Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09901/16
Secção:CT
Data do Acordão:10/13/2016
Relator:BARBARA TAVARES TELES
Descritores:ANULAÇÃO DE VENDA; ERRO NO OBJECTO
Sumário:1. Sendo os anúncios e editais os únicos meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens.
2. O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I. RELATÓRIO
A Fazenda Publica, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a Reclamação de Actos do Órgão de Execução Fiscal que indeferiu o pedido de anulação de venda apresentado por A..., Lda. e realizada no processo nº ...,
veio dela interpor o presente recurso jurisdicional.

A Recorrente termina as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

CONCLUSÕES
I- Vem a reclamante acima identificada por em crise o despacho da Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Lisboa, no uso de subdelegação de competências, proferido em 12-04-2016 que indeferiu o pedido de anulação do procedimento de venda efectuada em 21-10-2014, no âmbito do PEF n.º ..., pedindo a revogação do despacho em causa.
II- Com efeito, o reclamante apresentou em 27.10.2014, no Serviço de Finanças de ... requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de ..., no âmbito do processo de execução fiscal supra identificado e com fundamento em manifesto erro no objeto da venda na modalidade de leilão eletrónico, face ao que supostamente lhe havia sido indicado pelo fiel depositário após pedido de esclarecimento.
III- A sentença proferida pelo Tribunal a quo considera que "a Reclamante demonstrou que só adquiriu a loja por a mesma ter acesso directo pela rua, o que lhe foi transmitido pelo depositário do bem penhorado, e que após a realização da venda constatou que afinal a loja estava inserida num centro comercial, não tenho, assim, qualquer interesse comercial para si, pelo que a situação é susceptível de fundamentar a anulação da venda por consubstanciar erro relevante sobre as qualidades do objecto, nos termos do artigo 257.º, n.º 1, alínea a) do CPPT."
IV- Ora, não nos podemos conformar com tal decisão por ser desconforme com os factos, pois, salvo melhor entendimento, fez, a nosso ver, uma incorrecta interpretação das normas legis e da ratio legis que a fundamentam, uma vez que a fundamentação em erro sobre o objeto da venda motivado pela informação dada pelo fiel depositário, não tem acolhimento legal - art.º 257.º do CPPT.
V- Desde logo porque o erro em causa, não relevará para efeitos de anulação por não se consubstanciar numa divergência entre as qualidades do objeto da venda e o teor dos editais ou anúncios respetivos, de acordo com os elementos essenciais que constam do registo da Conservatória do Registo Predial - portanto não está em causa um erro que seja essencial (logo decidir-se no sentido de que será indiferente para o comprador do bem).
VI- Sobre esta questão, há ainda que ter em conta o previsto no art.º 249.º n.º 5 do CPPT.
VII- Portanto, sendo correta toda a descrição do bem, o que permite a sua necessária identificação - confrontações e restantes elementos, tais como tratar-se de uma loja integrada num piso comercial, os efeitos da venda deverão manter-se na ordem jurídica.
VIII- Ou seja, o regime de anulação da venda feita em processo de execução fiscal consubstancia a anulação em erro sobre o objeto transmitido, por falta de conformidade desse objeto com o anunciado, o que não foi o caso.
IX- Visa-se ainda assim a proteção do comprador e a sua segurança e, ainda, os princípios de certeza e boa-fé que devem nortear os negócios jurídicos, de acordo com a ratio-legis, e, face ao art.º 908.º (actual 838.º) do CPC que expressamente menciona o comprador como aquele que pode pedir a anulação da venda por invalidade, face à desconformidade entre o objeto da venda e o representado pela adjudicatária.
X- Essas expectativas que a compradora poderia ter na utilização da loja pelo simples facto de ter saída para a rua ou contrariamente, apenas para o interior de um centro comercial, não podem vingar por ser uma loja descrita como situada num piso comercial.
XI- Consequentemente, tal pretensão não pode fundamentar a existência de um qualquer vício da vontade.
XII- Por outro lado, qualquer "responsabilidade" será ainda imputável à executada na medida em que, salvo o devido respeito, o gerente da mesma não agiu com suficiente diligência ainda que por intermédio da mesma, como nos parece estar suficientemente verificado nos autos.
XIII- Assim, como já dissemos, o regime de anulação da venda em processo tributário encontra-se previsto no art257.º, do C. P. P. T., preceito que deve ser conjugado com os art.ºs. 908e 909.º, do C. P. C., onde se encontram enunciadas as causas de anulação.
XIV- Como sublinha Jorge Lopes de Sousa, in CPPT anotado e comentado , vol. li, pág. 582, o erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios .
XV- Ora o objecto transmitido, destinado a comércio , tem as características que foram anunciadas no edital, não havendo, por isso, fundamento para a anulação da venda , com base em erro sobre as qualidades do objecto transmitido por desconformidade com o que foi anunciado.
XVI- Portanto, sendo correcta a descrição do bem - "confrontações" e restantes elementos que sendo essenciais figuram do registo predial, não se verificará erro sobre o objeto.
XVII- Assim, salvo melhor entendimento, a douta sentença proferida pela Mmª. Juiz a quo fez, a nosso ver, relativamente às questões aqui tratadas , uma incorrecta interpretação das normas legis e da ratio legis que as fundamentam , violando o disposto nos termos do art257.º, n.01, ai. a), do C.P.P.T.
Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deverá o presente recurso ser julgado procedente anulando-se a recorrida decisão em apreço, com as legais consequências , assim se fazendo a costumada JUSTIÇA.”

