à demonstração do prejuízo irreparável, concretizando-o e indicando «as razões que o levam a crer que existe uma séria probabilidade de ele poder vir a ocorrer se ele não for dispensado da prestação de garantia» (Cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e comentado, Vol. III, 6ª ed., Áreas Editora, 2011, anotação 4 a) ao art. 170º, p. 232).

X. Por outro lado e de todo o modo, a entender-se que estamos perante mero acto predominantemente processual, também não haverá lugar a direito de audiência prévia, nem de notificação de aperfeiçoamento, já que à formação desse acto processual não se aplicam as regras do procedimento tributário, designadamente a do art. 60º da LGT (cfr. o citado Ac. do STA de 7/3/2012, rec. nº 185/12).

Y. Importa denotar que foi proferido pela Secção do Contencioso Tributário do STA o Ac. Uniformizador de Jurisprudência n.º 5/2012 (proc. 708/12), que uniformiza a jurisprudência nos seguintes termos: Independentemente do entendimento que se subscreva relativamente à natureza jurídica do acto de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia para obter a suspensão do processo de execução fiscal - como acto materialmente administrativo praticado no processo executivo e ou como acto predominantemente processual - é de concluir que não há, nesse caso, lugar ao direito de audiência previsto no artigo 60.º da Lei Geral Tributária

Z. Acresce ainda, a respeito dos sócios gerentes, e atento no requerimento sob apreço ser invocado que os sócios não serem detentores de património susceptível de garantir a execução, importa atentar à curiosidade do alegado, e como bem decorre do despacho de indeferimento, os sócios Daniel ...........................e Nuno ....................................são proprietários de vasto património, conforme aduzido em sede da alteração da matéria de facto, ficou provado que os sócios são detentores de um vasto património.

AA. A relevância do facto dos sócios deterem património suficiente, tem o ímpeto de demonstrar que a sociedade tem a possibilidade de aceder a património, designadamente de terceiros, com vista à prestação de garantia.

BB. Pelo que, jamais se pode aceitar o caminho percorrido no final da douta decisão, que a Recorrida só por artes mágicas conseguia prestar a garantia de 95.000,00€, quando, no limite, e sempre caso assim aceitassem, os sócios podiam prestar os seus bens como aval em nome da sociedade, e em caso de incumprimento da Recorrida, poderiam ser ressarcidos por esta.

CC. Ou seja, o que se pretende aqui é desconstruir o juízo preconizado no final da douta sentença quando à impossibilidade da Recorrida conseguir prestar a garantia, como se fosse um facto “notório” se tratasse.

DD. Como explanado, quer em sede de apreciação da dispensa de garantia, quer em sede de contestação, e agora em sede de recurso, a Recorrida tem a possibilidade aceder à prestação de aval dos sócios para a prestação da respectiva garantia.

Pelo que se peticiona o provimento do presente recurso, revogando-se a decisão ora recorrida, assim se fazendo a devida e acostumada JUSTIÇA!»


Proferido despacho de admissão do recurso e notificada do mesmo a Reclamante (doravante Recorrida), optou esta por não apresentar contra-alegações.

O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, a quem os autos foram apresentados para emissão de parecer, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

Atenta a natureza urgente do processo, submetendo-se, agora, os autos à conferência para decisão, sem vistos prévios dos Exmos. Senhores Desembargadores Adjuntos.

II – Objecto do recurso


Como é sabido, sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o Recorrente remata a sua alegação (aí indicando, de forma sintética, os fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão recorrida) que se determina o âmbito de intervenção do tribunal ad quem.


Assim, e pese embora na falta de especificação no requerimento de interposição se deva entender que este abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente (artigo 635.°, n.°2 do Código de Processo Civil), esse objecto, assim delimitado, pode ser, expressa ou tacitamente, restringido nas conclusões da alegação (n.°3 do mesmo artigo 635.°). Pelo que, todas as questões de mérito que tenham sido objecto de julgamento na sentença recorrida e que não sejam abordadas nas conclusões da alegação do recorrente, mostrando-se objectiva e materialmente excluídas dessas conclusões, devem considerar-se definitivamente decididas e, consequentemente, delas não pode conhecer o Tribunal de recurso.


Acresce que, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo a já mencionada situação de questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto pela Impugnante, importa agora decidir as seguintes questões:
- Errou o Tribunal a quo ao não dar como não provados os factos que integram as alíneas n.ºs 4., 5., 6. e 7., uma vez que resulta, dos documentos de fls. 29, 30 e 31 dos autos, precisamente o oposto do aí plasmado, o que deve ficar consagrado por ser de crucial importância para a boa decisão da causa?

- Da sentença recorrida resulta ter sido realizada uma errada interpretação das normas jurídicas invocadas, em especial no que respeita aos deveres que impendem sobre os requerentes de um pedido de dispensa de garantia, o que determinou que o Meritíssimo Juiz tivesse concluído, mal, pela violação dos deveres de instrução e de fundamentação do despacho que, no caso concreto, recaiu sobre a pretensão do Recorrido?

