Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2767/13.7 BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:04/27/2023
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores:PENA DISCIPLINAR;
PRESCRIÇÃO
Sumário:I – Na PSP, têm competência disciplinar para a aplicação da pena de suspensão até 30 dias, nomeadamente, o Comandante de divisão, o comandante de comando de área ou equiparado, o superintendente-geral, o comandante geral e o 2.º comandante-geral e o Ministro da Administração Interna (artigo 18.º do RDPSP e Anexo B – Escalões de competência disciplinar).
Tendo sido dado conhecimento das alegadas infrações ao Comandante de Esquadra em 27/10/2010, enquanto superior hierárquico do Autor, poderia este ter determinado a instauração do processo disciplinar (artigo 16.º e quadro anexo ao RDPSP), pelo que não o tendo feito, tal configura-se como sendo este o termo a quo do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar (artigo 55.º, n.º 3 do RDPSP) (…)”.
Efetivamente, e como se referia no Artº 55º então aplicável do RD/PSP
(…) 3 - A responsabilidade prescreve também se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses.
4 - A prescrição considera-se interrompida pela prática de ato instrutório com incidência na marcha do processo e pela notificação da acusação ao arguido.
5 - Suspende o decurso do prazo prescricional a instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra funcionário ou agente, venham a apurar-se infrações por que seja responsável.
II – O exercício concreto dessa competência por uma das entidades disciplinarmente competentes, impede ou preclude o exercício da competência do outro.
Da mesma maneira, se, tendo podido exercê-la, a não exerceu um deles, pode o segundo fazê-lo posteriormente. De qualquer maneira, o que conta para efeito do prazo prescricional, designadamente o de três meses para a instauração do procedimento disciplinar, é a data do conhecimento dos factos pelo primeiro dos órgãos que, tendo embora podido acionar a sua competência, o não fez.
III- O prazo de prescrição iniciou-se a partir do momento em que o Comandante teve conhecimento da falta cometida, sendo que o correspondente Processo de Averiguações apenas foi instaurado quando já tinham decorrido 51 dias do prazo de prescrição, o que determinou a sua suspensão, que retomou a sua contagem “com o termo do processo de averiguações, com o despacho de arquivamento, tendo-se, assim, verificado a prescrição em 04/04/2011.
Atenta a circunstância do Ministro da Administração Interna ter proferido despacho a determinar a instauração de processo disciplinar em 10/01/2012, está bem de ver que se havia há muito já consolidado a prescrição, pelo decurso do prazo de três meses previsto no artigo 55.º, n.º 5 do RDPSP para instaurar o procedimento disciplinar.
IV- A prescrição verificada assume a natureza de prazo de caducidade do exercício do direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Ministério da Administração Interna, no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada por B......, tendente à revogação da decisão de aplicação da pena disciplinar de suspensão e o arquivamento do processo disciplinar, inconformado com a Sentença proferida em 28 de maio de 2018, que julgou a presente ação procedente, por provada, e, em consequência, anulou o ato administrativo de aplicação da pena de 30 dias de suspensão, por se considerar verificada a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, veio interpor recurso jurisdicional da referida decisão, proferida em primeira instância no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada.
Formula o aqui Recorrente/MAI nas suas alegações de recurso, apresentadas em 3 de julho de 2018, as seguintes conclusões:
“I. A douta sentença impugnada incorreu em erro de direito sobre a interpretação do artigo 55º, nº 5, do RD/PSP, por ter interpretado erradamente as normas dos artigos 104º a 113º do RD/PSP;
II. Desse modo, incorreu igualmente em erro de direito sobre a interpretação do artigo 55º, nº 3, do mesmo RD/PSP;
III. A douta sentença incorreu em erro de facto quando misturou os planos em que decorreu a organização do processo de averiguações e do processo de inquérito: o primeiro foi organizado pelo Núcleo de Deontologia e Disciplina do Comando Metropolitano de Lisboa e foi decidido pelo Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa; o segundo foi proposto pela IGAI, foi instruído pela IGAI e foi decidido pelo Ministro da Administração Interna;
IV. A douta sentença incorreu em erro quando afirmou que “o processo de averiguações visou a recolha de elementos necessários à qualificação de eventuais faltas, pelo que findo este processo ficou o dirigente máximo na posse dos elementos necessários que o habilitam a concluir se estes constituem ou não faltas disciplinares”. De facto,
V. No termo do processo de averiguações havia, da parte da PSP, a ideia de que não ocorrera qualquer conduta censurável, ao passo que, nesse momento, a IGAI e o Ministro da Administração Interna entendiam que se impunha apurar uma “atuação suscetível de envolver responsabilidade disciplinar” do ora Recorrido;
VI. Por outro lado, a leitura do artigo 18º, nº 2, do RD/PSP esclarece sobre quem é o dirigente máximo da Corporação;
VII. A douta sentença, ao considerar inadmissível a instauração do processo de inquérito, não só violou a norma do artigo 107º, nº 1, do RD/PSP, como pretendeu substituir-se ao Ministro da Administração Interna na decisão sobre o que este deveria ter feito e quando – ao invés, de apurar se o membro do Governo atuara em conformidade ou em desconformidade com a lei.
Termos em que, nos melhores de direito e com o mui douto suprimento de vossas excelências, deve o presente recurso ser julgado improcedente (SIC), o que se pede por ser de justiça!