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A Recorrida apresentou contra-alegações com as conclusões constantes dos autos.
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Neste Tribunal Central Administrativo, a Digna Magistrada do Ministério Público pronunciou-se emitiu douto parecer no sentido da improcedência do presente recurso (cf. fls. 189 a 192 dos autos).
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Foram dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo (cf. artigo 707º, nº 4 do Código de Processo Civil (CPC) e artigo 278º, nº 5 do Código do Processo e do Procedimento Tributário (CPPT).
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Objecto do recurso - Questão a apreciar e decidir:
Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.
A questão suscitada pelo Recorrente e delimitada pelas alegações de recurso e respectivas conclusões é a de saber se a sentença a quo errou ao considerar ilegal o despacho de indeferimento do pedido de anulação de venda.
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II. FUNDAMENTAÇÃO
II. 1. Da Matéria de Facto
A sentença recorrida deu como assente a seguinte matéria de facto:
1) No processo de execução n.º ..., em que é executada L..., Lda., foi penhorada a loja, n.º 8, situada no r/ch – 4.º piso da Rua ..., n.ºs 5, 5A e 5B, inscrita na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o art.º 1764, fracção AS e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 75/19861028-AS (cfr. processo apenso);
2) No edital publicado dava-se conta da venda e identifica-se o bem da seguinte forma: «Loja com o n.º 8, com 300m2, situada no r/c (2.º piso comercial) – 4.º piso da Rua ..., n.ºs 5, 5A e 5B, inscrita na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o art.º 1764, fracção AS, como valor patrimonial de 334.310,00€ e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 75/19861028 . Não possui licença de utilização. De acordo com o relatório do perito avaliador, tem ligação ilegal a outra fracção .» (cfr. fls. 21 do processo de apenso);
3. A loja n.º 8, melhor identificada no número anterior, está inserida num centro comercial e não tem acesso directo pela rua (cfr. fls. 89 a 94);
4. Em data concretamente não apurada, mas anterior à venda da loja n.º 8, através de contacto telefónico, da iniciativa do gerente da Reclamante, J..., o depositário, V... informou aquele que a loja n.º 8 tinha acesso directo pela rua (cfr. depoimentos de parte e da testemunha);
5. Para a reclamante era essencial que a loja tivesse acesso directo pela rua e licença de utilização (cfr. depoimentos de parte e da testemunha);
6. A venda do bem penhorado foi realizada no dia 21/10/2014, por meio de venda em leilão electrónico, tenho sido adjudicado a A..., Lda., por ter apresentado a proposta mais elevada (fls. 88 dos presentes autos e 42 do processo apenso);
7. O gerente da Reclamante, J..., só tomou conhecimento de que o acesso à loja n.º 8 se fazia pelo interior do centro comercial depois da realização da venda (cdr. depoimento de parte e depoimento da testemunha);
8. Em 27/10/2014, a Reclamante através do requerimento de fls. 18, endereçado ao Chefe do Serviço de Finanças de ..., requereu a anulação da venda por erro no objecto da venda;
9. Por despacho do chefe do serviço de finanças de 06/11/2014, foi indeferido o pedido de anulação da venda, o qual veio a ser anulado por sentença proferida em 02/06/2015, no âmbito do processo n.º …/15.4BELRS do Tribunal Tributário de ..., confirmada por acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 10/9/2015, processo n.º …/15 (cfr. fls. 56 a 61 e 88 a 130 do processo apenso);
10. Em 12/04/2016 foi proferido despacho pela chefe de Divisão da Direcção de Finanças de ..., no uso de subdelegação de competências, a indeferir o pedido de anulação do procedimento de venda, que aqui se dá por integralmente reproduzido, notificado à Reclamante através do ofício n.º 2315, de 14/04/2016 8cfr. fls. 11 a 17 dos presentes autos);
11. A presente reclamação deu entrada no Serviço de Finanças em 28/04/2016 (cfr. carimbo aposto a fls. 2 dos autos).

Factos não Provados
Não se provaram outros factos com interesse para a decisão da causa.

Motivação
O Tribunal formou a sua convicção com base nos documentos indicados relativamente a cada um dos factos, os quais não foram impugnados e nos depoimentos de parte e de testemunha, que revelaram conhecimento directo sobre os factos relativos à compra da loja n.º 8 e forma de acesso à mesma, sendo o gerente J..., quem estabeleceu o contacto telefónico com o depositário, em data anterior à venda, depondo com credibilidade.”
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Ao abrigo do disposto no artigo 662º, nº 1, do CPC, aditam-se ao probatório os seguintes factos, os quais resultam provados por documentos juntos aos autos:
12. No Acórdão referido em 9), proferido neste TCA- Sul em 10/09/2015, no processo nº /15, foi decidido o seguinte:
“No requerimento apresentado pelo ora Recorrido foi formulado um pedido de anulação de venda, e nessa medida é competente para o conhecimento do mesmo o órgão periférico regional da Administração Tributária (art. 257.º, nº 4 do CPPT). A sentença que assim decidiu, não merece qualquer censura.
Ora, estando em causa aferir se estamos ou não perante uma anulação de venda importa tão-somente atender ao pedido formulado (interpretando-o se necessário), e não às causas de pedir, pois é em função daquele que se afere a pretensão do requerente.
(…)
Portanto, e em suma, saber se o erro sobre o objecto da venda (informação incorrecta dada pelo fiel depositário) que foi invocado pelo Recorrido no seu requerimento tem, ou não, acolhimento legal, e se viola o disposto no art. 257.º do CPPT, n.º 1, alínea a), implica uma apreciação do mérito do requerimento que apenas pode ser efectuado pelo órgão competente para o fazer, pelo que é manifesto que improcedem as conclusões (…)”, , cf. publicação em www.dgsi.pt
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Estabilizada a matéria de facto, avancemos para as questões que nos vêm colocadas.
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II.2. Do Direito
A aqui Recorrente identificou como acto reclamado o despacho de indeferimento dum pedido de anulação de venda proferido pela chefe da Divisão da Direcção de Finanças de ..., no uso de subdelegação de competências identificado no ponto 10 do probatório e de fls. 11 a 17 dos autos.
Perante tal reclamação a sentença apresentou o seguinte discurso argumentativo:
“Dos elementos apurados nestes autos resulta que foi anunciada a venda da loja n.º 8, que do Edital não consta qualquer informação sobre a forma de acesso à loja, que a loja não tem acesso directo pela rua e que o depositário informou o gerente da Reclamante, em data anterior à venda, de que a loja tinha acesso directo pela rua, a qual foi adjudicada à requerente, sendo que para a Reclamante era essencial que a loja tivesse acesso directa para a rua (cfr. pontos n.ºs 2, 3, 4), 5) e 7) da matéria de facto dada como assente).
Daqui resulta, que não existe divergência entre a qualidade do bem e o teor dos editais, uma vez que os editais são omissos sobre a forma de acesso à loja.
Ora, não se suscitam dúvidas que ao comprador competia diligenciar no sentido de se informar sobre as qualidades do bem e se este tinha ou não acesso directo pela rua, elemento, para si essencial, do objecto da venda, o que in casu, a requerente logrou demonstrar ter feito.
Com efeito, a Reclamante demonstrou que só adquiriu a loja por a mesma ter acesso directo pela rua, o que lhe foi transmitido pelo depositário do bem penhorado, e que após a realização da venda constatou que afinal a loja estava inserida num centro comercial, não tenho, assim, qualquer interesse comercial para si, pelo que a situação é susceptível de fundamentar a anulação da venda por consubstanciar erro relevante sobre as qualidades do objecto, nos termos do artigo 257.º, n.º 1, alínea a) do CPPT.”