III – Fundamentação de Facto

3.1. O Tribunal Tributário de Lisboa realizou o seguinte julgamento sobre a matéria de facto (com alteração da identificação da factualidade “não provada” a qual passa a estar submetida por alíneas por forma a ficar mais perceptível a distinção entre os factos provados e os factos não provados a que na apreciação dos erros de julgamento de facto e direito nos reportaremos):

1. Pende no Serviço de Finanças de Lisboa … o processo executivo nº........................... e seus apensos n.os........................... e ..........................., cujas dívidas exequendas, num montante global de €75.772,73, foram determinadas por liquidações adicionais ou oficiosas de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e de Imposto sobre o Valor Acrescentado, referentes aos exercícios de 2013 e de 2014 e que resultaram das conclusões de ação inspetiva de que foi alvo a Executada e ora Reclamante, Apressa o Mostro, Lda., sendo que todas essas dívidas tiveram como termo do respetivo prazo de pagamento voluntário, o dia 19 de fevereiro de 2018.

2. Discordando dos atos de que emergem as dívidas, a Reclamante impugnou- os no dia 18 de abril de 2018, processo a que coube o nº772/18.6BELRS e que atualmente pende neste Tribunal.

3. Paralelamente, depois de saber qual o montante da garantia a prestar na execução [€95.000,00], para a sustar a aguardar o termo da citada impugnação, no dia 6 de junho de 2018 a Reclamante pediu ao Órgão de Execução Fiscal que a dispensasse de prestar garantia nos autos principais.

4. Para o efeito, a Reclamante invocou que dado o montante das dívidas exequendas e, consequentemente, o do valor a garantir, não dispunha de património – nem os sócios – para dar em garantia, juntando para o efeito o balancete do termo do ano de 2017, no qual se evidenciam ativos no valor de €30.000,00.

5. A Reclamante explora um estabelecimento de Wine Bar, constituindo o seu património o respetivo recheio, bem como o stock de mercadorias.

6. Sem outras diligências instrutórias para além do acesso às bases de dados da Administração Tributária, tal pedido de dispensa de prestação de garantia foi indeferido por despacho de 14 de agosto de 2018 do Órgão de Execução Fiscal, com fundamento na seguinte exposição de motivos:

a) embora a Reclamante não seja proprietária de bens móveis ou imóveis sujeitos a Registo, são-no contudo os sócios Daniel ........................... e Nuno ...................................., que têm imóveis e veículos;

b) no balancete do final de 2017 da Reclamante registam-se ativos no valor de €30.000,00;

c) atentos os ónus de prova instituídos, que impendem sobre a Reclamante em função do pedido de dispensa que faz, não demonstra ela que a prestação de garantia lhe cause prejuízo irreparável, nem que se encontre em situação de manifesta falta de bens para a prestar;

d) a documentação que junta não permite aferir o alcance das alegadas dificuldades económicas, o que poderia aferir-se do balanço individual, do balancete geral financeiro e da demonstração individual de resultados por naturezas, indeferindo-se a dispensa, porém, com base em que a Reclamante «não apresentou provas sobre a existência de um prejuízo irreparável pela prestação de garantia ou da manifesta falta de meios económicos para pagamento da dívida exequenda e acrescido, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, nos termos do art.199ºnº3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conjugado com o art.52ºnº4 da Lei Geral Tributária».

7. Notificada a Reclamante de tal decisão a 31 de agosto de 2018, no dia 10 de setembro seguinte apresentou a petição que está na origem dos presentes autos.

Não resultaram provados outros factos relevantes para a decisão, sendo não provados os que com aqueles se revelam incompatíveis e, nomeadamente, com aquela pertinência, não resultou provado:

A. Que um veículo de 2004, matrícula ..-..-.., marca Volkswagen modelo Golf, que a Reclamante terá vendido em outubro de 2014 ao seu gerente haja sido negócio de favor, ou com um preço inferior ao de mercado.

B. Que tal venda mencionada no ponto anterior tenha sido um negócio de má gestão patrimonial ou comercial da Reclamante, ou feito com o intuito de dissipar os seus bens penhoráveis.

C. Que tal venda mencionada no ponto 1. tenha sido um negócio feito com o intuito de a Reclamante se desfazer dos seus bens penhoráveis, dissipando-os.

D. Que um dos sócios da Reclamante tenha 10 imóveis com valor venal, arquitetónico, histórico, etc., que os torne capazes de servirem como garantia.

E. Que esse sócio [além de querer e existirem tais bens] possa dá-los para tal efeito.

F. Que um outro dos sócios da Reclamante tenha 6 veículos passíveis de serem dados em garantia.

G. Que este sócio [além de querer e existirem tais bens] possa dá-los para tal efeito.

Assenta a comprovação dos factos provados nos próprios autos, bem como na consulta da citada impugnação judicial, os quais têm força probatória plena e são, aliás, consensuais, arts. 369º a 371º do Código Civil, ainda art.34ºnº2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

Os factos não provados ficaram a dever esse juízo negativo à absoluta falta de prova sobre eles.».