O aqui Recorrido não veio a apresentar contra-alegações de Recurso.
O Recurso Jurisdicional apresentado veio a ser admitido por Despacho de 11 de julho de 2018.
O Ministério Público junto deste Tribunal, notificado em 22 de outubro de 2018, veio a emitir Parecer em 5 de novembro de 2018, no qual, a final, se pronuncia no sentido da improcedência do presente recurso.
Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente/MAI, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando revisitar as questões conexas com o regime de prescrição constante do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pela Lei nº7/90, de 20 Fevereiro, mais se impondo verificar se se terá verificado erro na apreciação de facto e de direito relativo aos factos dados como provados.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“A) O Autor é chefe da PSP, titular do bilhete de identidade policial n.º 1…, do efetivo da 1...ª Esquadra (O..) da ...ª Divisão do Comando Metropolitano de Lisboa, da PSP (COMELTIS) (cfr. documento n.º 2 junto com a PI a fls. 30 a 110 dos autos);
B) O Autor tem a função de supervisor operacional desde Dezembro de 2010 (cfr. documento n.º 2 junto com a PI a fls. 30 a 110 dos autos);
C) O Autor tem informação de serviço do superior hierárquico de Muito Bom nos anos de 2011 e 2012, com louvores averbados (cfr. documento n.º 3 junto com a PI a fls. 30 a 110 dos autos);
D) Em 27/10/2010, foi apresentada uma reclamação na 1...ª Esquadra (O.), no âmbito da ocorrência que deu origem ao NUIPC 4…/2010, de cujo teor resulta o seguinte:
«”são novos não pensam”, “não têm educação nenhuma” e detendo-os na esquadra durante várias horas, sendo que os dois militantes que à data tinham 15 anos tiveram que aguardar que os pais os fossem buscar.
Tal comportamento é abusivo e atentatório dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, não podendo os agentes da PSP, que estão ao serviço das pessoas para a sua proteção e garantia do exercício de direitos, intimidar, como fizeram, identificar sem qualquer suspeita (apenas desconhecimento grosseiro da legislação) e proceder a atos vexatórios que se assemelham a práticas que julgávamos extintas num Estado de Direito Democrático. (…)» (cfr. fls. 121 a 122 do PA);
E) Em 28/10/2010, o Autor lavrou a informação de serviço relativa ao NPP 4…./2010, na qual consta, nomeadamente, o seguinte:
«(…)
Em virtude dos visados serem suspeitos da prática de facto qualificado pela lei como crime (relativamente aos menores), de se encontrarem em instalações policiais e no sentido de salvaguardar a segurança deles, dos OPC’s e de terceiros, foi efetuada uma revista minuciosa a todos os intervenientes, como medida cautelar de polícia, garantindo sempre a sua dignidade pessoal e pudor dos visados.
Para efetivar esta medida e visto se encontrarem suspeitos do sexo feminino de cada uma, individualmente e em local próprio, revistadas uma agente de sexo feminino, numa zona reservada e longe de olhares de curiosos e terceiros.
Durante o exame nunca estiveram presentes pessoas de sexo oposto ao da(s) visada(s).
Em nenhum momento os(as) suspeitos(as) foram insultados(as), vexados(as) ou de alguma forma humilhados(as) na sua pessoa, crenças ou ideologias políticas.
Atesto que a intervenção de todos os elementos policiais envolvidos foi efetuado de forma educada e profissional, dentro das normas exigíveis para qualquer agente policial. (…)» (cfr. documento n.º 6 a fls. 30 a 110 dos autos);
F) Em 28/10/2010, o Comandante da 1...ª Esquadra (O.) lavrou a informação n.º 96/2010, com o assunto «Reclamação Livro Amarelo da 1..ª Esquadra, página n.ºs 12 e 13, livro n.º 838», na qual se pronuncia sobre esta reclamação, concluindo que «…julgo não haver necessidade de procedimento disciplinar para com os elementos policiais envolvidos, uma vez que os mesmos denotaram competência e profissionalismo nas ações tomadas» (cfr. documento n.º 16 de fls. 30 a 110 dos autos);
G) Em 09/11/2010, foi dirigida ao Inspetor-Geral da Administração Interna uma exposição por I......e A...... quanto à identificação, detenção e revista ilegais da filha menor de 15 anos (cfr. fls. 5 a 9 do PA);