Vem agora a Fazenda Publica, nesta sede recursiva alegar e concluir, em síntese, que (…) porque o erro em causa, não relevará para efeitos de anulação por não se consubstanciar numa divergência entre as qualidades do objeto da venda e o teor dos editais ou anúncios respetivos, de acordo com os elementos essenciais que constam do registo da Conservatória do Registo Predial - portanto não está em causa um erro que seja essencial (logo decidir-se no sentido de que será indiferente para o comprador do bem).Sobre esta questão, há ainda que ter em conta o previsto no art.º 249.º n.º 5 do CPPT. Portanto, sendo correta toda a descrição do bem, o que permite a sua necessária identificação - confrontações e restantes elementos, tais como tratar-se de uma loja integrada num piso comercial, os efeitos da venda deverão manter-se na ordem jurídica.

Vejamos, começando por analisar as normas aplicáveis,
“Artigo 249º
Publicidade da venda
1 - Determinada a venda, procede-se à respectiva publicitação, mediante divulgação através da Internet.
2 - O disposto no número anterior não prejudica que, por iniciativa do órgão da execução fiscal ou por sugestão dos interessados na venda, sejam utilizados outros meios de divulgação.
3 - (Revogado.)
4 - (Revogado.)
5 - Em todos os meios de publicitação da venda incluem-se, por forma que permita a sua fácil compreensão, as seguintes indicações:
a) Designação do órgão por onde corre o processo;
b) Nome ou firma do executado;
c) Identificação sumária dos bens;
d) Local, prazo e horas em que os bens podem ser examinados;
e) Valor base da venda;
f) Designação e endereço do órgão a quem devem ser entregues ou enviadas as propostas;
g) Data e hora limites para recepção das propostas;
h) Data, hora e local de abertura das propostas.
i) Qualquer condição prevista em lei especial para a aquisição, detenção ou comercialização dos bens.
6 - Os bens devem estar patentes no local indicado, pelo menos até ao dia e hora limites para recepção das propostas, sendo o depositário obrigado a mostrá-los a quem pretenda examiná-los, durante as horas fixadas nos meios de publicitação da venda. “
7 - Os titulares do direito de preferência na alienação dos bens são notificados do dia e hora da entrega dos bens ao proponente, para poderem exercer o seu direito no acto da adjudicação.
8 - A publicitação através da Internet faz-se nos termos definidos em portaria do Ministro das Finanças.

Artigo 257º do CPPT,
Anulação da venda
1 - A anulação da venda só poderá ser requerida dentro dos prazos seguintes:
a) De 90 dias, no caso de a anulação se fundar na existência de algum ónus real que não tenha sido tomado em consideração e não haja caducado ou em erro sobre o objecto transmitido ou sobre as qualidades por falta de conformidade com o que foi anunciado;
b) De 30 dias, quando for invocado fundamento de oposição à execução que o executado não tenha podido apresentar no prazo da alínea a) do n.º 1 do artigo 203.º;
c) De 15 dias, nos restantes casos previstos no Código de Processo Civil.
2 - O prazo contar-se-á da data da venda ou da que o requerente tome conhecimento do facto que servir de fundamento à anulação, competindo-lhe provar a data desse conhecimento, ou do trânsito em julgado da acção referida no n.º 3.
3 - Se o motivo da anulação da venda couber nos fundamentos da oposição à execução, a anulação depende do reconhecimento do respectivo direito nos termos do presente Código, suspendendo-se o prazo referido na alínea c) do n.º 1 no período entre a acção e a decisão.
4 - O pedido de anulação da venda deve ser dirigido ao órgão periférico regional da administração tributária que, no prazo máximo de 45 dias, pode deferir ou indeferir o pedido, ouvidos todos os interessados na venda, no prazo previsto no artigo 60.º da lei geral tributária.
5 - Decorrido o prazo previsto no número anterior sem qualquer decisão expressa, o pedido de anulação da venda é considerado indeferido.
6 - Havendo decisão expressa, deve esta ser notificada a todos os interessados no prazo de 10 dias.
7 - Da decisão, expressa ou tácita, sobre o pedido de anulação da venda cabe reclamação nos termos do artigo 276.º.
8 - A anulação da venda não prejudica os direitos que possam assistir ao adquirente em virtude da aplicação das normas sobre enriquecimento sem causa.”