3.2. Alteração oficiosa à redacção da matéria de facto

Por a factualidade vertida em 6. supra não reproduzir o teor do despacho do objecto de reclamação – antes se traduzindo o aí fixado numa interpretação/resumo que o Meritíssimo Juiz a quo realizou do mesmo – acorda-se, atenta a sua importância na economia da decisão, em alterar a sua redacção, a qual passará a deter a seguinte redacção:

6. A 2 de Julho de 2018 foi prestada nos autos de execução a seguinte “Informação”


O executado A...................... LDA, com o NIF ..................., através do requerimento que deu entrada neste Serviço de Finanças em 06/06/2018 sob o registo nº ......................... solicita isenção da prestação de garantia, relativamente ao processo supra mencionado, com Impugnação Judicial ......................... (Nº Tribunal 772/18.6BELRS), alegando o seguinte:


Do pedido de dispensa de garantia


a) A executada e os sócios não dispõe de património susceptível de garantir o processo executivo.


b) O requerente anexou o balancete da sociedade, a fim de se verificar os seus activos no valor de 30.000,00€.


Dos pressupostos da dispensa de garantia


Nos termos previstos no nº 4 do artigo 52° da LGT, a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.


O pedido de dispensa de garantia, quer se fundamente num pressuposto quer noutro, prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos, deve ser alegado e provado pelo executado, dado tratarem-se de factos constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, nos termos do artigo 74º, nº1 da LGT conjugado com o artigo 342° do Código Civil. Estabelece ainda o nº 3 do artigo 170° do CPPT, aplicável ao caso concreto, que o pedido deve ser instruído com a prova documental necessária.


ANÁLISE DO PEDIDO:


1- Instaurado o PEF ...........................aps em 23/02/2018 no valor de 39.500,25€ - proveniência IVA de 2013/2014


2- O executado alega no seu requerimento que a sociedade e os seus sócios não lhe é possível constituir garantia, conforme anexo do balancete da sociedade, onde os activos são no montante de 30.000,00€ (Balancete Analítico de 31/12/2018).


3- Os elementos constantes no sistema informático da AT permitem-nos verificar que o executado não é proprietário de quaisquer bens imóveis ou móveis sujeitos a registo.


4- Os sócios - Daniel ..........................., Nif ................ e Nuno ...................................., Nif ................, verifica-se no sistema informático que são proprietários de Imóveis e Veículos (doc.anexo).


5- Cabe ao executado demonstrar que a prestação de garantia lhe causa prejuízo irreparável, ou que se verifica a manifesta falta de meios económicos para o pagamento da dívida tributária, nos termos do artº 199 nº 3 do CPPT, o que de facto se verifica, invocando dificuldades económicas, o qual não vem juntar suporte documental que permita aferir o alcance do alegado (Balanço Individual; Balancete Geral Financeiro e Demonstração Individual dos Resultados por Naturezas


6- O artº 52° nº 4 da LGT dispõe que a administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.


À consideração superior o indeferimento de isenção de prestação de garantia.“ (cfr. fls. 32-33 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

3.3. Aditamento oficioso ao probatório

Nos termos e ao abrigo do preceituado no artigo 662.º do Código de Processo Civil, por serem pertinentes para a apreciação da causa e se mostrarem comprovados nos autos, acorda-se em aditar aos factos provados a seguinte factualidade:

8. Sobre a informação referida em 6. supra foi proferido, a 14 de Agosto de 2018, o seguinte despacho:


Face ao exposto, verifica-se que o executado não apresentou provas documentais sobre a existência de um prejuízo irreparável pela prestação da garantia ou da manifesta falta de meios económicos para pagamento da dívida exequenda e acrescido, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, nos termos do artº 199 nº 3 do CPPT, conjugado com o art° 52 nº 4 da LGT.


Assim, sou do entendimento que não deve ser deferido o pedido de isenção de prestação de garantia, apresentado pelo executado, por inaplicabilidade do disposto no artº 52° nº 4 da LGT. (cfr. fls. 33 do processo administrativo apenso cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

9. O requerimento mencionado em 3. supra foi apresentado a 6 de Junho de 2018 e possui o seguinte teor:

A...................... LDA. (….) Executada, nos processos supra identificados, por alegadas dívidas de IVA e IRC dos exercícios de 2013 e 2014, cuja liquidação se encontra impugnada unto do Tribunal Tributário de Lisboa, conforme foi dado conhecimento a esse Serviço de Finanças no passado dia 18 de Abril, solicitou a V. Exa. O montante da garantia a prestar para efeitos de suspensão dos referidos processos.

Atendendo aos montantes em execução e, naturalmente, ao montante da garantia a prestar, não dispõe a sociedade, nem os sócios, de património susceptível de garantir a execução, conforme melhor se alcança do balancete da sociedade, onde podemos verificar que os seus activos são no montante de 30.000,00 euros, pelo que, vem requerer a V. Exa., nos termos do n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária e artigos 170.º e 199.º, n.º 3 do Código de Procedimento e Processo Tributário, a suspensão das execuções com dispensa de prestação de garantia.

JUNTA: Balancete analítico de 31 de Dezembro/2018.” (cfr. documentos de fls. 18 a 25 dos autos administrativos apensos, cujos teores aqui se dão por integralmente reproduzidos).