H) Em 11/11/2010, o Diretor Nacional da PSP remeteu ao Comandante do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa, por ofício n.º 1151/INSP/2010, a exposição identificada na alínea anterior (cfr. fls. 216 do PA);
I) Em 16/12/2010, o Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa proferiu despacho a determinar a instauração de processo de averiguações (cfr. fls. 132 do PA);
J) Em 17/12/2010, teve início o processo de averiguações NUP 2010LSB00528AVE (cfr. documento n.º 18 junto com a PI a fls. 111 a 159 dos autos e fls. 132 a 290 do PA);
K) Em 26/01/2011, o Ministro da Administração Interna determinou a abertura de processo de inquérito, ao qual foi atribuído o n.º 8/2011 (cfr. fls. 29 e 30 do PA);
L) Em 01/02/2011, foi elaborado o relatório final no processo de averiguações NUP 2010LSB00528AVE, no qual se propôs o arquivamento dos autos sem qualquer procedimento (cfr. documento n.º 18 junto com a PI e fls. 285 a 290 do PA);
M) Em 22/01/2011, o Comandante do Comando Metropolitano de Lisboa proferiu despacho de concordância com o teor do relatório identificado na alínea anterior (cfr. fls. 285 do PA);
N) Em 29/12/2011, foi elaborado o relatório final no processo de inquérito PND 8/2011, no qual se propôs a instauração de um processo disciplinar ao Autor (cfr. fls. 445 a 454do PA);
O) Em 10/01/2012, o Ministro da Administração Interna proferiu despacho de concordância com o relatório melhor identificado na alínea anterior e determinou a instauração de processo disciplinar contra o Autor, que deu origem ao processo n.º 8/2012 (cfr. fls. 466 do PA);
P) Em 14/02/2012, o Autor tomou conhecimento da instauração do processo disciplinar e foi constituído arguido no mesmo (cfr. fls. 495 e 496 do PA);
Q) Em 17/02/2012, o Comandante da 1...ª Esquadra (O.) lavrou a informação n.º 17/2012, de cujo teor se extrai que o Autor «… pelo seu carácter e pelo exposto, é merecedor de beneficiar da circunstância atenuante da alínea h), do n.º 1 do art. 52º do Regulamento Disciplinar da PSP» (cfr. fls. 30 a 110 dos autos);
R) Em 15/05/2012, foi nomeado novo instrutor do processo disciplinar (cfr fls. 506 do PA);
S) Em 26/07/2012, foi deduzida acusação contra o Autor, na qual lhe foi imputada a prática de uma infração disciplinar por violação dos deveres funcionais de zelo, de correção e aprumo, sendo suscetível de caber à mesma, no máximo, a pena de suspensão (cfr. documento n.º 9 junto com a PI a fls. 30 a 110 dos autos e fls. 572 a 574 do PA);
T) Em 16/10/2012, o Autor apresentou, através do seu Ilustre Mandatário, defesa escrita, tendo arrolado testemunhas (cfr. documento n.º 10 junto com a PI a fls. 30 a 110 dos autos e fls. 596 a 612 do PA);
U) Em 11/02/2013, foi elaborado o relatório final no âmbito do processo disciplinar n.º 8/2012, de cujo teor se extrai o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC).
(cfr. fls. 30 a 110 dos autos e fls. 699 a 713 dos autos);
V) Em 11/02/2013, o Subinspetor-Geral da Administração Interna proferiu pronunciou-se pela aplicação da pena disciplinar de 30 dias de suspensão, o que fez, nomeadamente, com os seguintes fundamentos:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr. fls. 30 a 110 dos autos e fls. 714 a 718 do PA);
W) Em 11/02/2013, a Subinspetora-Geral da Administração Interna propôs a aplicação da pena de suspensão (simples) pelo período de 30 dias
(cfr. fls. 719 a 723 dos autos);
X) Em 21/02/2013, o Ministro da Administração Interna lavrou despacho de concordância com o teor do relatório final e despachos referidos nas alíneas U) a W) supra e aplicou ao Autor a pena disciplinar de suspensão simples pelo período de 30 dias (cfr. fls. 30 a 110 dos autos e fls. 726 do PA);
Y) Em 18/06/2013, o Autor tomou conhecimento do despacho do Ministro da Administração Interna, de 21/02/2013, que lhe aplicou a pena disciplinar de 30 dias de suspensão (cfr. fls. 30 a 110 dos autos);
Z) O Despacho n.º 20/GDN/2009, com o assunto “Unidades territoriais da P.S.P. – Organização e competências”, prevê no Anexo 6 – Esquadras de competência territorial, nomeadamente, o seguinte:
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Art.º 663º nº 6 CPC)
(cfr. fls. 111 a 159 dos autos);
AA) Em 24/10/2013, foi intentada a presente ação administrativa especial (cfr. fls. 1 dos autos).