No caso vertente não é controvertido que no teor dos editais e dos anúncios de publicitação de venda não há referência à forma como é feito o acesso à loja, conforme resulta dos factos, logo o que importa aferir é se tais informações tinham de constar nos mesmos, e em caso afirmativo, se tal determina a anulação da venda por erro sobre o objecto transmitido.
No entanto, a Recorrida alega em sede de reclamação que tal foi determinante para a sua decisão de apresentar proposta de compra foi o facto de ter sido informado que o bem imóvel em causa ter saída directa para a rua. E conforme resulta do probatório, a saber alínea 4 do probatório.
Segundo Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado e Comentado, vol IV, 6ª Ed., Áreas Editora, ..., 2011, pp. 121 e 122 ,
"... [S]endo os anúncios e editais aqui referidos os únicos meios previstos para proporcionar aos potenciais compradores informação sobre as características do bem a vender, deverá entender-se que daqueles deverá constar toda a informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. Trata-se de um exigência manifestamente imposta pelas regras da boa fé que deve caracterizar a generalidade das relações contratuais (art . 227.°, n.° l, do Código Civil) e toda a actividade da administração pública (arts. 266.°, n.° 2, da CRP). (...)
O erro sobre as qualidades que releva para efeitos de anulação (...) tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios. (...), em qualquer destes casos de erro, para justificar a anulação não será necessário que o erro seja essencial, bastando o mero erro incidental (se não fosse o erro, a compra não teria sido efectuada pelo preço que foi) e será indiferente que o comprador tenha culpa na ocorrência do erro", podendo esta, no entanto, relevar a nível da indemnização prevista no artigo 908.° do CPC.”

Do anúncio aqui em análise consta o seguinte:
“Loja com o n.º 8, com 300m2, situada no r/c (2.º piso comercial) – 4.º piso da Rua ..., n.ºs 5, 5A e 5B, inscrita na matriz predial da freguesia de ..., concelho de ..., sob o art.º 1764, fracção AS, como valor patrimonial de 334.310,00€ e descrita na Conservatória do Registo Predial sob o nº 75/19861028.
Não possui licença de utilização. De acordo com o relatório do perito avaliador, tem ligação ilegal a outra fracção.”

O anúncio identifica o imóvel e contem informação relevante para formação da vontade do comprador que não seja possível obter através do exame dos próprios bens. No entanto, fácil é concluir que saber se a loja tem ou não acesso directo pela rua é uma característica que o comprador pode saber através da ida ao local e por esse facto não seria necessário estar no edital.

Ora, para existir erro no objecto que releva para efeitos de anulação tem de se consubstanciar em divergência entre as qualidades do objecto e o teor dos editais ou anúncios, o que não é o caso pois o edital não disse, nem tinha de dizer, qual o acesso á loja.
Por um lado o acesso á loja é uma questão á vista através de exame ao local do imóvel e por outro tratando-se a loja dentro de um centro comercial, e não uma loja de rua, seria mais provável que o seu acesso se fizesse pelo interior do mesmo. Além do mais consta do edital o seguinte: “2.º piso comercial”, o que levaria qualquer um a concluir que a loja estando no 2º piso não terá acesso à rua.
Acresce que o facto do fiel depositário ter induzido a Recorrida em erro não é suficiente para determinar a anulação da venda.
Face a tudo o que vem dito, procedem as alegações de recurso.

III. DECISÃO
Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso e revogar a decisão recorrida, mantendo o despacho reclamado
Custas pela Recorrida.
Lisboa , 13 de Outubro de 2016.

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(Barbara Tavares Teles)



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(Pereira Gameiro)



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(Anabela Russo)