10. A 13 de Julho de 2018, a Reclamante peticionou junto do Serviço de Finanças de Lisboa … informação sobre o pedido de dispensa formulado, mais adiantando que “a manutenção daqueles processos activos põe em causa a actividade da sociedade, uma vez que não dispondo a mesma de bens susceptíveis de penhora, o único bem penhorável é a conta bancária, e a sua penhora sucessiva, inviabiliza o pagamento de salários, fornecedores, renda, etc.” (cfr. documento de fls. 27 do processo administrativo apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).

IV – Fundamentação de Direito

Deixámos já definidos nos pontos I, II e III do presente acórdão qual a origem da pretensão da então Reclamante (doravante Recorrida), o teor do julgamento de facto e de direito que suporta a decisão e as razões que, no essencial, estão na base do inconformismo da Recorrente com a sentença recorrida.

A forma necessariamente sumária como essa identificação e a delimitação ficaram realizadas é, todavia, manifestamente insuficiente para se alcançarem os efectivos contornos do litígio e para se compreender a sindicância que somos chamados a realizar quanto ao julgamento feito e quanto aos fundamento e sentido do mesmo.

Importa, por isso, efectuar um mais amplo enquadramento, o que fazemos, começando por salientar que da conjugação do que ficou exposto nos já mencionados pontos I, II e III supra com a análise dos autos se conclui que a Recorrida, após ter sido inspeccionada e notificada de liquidações adicionais em sede de IVA e IRC dos anos de 2013 e 2014, cuja legalidade não aceitou, não procedeu ao pagamento do imposto que lhe era exigido, tendo comunicado à Administração Tributária a sua intenção de instaurar Impugnação Judicial, requerendo, outrossim, a fixação do valor da garantia a prestar tendo em vista obter a suspensão dos processos executivos entretanto instaurados.

Como resulta dos factos provados, após lhe ter sido notificado o valor da garantia a prestar, a Recorrida solicitou a isenção dessa prestação, a qual foi indeferida por ter sido que aquela «não apresentou provas sobre a existência de um prejuízo irreparável pela prestação de garantia ou da manifesta falta de meios económicos para pagamento da dívida exequenda e acrescido, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, nos termos do art.199ºnº3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, conjugado com o art.52ºnº4 da Lei Geral Tributária».

Foi este fundamento que o Tribunal Tributário de Lisboa não acolheu, partindo do pressuposto de que “A Reclamante sustenta a Reclamação da decisão do Órgão de Execução, que lhe não dispensou a prestação de garantia, na incongruência da fundamentação de facto e na insuficiência da que é explicitada para a decisão tomada, bem como em erro de direito nela inserta, em função do que decide. Pelo menos é esse o sentido do que alega ao descrever a sua situação, em cotejo com o teor do despacho sob sindicância”.

Sem deixar de reconhecer que “No despacho reclamado há, é certo, uma fundamentação”, conclui de imediato o Tribunal a quo que “ela não é nem coerente nem compreensível para denegar a isenção pedida, mesmo que entendida a partir da estrita perspetiva enviesada da sua economia”.

Se bem interpretamos a sentença recorrida - e atentando apenas ou muito especialmente ao que nesta efectivamente devia constar – o juízo de censura dirigido ao despacho reclamado deve ser apreciado em dois planos.

Por um lado, no entender do Meritíssimo Juiz, a “fundamentação inscreve-se no quadro de uma atividade instrutória praticamente inexistente” reveladora de uma incorrecta interpretação por parte do Órgão de Execução Fiscal do procedimento e do incidente em apreço e do quadro jurídico que os regula (“Ou seja, a questão imediata não surge na fundamentação, mas antes na interpretação implícita que o Órgão de Execução faz do incidente da prestação/dispensa de prestação de garantia, e de como aplica as normas constantes do art. [48º nº1 e] 196º-199º e 170ºn.os1, 3 e 4 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e maxime, na especificidade do regime estabelecido no art.52ºnº4 da Lei Geral Tributária.”), sendo que, adianta também, nem o facto de o presente incidente ter natureza urgente e se desejar célere na tramitação e na decisão, nem o facto de existir um ónus a cargo do requerente de apresentação de prova documental juntamente com o pedido implicam a postergação dos deveres do inquisitório, da colaboração e do contraditório que impendem sobre a Administração Tributária, concluindo que, face aos factos apurados, a Administração Tributária devia ter convidado a Recorrida a aperfeiçoar o seu requerimento – por serem quase inexistentes os factos alegados para sustentar a pretensão – e a juntar a prova documental que entendia como pertinente e que indicou no seu despacho;