IV – Do Direito
No que ao direito concerne e no que aqui releva, discorreu-se em 1ª instância:
“(…) (i) Da Prescrição do Direito de Instaurar o Procedimento Disciplinar
O Autor principia por invocar a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, porquanto quando foi instaurado o processo disciplinar já tinha decorrido o prazo de três meses para o efeito contado desde o conhecimento da falta pela entidade com competência disciplinar, nos termos previstos no artigo 55.º, n.º 3 do RDPSP, uma vez que os processos de averiguações e de inquérito não suspenderam tal prazo prescricional, por não se verificarem os pressupostos para a sua instauração.
E, ainda que o processo de averiguações tenha suspendido o prazo prescricional em 17/12/2010, tal suspensão findou com o despacho de 22/02/2011, data em que se continuou a contar o restante prazo de 39 dias, pelo que quando o Ministro da Administração Interna mandou instaurar o processo disciplinar, em 10/01/2012, já tinha decorrido um prazo muito superior a três meses, mostrando-se extinto o direito de instaurar o procedimento disciplinar. Acresce que encontrando-se pendente o processo de averiguações, não pode o processo de inquérito suspender novamente o prazo prescricional, sendo que em casos de competência disciplinar simultânea, o prazo de prescrição não corre separadamente em relação a diversos órgãos.
Mais alegou que, mesmo admitindo que os processos de averiguações e de inquérito tenham suspendido o prazo de prescrição, a suspensão apenas vigora por um período até seis meses, pelo que, quando foi proferido o despacho de 10/01/2012, há muito havia prescrito o direito de instaurar o procedimento.
Respondeu a Entidade Demandada que o Ministro da Administração Interna determinou a instauração do processo disciplinar na data em que teve conhecimento dos factos, ou seja, em 10/01/2012, pelo que não prescreveu o direito de instaurar o mesmo.
Vejamos.
A este respeito, importa atentar nos artigos 54.º, alínea a) e 55.º do RDPSP, nos termos dos quais a responsabilidade disciplinar se extingue por prescrição do procedimento disciplinar.
Determina o artigo 55.º do RDPSP que «o direito de instaurar procedimento disciplinar prescreve passados três anos sobre a data em que a infração tiver sido cometida» (n.º 1), mais prescrevendo a responsabilidade disciplinar «se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses» (n.º 3).
A respeito do conhecimento da falta importa sublinhar que «Para que se verifique conhecimento da infração, relevante para efeitos de prescrição do procedimento disciplinar, não é suficiente o mero conhecimento de uma certa materialidade dos factos, sendo necessário que o dirigente tome conhecimento de tais factos em termos de os poder enquadrar como ilícito disciplinar»
(v., entre outros, acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo n.º 01345/02, de 11/11/20032).
A prescrição interrompe-se, como previsto no n.º 4 do referido preceito legal:
a) Com a prática de ato instrutório com incidência na marcha do processo;
b) Com a notificação da acusação ao arguido.
E suspende-se, atento o disposto no n.º 5, com:
a) A instauração de processo de sindicância, de averiguações, de inquérito ou disciplinar, ainda que não dirigidos contra funcionário ou agente, nos quais venham a apurar-se infrações por que seja responsável.
b) A instauração de processo por crime estritamente militar, em que se decida que os factos imputados ao arguido não integram ilícito com aquela natureza.
Denota-se, ainda, que o processo de averiguações «destina-se à recolha de elementos factuais que permitam determinar se deve ou não ser ordenada a instauração de sindicância, inquérito ou processo disciplinar» (artigo 104.º, n.º 1 do RDPSP). Por seu turno, o processo de inquérito «destina-se à averiguação de factos determinados e atribuídos, quer ao irregular funcionamento de um comando ou serviço, quer à atuação suscetível de envolver responsabilidade disciplinar de funcionário ou agente».
Mais se prevê no artigo 111.º, n.º 1 do RDPSP que «O prazo para instrução de processo de inquérito ou sindicância será o fixado no despacho que o tiver ordenado, podendo ser prorrogado sempre que as circunstâncias o aconselhem».
Ainda com interesse dispõe o artigo 18.º do RDPSP, sob a epígrafe “Titularidade dos poderes disciplinares”, que «a competência disciplinar para julgamento de infrações, imposição de penas ou concessão de recompensas pertence às entidades hierarquicamente competentes, de harmonia com os quadros anexos ao presente Regulamento».
Revertendo ao caso dos autos, no processo disciplinar instaurado contra o Autor foram-lhe imputados factos ocorridos em 13/10/2010, tendo sido apresentada reclamação quanto aos mesmos em 27/10/2010 e, ainda, uma exposição em 10/11/2010 (alíneas D) e E) do probatório). Do teor da referida reclamação e exposição extraem-se, com meridiana clareza, os factos que são suscetíveis de consubstanciar uma infração disciplinar, mormente a determinação da realização de revistas ilegais ou abusivas.
E estes factos foram levados ao conhecimento do Comandante do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa em 11/11/2010, que, em 16/12/2010, determinou a instauração de processo de averiguações. Este processo culminou, em 22/02/2011, com um despacho de arquivamento (alíneas H), I), J), L) e M) do probatório).
Sucede, porém, em 26/01/2011 – enquanto ainda tramitava o referido processo de averiguações –, o Ministro da Administração Interna determinou a abertura de processo de inquérito, que terminou, em 10/01/2012, com o despacho daquele órgão para instauração de processo disciplinar (alíneas K), N) e O) do probatório).
Isto visto e retomando o regime legal acima melhor explanado, cumpre, desde logo, notar que têm competência disciplinar para a aplicação da pena de suspensão até 30 dias, nomeadamente, o Comandante de divisão, o comandante de comando de área ou equiparado, o superintendente-geral, o comandante geral e o 2.º comandante-geral e o Ministro da Administração Interna (artigo 18.º do RDPSP e Anexo B – Escalões de competência disciplinar).
Ora, foi dado conhecimento dos factos ao Comandante de Esquadra em 27/10/2010, pelo que este, enquanto superior hierárquico do Autor, poderia ter determinado a instauração do processo disciplinar (artigo 16.º e quadro anexo ao RDPSP), pelo que se configura como sendo este o termo a quo do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar (artigo 55.º, n.º 3 do RDPSP), o que, aliás, foi assumido no relatório disciplinar (alíneas D), E) e U) do probatório).
Com efeito, “a circunstância de mais do que uma entidade ter competência disciplinar não tem a virtualidade de acionar prazos de prescrição distintos, como parece propugnar a Entidade Demandada na respetiva contestação. Com efeito, «o que conta para efeito do prazo prescricional, designadamente o de três meses para a instauração do procedimento disciplinar, é a data do conhecimento dos factos pelo primeiro dos órgãos que, tendo embora podido acionar a sua competência, o não fez» (acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, processo n.º 2116/98, de 26/10/2000).
Assim, repete-se, iniciou-se o prazo de prescrição a partir do momento em que o Comandante teve conhecimento da falta cometida. Foi, porém, instaurado o processo de averiguações, em 16/12/2010, quando tinham decorrido 51 dias do prazo de prescrição.
Conforme sobredito, a instauração do processo de averiguações suspende o decurso do prazo prescricional, argumentando o que os factos reportados e suscetíveis de serem enquadrados como falta disciplinar não justificavam a instauração de um processo de averiguações ou de inquérito.
Neste particular, considera-se, como aliás já foi entendido em sede cautelar, que os comportamentos descritos na reclamação e exposição apresentadas eram suscetíveis de ser censurados disciplinarmente, não se tratando, portanto, de imputações vagas ou abstratas (alíneas D) e G) do probatório).
Para que o processo de averiguações suspenda o decurso do prazo de prescrição importa que o mesmo seja necessário ao esclarecimento dos factos integradores da eventual participação ou denunciada e das circunstâncias em que a mesma terá sido cometida (v. entre outros o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido no processo n.º 00370/10.2BECBR, de 10/05/2012).
No caso em apreço, admite-se que fosse do conhecimento do superior hierárquico com competência disciplinar a materialidade subjacente à reclamação, mas não todo o circunstancialismo inerente aos factos relatados na reclamação e exposição (alíneas D) e G) do probatório).
Consequentemente, com a instauração do processo de averiguações suspendeu-se o prazo de prescrição (alínea I) do probatório).
Contudo, o Ministro da Administração Interna instaurou, sobre os mesmos factos, processo de inquérito, em 26/01/2011 (alínea K) do probatório). Neste processo, pese embora tenha sido junto o processo de averiguações – que não foi avocado, posto que findou, como referido, com o despacho de arquivamento -, veio a propor-se a instauração de processo disciplinar, o que mereceu despacho de concordância por parte do Ministro da Administração Interna (alíneas N) e O) do probatório).
Também o processo de inquérito suspende o prazo prescricional, tal como prevê o artigo 55.º, n.º 5 do RDPSP. A questão que se levanta é a de saber se, encontrando-se o prazo já suspenso mercê do processo de averiguações, tal suspensão se deverá manter por força do processo de inquérito ou, diferentemente, se o prazo de prescrição se retoma com o termo do processo de averiguações.
Aqui, consideramos dever ser aplicado o entendimento vertido no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 150/08, de 12/11/2008, segundo o qual «No caso de competência simultânea de dois órgãos para o exercício da ação disciplinar, exercido o direito de instaurar um processo de averiguações considera-se desde logo excluída a competência do outro órgão no tocante ao exercício do mesmo direito».
É certo que o Ministro da Administração Interna não instaurou o mesmo tipo de processo prévio ao processo disciplinar, porém, quer o processo de averiguações, quer o processo de inquérito se destinam, a final, a determinar sobre a necessidade ou não de instauração do processo disciplinar.
Admite-se, igualmente, que o Ministro da Administração Interna pudesse instaurar o processo disciplinar, não obstante o Comandante do Comando Metropolitano de Polícia de Lisboa ter determinado o seu arquivamento, posto que é o superior hierárquico máximo.
O que se julga não ser de admitir é que se prejudique os direitos do arguido, instaurando sucessivos processos preliminares destinados a aferir da existência de elementos factuais suscetíveis de enquadrarem uma infração disciplinar, assim se suspendendo, sucessivamente, o prazo de prescrição (o que, in casu, poderia suceder com vários órgãos atento o quadro de órgãos com poderes disciplinares simultâneas anexo ao RDPSP).
Com efeito, o processo de averiguações visou a recolha de elementos necessários à qualificação de eventuais faltas, pelo que findo este processo ficou o dirigente máximo na posse dos elementos necessários que o habilitam a concluir se estes constituem ou não faltas disciplinares.
Como se refere no aresto acima citado, «uma eventual falta de coordenação entre os diversos serviços no que respeita à averiguação de factos passíveis de sanção disciplinar, não pode funcionar como elemento desfavorável aos direitos do arguido».
Destarte, discordando o Ministro da Administração Interna do despacho de arquivamento proferido pelo Comandante do Comando Metropolitano de Polícia, não ficava coartada a possibilidade de determinar a instauração do processo disciplinar (artigo 142.º do CPA).
E porque assim é, com o termo do processo de averiguações, em 22/02/2011, retomou a contagem do prazo de prescrição com o despacho de arquivamento, findando, portanto, este prazo em 04/04/2011.
Considerando, porém, que o Ministro da Administração Interna apenas proferiu despacho a determinar a instauração de processo disciplinar em 10/01/2012, há muito que havia decorrido o prazo de três meses previsto no artigo 55.º, n.º 5 do RDPSP para instaurar o procedimento disciplinar.
Esta prescrição assume a natureza de prazo de caducidade do exercício do direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo (neste sentido, cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 19/09/2013, proferido no processo n.º 16/13.7YFLSB.S1) (Nota do aqui Relator – O identificado Acórdão é do STJ e não STA).
Pelo exposto, conclui-se que se verifica a prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar, pelo que assiste razão ao Autor, devendo ser anulado o ato administrativo impugnado.”

