Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:799/09.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:01/11/2018
Relator:CATARINA ALMEIDA E SOUSA
Descritores:RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
LIQUIDATÁRIO
Sumário:I - Havendo responsabilidade por dívidas de outrem, é de presumir, salvo disposição legal em sentido contrário, que essa responsabilidade é apenas subsidiária, o que equivale a dizer que “só actua por reversão na execução fiscal após a comprovação da insuficiência dos bens do devedor principal para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido”.
II - No caso em análise, o chamamento à execução do Oponente teve lugar atenta a sua qualidade de liquidatário da sociedade originária devedora, nos termos previstos no artigo 26º da LGT.
III – É solidária com a do devedor principal, e não subsidiária, a responsabilidade dos liquidatários. Não depende, pois, da prévia excussão dos bens do devedor principal, sendo bastante a mera preterição da obrigação da prioridade do pagamento das dívidas fiscais, além da insuficiência do activo social, e é à administração tributária que cabe a prova dessas circunstâncias.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

1 – RELATÓRIO

A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou procedente a oposição deduzida por A..., contra a execução fiscal nº ... e aps, instaurada no Serviço de Finanças de ..., relativamente à sociedade E... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A, por dívidas de IVA (períodos de 2000 e 2001) e coimas fiscais, no montante total de € 4.547,66, dela veio interpor o presente recurso jurisdicional.

Formula, para tanto, as seguintes conclusões:

A. Conforme consta dos autos, as dívidas objecto dos autos, assim como as coimas, dizem respeito as factos tributários ocorridos depois da nomeação do oponente como liquidatário judicial.

B. Determinando o art. 145° do CPEREF que liquidatário deve agir como um gestor diligente.

C. Donde resulta que o oponente, primando pela gestão omissiva, não pretendeu acautelar os interesses quer dos credores da sociedade, quer da própria sociedade.

D. Pelo que, não está suficientemente provado nos autos a falta de culta do oponente no não pagamento da dívida tributária.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA


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Não foram apresentadas contra-alegações.

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público (EMMP) junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso.

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Colhidos os vistos legais, vêm os autos à conferência para decisão.

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2 - FUNDAMENTAÇÃO

2.1. De facto

É a seguinte a decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida:

A. Em 09-11-2002 foi instaurado, no Serviço de Finanças de lisboa- 11, contra a sociedade “E... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.”, o PEF n.º ..., para cobrança coerciva de dívida de IVA do ano de 2000 (cfr. fls. 1 do PEF apenso).

B. Ao processo referido na alínea precedente encontram-se apensos os PEFs nºs …, para cobrança coerciva de dívida de IVA do ano de 2001, … para cobrança coerciva de dívidas de coimas (cfr. PEF apenso).

C. Em 24-07-2008, no âmbito do PEF referido em A), foi proferido, a 24- 07-2008, despacho para efeitos de audição em sede de reversão, o qual foi remetido ao oponente via correio postal (cfr. fls. 21 a 24 dos autos e 16 a 20 do PEF apenso).

D. Do despacho mencionado na alínea precedente consta, com fundamentos da reversão, a “Inexistência de bens” (cfr. fls. 16 do PEF apenso).

E. O ora oponente exerceu do direito de audição prévia em 04-08-2008 (cfr. fls. 22 e 23 do PEF apenso).

F. Em 06-11-2008, na sequência do mencionado em C), foi elaborada informação e proferido despacho de reversão contra oponente, do qual consta designadamente o seguinte (cfr. fls. 27 do PEF apenso):

«INFORMAÇÃO e CONCLUSÃO

Em 2008.11.06 faço estes autos conclusos, com a seguinte informação:

1. No âmbito do processo supra identificado, foi enviada notificação, conforme registo com o n.º RO 4705 6431 9 PT de 2008.07.25, para A..., contribuinte 148.024.114, na qualidade de responsável subsidiário da executada originária, para exercer o direito de audição prévia.

2. Em 04.08.2008 por requerimento, o mesmo procedeu ao exercício do direito de audição prévia.

3. O Contribuinte alega que " ... o despacho não contem nem um projecto de decisão ..., nem permite conhecer a que impostos e infracções esta respeita ... ".

(…) DESPACHO

De acordo com os elementos junto aos autos, que aqui se dão por integralmente reproduzidos para todos os efeitos legais, verifica-se que o contribuinte supra identificado foi notificado para exercer o direito de audição prévia nos termos do artigo 60° da LGT, do projecto de decisão de responsável subsidiário da devedora originária E... SOC GESTORA DE PARTICIPAÇÕES SOCIAIS SA - contribuinte , por dívidas que ascendem a € 4.547,66.

No exercício do direito de audição veio o requerente alegar que a notificação não fornece os elementos necessários para que o interessado possa conhecer todos os aspectos relevantes para a decisão, quer de facto quer de direito, tal não é verdadeiro. Conforme consta da mesma e de acordo com os normativos legais aplicáveis ao caso em apreço o fundamento para a Reversão é a inexistência de bens penhoráveis ao devedor originário.

De igual forma a notificação discrimina entre outros elementos a relação das dívidas, os seus períodos e valores exigíveis nos processos de execução fiscal.

Em consequência não assiste assim qualquer razão ao peticionário no seu pedido, quando refere que a mesma é ineficaz por falta dos elementos relevantes para a decisão.

Em face do exposto indefiro o requerido.

Da análise à prova produzida tendo em consideração os requisitos legais verifica-se que:

No que concerne à divida, nos termos legais, a responsabilidade subsidiária opera-se não só pelas dívidas tributárias cujo facto se tenha verificado no exercício do cargo ou cujo prazo de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste bem como, naquelas cujo prazo de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo.

Foi nomeado liquidatário em 01.08.2000, de acordo com o afirmado pela Conservatória do Registo Comercial de Lisboa.

 Fundamento da reversão -Inexistência de bens penhoráveis da devedora originária (n.º 2 do art. 153° do CPPT);

 Certidões de dívida (menção dos períodos em concreto) - Todas as certidões de divida contêm os períodos e as datas limite de pagamento a que as mesmas se referem;

 Caducidade das liquidações, eventuais prescrições e da execução do património da originária devedora - As liquidações transitaram em julgado antes da caducidade e a devedora originária já não possui património.

Atenta a fundamentação supra, nos termos dos artigos 8° do RGIT, 23° e 26° da LGT, REVERTO as dívidas exigíveis no presente processo de execução fiscal contra o responsável subsidiário A..., contribuinte 148.024.114, no montante de € 4.547,66.

Proceda-se à citação do executado por reversão, nos termos do Art. 160° do C.P.P.T., para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n.º 5, do Art. 23° da L.G.T.).»

G. O oponente foi citado em 13-11-2008 (cfr. fls. 58 a 60 dos autos)

H. Em 26-06-2000, a sociedade devedora originária foi declarada falida por decisão proferida pelo Tribunal de Comércio de Lisboa, no Processo n.º 23/99, a qual transitou em julgado em 01-08-2000 (cfr. fls. 42 a 49 dos autos e 32 a 37 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

I. Da sentença referida na alínea precedente consta como facto assente que “A Requerida não tem bens ou rendimentos” (cfr. fls. 32 a 37 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

J. Na sentença supra referida na alínea precedente, o ora oponente foi nomeado liquidatário judicial da sociedade devedora originária (cfr. fls. 32 a 37 do PEF apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

K. A falência da devedora originária e a nomeação do oponente como liquidatário foi registada através da Ap. 31 de 31-10-2000 (cfr. fls. 33 dos autos).

L. Na sequência de informação prestada pelo ora oponente, o processo de falência referido na alínea H) foi extinto por inutilidade da lide face à inexistência de património da sociedade “E... – Sociedade Gestora de Participações Sociais, S.A.” (cfr. fls. 48 e 49 do PEF apenso).

M. Os autos de reclamação de créditos apensos ao processo de falência identificado na alínea H) foram extintos por inutilidade superveniente da lide (cfr. fls. 50 do PEF apenso).

N. O oponente foi notificado para prestar garantia através do ofício nº 537, de 02-02-2009 (cfr. fls. 70 dos autos).

O. O oponente prestou garantia bancária destinada suspender a execução em 16-02-2009 (cfr. fls. 54 a 56 do PEF apenso).

P. O oponente suportou encargos com a prestação da garantia, que ascenderam até 16-11-2015 a €. 2.520,47 (cfr. documentos a fls. 94, 125 a 127, 135 a 144, 158, 162, 163, 169, 170 dos autos).

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DOS FACTOS NÃO PROVADOS

Não existem factos não provados, com interesse para a decisão da causa.

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MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO

A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos, conforme indicado em cada uma das alíneas do probatório”.

2.2. De direito

Em 1ª instância, a oposição deduzida foi julgada procedente e, em consequência, foram extintos os processos de execução fiscal contra os quais a oposição se dirigia.

A procedência da oposição teve por fundamento a ilegitimidade do revertido para os termos das execuções fiscais em apreço.

Em causa estavam, como acima já se deixou referido, dívidas provenientes de impostos (IVA) e, bem assim, de coimas fiscais.

Para assim concluir, a Mma. Juíza a quo alinhou o seguinte discurso argumentativo que, na parte relevante, se reproduz:

“(…)

Face do preceituado no artigo 26º da LGT, o liquidatário será responsável se não cumprir os seus deveres funcionais, isto é se houver preterição da obrigação de pagamento dos créditos fiscais, o que significa que, se o liquidatário pagar, antes dos créditos fiscais, outras dívidas da sociedade que não gozem de preferência sobre aquelas, será imediatamente responsável pelo seu pagamento. Contudo, tal responsabilidade apenas existirá quando houver nexo de causalidade entre a actuação dos liquidatários e a impossibilidade de pagamento, cabendo à Administração Tributária o ónus da prova da verificação de tais circunstâncias.

Para que o liquidatário possa ser responsabilizado, deverá a Administração Tributária provar que foi a inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção dos interesses do credor tributário que causou a insuficiência do património da sociedade para a satisfação desses créditos.

Por outro lado, há que ter em consideração que, todas as dívidas, cujo facto tributário se tenha verificado antes da declaração de falência, mesmo as que ainda não se venceram, devem ser reclamadas no processo de insolvência, verificadas e graduadas na sentença de verificação e graduação de créditos e pagas de acordo com que aí for decidido, devendo o liquidatário proceder ao pagamento das dívidas de acordo com aquela sentença, tal como decorre do nº 3 do art. 26º da LGT.

Volvendo ao caso dos autos.

Foi na sentença que declarou a falência da devedora originária que o ora oponente foi nomeado liquidatário.

Como resulta dessa mesma decisão deu-se como facto assente que a devedora originária não possui bens ou rendimentos.

O liquidatário judicial deu cumprimento ao disposto no artigo 186º, nº 1 do CPEREF (vigente à data), que dispunha que “Se não houver bens susceptíveis de apreensão no património do falido, o liquidatário judicial, ouvida a comissão de credores, levará a informação do facto aos autos, sendo o processo imediatamente concluso ao juiz, para que o julgue extinto por inutilidade da lide (…)”.

Face à comunicação pelo liquidatário judicial da inexistência de bens da falida, a acção foi extinta por inutilidade da lide. Do mesmo modo foi extinta a instância nos autos de reclamação de créditos.

Não resultando dos autos a existência de bens da executada originária, nenhuma responsabilidade pode ser assacada ao liquidatário judicial, ora oponente, pela inexistência de bens para pagamento das dívidas tributárias, não lhe sendo imputável a falta de pagamento dos créditos tributários.

No que concerne à reversão de coimas estabelece o art.º 8.º, do RGIT o seguinte:

(…)

Como decorre do teor do n.º 1 do art.º 8.º, do RGIT, há aqui semelhanças, em termos estruturais, com o art.º 24.º, n.º 1, da LGT.

Desde já se refira que, no âmbito do art.º 8.º, n.º 1, als. a) e b), do RGIT, cabe desde logo e em primeira linha à Administração Tributária a alegação e demonstração, por um lado, do exercício efectivo de funções, à semelhança do que resulta do art.º 24.º, n.º 1, da LGT, e, por outro, a alegação e demonstração da imputabilidade ao oponente da falta de pagamento/culpa do oponente. Assim, é de sublinhar que, no art.º 8.º, do RGIT, em nenhum dos casos a lei presume a culpa do responsável ou a sua imputabilidade pela falta de pagamento.

O que significa que a AT não está dispensada de alegar no despacho de reversão a factualidade com vista a integrar a culpa do gerente ou administrador a quem pretende responsabilizar pelo pagamento da dívida exequenda.

Ora, no caso sub judice, a AT nada alegou no despacho de reversão relativamente à culpa do liquidatário pela insuficiência patrimonial para pagar a coima.

O art. 8º do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa, pelo que, recai sobre o autor do acto de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente (no caso do liquidatário) pela insuficiência do património social, tendo em conta o disposto no preceito, segundo o qual «Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento» Ora, in casu, como decorre do despacho de reversão, nada é dito acerca do exercício efectivo de funções pelo liquidatário e da culpa. Aliás, nem é feita qualquer referência ao regime específico do art.º 8.º, do RGIT, e às suas especificidades, em termos de distribuição do ónus de alegação e ónus da prova. Como tal, a AT, ao contrário do que era seu ónus, não logrou alegar nem demonstrar o pressuposto do exercício efectivo de funções e o da culpa, como lhe cabia, procedendo, por esse motivo, a pretensão do oponente.

Nestes termos procede a invocada ilegitimidade do oponente.

(…)”.

É contra o assim decidido que se insurge a Fazenda Pública, ora Recorrente, tal como resulta das conclusões da alegação de recurso.

No essencial, defende a Recorrente que a sentença recorrida errou ao decidir nos termos em que o fez, já que “não está suficientemente provado nos autos a falta de culpa do oponente no não pagamento da dívida tributária”.

Defende a Fazenda Pública, laconicamente, que: “as dívidas objecto dos autos, assim como as coimas, dizem respeito a factos tributários ocorridos depois da nomeação do oponente como liquidatário judicial”; que o artigo 145° do CPEREF dispõe que liquidatário deve agir como um gestor diligente; e que, in casu, o oponente primou pela “gestão omissiva”, não acautelando “os interesses quer dos credores da sociedade, quer da própria sociedade”.

Vejamos, então, o que se nos oferece dizer a este propósito.

Dispõe o artigo 22º, nº2 da Lei Geral Tributária (LGT) que, para além dos sujeitos passivos originários, a responsabilidade tributária pode abranger solidária ou subsidiariamente outras pessoas. Por seu turno, o nº3 do mesmo preceito legal (na redacção vigente à época e que actualmente corresponde ao nº4) estabelece que a responsabilidade tributária por dívidas de outrem é, salvo determinação em contrário, apenas subsidiária.

Temos, pois, que, havendo responsabilidade por dívidas de outrem, é de presumir, salvo disposição legal em sentido contrário, que essa responsabilidade é apenas subsidiária, o que equivale a dizer que “só actua por reversão na execução fiscal após a comprovação da insuficiência dos bens do devedor principal para o pagamento da dívida exequenda e do acrescido” – cfr. Lima Guerreiro, LGT anotada e comentada, Rei dos Livros, pág. 127.

Ora, no caso em análise, o chamamento à execução do Oponente, ora Recorrido, teve lugar atenta a sua qualidade de liquidatário da sociedade originária devedora, nos termos previstos no artigo 26º da LGT, preceito este expressamente invocado pelo órgão da execução fiscal.

Daquilo que se trata, portanto, e nos termos de tal normativo, é do chamamento à execução fiscal de alguém a título de responsável solidário.

Com efeito, dispõe o referido artigo 26º da LGT nos seguintes termos:


“Responsabilidade dos liquidatários das sociedades

1 - Na liquidação de qualquer sociedade, devem os liquidatários começar por satisfazer as dívidas fiscais, sob pena de ficarem pessoal e solidariamente responsáveis pelas importâncias respectivas.

2 - A responsabilidade prevista no número anterior fica excluída em caso de dívidas da sociedade que gozem de preferência sobre os débitos fiscais.

3 - Quando a liquidação ocorra em processo de falência, devem os liquidatários satisfazer os débitos fiscais em conformidade com a ordem prescrita na sentença de verificação e graduação dos créditos nele proferida.

Antes de prosseguir na análise da questão que nos ocupa, importa deixar devidamente esclarecido que, apesar de se entender que, nos termos da lei, o devedor solidário não pode ser chamado à execução através da figura da reversão (posição que se admite não corresponder a um entendimento rígido e/ou unânime na jurisprudência, como resulta da leitura do acórdão deste TCA, proferido em 18/09/14, no processo nº 4767/11), a verdade é que esta questão (leia-se, os termos em que o oponente foi chamado à execução, enquanto liquidatário da devedora principal) foi objecto de apreciação em 1ª instância, sem que, nesta sede recursória, tenha sido posta em causa tal análise e decisão. Assim, como se compreende, está este Tribunal impossibilitado de, neste momento, proceder à reapreciação sobre os moldes em que, no caso, se efectivou a responsabilidade do Oponente, ora Recorrido.

Assim sendo, e com esta ressalva, importa retomar e prosseguir a análise que vínhamos efectuando.

Ora, o dever de os liquidatários efectuarem o pagamento de todas as dívidas da sociedade, sendo o activo social suficiente, decorre dos artigos 152º, nº3, alínea b) e 154º, nº1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC), nos termos dos quais, respectivamente, “O liquidatário deve cumprir as obrigações da sociedade” e “Os liquidatários devem pagar todas as dívidas da sociedade para as quais seja suficiente o activo social”.

Como refere Lima Guerreiro na obra citada, págs. 149 e 150, “Em caso de mera insuficiência do activo social inexiste, pois, qualquer responsabilidade tributária subsidiária objectiva dos liquidatários. Esta responsabilidade depende do incumprimento de um dever funcional – a prioridade do pagamento das dívidas fiscais.

(…)

Ao contrário da responsabilidade dos administradores e gerentes das empresas e sociedades de responsabilidade limitada, é solidária com a do devedor principal, e não subsidiária, a responsabilidade dos liquidatários. Não depende, pois, da prévia excussão dos bens do devedor principal, sendo bastante a mera preterição da obrigação da prioridade do pagamento das dívidas fiscais, além da insuficiência do activo social, e é à administração tributária que cabe a prova dessas circunstâncias (sublinhado nosso).

No caso em apreciação, basta ler os termos em que o Oponente, ora Recorrido, foi chamado à execução fiscal para perceber que a AT não cuidou – nem de perto, nem de longe – de alegar e demonstrar o referido circunstancialismo, ou seja, a preterição da obrigação da prioridade do pagamento das dívidas fiscais e a (in)suficiência do activo social.

Nada – rigorosamente, nada – é dito a este propósito, sendo claro, nos termos já apontados, sobre quem, e em que termos, impendia o ónus da prova.

Definitivamente, e como a sentença não deixou de assinalar, trata-se de um ónus da Fazenda Pública, carecendo, portanto de sentido, a alegação da Recorrente segundo a qual “não está suficientemente provado nos autos a falta de culta do oponente no não pagamento da dívida tributária”.

Resulta ainda dos autos, sem que tal tenha sido questionado, a inexistência de bens e/ou rendimentos da sociedade falida e, bem assim, que o processo de falência foi extinto por inutilidade da lide, em face da apontada inexistência de património da sociedade E....

Por conseguinte, é correcta a conclusão retirada na sentença, segundo a qual o oponente não pode ser responsabilizado pelas dívidas fiscais cujo pagamento lhe foi exigido.

Daí que nem se perceba o alcance da afirmação da Recorrente sobre um alegado comportamento omissivo (“gestão omissiva”), incapaz de “acautelar os interesses quer dos credores da sociedade, quer da própria sociedade”, pois que, ainda que com uma densidade fundamentadora mínima, nada de concreto foi alegado e demonstrado pela Fazenda Pública.

Com efeito, nem ao de leve é ensaiada qualquer afirmação que se aproxime da ideia de o liquidatário ter satisfeito o passivo da sociedade pagando, antes dos créditos tributários, outras dívidas que não gozassem de preferência no pagamento, nem tão-pouco qualquer nexo de responsabilidade entre o comportamento do executado e a impossibilidade do pagamento.

Quanto à invocação feita pela Recorrente do artigo 145º do Código dos Processos Especiais de Recuperação da Empresa e de Falência (CPEREF), a mesma não passa de isso mesmo, ou seja, de uma mera invocação do preceito relativo aos deveres especiais do liquidatário, sem qualquer densificação concretizadora da mesma.

Por conseguinte, não pode deixar de se confirmar o que, a este propósito, se concluiu na sentença, aplicável à totalidade da dívida.

Deve dizer-se, aliás, que, em nosso entendimento, nem se justifica a análise levada a efeito pelo Tribunal a quo sobre a melhor interpretação do conteúdo do artigo 8º (Responsabilidade civil pelas multas e coimas) do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), já que a simples leitura deste preceito permite concluir que o mesmo não inclui, na sua previsão, os liquidatários das sociedades.

Tanto basta, pois, sem necessidade de maiores considerandos, para concluir pela improcedência das conclusões da alegação de recurso, impondo-se, como tal, confirmar a decisão sindicada e negar provimento ao recurso jurisdicional em análise.


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3 - DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em negar provimento ao recurso, em consequência do que se mantém a decisão recorrida na ordem jurídica.

Custas pela Recorrente, FP.

Lisboa, 11/01/18


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(Catarina Almeida e Sousa)

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(Lurdes Toscano)

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(Joaquim Condesso)