Por outro lado, a censura ao despacho reclamado centra-se na interpretação que nele é feita dos pressupostos consagrados no artigo 52.º da Lei Geral Tributária, designadamente por, face aos factos vertidos pela Administração Tributária naquele despacho, não ser compreensível a conclusão a que nele se chegou: “O Tribunal não acede à inteleção do Órgão de Execução Fiscal quando conclui que uma sociedade que não é, senão, um bar, e que detém de seu o recheio e as existências do seu estabelecimento, com ativos de cerca de €30.000,00 no final do ano transato, não demonstra com isso, desde logo, uma manifesta impossibilidade de pagamento/acautelamento de dívidas no montante de mais de €75.500,00, ou uma impossibilidade absoluta de obter um aval de terceiro, tendo um património (?) tal. Igualmente se não acede a perceber por que razão a Reclamante não demonstra, ipso facto, que ainda que por artes mágicas conseguisse alcançar prestar uma garantia de €95.000,00, ela não ficaria nesse mesmo momento não apenas paralisada, mas existente de facto, sem qualquer possibilidade de prosseguimento de atividade! Ora, tal determinaria a sua extinção, ou seja, no caso de uma pessoa coletiva, uma situação que vai além e sobrepuja à saciedade o tal prejuízo irreparável…

Diga-se ainda, a latere, que o Tribunal não acede a compreender a menção que é feita ao património dos sócios, como capaz de servir de garante da dívida exequenda, já que sobre tanto nada nos autos consta nem, desde logo, se enxerga que Reclamante e aqueles sejam como que uma mesma pessoa jurídica, nem qual o relevo de tanto para a questão em apreço.”.

Tudo, pois, para concluir que “não só a decisão do Órgão de Execução Fiscal aqui reclamada foi proferida em incidente com instrução a dado passo antes da decisão entendida como lacunosa, como na verdade viola os vários preceitos e princípios citados, como em si mesma é uma decisão que, no pouco que apurado foi, extrai conclusões e decide de modo contrário e incongruente com o que refere, o que faz sob uma confusão insólita entre provas que cumpre ao impetrante fazer, com conclusões que lhe cumpre extrair dessa prova, culminando num juízo de todo irrazoável sobre a demonstração da impossibilidade de prestação de garantia pela Reclamante, ou sobre a sua insuficiência patrimonial para o efeito.”.

4.2. Efectuado este enquadramento mais alargado, apreciemos agora as questões que, face aos termos em que o recurso jurisdicional nos foi apresentado, julgamos carentes de apreciação: padece a sentença sob recurso de erro sobre o julgamento de facto e sobre o julgamento de direito?

4.2.1. Do erro do julgamento de facto

Segundo a Fazenda Pública o Tribunal a quo esteve mal ao dar como “não provadoQue um dos sócios da Reclamante tenha 10 imóveis com valor venal, arquitetónico, histórico, etc., que os torne capazes de servirem como garantia.” (alínea D.); “Que esse sócio [além de querer e existirem tais bens] possa dá-los para tal efeito; (alínea E); “Que um outro dos sócios da Reclamante tenha 6 veículos passíveis de serem dados em garantia.” (alínea F) e “Que este sócio [além de querer e existirem tais bens] possa dá-los para tal efeito.” (alínea G).

Para sustentar a pretensão de integração daquela factualidade no elenco dos “factos provados” a Recorrente convoca os documentos constantes de fls. 29, 30 e 31 dos autos e a sua pertinência para efeitos de se declarar como não preenchidos os pressupostos de dispensa de garantia previstos no artigo 52.º da Lei Geral Tributária.

Do que vimos expondo resulta, pois, desde logo, que a Recorrente cumpriu com o ónus que sobre si recai e que se mostram imposto no artigo 640.º do Código de Processo Civil: indicou os factos que em seu entender foram incorrectamente julgados e a prova constante dos autos de que, relevada que seja, deve extrair-se o sentido com que efectivamente devem ficar plasmados no probatório.

E, nesta medida, a única questão que se impõe é, pois, a de saber se lhe assiste razão.

Adiantamos, desde já, que a resposta à questão colocada é parcialmente positiva.

Para que bem se compreenda este parcial acolhimento, importa começar por realçar que os factos não provados cujo julgamento se mostra questionado devem ser todos analisados, do ponto de vista factual (olvidamos, por ora, naturalmente, a existência ou não de um especial dever legal nesta matéria que recaia sobre os sócios), em duas vertentes: a vertente objectiva (existem ou não esses bens no património dos sócios) e a vertente subjectiva (estão ou não os mesmos sócios disponíveis para os oferecer em garantia).

No que respeita à vertente subjectiva, é evidente que não existe nada nos autos que nos permita adiantar o que quer que seja sobre esta matéria de facto, o que significa que o Tribunal a quo não podia saber, de forma alguma, se os mencionados sócios, a terem esses bens, estavam disponíveis/autorizavam que os mesmos fossem utilizados para efeitos de garantir a dívida da Executada (devedora originária e, perante o que consta dos autos, até ao momento, única devedora ou responsável de direito), sendo manifesto que não pode ser da singela afirmação, prestada pela Recorrida no requerimento em que formulou o pedido de isenção, de que “não dispõe a sociedade nem os sócios, de património” para esse efeito que se pode extrair, a verificar-se que os bens existem, essa vontade/disponibilidade para os onerar.

Donde, bem andou o Tribunal a quo ao declarar, nessa parte ou vertente, os factos como “não provados”, declaração que equivale, como bem sabemos, à afirmação de que o Tribunal ficou sem saber se aqueles, tendo bens capazes de garantir a dívida, concediam ou não na sua afectação/oneração para efeitos de prestação de garantia.

No que concerne à vertente objectiva a resposta é, porém, positiva, embora em termos bem mais restritos do que o peticionado pela Recorrente.

Efectivamente, como se vê dos documentos que constam de fls. 29, 30 e 31 dos autos, na data em que a Administração Tributária procedeu à análise do pedido e na sequência das diligências realizadas – consulta do seu sistema informático – constatou que em nome dos sócios da Executada se encontravam registados bens imóveis e bens móveis (viaturas).

Daí que, ao declarar como não provados tais factos, na sua vertente objectiva, o Tribunal a quo falhou, impondo-se, independentemente da relevância que, do ponto de vista do julgamento de direito venham a assumir face à solução jurídica que partilhemos nesta matéria, inclui-los nos factos apurados.

Acorda-se, assim, em alterar o julgamento de facto, passando a constar dos factos provados o seguinte:

11. No sistema informático da Administração Tributária encontravam-se, a 15 de Junho de 2018, registados, em nome do sócio gerente da Executada, Daniel ..........................., quatro imoveis, sitos em ................, ................, ................ e ................, bem como um veículo marca BMW, do ano de 1997, e, em nome do sócio Nuno ...................................., registados seis veículos automóveis, marcas D.K.W (1950), Royal Enfield (1963), Volkswagen (1998), Renault (2000), Yamaha (1998) e Volkswagen (2004) – cfr. documentos de fls. 29 a 31 dos autos administrativos apensos, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

4.3. Estabilizada a matéria de facto relevante, apreciemos, agora, do alegado erro de julgamento de direito.

Vimos já quais as razões que conduziram à anulação: partindo do pressupostos de que o fundamento da Reclamação se sustenta na “incongruência da fundamentação de facto e na insuficiência da que é explicitada para a decisão tomada, bem como em erro de direito nela inserta, em função do que decide” o tribunal a quo anulou o despacho reclamado com fundamento em ausência absoluta de instrução do procedimento, revelador de uma conduta violadora dos princípios do inquisitório e da colaboração; incompreensão da decisão de indeferimento face aos factos que ficaram vertidos na própria decisão administrativa e, por fim, por errada interpretação do quadro legal aplicável, muito especialmente do preceituado no artigo 52.º da Lei Geral Tributária.

Adiantamos que, embora discordando parcialmente da fundamentação do julgado, o sentido final da decisão merece o nosso acolhimento.

Na verdade, distintamente do que ficou consignado na sentença sob recurso, para nós a decisão do Chefe de Serviço de Finanças ou, se preferirmos, o raciocínio que a acompanhou é perfeitamente perceptível: o indeferimento do pedido de dispensa da prestação de garantia resultou do facto de o Chefe de Finanças ter entendido que a ora Recorrida não lograra demonstrar, através de documentos, que da prestação da garantia resultava para si um prejuízo grave nem comprovar que existe por parte da Executada uma manifesta falta de meios para a prestar, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis.

Porém, como igualmente não deixa de salientar a sentença recorrida, a conjugação do direito e dos factos que a suportam impõe a sua anulação uma vez que aqueles últimos não permitem sustentar a decisão alcançada.

Efectivamente, como se vê do mesmo despacho (facto dado como provado sob os n.º 7 e 8) para sustentar a sua decisão a Administração Tributária invocou, juridicamente, o preceituado nos artigos 199.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário e n.º 4 do artigo 52.º da Lei Geral Tributária e, factualmente, a matéria que verteu na informação sobre a qual esse despacho foi proferido.

Da fundamentação jurídica invocada resulta que “A administração tributária pode, a requerimento do executado, isentá-lo da prestação de garantia nos casos de a sua prestação lhe causar prejuízo irreparável ou manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, desde que não existam fortes indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens se deveu a atuação dolosa do interessado.” (artigo 52.º, n-º 4 da LGT), sendo que “Se o executado considerar existirem os pressupostos da isenção da prestação de garantia, deverá invocá-los e prová-los na petição.” (n.º 3 do artigo 199.º).

Em suma, com a invocação deste quadro jurídico pretendeu a Administração Tributária, bem, realçar que, estando pendente processo de execução fiscal e sendo exigível garantia, o Executado que pretende sustar a execução tem duas hipóteses: prestar a garantia por qualquer uma das formas previstas na lei ou obter um despacho por parte do órgão de execução fiscal que o isente dessa prestação, sendo que, nesta última hipótese, cabe-lhe não só formular o pedido como provar que essa mesma prestação lhe causará prejuízo irreparável ou que manifestamente não possui bens suficientes para a prestar (artigos citados e, ainda, o preceituado no artigo 170.º do CPPT).

No caso concreto, esse pedido de isenção foi feito e, contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, não padece de deficiência de alegação de facto. Embora sucinto, o requerimento apresentado tem, por referência ao quadro legal que deixámos já definido, o essencial: a Recorrida, notificada do valor exigível a título de garantia, € 95.000,00, alegou que não dispõe, nem os seus sócios, de património susceptível de garantir a execução - o que determina, desde já, que julguemos prejudicada qualquer apreciação sobre uma alegada imposição de um convite ao aperfeiçoamento do requerimento por parte da Administração Fiscal ou mesmo sobre a natureza urgente e célere do procedimento e os reflexos destas características do presente incidente na instrução destes autos ou de outros com a mesma natureza, invocadas, respectivamente, na sentença recorrida e nas alegações de recurso jurisdicional.

Também contrariamente ao que entendeu o Tribunal a quo, entende este Tribunal de recurso que essa prova (do prejuízo irreparável ou que manifestamente não possui bens suficientes para a prestar) foi feita no procedimento através do documento apresentado pela Recorrida – relativamente ao qual, efectivamente, a Recorrente pouco disse mas que não deixou de analisar e confirmar o essencial e que era a existência de activos no final do ano de 2017 no valor de € 30.000,00 - mas, sobretudo, através das diligências instrutórias realizadas pela própria Administração Fiscal, que a conduziram a dar como assente no próprio despacho de indeferimento que “os elementos constantes no sistema informático da AT permitem-nos verificar que o executado não é proprietário de quaisquer bens imóveis ou móveis sujeitos a registo”.


Aliás, lendo o despacho de indeferimento e a posição que a Recorrente assumiu nos articulados juntos a estes autos - muito especialmente o que ficou vertido no ponto 4. do seu despacho (“Os sócios - Daniel .............................., Nif ................ e Nuno ...................................., Nif ................, verifica-se no sistema informático que são proprietários de Imóveis e Veículos), o que conta dos documentos de fls. 29 a 31 (que aditamos ao probatório sob o n.º 11) e as alegações submetidas às alíneas Z) a DD) das alegações de recurso – facilmente se percebe que o que verdadeiramente determinou a decisão de improcedência do requerimento de isenção de prestação de garantia formulado não foi a existência de bens no património da Executada susceptíveis de garantirem a dívida ou uma qualquer ausência de prova quanto a os não possuir, mas, sim, o facto de a Administração Fiscal, na sequência da alegação da Recorrida (no requerimento em que pede a isenção de prestação de garantia) de que os sócios não possuíam bens, ter realizado, bem, ao abrigo do princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT, diligências instrutórias, que lhe permitiram concluir que em nome daqueles se encontravam registados bens imóveis e móveis susceptíveis, em abstracto, de serem oferecidos em garantia.

Acontece porém que, como é sabido, não há qualquer confusão entre o património pessoal dos sócios da sociedade comercial de responsabilidade limitada e o património desta sociedade, sendo que a regra geral do ordenamento jurídico português é a de que os bens que integram o património daqueles primeiros não respondem pelas dívidas daquela segunda (artigos 5.º e 197.º do Código das Sociedades Comerciais para as sociedades por quotas e 271.º para as sociedades anónimas) e, no regime especialmente consagrado no direito tributário, não respondem enquanto não for proferido despacho de reversão que os responsabilize subsidiariamente (artigos 22.º, 23.º e 24.º da Lei Geral Tributária).

Nem se diga que o raciocínio da Administração Tributária é legítimo no quadro do instituto do levantamento ou desconsideração da personalidade colectiva, não só porque não resultou provada factualidade alguma que o permita preencher em qualquer uma das suas vertentes (“o instituto do levantamento da personalidade coletiva, ancorado na boa-fé e nas suas manifestações de tutela da confiança e primazia da materialidade subjacente tem vindo a ser sistematizado e trabalhado, pela doutrina a jurisprudência em três tipos de situações: a confusão de esferas jurídicas, a subcapitalização e o atentado a terceiros e o abuso da personalidade(1)) como o resultado seria, nessa situação, não o indeferimento do requerimento de isenção de prestação de garantia, mas sim a execução directa no património dos sócios que, no caso da responsabilidade subsidiária tributária, apenas nos parece possível de alcançar por via do instituto jurídico-privativo do direito tributário, a reversão no quadro de uma execução primitivamente instaurada contra a devedora originária.

Assim, e sem prejuízo de se deixar consignado que não se provou que os sócios fossem possuidores de “um vasto património” (entendendo-se a transcrita expressão como reportando-se à alegada existência no património daqueles, invocada em sede de contestação, designadamente, de 10 imóveis de elevado valor económico e arquitectónico) não podemos deixar de afirmar que é, pelo que ficou exposto, e salvo o devido respeito, na ausência daquele despacho de reversão, despiciente indagar se os sócios possuem bens e a sua dimensão ou valor por, insiste-se, não serem estes que assumem a qualidade de “Executada” na execução cuja suspensão com isenção de prestação de garantia se pretende obter.

Note-se que o regime de isenção de prestação de garantia consagrado no artigo 52.º n.º 4, da Lei Geral Tributária foi alterado pela Lei de Orçamento de Estado de 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de Dezembro), alterações estas que, salvo o devido respeito, não nos parece que tenham sido devidamente consideradas no despacho reclamado, que o invocou, nem na contestação, nem, por fim, nas alegações de recurso jurisdicional.