Vejamos:
Recorre o Ministério da Administração Interna (MAI) da sentença do TAF de Almada, de 28 Maio 2018, que considerou prescrito o direito a instaurar procedimento disciplinar ao Autor, aqui Recorrido.

O que aqui está pois predominantemente em causa, será verificar se terá ocorrido a declarada prescrição, à luz do Regulamento Disciplinar da Polícia de Segurança Pública (RDPSP), aprovado pela Lei nº7/90, de 20 Fevereiro.

Refira-se desde já, e acompanhando o entendimento adotado nesta instância pelo Ministério Público, que se não vislumbra que a decisão recorrida mereça censura, pois que a mesma fez uma correta apreciação dos factos trazidos ao conhecimento do Tribunal e à sua subsunção ao Direito, evidenciando suficiente fundamentação.

Efetivamente, os factos disciplinarmente relevantes imputados ao recorrente ocorreram em 13 Outubro 2010, sendo certo que foi dado conhecimento dos mesmos ao competente Comandante de Esquadra, em 27 Outubro 2010, o qual teria assim, enquanto superior hierárquico do alegado prevaricador, legitimidade para a instauração do correspondente processo, fosse de Averiguações, inquérito, sindicância ou disciplinar.

Efetivamente, e como se referia no Artº 55º então aplicável do RD/PSP
(…) 3 - A responsabilidade prescreve também se, conhecida a falta pela entidade com competência disciplinar, não for instaurado procedimento no prazo de três meses.
4 - A prescrição considera-se interrompida pela prática de ato instrutório com incidência na marcha do processo e pela notificação da acusação ao arguido.
5 - Suspende o decurso do prazo prescricional a instauração de processo de sindicância ou de mero processo de averiguações, bem como a instauração de processo de inquérito ou disciplinar em que, embora não dirigidos contra funcionário ou agente, venham a apurar-se infrações por que seja responsável.

O facto de mais do que uma entidade ter competência disciplinar não tem a virtualidade, como pretendido pelo recorrente, de reiniciar sucessivamente novos prazos de prescrição.

Como afirmado em 1ª Instância e aqui se ratifica, “(…) têm competência disciplinar para a aplicação da pena de suspensão até 30 dias, nomeadamente, o Comandante de divisão, o comandante de comando de área ou equiparado, o superintendente-geral, o comandante geral e o 2.º comandante-geral e o Ministro da Administração Interna (artigo 18.º do RDPSP e Anexo B – Escalões de competência disciplinar).
Ora, foi dado conhecimento dos factos ao Comandante de Esquadra em 27/10/2010, pelo que este, enquanto superior hierárquico do Autor, poderia ter determinado a instauração do processo disciplinar (artigo 16.º e quadro anexo ao RDPSP), pelo que se configura como sendo este o termo a quo do prazo de prescrição do direito de instaurar o procedimento disciplinar (artigo 55.º, n.º 3 do RDPSP) (…)”.

Com efeito, como se referiu no Acórdão deste TCAS n.º 2116/98, de 26/10/2000, trazido pelo MP no seu Parecer, aqui aplicado mutatis mutandis, “(…) o exercício concreto dessa competência por um deles, ao determinar a instauração de um processo contra determinado funcionário, impede ou preclude o exercício da competência do outro.
Da mesma maneira, se, tendo podido exercê-la, a não exerceu um deles, pode o segundo fazê-lo posteriormente. De qualquer maneira, o que conta para efeito do prazo prescricional, designadamente o de três meses para a instauração do procedimento disciplinar, é a data do conhecimento dos factos pelo primeiro dos órgãos que, tendo embora podido acionar a sua competência, o não fez.
Por conseguinte, tal como a Administração cumpre o seu papel logo que um dos órgãos exercita o seu poder, não importa quem o tenha feito primeiro, assim também o prazo de prescrição começa a correr desde o momento em que qualquer deles teve primeiro conhecimento da infração, legitimando-o ao exercício da sua competência disciplinar, e não apenas desde a ocasião em que o segundo deles a conhecer.”

Não restam pois dúvidas de que o prazo de prescrição se iniciou a partir do momento em que o referido Comandante teve conhecimento da falta cometida, sendo que o correspondente Processo de Averiguações apenas foi instaurado em 16 Dezembro 2010, quando já tinham decorrido 51 dias do prazo de prescrição, o que determinou a sua suspensão, que retomou a sua contagem “com o termo do processo de averiguações, em 22/02/2011”, com o despacho de arquivamento, tendo-se, assim, verificado a prescrição em 04/04/2011.

Atenta a circunstância do Ministro da Administração Interna ter proferido despacho a determinar a instauração de processo disciplinar em 10/01/2012, está bem de ver, tal como decidido em 1ª Instância, que se havia há muito já consolidado a prescrição, pelo decurso do prazo de três meses previsto no artigo 55.º, n.º 5 do RDPSP para instaurar o procedimento disciplinar.

A prescrição verificada assume a natureza de prazo de caducidade do exercício do direito, pois trata-se do período durante o qual a administração, depois de tomar conhecimento do facto gerador de eventual sanção disciplinar, deve instaurar o respetivo processo (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Justiça, de 19/09/2013, proferido no processo n.º 16/13.7YFLSB.S1).

Em face da verificada prescrição fica, por natureza, prejudicada a necessidade de verificação dos restantes vícios invocados.
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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, negar provimento ao Recurso, confirmando a Sentença objeto de Recurso.

Custas pelo Recorrente

Lisboa, 27 de abril de 2023
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa