Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:150/05.7BECTB
Secção:CT
Data do Acordão:07/11/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:1. As ajudas representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas que o trabalhador foi obrigado a fazer na sequência de deslocações efetuadas no cumprimento da sua obrigação laboral ao serviço da entidade empregadora.
2. Recai sobre a Autoridade Tributária o ónus de provar a verificação dos requisitos que lhe permitam alterar o rendimento coletável declarado pelo sujeito passivo apontando os elementos factuais demonstrativos de que as verbas pagas pela entidade empregadora constituem um rendimento do trabalho sem fim compensatório (art.º 74º LGT).
3. Não tendo a AT cumprido satisfatoriamente o seu dever probatório, não ilidiu a presunção de veracidade que acompanha a declaração (art. 75º/1 LGT). E assim, não subsistem quaisquer razões legais para remeter ao contribuinte o encargo de provar o que presumidamente a lei considera provado.
4. Não se pode concluir pelo carácter remuneratório de certas verbas pagas a título de ajudas de custo apenas da verificação de que o seu valor se repete ao longo dos meses, ou é pago a todos os funcionários.
5. A regularidade e constância monetária poderá constituir um indício de que se trata de um complemento de remuneração, mas como mero indício que é, devolve à AT o dever de averiguar na esfera jurídico tributária do Impugnante a existência de outros elementos que confirmem – ou não - o caráter remuneratório de tais verbas.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


RECORRENTE: Fazenda Pública.
RECORRIDO: V.....
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMª juiz do TAF de Castelo Branco que decidiu anular a liquidação impugnada na parte que enquadrou as ajudas de custo recebidas pelo impugnante como rendimentos de categoria A, deduzida por V….. contra a liquidação adicional de IRS de que foi alvo, relativa ao ano de 1997, com o n.º532……, que fixou um rendimento global de 21.426,77€, corrigindo o valor de rendimento declarado de 9.340,58€ e imposto a pagar no valor de 2.798,54€, ao que acrescem juros compensatórios no valor de 708,80€, emitida na sequência de acção inspectiva realizada à sociedade E…. – E….., sociedade onde o impugnante aufere rendimentos provenientes da categoria A.

CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:
a) Foram violados pela douta sentença o artigo 77º da LGT ao decidir julgar a impugnação procedente por "falta de fundamentação", e o artigo 2/2 do CIRS, ao anular a liquidação impugnada "na parte relativa às ajudas de custo".
b) Foi violado o artigo 77º da LGT porque ao contrário do referido na douta sentença que, para além do mais, refere que de nada vale "para a fundamentação do presente acto impugnado, a fundamentação vertida em relatório de inspecção sobre entidade diferente, e a cujo conteúdo não se alcança o ora impugnante ter tido acesso, nem tão pouco se remetendo sequer para aquele no acto de liquidação impugnado, ou nos respectivos actos preparatórios...”, conforme evidenciado nos pontos 3º a 6º das presentes alegações de recurso,

c) A liquidação adicional de IRS/1997 ora em causa encontra-se fundamentada de facto - desde o início do procedimento inspectivo origem das correcções em causa são dados a conhecer ao impugnante os fundamentos supra explicitados que levaram a considerar os valores recebidos (na qualidade de trabalhador por conta de outrem) como complemento de vencimento e não como ajudas de custo -, encontra-se fundamentada de direito - as correcções cm causa foram efectuadas ao abrigo do artigo 2/2 do CIRS -, e foi dado a conhecer ao impugnante o iter cognoscitivo e todos os procedimentos levados a cabo pela inspecção tributária, tendo o impugnante, para além de ter sido permanentemente informado e notificado, também participado nos procedimentos supra elencados.
d) Assim, após inspecção levada a cabo à entidade patronal do impugnante pela Direcção de Finanças de Lisboa onde foram recolhidas provas, relativamente aos valores ora em causa, de se estar perante complementos de vencimento, foi dado conhecimento das referidas correcções à Direcção de Finanças da Guarda, com base nas quais foi levado a cabo procedimento inspectivo ao ora impugnante aos exercícios de 1996 e 1997 precisamente com fundamento no relatório de inspecção à entidade patronal e provas e respectivas conclusões nele inscritas, disso dando conhecimento ao ora impugnante, que interveio no procedimento inspectivo desde logo exercendo o direito de audição. E que, notificado da liquidação adicional de IRS/1997 ora em causa, veio dela interpor reclamação graciosa, com nova intervenção da inspecção, e notificado do respectivo indeferimento, interpôs a presente impugnação.
e) Foram violados pela douta sentença o artigo 77° da LGT e o artigo 2/2 do CIRS
f) Nos termos do artigo 2/2 do CIRS "as remunerações referidas no número anterior compreendem, designadamente, ordenados, salários, vencimentos, gratificações, percentagens, comissões, participações, subsídios ou prémios, senhas de presença, emolumentos, participações em multas e outras remunerações acessórias, ainda que periódicas, fixas ou variáveis, de natureza contratual ou não". Este artigo procura, pois, ser o mais abrangente possível de forma a incluir todo o tipo de remunerações acessórias imaginadas ou criadas pela entidade patronal que eventualmente saíssem do âmbito do artigo 2/1 do CIRS, por forma a beneficiar o seu trabalhador, sabendo sempre que tais quantias, quer sejam tributadas como rendimentos da categoria A, quer sejam consideradas ajudas de custo e, logo, isentas, na pessoa do trabalhador, são sempre aceites como custo de IRC nos termos do artigo 23º do CIRC (na pessoa da entidade patronal).
g) Quer-se com isto dizer que, ao contrário do que é defendido na douta sentença, a AT cumpriu o ónus probatório, fundamentando de facto e de direito e dando a conhecer o iter cognoscitivo que levou à consideração do recebimento dos valores em causa como complementos de vencimento - uma vez que a própria entidade patronal refere, relativamente à obrigação de existência de dormitórios e refeitórios nas obras, "que as mesmas decorrem das exigências do dono da obra e para o cumprimento do nº 10, Cláusula 8 do CCT" e, por outro lado "de acordo com o anexo 1 enviado pelo contribuinte, o regime de turnos foi efectuado em todas as obras, pelo que, não se compreende, nem o contribuinte o especifica, quais as obras em que não possuía dormitórios e refeitórios" -, e, uma vez trazidos aos autos elementos de prova a corroborar que estão cm causa complementos de vencimento e não ajudas de custo, passa a ser o impugnante a carregar com o ónus da prova de que os elementos carreados aos autos pela administração tributária não correspondem à verdade, o que não aconteceu.
h) A liquidação adicional de IRS em causa nos autos teve, pois, origem numa acção de inspecção efectuada à firma ''E…. – E….., Lda.", NIPC 501…., pela 2ª Direcção de Finanças de Lisboa, empresa onde trabalhava o impugnante/recorrido em 1997, o ano ora em causa.
i) No âmbito daquele procedimento de inspecção verificou-se que a empresa ''E…" procedeu ao pagamento a diversos trabalhadores de determinadas importâncias a título de "ajudas de custo" e "subsídios de alimentação'', concluindo-se que os respectivos valores eram, na realidade, um complemento do vencimento, pois, nos locais de trabalho foram criados refeitórios e dormitórios, tendo ainda sido pagas despesas para a manutenção dos mesmos - compra de bebidas, lençóis, camas, higiene e limpeza - tendo-se verificado ainda o aluguer de apartamentos, sua manutenção, e pagamento de refeições para o pessoal mais especializado. O que veio a determinar aquelas importâncias auferidas a título de ajudas de custo como complemento de vencimento foi precisamente, e desde logo, a atribuição e contabilização pela entidade empregadora de duas verbas para o mesmo fim.
j) O abono de ajudas de custo destina-se a fazer face a despesas com alimentação e alojamento (aliás como aceite pelo impugnante/recorrido cm 73º da p.i.), não estando incluídos os transportes ou quilómetros percorridos em carro próprio nas deslocações efectuadas ao serviço da empresa (incluídos nos subsídios de viagem). Corno referido no relatório de inspecção elaborado pela Direcção de Finanças de Lisboa, junto aos autos, para do que já foi salientado, "as despesas contabilizadas na cantina e que incluem refeições diversas, compras de géneros alimentícios, material e mobiliário para cozinha, camas, lençóis, cobertores, gás, bebidas, bem como fornecimento de refeições por empresas especializadas, hospedagens e estadias em pensões, referem-se a todas as obras".
k) Nos n° 52º e 69º da p.i. o impugnante/recorrido confirma, desde logo, a existência, na obra da Régua, aparentemente o único local onde o impugnante trabalhou no ano de 1997, de refeitórios, pelo que não teve despesas com a alimentação, um dos aspectos a que o abono de ajudas de custo se destina a fazer face. O próprio impugnante/recorrido confessa, pois, a existência de refeitórios na obra da Régua. Por outro lado, através dos documentos juntos aos autos, nomeadamente através dos documentos juntos pelo impugnante aquando da reclamação, este confirma também o recebimento do subsídio de refeição, confirmando a "atribuição e contabilização de duas verbas para o mesmo fim".
1) Depois, o impugnante/recorrido refere ainda no nº 69º da petição "que na obra da Régua apenas existiam refeitórios pelo que seria de todo impossível ao impugnante ter usufruído da estada nas instalações da empresa". No entanto, como já salientado, o relatório de inspecção tributária da Direcção de Finanças de Lisboa além de mencionar o facto de nas despesas contabilizadas na cantina se incluírem hospedagens e estadias em pensões, também salienta que "na conta de Deslocações e Estadas foram contabilizadas diversas refeições, dormidas, bem como o pagamento de rendas de apartamentos e manutenção dos mesmos (limpeza), destinados ao pessoal mais especializado".
m) Ao que acresce o facto de - recaindo sobre o impugnante o ónus de infirmar a prova carreada pela administração tributaria - tendo o impugnante/recorrido referido que suportou custos com a alimentação e alojamento, deveria o mesmo apresentar também prova de tais custos, através de vendas a dinheiro, facturas ou documentos equivalentes, relativos à alimentação e alojamento, emitidos por restaurante, residencial ou pelo senhorio da habitação onde esteve alojado.
n) E como referido no processo administrativo organizado nos termos do artigo 111° do CPPT, apesar das várias tentativas para a recolha de elementos para instrução do processo de reclamação apenso, sobretudo o contacto com o impugnante/recorrido, tal não foi possível.
o) Verifica-se ainda que os valores atribuídos ao impugnante a título de "ajudas de custo" têm em conta os dias de trabalho efectivo e não os dias em que o trabalhador eventualmente se encontrou deslocado ao serviço da entidade patronal, sendo patente a remuneração atribuída por dias inexistentes no calendário mas correspondentes a dias efectivos de trabalho (que sempre seriam de considerar como remuneração). Trata-se, pois, de remuneração ou até de prémios (em virtude, por exemplo, de se encontrar ausente da família durante largos períodos de tempo).
p) É ainda de salientar o montante exacto e constante do valor mensal e da regularidade com que é atribuído, e independentemente da obra e do local de trabalho, fosse na Gardunha (em 1996) ou na Régua - cujas distâncias de Lisboa são bem diferentes - com atribuição diária de 8.805$00 (43,92€), também a corroborar tratar-se de complementos de vencimento e, como tal, sujeitos a tributação cm sede de IRS nos termos do artigo 2/2 do CIRS.
q) Por maioria de razão deverá decair também a condenação da administração tributária ao pagamento de juros indemnizatórios, desde logo porque a administração tributária trouxe aos autos elementos a corroborar a justeza das correcções, nunca infirmadas pelo sujeito passivo.
r) No que se refere aos meios probatórios que impunham decisão diversa da recorrida, eles constam dos autos, sendo de evidenciar o procedimento inspectivo levado pela inspecção da Direcção de Finanças da Guarda, no qual o ora impugnante participou, que subjaz às correcções ora em causa e que dá a conhecer ao impugnante os fundamentos de facto e de direito e o relatório de inspecção da Direcção de Finanças de Lisboa, a petição inicial do impugnante, os elementos trazidos aos autos pelo impugnante em sede de reclamação graciosa, tendo sido juntos quer pela impugnante/recorrida, quer pela fazenda.

Pelo que, com o mais que Vossas Excelências se dignarão suprir, deve ser dado provimento ao recurso e cm consequência ser revogada a decisão recorrida.

CONTRA ALEGAÇÕES.
1. O presente recurso vem interposto para o Tribunal Central Administrativo Sul, nos termos do disposto no artigo 280.º do CPPT, que prevê que "Das decisões dos tribunais tributários de 1.ª instância cabe recurso, (...), para o Tribunal Central Administrativo, salvo quando a matéria for exclusivamente de direito, caso em que cabe recurso, dentro do mesmo prazo, para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo."

2. Nas alegações de recurso apresentadas nos autos, a Recorrente põe em causa a matéria de fato com base na qual o Tribunal Administrativo e Fiscal proferiu decisão, designadamente, no que respeita ao fato de existirem refeitórios e dormitórios nas obras onde trabalhou o Recorrente (obra sita na Régua), bem como, o fato de o ora Recorrente ter recebido ajudas de custo em dias que não são dias efetivos de trabalho (dias feriados e fins de semana).

3. Contudo, embora pretendendo elaborar um recurso da matéria de fato, nas alegações apresentadas a Recorrente não cumpre o ónus de especificação previsto no disposto no artigo 640.º do CPC, aplicável ex. vi. artigo 2.º ai. (e) do CPC, uma vez que não identificou (a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; nem (b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; ou (c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

4. Resulta do disposto no artigo 640.º n.º 1do CPC (aplicável ex. vi. artigo 2.º do CPPT) que o incumprimento do ónus de especificação previsto no artigo 640.º do CPC levará necessariamente à rejeição liminar do presente recurso, nos termos do disposto no n.º 1do referido artigo 640.º do CPC. Assim o decidiu o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte no Acórdão de 31 de maio de 2012, já referenciado nas presentes alegações.

5. Termos em que, nos termos do n.º 1do artigo 640.º do CPC, aplicável ex. vi. artigo 2.º do CPPT, deverá ser proferido despacho de rejeição liminar do presente recurso, com os fundamentos expostos, com as demais consequências legais.

6. Sem conceder, na sentença recorrida, o Tribunal Administrativo e Fiscal anulou o ato de liquidação de IRS em causa nos presentes autos, com fundamento em violação pela AT do princípio da legalidade, tendo em consideração que na sua atuação a referida Autoridade não realizou qualquer diligência instrutória no sentido de identificar concretamente as obras em que o Recorrente trabalhou, bem como, em determinar a existência nas mesmas obras de refeitórios e/ou dormitórios custeados pela entidade patronal do Recorrente e se o trabalhador os utilizou efetivamente.

7. Com efeito, a AT não logrou em fazer prova de que o Recorrido tenha almoçado, jantado, e pernoitado em refeitórios e/ou dormitórios existentes nas obras da sua Entidade Patronal no ano de 1997.

8. O Tribunal recorrido esteve bem na sentença proferida, a qual está conforme a jurisprudência dos Tribunais Superiores, que determina que o ónus da prova da verificação da falta de preenchimento dos pressupostos para pagamento de ajudas de custo aos trabalhadores, cabe à Autoridade Tributária, resultando esta posição designadamente do ACÓRDÃO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO NORTE de 3 de maio de 2012, no processo n.º 00209/08.98EMDL e do Acórdão proferido pelo SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO em 22 de maio de 2013, no processo n.º 146/13, referenciados nas alegações.

9. Foi no mesmo sentido que se pronunciou a sentença recorrida, que ademais, se baseou no depoimento das testemunhas arroladas pelo Recorrido nos autos, que comprovam que em nenhuma das obras realizadas pela E... - E... (designadamente nas obras da Gardunha e da Régua) existiam "dormitórios" e/ou "refeitórios", existindo apenas contentores nos quais os trabalhadores podiam tomar as suas refeições, que traziam de casa, cujo custo suportavam com as ajudas de custo que eram pagas pela entidade empregadora.

10. Note-se que nas Alegações de Recurso a Recorrente apenas faz referência ao fato de o Recorrido alegadamente ter "confessado" que existiam refeitórios nas obras da Régua.

11. Ora, não corresponde à verdade que o Recorrido tenha "confessado" o fato de alegadamente existirem refeitórios na obra da Régua, sendo que, ainda que tal alegada "confissão" tivesse existido, a mesma sempre seria afastada pela prova produzida pelo depoimento das testemunhas inquiridas nos autos, nos termos do n.º 3 do artigo 342.º do Código Civil, as quais comprovaram expressamente que os alegados "refeitórios", não constituem mais do que contentores sem quaisquer condições, nos quais os trabalhadores podem consumir a comida que trazem de casa, custeada com as respetivas ajudas de custo.

12. Em momento algum da PI o Recorrido alegou que as suas refeições fossem custeadas pela E…., muito pelo contrário, o Recorrido sempre alegou que era ele próprio que efetuava o pagamento da sua alimentação e alojamento, com o dinheiro que recebia das ajudas de custo que lhe eram pagas pela entidade patronal. Neste sentido,

13. Em parte alguma da PI ou em momento algum do procedimento de inspeção o Recorrido declarou que na obra da Régua (ou em qualquer outra obra) existissem refeitórios custeados pela E…., nem mesmo que as refeições fossem suportadas pela empresa, pelo contrário o Recorrido sempre alegou nos presentes autos que os custos com alimentação e alojamento eram por si suportados (EXCLUSIVAMENTE) à custa das ajudas de custo pagas pela Empresa, para suportar as mesmas despesas, já que o Recorrido era residente em Sequeira (Guarda) e a obra realizada em 1997 localizava-se na Régua.

14. Conforme resulta do Acórdão do STA já referenciado e conforme decidiu o TAF de Castelo Branco na sentença recorrida, cabia à AT, em cumprimento do princípio da legalidade, bem como do princípio do inquisitório previsto no artigo 58.º da LGT recolher indícios suficientes do fato de existirem refeitórios e dormitórios na obra da Régua, custeados pela E…., provando nestes termos que a totalidade das despesas de alimentação e alojamento eram assim integralmente custeadas pela empresa e não pelos trabalhadores.

15. Neste sentido, não cabia ao Recorrido carrear para os autos prova documental dos custos suportados com alimentação e alojamento, sendo que uma vez que o CIRS não exige que o mesmo conserve no respetivo processo de documentação fiscal as faturas referentes às aquisições de bens e serviços essenciais para a respetiva alimentação e alojamento (já que as mesmas despesas não são dedutíveis em IRS), a AT não pode exigir em sede de procedimento inspetivo que o Recorrido apresente esses mesmos documentos,

16. Desde logo porque, nos termos do artigo 115.º do CPPT em sede de processo judicial tributário são admissíveis todos os meios legais de prova, designadamente a prova testemunhal, a qual só pode ser dispensada se se revelar "manifestamente impertinente, inútil ou desnecessária" , o que não foi o caso, na situação em causa nos autos.

17. Por conseguinte, as alegações da Recorrente são absolutamente desprovidas de base legal para além de serem destituídas de qualquer base factual, o que se denota designadamente no fato de a AT alegar que os valores atribuídos ao Recorrido ajudas de custo que não correspondem a dias efetivos de trabalho, tendo o Recorrido provado nos autos que sendo as obras de laboração contínua, as mesmas permanecem em funcionamento independentemente de se tratar de feriados ou fins de semana, uma vez que as mesmas obras não podem parar durante o ano, sendo por conseguinte essencial que nas mesmas sejam mantidos trabalhadores por turnos (em laboração contínua).

18. Ademais, caso a AT pretendesse que o presente recurso constituísse um recurso da matéria de fato deveria a mesma ter observado integralmente o ónus previsto no disposto no artigo 640.º do CPC, não o tendo feito, o presente recurso só pode ser compreendido como recurso de matéria de Direito, sendo o mesmo manifestamente improcedente, com os fundamentos expostos.

19. Caso alguma dúvida houvesse no que respeita à correção da sentença recorrida, os documentos juntos com as alegações finais, os quais são Acórdãos proferidos em situações semelhantes, mas respeitantes a outros trabalhadores que foram alvo exatamente do mesmo procedimento de inspeção, têm sido proferidas sentenças e acórdãos no mesmo sentido da sentença em causa nos presentes autos, tendo os Tribunais ordenado a anulação dos atos de liquidação adicional de IRS praticados, com fundamento na ilegalidade dos mesmos, por falta de realização de diligências instrutórias por parte da AT no procedimento referido (junto em Anexo 1 das contra alegações

20. Por outro lado, e sendo as ajudas de custo devidas nos termos da lei, e não tendo a AT logrado em individualizar quais os valores pagos pela E…. em "duplicado", por não ter apurado quais os custos em refeitórios e dormitórios que cabiam a cada um dos trabalhadores, designadamente ao Recorrido, porque motivo terá persistido nas correções em sede de IRS.

21. Além do que, e conforme ficou cabalmente demonstrado, não tendo os montantes pagos a título de ajudas de custo excedido o limite anual legalmente imposto para as mesmas, nunca se poderá, sustentar a existência de imposto em falta, pelo que a liquidação adicional, em apreço, é ilícita e abusiva devendo, consequentemente, V. Exa. ordenar a sua anulação.

22. Termos em que, com os fundamentos ora melhor expostos, requer-se a V. Exas. se dignem proferir Acórdão que mantenha a totalidade do teor da sentença recorrida, mantendo­se a anulação do ato de liquidação de IRS, com as demais consequências legais.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEIS, REQUER-SE A V. EXAS. QUE:
(1) O RECURSO INTERPOSTO PELA RECORRIDA SEJA REJEITADO LIMINARMENTE, POR INCUMPRIMENTO DO ÓNUS DE ESPECIFICAÇÃO CONSAGRADO NO ARTIGO 640.º DO CPC, OU, CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA,
(2) DEVERÁ O MESMO RECURSO SER DECLARADO IMPROCEDENTE POR NÃO PROVADO,

MANTENDO-SE SEMPRE A SENTENÇA RECORRIDA, COM AS DEMAIS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS,
FAZENDO ASSIM V. EXAS.,
JUSTIÇA!

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela procedência do recurso.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou no julgamento de facto e de direito ao julgar procedente a Impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRS relativa ao ano de 1997.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

a) A 03/10/2001 foi emitida “notificação de correcções resultantes de análise interna” ao ora impugnante, no sentido deste exercer o direito de audição sobre o respectivo projecto de correcções (cfr. documento a fls. 102 do PAT);
b) Do projecto de correcções consta o valor de 2.131.118$00, como rendimento do trabalho dependente não declarado, relativo ao ano de 1997 (cfr. documento de fls. 103 do PAT);
c) Lê-se da informação datada de 19/09/2001 (cfr. documento de fls. 104 e seguintes do PAT):
“Correcções meramente aritméticas:
(…)
A – Situação em apreço
1. Da inspecção efectuada ao sujeito passivo “E… – E…. de, Lda, (…) permitiu-nos apurar o seguinte:
i) A empresa procedeu ao pagamento a diversos trabalhadores de determinadas importâncias a título de “ajudas de custo” e “subsídios de alimentação”.
ii) Através da inspecção efectuada ao sujeito passivo, apurou-se que os respectivos valores eram na realidade um complemento de vencimento, pois em todos os locais foram criados, refeitórios e dormitórios, bem como foram pagas despesas para a manutenção dos mesmos (compras de bebidas, lençóis, camas, higiene e limpeza, como também o aluguer de apartamentos, sua manutenção, pagamento de refeições, para o pessoal mais especializado).
B – Situação Verificada
1 – Em face do descrito o funcionário “V…..” (…), recebeu em função dos serviços prestados, as seguintes importâncias não declaradas em sede de IRS:
(…)
Exercício de 1997 esc. 2.131.118$00

d) A sociedade E…., E…., Lda. desenvolveu nos anos de 1996 e 1997 obras na Régua, em Castro Verde, Costa do Estoril, Pragal, Gardunha, Madeira (cfr. depoimento da primeira e segunda testemunha);
e) A obra da Régua não teve contentor disponível onde os trabalhadores tomassem as suas refeições (cfr. depoimento da primeira testemunha);
f) A obra da Régua não teve disponíveis dormitórios para os trabalhadores (cfr. depoimento da primeira testemunha);
g) A obra de Castro Verde – Minas Neves Corvo não teve contentor disponível onde os trabalhadores tomassem as suas refeições (cfr. depoimento da segunda testemunha);
h) A obra de Castro Verde – Minas Neves Corvo não teve dormitórios disponíveis para os trabalhadores (cfr. depoimento da segunda testemunha);
i) O impugnante declarou em sede de IRS, relativamente ao ano de 1997 o rendimento bruto no valor de 9.340,58€ (cfr. documento de fls. 47 dos autos);
j) A 20/10/2001 foi emitida liquidação de IRS n.º 2001 5…., relativa ao ano de 1997, onde se apurou como rendimento global o valor de 4.295.681$00, e um valor a pagar de 561.857$00 (cfr. documento a fls. 40 dos autos);
k) A 17/12/2001 o impugnante entregou reclamação graciosa contra o acto tributário ora impugnado (cfr. documento de fls. 3 do PAT “Processo de Reclamação”);
l) Por despacho do Chefe de Finanças de 16/02/2005 foi decidido o indeferimento da reclamação graciosa apresentada (cfr. documento de fls. 135 dos autos);
m) A coberto do ofício n.º9…., de 24/02/2005, foi remetido ao ora impugnante o indeferimento da Reclamação Graciosa da liquidação de IRS de 1996 (cfr. documento a fls. 136 do PAT);
n) Com referência ao mês de Janeiro de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E……, Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 2 a 20, com a indicação de deslocação “Régua” “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 167.295$00 (cfr. documento de fls. 12 do PAT “Processo de Reclamação”);
o) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 167.295$00, referente ao mês de Janeiro de 1997, relativo a 19 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 12 do PAT “Processo de Reclamação”);
p) Com referência ao mês de Fevereiro de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E….., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21 a 25, e 27 a 31 de Janeiro, e, 1, 3 a 7, 12 a 14, e, 17 e 20 de Fevereiro, com a indicação de deslocação “Régua” e “trabalhos de escavação” com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 202.515$00 (cfr. documento de fls. 14 do PAT “Processo de Reclamação”);
q) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 202.515$00, referente ao mês de Fevereiro de 1997, relativo a 23 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 15 do PAT “Processo de Reclamação”);
r) Com referência ao mês de Março de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E……, Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21, 24 a 28 de Fevereiro, e, 3 a 8, 10 a 14, e, 17 a 20 de Março, com a indicação de deslocação “Régua”, “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 184.905$00 (cfr. documento de fls. 16 do PAT “Processo de Reclamação”);
s) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 184.905$00, referente ao mês de Março de 1997, relativo a 21 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 17 do PAT “Processo de Reclamação”);
t) Com referência ao mês de Abril de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E….., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21, 24 a 27, e 31 de Março, e, 1 a 4, 7 a 12, e 14 a 17 de Abril, com a indicação de deslocação a “Régua” “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 176.100$00 (cfr. documento de fls. 18 do PAT “Processo de Reclamação”);
u) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 176.100$00, referente ao mês de Abril de 1997, relativo a 20 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 19 do PAT “Processo de Reclamação”);
v) Com referência ao mês de Maio de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E…., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21 a 24, e, 29 a 31 de Março, e, 5 a 9, 12 a 16, e, 19 e 20 de Maio, com a indicação de deslocação “Régua” “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 167.295$00 (cfr. documento de fls. 20 do PAT “Processo de Reclamação”);
w) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 167.295$00, referente ao mês de Maio de 1997, relativo a 19 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 21 do PAT “Processo de Reclamação”);
x) Com referência ao mês de Junho de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E….., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21 a 23, e 26 a 26 de Maio, e, 2 a 6, e, 9 a 20 de Junho, com a indicação de deslocação “Régua” e “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 202.515$00 (cfr. documento de fls. 22 do PAT “Processo de Reclamação”);
y) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 202.515$00, referente ao mês de Junho de 1997, relativo a 23 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 23 do PAT “Processo de Reclamação”);
z) Com referência ao mês de Julho de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E….., Lda., relativo ao ora impugnante, 1onde constam preenchidos os dias 23 a 27, e, 30 e 31 de Junho, e, 1 a 4, 7 a 10, e, 14 a 17 de Julho, com a indicação de deslocação “Régua”, “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 167.295$00 (cfr. documento de fls. 14 do PAT “Processo de Reclamação”);
aa) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 167.295$00, referente ao mês de Julho de 1997, relativo a 19 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 25 do PAT “Processo de Reclamação”);
bb) Com referência ao mês de Agosto de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E….., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21 e 22, 28 a 31 de Julho, e, 4 a 7, 11 a 14 e 18 e 20 de Agosto, com a indicação de deslocação a “Régua” “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 149.685$00 (cfr. documento de fls. 26 do PAT “Processo de Reclamação”);
cc) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 149.685$00, referente ao mês de Agosto de 1997, relativo a 17 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 29 do PAT “Processo de Reclamação”);
dd) Com referência ao mês de Setembro de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E….., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21 a 31 de Agosto e, e a 8 de Setembro, com a indicação de deslocação a “Régua” “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 167.295$00 (cfr. documento de fls. 28 do PAT “Processo de Reclamação”);
ee) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 167.295$00, referente ao mês de Setembro de 1997, relativo a 19 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 29 do PAT “Processo de Reclamação”);
ff) Com referência ao mês de Outubro de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E....., Lda., relativo ao ora impugnante, 1onde constam preenchidos os dias 22 a 26, e, 29 e 30 de Setembro, e, 1 a 3, 14
a 17, e 20 de Outubro, com a indicação de deslocação “Régua”, “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 132.075$00 (cfr. documento de fls. 30 do PAT “Processo de Reclamação”);
gg) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 132.075$00, referente ao mês de Outubro de 1997, relativo a 15 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 31 do PAT “Processo de Reclamação”);
hh) Com referência ao mês de Novembro de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E....., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21 a 24, e, 27 a 31 de Outubro, e, 3 a 7 e 10 a 14 de Novembro, com a indicação de deslocação a “Régua” “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 167.295$00 (cfr. documento de fls. 32 do PAT “Processo de Reclamação”);
ii) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 167.295$00, referente ao mês de Novembro de 1997, relativo a 19 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 33 do PAT “Processo de Reclamação”);
jj) Com referência ao mês de Dezembro de 1997 foi preenchido o “boletim de itinerário”, onde é identificada a E....., Lda., relativo ao ora impugnante, onde constam preenchidos os dias 21 e 24 a 28 de Novembro, e, os dias 2 a 5 e 9 a 12 de Dezembro, com a indicação de deslocação “Régua” “trabalhos de escavação”, com um valor de Ajuda Custo/ dia de 8.805$00, num total de 123.270$00 (cfr. documento de fls. 34 do PAT “Processo de Reclamação”);
kk) Pelo impugnante foi assinado documento onde declara ter recebido o valor de 123.270$00, referente ao mês de Dezembro de 1997, relativo a 14 dias de ajudas de custos (cfr. documento de fls. 35 do PAT “Processo de Reclamação”);
ll) A 03/04/2002 foi emitida a Garantia Bancária n.º 976020….., a favor da Fazenda Nacional, em nome do ora impugnante, no valor de €7.841,08, para garantir a dívida constante do processo executivo n.º12…...4 (cfr. documento a fls. 44 dos autos);
mm) A 19/12/2002 o impugnante efectuou no âmbito do PEF 12…. o pagamento relativo à liquidação ora impugnada (cfr. documento de fls. 42 dos autos);


Os factos provados assentam na análise crítica dos documentos juntos aos autos e não impugnados, assim como do depoimento das testemunhas.
A primeira testemunha mostrou ter conhecimento directo da obra da Régua, onde trabalhou, conhecendo o local da obra, mostrando-se o seu depoimento claro e credível.
A segunda testemunha não conhecendo a obra da Régua, afirmou que quanto à obra em que sempre trabalhou não existiam também dormitórios nem refeitórios, o que se mostra relevante, por contradizer o relatório da inspecção, onde se afirma “em todos os locais foram criados, refeitórios e dormitórios”.
Defende o Exmo. RFP que as testemunhas não se mostraram credíveis porque responderam contrariamente ao alegado pelo impugnante, e se contradisseram quanto a auferirem ou não subsídio de refeição, mas tais respostas, porque não incidiram sobre questões de facto, mas sim de direito – receber ou não receber subsídio de refeição - nada indiciam quanto à falta de credibilidade das testemunhas, a quem nem sequer é exigível dominar tais conceitos por forma a em relação aos mesmos não prestarem depoimentos incertos ou desconforme com a realidade.
O que releva para o caso dos presentes autos é numa primeira linha saber se a obra tinha local para pernoitar e onde tomar refeições, e se as refeições eram fornecidas pela empregadora ou não, e tal foi possível aferir através dos depoimentos da primeira testemunha.
**
Não há factos alegados não provados com interesse para a decisão da causa.

ALTERAÇÃO OFICIOSA DE FACTOS.
Na alínea e) dois Factos provados consta que “A obra da Régua não teve contentor disponível onde os trabalhadores tomassem as suas refeições”.
Contudo, nos artigos 52º e 69º da douta petição inicial, o Impugnante alega que a entidade patronal não dispunha de dormitórios na obra da Régua mas apenas refeitórios. O facto de se tratar de contentor, ou não, não constitui qualquer óbice a que nele se tomem e sirvam refeições, ou seja, um refeitório, sendo aliás, esta a designação que o próprio Impugnante usa nos artigos 52º e 69 da douta petição inicial.

Por conseguinte, sendo a existência de refeitório na obra da Régua um facto alegado pelo Impugnante, elimina-se dos factos provados a alínea e).


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
O Exmo. Representante da Fazenda Pública discorda da sentença e imputa-lhe erro de julgamento de facto e de direito. As doutas conclusões sintetizam-se nos seguintes enunciados:
A sentença errou ao decidir que a liquidação não se encontra fundamentada.
Pelo contrário, a liquidação encontra-se fundamentada de facto e de direito ao abrigo do disposto no artigo 2º/2 do CIRS.
Ficou demonstrado no procedimento de inspeção realizado à “E….- E…, Lda” que esta criou nos locais de trabalho refeitórios e dormitórios, tendo ainda sido pagas despesas para manutenção dos mesmos compra de bebidas, lençóis, camas, higiene e limpeza, tendo-se verificado ainda o aluguer de apartamentos, sua manutenção e pagamento de refeições para o pessoal mais especializado.
O Impugnante confirma a existência de refeitórios na obra da Régua, pelo que não teve despesas com alimentação, um dos aspectos a que o abono de ajudas de custo se destina a fazer face.
Por outro lado, através dos documentos juntos aos autos pelo Impugnante aquando da reclamação, este aceita o recebimento de subsídio de refeição, confirmando assim, a atribuição e contabilização de duas verbas para o mesmo fim.
Recaía sobre o Impugnante o ónus de infirmar a prova carreada pela AT. E tendo alegado que suportou custos com a alimentação e alojamento, deveria ter apresentado prova de tais custos.
Os valores atribuídos ao Impugnante a título de ajudas de custo têm em conta os dias de trabalho efetivo e não os dias em que o trabalhador eventualmente se encontrou deslocado ao serviço da entidade patronal, sendo patente a remuneração atribuída por dias inexistente no calendário mas correspondentes a dias efetivos de trabalho.
Salienta-se o montante exato e constante do valor mensal e da regularidade com que é atribuído, independentemente da obra e do local de trabalho (fosse na Gardunha - em 1996 - ou na Régua, cujas distâncias de Lisboa são diferentes, o que também corrobora a tratar-se de complemento de vencimento.

Vejamos.
As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo, por isso, uma contraprestação do trabalho realizado.

A caraterística essencial das ajudas de custo reside no facto de representarem uma compensação ou reembolso pelas despesas que o trabalhador foi obrigado a fazer na sequência de deslocações efetuadas no cumprimento da sua obrigação laboral ao serviço da entidade empregadora.

Recai sobre a Autoridade Tributária o ónus de provar a verificação dos requisitos que lhe permitam alterar o rendimento coletável declarado pelo sujeito passivo apontando os elementos factuais demonstrativos de que as verbas pagas pela entidade empregadora constituem um rendimento do trabalho sem fim compensatório (art.º 74º LGT).

Ora, de acordo com o procedimento de inspeção interno realizado ao Impugnante (flçs. 103 dos PA), vertido na alínea C) dos factos provados:
1. Da inspecção efectuada ao sujeito passivo “E…. – E…. de, Lda, (…) permitiu-nos apurar o seguinte:
i) A empresa procedeu ao pagamento a diversos trabalhadores de determinadas importâncias a título de “ajudas de custo” e “subsídios de alimentação”.
ii) Através da inspecção efectuada ao sujeito passivo, apurou-se que os respectivos valores eram na realidade um complemento de vencimento, pois em todos os locais foram criados, refeitórios e dormitórios, bem como foram pagas despesas para a manutenção dos mesmos (compras de bebidas, lençóis, camas, higiene e limpeza, como também o aluguer de apartamentos, sua manutenção, pagamento de refeições, para o pessoal mais especializado).
B – Situação Verificada
1 – Em face do descrito o funcionário “V….” (…), recebeu em função dos serviços prestados, as seguintes importâncias não declaradas em sede de IRS:
(…)
Exercício de 1997 esc. 2.131.118$00”

Este é o facto apurado pela AT em relação ao Impugnante que fundamentou a liquidação impugnada.

O RECORRENTE nas doutas alegações pretende também impugnar os factos provados com referência à falta de credibilidade das testemunhas cujo depoimento terá sido “desmentido” pelas alegações contidas na petição inicial, bem como dos documentos juntos aos autos aquando da reclamação.

Contudo, o RECORRENTE não deu cumprimento satisfatório ao disposto no art. 640º do CPC. Não identificou (a) os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; nem (b) os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; nem (c) a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
Razão por que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 640º CPC ("ex vi" do art. 2º/e) do CPPT) se rejeita o recurso nesta parte, sem prejuízo da correção oficiosa acima efetuada.

Assim, prosseguindo, resulta do conteúdo do relatório efetuado ao Impugnante que no procedimento de inspeção realizado à sociedade empregadora se apurou que em todos os locais “...foram criados refeitórios e dormitórios, bem como foram pagas despesas para a manutenção dos mesmos (compras de bebidas, lençóis, camas, higiene e limpeza, como também o aluguer de apartamentos, sua manutenção, pagamento de refeições, para o pessoal mais especializado)

Mas o facto de a entidade patronal ter criado em todos os locais refeitórios e dormitórios não significa que o Impugnante tenha beneficiado destes equipamentos ou instalações, havendo nitidamente um défice instrutório da AT que se limitou a “generalizar” para todos os trabalhadores, incluindo o ora Impugnante, uma dada situação factual sem cuidar de saber se em concreto, e para o sujeito em causa, tinha beneficiado dos equipamentos ou benefícios descritos.

De resto, nem sequer é verdade que a entidade patronal do Impugnante disponibilizasse a totalidade desses equipamentos - refeitórios e dormitórios - em todos os locais de trabalho. Pelo menos no período relevante para a liquidação (1997), não tinha seguramente dormitórios nas obras da Régua, nem dormitórios nem refeitórios em Castro Verde – Minas de Neves Corvo, como expressamente podemos concluir dos factos provados constantes das alíneas d) a h) da sentença (tendo em conta a eliminação da alínea e).

E o facto de ter refeitório na obra da Régua, também não é seguro que o Impugnante o utilizasse, faltando o desenvolvimento de diligências nesse sentido por parte da AT para poder desencadear, com sucesso, a tributação contra o Impugnante.
E também não se pode concluir pelo carácter remuneratório de certas ajudas de custo apenas da verificação de que o seu valor se repete ao longo dos meses, ou é pago a todos os funcionários(1). Tal regularidade e constância monetária poderá constituir um indício de que se trata de um complemento de remuneração, mas como mero indício que é, devolve à AT o dever de averiguar na esfera jurídico tributária do Impugnante a existência de outros elementos que confirmem – ou não - o caráter remuneratório as verbas em questão.

Assim, sendo as ajudas de custo pagas ao Impugnante relativas a deslocações à obra da Régua (alíneas “n” a “jj”), e recaindo sobre a AT o encargo probatório relativo aos factos constitutivos do seu direito à liquidação (Art. 74º/1 LGT e 342º/1 Código Civil)(2), conclui-se não estar provada qualquer factualidade com aptidão legal para fundadamente suportar a liquidação adicional impugnada.

E assim sendo, não recai sobre o Impugnante qualquer ónus probatório com vista a demonstrar que as verbas recebidas constituem ajudas de custo, pois não tendo a AT cumprido satisfatoriamente o seu dever probatório, não ilidiu a presunção de veracidade que acompanha a declaração (art. 75º/1 LGT).
Ou seja, não subsistem razões legais para remeter ao contribuinte o encargo de provar o que presumidamente a lei considera provado.

Verificando-se a inexistência dos pressupostos de facto e de direito da liquidação impugnada, o que ditará a sua anulação, tornar-se-ia desnecessário apreciar o vício de forma – falta de fundamentação - que a sentença também imputa à liquidação, como resulta do disposto no art. 124º/1-2-a) CPPT e 608º/2 CPC.

Porém, como o RECORRENTE também ataca esta parte da sentença, não obstante o que acima dissemos, debruçamo-nos sobre a questão para concluir que o acervo factual recolhido pela AT é manifestamente insuficiente para fundamentar a qualificação como remuneração as declaradas ajudas de custo. Nem os factos são congruentes entre si pois o conteúdo procedimental não explica as razões por que foi tomada tal decisão, e de modo algum constitui conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, uma vez que não se recolheram factos relativos ao Impugnante para fundamentar a liquidação, na esteira do que já decidiram os acs deste TCA n.º 04489/11 de 29/3/2011 e 3510/09 de 10/11/2009 sobre idêntica questão, que com a devida vénia acompanhamos.

Concluindo, o acto tributário impugnado não só não está devidamente fundamentado como do seu conteúdo não resultam reunidos os requisitos factuais e de direito para qualificar como complemento de remuneração as verbas recebidas a título de ajudas de custo as verbas. Nestas circunstâncias, a sentença não padece de qualquer erro ou ilegalidade, devendo por isso ser confirmada.

V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCAN em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela RECORRENTE.

Lisboa, 11 de julho de 2019.




(Mário Rebelo)




(Patrícia Manuel Pires)




(Cristina Flora)


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(1) Assim, o Ac. do STA n.º 0901/14 de 28-01-2015.
(2) Cfr. ac. do STA n.º 0901/14 de 28-01-2015 Relator: ANA PAULA LOBO
II – Tratando-se, como se trata, no artº 2º do CIRS de uma verdadeira norma de delimitação negativa de incidência ou de exclusão de tributação de IRS, competia à Administração Tributária alegar, para poder provar em seguida, ou, que as quantias pagas a título de ajudas de custo não se destinaram a reembolsar os recorridos de despesas decorrentes da sua deslocação, porque elas não tinham tido lugar ou não ocorreram com a extensão apresentada, ou, que ultrapassaram os limites legais estabelecidos para a exclusão da respectiva tributação, dado que estes elementos são ainda factos fundamentadores ou enformadores do ato tributário.