É com base nessas alterações de redacção e das razões que lhe estão subjacentes – que se prenderam com o afastamento da prova diabólica do facto negativo e com a clarificação de que o juízo de censura sobre a actuação tem que ser necessariamente de natureza doloso – que se vem firmando o entendimento de que:

- Ao Requerente da isenção apenas incumbe a alegação e prova de um daqueles pressupostos, isto é, do prejuízo irreparável ou da manifesta falta de meios económicos revelada pela insuficiência de bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, tomando-se como referência, no que a este último pressuposto respeita, que o critério legalmente previsto é o da insuficiência dos bens penhoráveis para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, isto é, mesmo que existam bens penhoráveis, se estes forem insuficientes para o pagamento da dívida exequenda, deve julgar-se como preenchido o referido pressuposto legal: Nos termos do artigo 52º nº 4 verifica-se manifesta falta de meios económicos, revelada pela insuficiência de bens penhoráveis, para o pagamento da dívida exequenda e acrescido, se o executado, além de alguns imóveis de pequeno valor, tem uma pensão de montante substancialmente inferior à dívida em execução.”;(2)

- À Administração Tributária passou a caber o ónus de alegar os indícios de que a insuficiência ou inexistência de bens constitui o resultado de uma actuação do Requerente dirigido a uma dissipação ou sonegação de bens tendo em vista defraudar os credores, designadamente o credor Estado/ Administração Tributária.

Neste contexto, e tendo por referência a própria factualidade que o órgão de execução fiscal julgou verificada no despacho de indeferimento do pedido de isenção, especialmente a inexistência de bens imóveis e/ou móveis susceptíveis de penhora no património da Executada e a existência de activos no montante de € 30.000,00, não cremos que possam subsistir dúvidas quanto a ter, como deixámos já expresso, ficado provada a insuficiência de bens penhoráveis, ou seja, um dos pressupostos alternativos legitimadores do deferimento do pedido de isenção formulado.

É, aliás, por assim termos concluído, que carece de qualquer utilidade a apreciação do juízo exteriorizado na sentença recorrida relativamente à imprescindibilidade daqueles activos sociais para o giro comercial, sobre o qual nas alegações e conclusões de recurso nada é dito, o qual apenas seria relevante para efeito do eventual preenchimento do pressuposto de “prejuízo irreparável”.

Por fim, que a actuação dolosa, nos termos supra definidos, igualmente não ficou demonstrada, também não subsistem dúvidas, uma vez que a factualidade invocada pela então Reclamada no sentido de a comprovar, designadamente a alegada realização de transacções comerciais de que terão decorrido transferências de bens da sociedade para o património pessoal de um dos sócios, em prejuízo daquela e tendo em vista defraudar os credores sociais, não resultaram apurados pelo Tribunal. Antes, como se vê dos factos declarados como “não provados”, sobre esses factos incidiu uma particular especificação de julgamento, tendo o Tribunal concluído que essa prova se não realizou.

Em conclusão:

- Ao Executado que pretende ser isento da prestação de garantia tendo em vista a sustação da execução fiscal contra si instaurada apenas cabe formular o pedido de isenção e alegar e provar factos suficientemente reveladores de que não possui bens suficientes para, através deles, garantir o pagamento da dívida exequenda ou que dessa prestação resultarão para si prejuízos irreparáveis (artigo 170.º do CPPT e 52.º, n.º 4, 1ª parte, da LGT).

- O indeferimento do pedido de isenção supra referido, efectuada aquela prova, só pode ter por fundamento a prova de que a manifesta falta de meios económicos para prestar a garantia da dívida em cobrança é o resultado de uma dissipação de bens promovida pelo Executado (integrando-a no seu património pessoal, no caso dos executados-sociedades ou no património de terceiros, onerosa ou gratuitamente) tendo em vista frustrar a satisfação dos seus credores (actuação dolosa);

- Não pode subsistir na ordem jurídica um despacho de indeferimento do pedido de isenção de prestação de garantia com fundamento na falta de prova de manifesta falta de meios económicos para a prestar se nesse mesmo despacho a Administração Fiscal reconhece que “os elementos constantes no sistema informático da AT permitem-nos verificar que o executado não é proprietário de quaisquer bens imóveis ou móveis sujeitos a registo” e não logra provar que essa inexistência é o resultado de transacções realizadas pela sociedade executada tendo em vista dissipar o seu património e frustrar a satisfação dos créditos fiscais,

V - Decisão


Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em julgar improcedente o recurso jurisdicional interposto pela Fazenda Pública, confirmando, com a fundamentação exposta no ponto IV deste acórdão, a decisão recorrida.

Custas pela Fazenda Pública.

Registe e notifique.


Lisboa, 14 de Fevereiro de 2019

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(Anabela Russo)

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(Ana Pinhol)

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(Tânia Meireles da Cunha)


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(1) Menezes Cordeiro, “O Levantamento da Personalidade Colectiva no Direito Civil e Comercial”, Almedina, 2000, pg. 116 e seguintes.
(2) Acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 15 de Novembro de 2017, proferido no processo n.º 1176/17. No mesmo sentido o acórdão da mesma secção e tribunal proferido a 17 de Janeiro de 2018, no processo n.º 1497/17 e da Secção de Contencioso do Tribunal Central Administrativo de 19-9-2017, proferido no processo n.º 576/17.3BESNT. Todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt