Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1149/07.4BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:03/25/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:IRS;
PROCEDIMENTO DE REVISÃO;
ACORDO.
Sumário:I – Nos termos do preceituado no nº4 do artigo 86º da LGT, a impugnação do acto tributário de liquidação em que a matéria tributável tenha sido determinada com base em avaliação indirecta, pode ser invocada qualquer ilegalidade desta, salvo quando a liquidação tiver por base o acordo obtido no processo de revisão da matéria tributável.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

J... e M..., vieram deduzir Impugnação Judicial onde pedem a anulação do acto tributário e a consequente anulação das liquidações adicionais de IRS do ano de 2003.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, por decisão de 31 de Maio de 2013, julgou improcedente a impugnação judicial.

Não concordando com a sentença, J... e M... vieram interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«A - É nulo o acto determinado por órgão incompetente

B - Se por mera hipótese se entender que o órgão é competente, incorre em erro a douta sentença produzida pelo Tribunal a quo, na medida em que dá como provada factualidade, que ora se impugna, designadamente no que se refere à tramitação do procedimento de revisão.

C - Não fica demonstrada na douta sentença do Tribunal a quo, a verificação dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta, ficando igualmente demonstrada, para além do já motivado em sede de impugnação judicial, quanto a necessária verificação desses pressupostos, a falta de coerência no depoimento prestado pela testemunha indicada pelo ERFP que foi simultaneamente representante da Fazenda no procedimento de revisão nos termos do artigo 91.º da LGT.

D - Não demonstra a douta decisão, a necessária fundamentação do acto de liquidação, que se impõe rigorosa, para mais sustentado em acção inspectiva que culmina com a correcção da matéria tributável com recurso à avaliação indirecta, desprezando a douta decisão, literalmente, depoimentos de gente avalizada, cuja vida, foi desde sempre, trabalhar em padaria.

E - Devendo por tudo o que se motiva, entender a douta decisão do Tribunal ad quem, pela revogação da decisão proferida em 1.ª Instância por padecer a mesma de vício que contende com uma boa e justa decisão da causa.»


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A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, ofereceu as suas contra-alegações, tendo formulado as seguintes conclusões:
«1. No nosso modesto entendimento, o que o Impugnante reputa é o erro de julgamento quanto à matéria de facto assente como provada, pretendendo com isso abalar a sentença recorrida.
2. O que não se verifica do teor e análise da fundamentação da sentença recorrida.
3. Na verdade, o Tribunal recorrido expendeu proficientemente as razões da sua convicção, quer quanto à eventual invalidade do procedimento de revisão, quer quanto à verificação dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta da matéria colectável pelos serviços de inspecção tributária.
4. Ademais, também não se descortinam nas alegações do Recorrente razões que convençam do desacerto da sentença quanto à fundamentação invocada para o item de “falta de fundamentação do acto tributário”.
5. Termos em que, se impõe a manutenção da sentença recorrida, com as demais consequências legais.
Nestes termos deve o presente recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença do Tribunal a quo, que nenhuma censura merece atento os elementos probatórios constantes dos autos.
Termos em que, V. Exas. farão a costumada JUSTIÇA.»

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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificado para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Os impugnante foram sujeitos a fiscalização externa referente aos exercícios de 2003 e 2004 no âmbito da qual foi elaborado o relatório junto a fls. 22 e segs.. do PA apenso e cujo conteúdo se dá por reproduzido.

2. A inspeção teve por base a ordem de serviço n° OI200503614, datada de 2005/11/04; foi iniciada em 2007/03/27 e concluída em 2007/05/14 (fls. 4 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

a. O despacho de 4/11/2005, exarado na OI200503614, assinado pelo Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças, assinado pelo sujeito passivo em 2/3/2007 (fls. 26 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

b. Com data de 17/1/2007 foi expedida carta aviso, a coberto do ofício n.º 538 com a informação de que a muito curto prazo se deslocarão à morada acima referenciada técnicos dos Serviços de Inspecção Tributária (fls. 25 cujo conteúdo se dá por reproduzido)

3. O sujeito passivo desenvolve a actividade de Panificação, CAE 015811. Para o efeito possui as instalações da padaria numa localidade do concelho de Torres Novas – M.... Comercializa o pão através de distribuição porta a porta, postos de venda em mercados e na pastelaria que também explora, a qual se localiza em Alcanena, frente ao Serviço de Finanças (fls. 4 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

4. Relativamente ao Café/Pastelaria, o sujeito passivo para além das prestações de serviço inerentes a este tipo de actividade, vende tabaco ao balcão, apresentando a comercialização deste artigo uma MBV de 5%, em relação à qual não foram efectuadas correcções (fls. 4 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

5. No que diz respeito à panificação, fabrica essencialmente pão tipo regional, bolas de diversos pesos e tamanhos, papo-secos e ainda pão de forma, pão de milho e alguns bolos de pastelaria (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

6. Não possui clientes regulares que adquiram grandes quantidades, como por exemplo restaurantes, fábricas, etc, motivo pelo qual não pratica descontos nos preços de venda (fls. 5 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

7. A AT procedeu à determinação ma matéria colectável com recurso à avaliação indirecta com base nos seguintes factos:

a. Inexistência de mapas de fabrico que evidenciem a realidade do fabrico diário dos vários tipos de pão, nomeadamente quantidades de farinha utilizada e desperdiçada da (considerados imprescindíveis para efeitos tributários pela Associação dos Industriais de Panificação de Lisboa, a qual engloba os distritos de Lisboa, Santarém, Leiria, Setúbal, Porto, Braga e Viana do Castelo, na sua circular n° 26/99, onde explana as normas essenciais de funcionamento deste tipo de actividade);

b. Inexistência de documentos de suporte ao registo dos proveitos - quanto à actividade da panificação, não foram emitidos talões de venda, vendas a dinheiro, ou outro documente equivalente, nomeadamente no que respeita às vendas porta a porta e vendas em bancas nos mercados (fls. 8 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

c. Inexistência de documentos de suporte ao registo dos proveitos - Relativamente aos proveitos provenientes das Prestações de Serviços do Café, pois os “Z’s” da registadora não discriminam os artigos, nem evidenciam se o proveito registado se refere a vendas de pão ou a prestação de serviços do Café (fls. 8 e 9 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

d. Estes documentos foram destruídos com as inundações.

e. Os valores registados em Prestações de Serviços e declarados na base tributável, para efeitos de IVA. (7 212.50 € em 2003 e 14 955,98 € em 2004) chegam a ser inferiores ao custo das existências do café em grão, no exercício de 2003 (€ 8 048,76) e ao CMVC do sector da pastelaria em 2004.

f. Inexistência de mapa de controlo de peso de pão, cita. Inexistência de registos das sobras de pão, nem de autoconsumo (fls. 9 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

g. Inexistência de elementos que permitissem apurar o coeficiente de produção praticado, bem como o preço médio do pão ao quilo.

h. Os registos dos proveitos são elaborados apenas por resumos mensais manuscritos, mencionando um único movimento diário, sem quantidades ou valor unitário e na maior parte dos casos sem qualquer outro suporte documental que ateste da veracidade dos mesmos.

8. Devido a tais factos, considerou a AT ser impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, pelo que se procedeu àquela determinação por recurso à avaliação indirecta.

9. Para determinação da matéria colectável, a AT apurou o consumo de farinha do seguinte modo (fls. 11 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido):


10. Em 2004 o sujeito passivo transferiu existências, ao preço de custo para a socie- dade que constituiu, nomeadamente farinha, tendo este facto sido tomado em consideração (fls. 11 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

11. Por não haver mapas de produção, a AT solicitou ao sujeito passivo que durante alguns dias aquando da produção efectuasse o apuramento do pão produzido, a farinha utilizada nessa produção e as sobras de pão (fls. 12 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)

12. E assim encontrou o coeficiente de produção de 1,384, utilizado para cálculo das vendas presumidas (fls. 12 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

13. O preço médio simples do quilo de pão (1,85) é superior ao preço médio ponderado(l,58) sendo relevante para o sujeito passivo o facto de ter fornecido os ele- mentos que permitiram chegar ao preço médio ponderado por quilo de pão (fls. 13 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

14. A percentagem de sobras de pão a considerar, foi de 16,75% e 2% para autoconsumo, tendo este último valor sido obtido com base no seguinte critério: 10 empregados + 2 empresários = 12 pessoas x 365 dias – 30 de férias – 52 domingos = 3396 kgs (fls. 13 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

15. Uma vez que a contabilidade não evidencia com rigor, as compras destinadas ao sector da panificação e ao sector do café, procedemos à recolha das compras de farinha, sal, fermentos, sal, ingredientes para a confecção dos bolos e sacos para embalar o pão.

16. Com base nas compras e nos inventários, apurou-se o CMVC de matérias- primas para o sector da panificação (O CMVC do tabaco e do café em grão é tratado à parte), encontrando assim, por diferença, o CMVC das prestações de ser- viços de pastelaria, para além do café (bicas), (21 715,19 em 2003 e 24 474,77 em 2004), ao qual se aplicou a MBV de 44%, resultante da amostragem que integra o Anexo 3, junto a fls. 60 do PA apenso e cujo conteúdo se dá por reproduzido).

17. Apurando assim CMVC para 2003 de € 21715,19 e 21474,77 para 2004 (fls. 14 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido)

18. Café em grão e Bicas. Mediante a recolha das compras do café em grão, descafeinado, açúcar e adoçante e dos valores dos inventários, chegou-se ao consumo do café, nos exercícios em análise, considerando para os cálculos que, de cada quilo de café resultam 142 bicas, sendo o descafeinado à unidade. (fls. 15 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

19. Assim apurando no exercício de 2003 um total de € 30.592,00 e de € 15.229,80 para 2004 (fls. 16 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

20. No sector da pastelaria, aplicando a MBV de 44% aos valores referidos no n.º 17 resultou para o exercício de 2003 o montante de € 38.777,13 e € 33.893,17 para 2004 (fls. 16 cujo conteúdo se dá por reproduzido).

21. Notificados para exercer o direito de audição, os impugnantes nada disseram.

22. Os impugnantes requerem procedimento de revisão da matéria tributável nos termos que constam de fls. 27 e segs. dos autos e cujo conteúdo se dá por reproduzido.

23. A reunião dos peritos teve lugar no dia 31 de Agosto de 2007.

24. E após debate, foi alcançado acordo entre os peritos quer quanto aos fundamentos para recurso à avaliação indirecta, bem como à quantificação da matéria colectável, tendo a perita da AT aceitado:

a. A redução do coeficiente de produção (de 1,384 para 1.3)

b. O aumento das sobras (de 16,75% para 18,75%);

c. A redução do número de bicas por kg de café (de 142 para 125);

d. A redução da margem de comercialização (de 44% para 41%)

25. E com base em tal acordo, foi recalculado nos termos que constam da acta junta a fls. 74 do PA cujo conteúdo se dá por reproduzido).

26. A acta não foi assinada no dia 31 de Agosto, mas apenas mais tarde, conforme combinado entre os peritos.

27. O Exmo. perito dos contribuintes assinou a acta em data que não foi possível confirmar, mas próxima do dia 28 de Setembro.

28. Mas antes já tinha sido combinado encontro para assinar a acta, em data que não foi possível apurar, ao qual o Exmo. perito do contribuinte faltou, mas o perito independente assinou.

29. Por altura da assinatura da acta, o Exmo. perito do contribuinte manifestou relutância em assiná-la dizendo que os valores eram muito altos.

30. A Exma. perita da AT fez-lhe notar que ele tinha concordado e que nunca lhe dissera que os contribuintes não concordavam, e para além disso, o perito independente já tinha assinado a acta.

31. Acabando o Exmo. perito dos impugnantes por assinar a acta.

32. Em 25/9/2007 o perito independente apresentou o seu laudo (fls. 78 e segs. do PA apenso cujo conteúdo se dá por reproduzido).

33. Embora datado de 12 de Setembro de 2007.


FACTOS NÃO PROVADOS.

Com interesse para a decisão da causa nada mais se provou.

Designadamente não se provaram os factos relativos à inexistência de acordo no procedimento de revisão, a assinatura da acta sob pressão e que a mesma foi realizada contra a vontade dos sujeitos passivos, da recusa em receber o laudo do perito do contribuinte.

E também se não provou que

- A partir de meados do mês a redução das vendas é superior a 50%, e que atinge os mínimos entre Junho e Setembro;

- Nos anos de 2003 e 2004 os serviços prestados de pastelaria ficavam muito aquém dos valores movimentados em 2007, pois que até à abertura do SF, com exceção dos residentes, ninguém para ali se deslocava;

- Para não ser acusado do crime de especulação aumentava-se o peso da massa em 30%;

- O desperdício seja superior a 20%;

- Haja proliferação de pastelarias na zona em consequência de falências e desemprego na zona;

- O kg de café apenas produza 100 «bicas»,


MOTIVAÇÃO. A convicção do tribunal baseou-se nos seguintes meios de prova:

PROVA DOCUMENTAL. Os meios de prova documental que serviram para a convicção do tribunal estão referidos no «probatório» com remissão para as fls. do processo onde se encontram.

PROVA TESTEMUNHAL.

A testemunha arrolada pelos impugnantes, Sr. A..., TOC, foi o perito dos contribuintes que interveio no procedimento de revisão. Confirmou que houve uma primeira reunião na DF de Santarém, na qual se não alcançou qualquer acordo, tendo combinado continuar a reunião em data posterior e fazer a acta na hora, não tendo discutido sequer os pressupostos para recurso aos métodos indirectos. Mais tarde, de novo convocado, a perita da AT já «trazia» a acta preenchida e pressionou-o a assiná-la dizendo-lhe até que os seus clientes podiam ser todos fiscalizados se não assinasse.

O depoimento desta testemunha não mereceu credibilidade e tentar-se-á de seguida explicar porquê.

Que a acta não foi preenchida por ocasião da reunião, é ponto assente, nem daí se retira qualquer falsidade, pois em lado nenhum da acta se diz que ela foi preenchida, ou assinada, em 31 de Agosto. O que se diz é que a reunião teve lugar em 31 de Agosto, o que é coisa diferente.

Mas deve notar-se, antes do mais, que o perito independente não faz qualquer alusão no seu laudo ao acordo e que a apresentação de laudo pressupõe, que não houve acordo (Cfr. Art.º 92º/6 LGT). Estas duas questões levantam interrogação sobre a real existência do acordo que a acta menciona.

Interrogações que todavia não subsistem. Por um lado, porque o perito independente ao assinar a acta não podia deixar de constatar a existência de acordo, por isso a entrega de laudo não pode ter o sentido das interrogações que se fizeram supra. Além disso, os valores encontrados e a verificação dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta foram coincidentes com os apresentados pelo perito independente no seu laudo, portanto, indiciador de que tais valores foram «acordados» na reunião. Por outro lado ainda, se não houvesse acordo não se compreenderia porque é que a Exma. perita da AT aceitou a redução de vários parâmetros de avaliação. Só faz sentido esta redução no contexto de um acordo, pois se este não existisse, cada um manteria as propostas.

Acresce que a assinatura do perito independente na acta «com acordo» reforça a possibilidade da sua existência, pois de contrário seria de admitir qualquer reação. Que parece não ter havido.

Mas é inegável que o Exmo. perito do contribuinte manifestou relutância em assinar a acta, argumentando que os valores eram (ainda) elevados. Não obstante esta relutância, acabou por a assinar sem que se tenha provado qualquer «coação», designadamente através da ameaça de que todos os seus clientes seriam fiscalizados. Esta ameaça, ou outra, foi completamente negada pela Exma. perita da AT, que no entanto assumiu ter feito notar ao Exmo. perito que concordara com o conteúdo e que o perito independente já tinha assinado. A «ameaça» não mereceu credibilidade porque a testemunha, sendo TOC, saberia muito bem que as fiscalizações não são efectuadas segundo os critérios do inspector, tornando-a assim inócua. Mas se tivesse existido tal ameaça também não se compreende a falta de reação contra ela, designadamente através de participação criminal ou disciplinar, se não naquele momento, pelo menos em momento posterior.

Por outro lado, no que respeita à recusa de receção do laudo do perito do contribuinte, se ela tivesse existido da parte da AT, seria fácil ao Exmo. perito, ora testemunha, dar-lhe «entrada» na DF assim ultrapassando a falada recusa. Não o fazendo, a declaração nesse sentido pede credibilidade.

Mas num contexto de aceitação de acordo, já se compreende melhor não ter entregue o seu laudo.

No que respeita aos factos não provados, o depoimento da testemunha sobre eles também não mereceu credibilidade. Com efeito, dizer-se que a partir de meados do mês a redução das vendas é superior a 50% e que atinge os mínimos nos meses de Verão, não leva em conta que numa localidade nem todas as pessoas recebem os seus ordenados no fim do mês; depois a afirmação de que nos meses de Verão também há redução de consumo na ordem dos 50% «esquece» que nessas alturas também se assiste ao regresso dos emigrantes com muitas festas e celebrações próprias da época. Que os serviços prestados em 2003 e 2004 ficassem muito aquém dos prestados em 2007, e que até à abertura do serviço de finanças «ninguém para ali se deslocava», parece um exagero. Do mesmo modo, o aumento do peso da massa em 30%, o desperdício superior a 20% e o número de bicas por cada kg de café. Se, por exemplo, considerássemos um desperdício superior a 20% e o aumento da massa em 30% significaria uma perda na ordem dos 50%, o que é manifestamente exagerado; e se a esta «perda» juntássemos a quebra nas vendas após a segunda metade do mês e nos meses de Verão, deveria concluir-se que os impugnantes só tinham prejuízo com a actividade. Enfim, e para concluir, o depoimento desta testemunha não mereceu qualquer credibilidade pois dele resulta manifesto exagero com vista ao benefício dos impugnantes. Não demonstrou isenção nem imparcialidade.

Da parte da AT a testemunha expôs a versão dos acontecimentos revelando isenção e imparcialidade, o que conjugado com a prova documental logrou convencer o tribunal da veracidade do seu depoimento.»



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Alteração oficiosa, por ampliação, da decisão sobre a matéria de facto:


Por se entender relevante para a decisão de mérito a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, a coberto do estatuído no artigo 662.º, nº.1, do CPC ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:


34) Da acta da reunião entre os peritos consta o seguinte: “(…) Em face da apreciação dos fundamentos invocados na petição do sujeito passivo, das informações constantes do processo e dos demais elementos trazidos e discutidos no decurso da reunião, foi encontrado acordo entre os peritos presentes, quer para os valores a considerar como matéria colectável para efeitos de IRS quer para os montantes a liquidar adicionalmente para efeitos de IVA (…)” – Cfr. documento a fls. 69 do PAT, apenso.

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Ora, lidas as conclusões das alegações de recurso, resulta que está em causa saber se a sentença recorrida:

· errou no seu julgamento no que respeita à matéria de facto dada como provada, relativamente à tramitação do procedimento de revisão;

· se é correcto o entendimento seguido na sentença quanto aos pressupostos da avaliação indirecta e à fundamentação do acto de liquidação e

· se o despacho proferido com delegação de competências sofre de nulidade, por ter sido proferido por órgão incompetente.

A sentença recorrida julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra as liquidações adicionais de IRS do ano de 2003, emitidas na sequência de procedimento de revisão em que houve acordo entre os peritos.

Vejamos, então.

Do erro de julgamento de facto

Afirmam os Recorrentes que a sentença erra no seu julgamento de facto por dar como provada factualidade, que impugnam, quanto à tramitação do procedimento de revisão.

Nas conclusões de recurso não autonomizam a factualidade que impugnam, pelo que será atendendo ao corpo das alegações que analisaremos a mencionada impugnação da matéria de facto.

Assim, começam os Recorrentes por discordar da sentença recorrida por utilizar o termo relutância no que se refere à assinatura da acta da Comissão de Revisão pelo perito do contribuinte. Entendem ser errado utilizar este termo aplicado à negação inicial do perito em assinar a acta.

Na sentença recorrida escreveu-se, na motivação da matéria de facto, que:

“(…) os impugnantes não fizeram prova de que a celebração do acordo no procedimento de revisão tivesse sido feita contra os poderes concedidos ao Exmo. perito, nem sequer a relutância manifestada pelo perito na assinatura da acta é suficiente para concluir uma actuação contra os poderes de representação, apenas revela que pretendia uma correção ainda maior a favor dos sujeito passivos, mas não que tenha acordado contra as instruções.(…)”

Relutância é uma palavra que tem o significado de resistência, oposição, e que entendemos ser o sentido com que foi utilizada na sentença recorrida.

É que o perito do contribuinte, antes de assinar a acta, argumentou no sentido de tentar alcançar uma correcção mais favorável aos Recorrentes, mas acabou por assinar a acta.

Não se vislumbra onde terá errado a sentença ao usar a palavra relutância, nem os Recorrentes o conseguem demonstrar, já que se limitam a afirmar ser errada a utilização do termo, pelo que improcede a sua argumentação.

E esta factualidade – a assinatura da acta pelo perito dos contribuintes – não logram os ora Recorrentes, demonstrar que não aconteceu, ou seja, não logram infirmar o facto dado como provado no ponto 27 do probatório fixado na sentença recorrida.

Por outro lado, no que se refere à data constante da acta, e que os Recorrentes entendem ter sido falseada, o que se disse na sentença recorrida, na motivação da matéria de facto, foi que é ponto assente, nem daí se retira qualquer falsidade, pois em lado nenhum da acta se diz que ela foi preenchida, ou assinada, em 31 de Agosto. O que se diz é que a reunião teve lugar em 31 de Agosto, o que é coisa diferente.

Mas deve notar-se, antes do mais, que o perito independente não faz qualquer alusão no seu laudo ao acordo e que a apresentação do laudo pressupõe que não houve acordo (Cfr. Artº 92º/6 LGT). Estas duas questões levantam interrogação sobre a real existência do acordo que a acta menciona.

Interrogações que todavia não subsistem. Por um lado, porque o perito independente ao assinar a acta não podia deixar de constatar a existência de acordo, por isso a entrega de laudo não pode ter o sentido das interrogações que se fizeram supra. Além disso, os valores encontrados e a verificação dos pressupostos para recurso à avaliação indirecta foram coincidentes com os apresentados pelo perito independente no seu lado, portanto, indiciador de que tais valores foram “acordados” na reunião. Por outro lado, ainda, se não houvesse acordo não se compreenderia porque é que a Exmª perita da AT aceitou a redução de vários parâmetros de avaliação. Só faz sentido esta redução no contexto de um acordo, pois se este não existisse, cada um manteria as propostas.

Acresce que a assinatura do perito independente na acta “com acordo” reforça a possibilidade da sua existência, pois de contrário seria de admitir qualquer reacção.”

Ora, a motivação da matéria de facto é clara e bem fundamentada, dando nota das interrogações suscitadas em torno da assinatura da acta, e as razões por que se concluiu no sentido expresso na sentença, e que a argumentação dos Recorrentes não tem força para abalar.

Outro aspecto com que os Recorrentes não concordam é a data da assinatura da acta em virtude de a sentença ter dado como provado, no ponto 27, que o perito dos contribuintes assinou a acta em data que não foi possível confirmar, mas próxima do dia 28 de Setembro, sendo que, veio a afirmar ter sido assinada em 28 de Setembro.

Entendem ocorrer erro de julgamento na medida em que a sentença recorrida deu como certa factualidade que tinha dado como incerta.

É certo o que vem afirmado quanto à factualidade dada como provada, sendo de salientar que a data referida como da assinatura da acta pelo perito dos Recorrentes – 28 de Setembro de 2007 – corresponde à indicada na p.i., nos artigos 16 e 17.

Ora, se são os próprios Recorrentes a concordar com a data a que se refere o ponto 27 do probatório, não se vislumbra, aqui, qualquer sentido na sua argumentação, já que não era controvertida a assinatura da acta naquela data. Improcede, pois a argumentação dos Recorrentes.

Insurgem-se, também os Recorrentes, quanto ao depoimento prestado pela testemunha arrolada pela AT, pela circunstância de aquela não se recordar de determinada conversa, relacionada com a assinatura da acta.

Esta afirmação não tem qualquer consistência, já que o tribunal não pode exigir determinado conhecimento pelas testemunhas e apenas pode relevar os factos sobre os quais as testemunhas prestam depoimento, ou seja, se a testemunha diz não se recordar, o tribunal não pode imaginar o que se terá passado, como pretendem os Recorrentes, pelo que nada há a apontar à sentença recorrida.

E o que deu nota a sentença é que os Recorrentes não lograram demonstrar e provar a alegada coacção sobre o seu perito para a assinatura da acta, e relativamente a este aspecto, nada vem dito, nem foi identificada prova que permita infirmar o decidido.

Dos pressupostos para a avaliação indirecta

Afirmam os Recorrentes que não foram demonstrados na sentença recorrida os pressupostos para a avaliação indirecta.

Como resulta do probatório fixado na sentença recorrida, concretamente, no ponto 7, a AT procedeu à determinação da matéria tributável com recurso à avaliação indirecta com base nos seguintes factos:

“a. Inexistência de mapas de fabrico que evidenciem a realidade do fabrico diário dos vários tipos de pão, nomeadamente quantidades de farinha utilizada e desperdiçada (considerados imprescindíveis para efeitos tributários pela Associação dos Industriais de Panificação de Lisboa, a qual engloba os distritos de Lisboa, Santarém, Leiria, Setúbal, Porto, Braga e Viana do Castelo, na sua circular n° 26/99, onde explana as normas essenciais de funcionamento deste tipo de actividade);

b. Inexistência de documentos de suporte ao registo dos proveitos - quanto à actividade da panificação, não foram emitidos talões de venda, vendas a dinheiro, ou outro documento equivalente, nomeadamente no que respeita às vendas porta a porta e vendas em bancas nos mercados (fls. 8 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

c. Inexistência de documentos de suporte ao registo dos proveitos - Relativamente aos proveitos provenientes das Prestações de Serviços do Café, pois os “Z’s” da registadora não discriminam os artigos, nem evidenciam se o proveito registado se refere a vendas de pão ou a prestação de serviços do Café (fls. 8 e 9 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

d. Estes documentos foram destruídos com as inundações.

e. Os valores registados em Prestações de Serviços e declarados na base tributável, para efeitos de IVA. (7 212.50 € em 2003 e 14 955,98 € em 2004) chegam a ser inferiores ao custo das existências do café em grão, no exercício de 2003 (€ 8 048,76) e ao CMVC do sector da pastelaria em 2004.

f. Inexistência de mapa de controlo de peso de pão, cita. Inexistência de registos das sobras de pão, nem de autoconsumo (fls. 9 do relatório cujo conteúdo se dá por reproduzido).

g. Inexistência de elementos que permitissem apurar o coeficiente de produção praticado, bem como o preço médio do pão ao quilo.

h. Os registos dos proveitos são elaborados apenas por resumos mensais manuscritos, mencionando um único movimento diário, sem quantidades ou valor unitário e na maior parte dos casos sem qualquer outro suporte documental que ateste da veracidade dos mesmos.”

Face ao circunstancialismo descrito a AT considerou ser impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, pelo que procedeu àquela determinação por recurso à avaliação indirecta.

A sentença recorrida, depois de considerar que tinha havido acordo entre os peritos no procedimento de revisão, entendeu que este abrange não só a quantificação da matéria colectável, como também os pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, na linha do previsto no nº5 do artigo 86º da LGT e 117/1 do CPPT.

E de facto assim é.

Veja-se, neste sentido o Acórdão do TCAN de 06/01/06, proferido no âmbito do processo nº 185/04, onde se escreveu:

“(…) Impedindo o n.º 4 do art. 86.º LGT a impugnação da liquidação que for efectuada com base em acordo e na medida do âmbito deste, porque tal convénio se tem de estender, por imposição legal – arts. 86.º n.º 5 LGT e 117.º n.º 1 CPPT, às questões de facto e de direito atinentes à existência dos pressupostos da utilização de métodos indirectos, o acordo que vincula o contribuinte, enquanto assumido pelo seu perito, inibi-lo-á de impugnar a liquidação com fundamento na não verificação desses pressupostos.(…)”

Concluímos, pois, que bem andou a sentença ao decidir como decidiu.

Da fundamentação do acto de liquidação

Os Recorrentes afirmam, em sede recursiva, que a falta de fundamentação do acto de liquidação é notória, discordando da sentença recorrida que entendeu ser a fundamentação clara, congruente e suficiente.

Recuperemos o teor da sentença, quanto a este concreto fundamento:

“(…)No caso em apreço, o procedimento tributário iniciou-se com a instauração procedimento de fiscalização externo realizado aos impugnantes.

Ora, em tal procedimento são expostos os fundamentos de direito e de facto que conduziram à liquidação oficiosa de forma que se afigura clara, congruente e suficiente. Compreendendo o procedimento tributário toda a sucessão de atos dirigida à declaração de direitos tributários, nele se inclui o relatório de fiscalização, que constitui, também, elemento relevante na fundamentação da liquidação: «Não padece da falta de fundamentação formal a liquidação adicional de IRS com recurso a métodos indirectos, quando a fundamentação constante do relatório da inspecção tributária, permite ao contribuinte apreender, de forma clara, suficiente e congruente, a motivação por que tal liquidação teve lugar».

Ora no relatório são explanados os fundamentos para recurso à avaliação indirecta, em termos claros e objectivos. Ora esta é a fundamentação formal que se exige «prima facie» à AT, ou seja que esta exponha as razões pelas quais actuou como actuou. Saber se esses fundamentos têm aderência à realidade, ou se são suficientes para a actuação da AT respeita já à validade substancial do acto.

E essa foi objecto de acordo entre as partes.

Para além disso, se o contribuinte descortinasse na notificação qualquer elemento em falta sempre poderia usar da faculdade previsto no Art.º 37 CPPT, requerendo a notificação dos requisitos que tenham sido omitidos.

Na falta de tal requerimento, o alegado vício do acto fica sanado.(…)”

Convocam os Recorrentes o disposto no nº4 do artigo 77º da LGT, dizendo que não foi o mesmo cumprido, concluindo pela verificação do vício de falta de fundamentação.

Vejamos.

Dispõe o nº 4 do artigo 77º da LGT:

“4 - A decisão da tributação pelos métodos indirectos nos casos e com os fundamentos previstos na presente lei especificará os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, ou descreverá o afastamento da matéria tributável do sujeito passivo dos indicadores objectivos da actividade de base científica ou fará a descrição dos bens cuja propriedade ou fruição a lei considerar manifestações de fortuna relevantes, ou indicará a sequência de prejuízos fiscais relevantes, e indicará os critérios utilizados na avaliação da matéria tributável.”

Ora, como supra vimos, aquando da apreciação dos pressupostos da avaliação indirecta, resulta claro que a AT especificou os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exacta da matéria tributável, tendo dado cumprimento ao nível de fundamentação exigido na lei, como entendeu a sentença recorrida.

E essa fundamentação não pode ser posta em causa pelo depoimento das testemunhas. O que interessa é que os Recorrentes apreenderam, com clareza, as razões que fundamentaram o acto de liquidação e, como se evidenciou na sentença recorrida, a formação formal que se exige à AT é que esta exponha as razões pelas quais actuou como actuou. Saber se esses fundamentos têm aderência à realidade respeita à validade substancial do acto, a qual foi objecto de acordo entre as partes.

Improcede, assim, a argumentação dos Recorrentes.

Da competência do autor do acto

Os Recorrentes afirmam que o despacho, muito embora cumpra o disposto no artigo 38º do CPA, não permite aferir da competência do órgão, por não mencionar o Diário da República, pelo que concluem pela falta de competência do mesmo.

Não têm razão.

Como se constata do ponto 2 do probatório ( que remete para o documento a fls. 26), o despacho exarado na OI200503614, foi assinado pelo Chefe de Divisão, por delegação do Director de Finanças.

A sentença concluiu, bem, que, nos termos do preceituado no nº9 do artigo 39º do CPPT, a lei não exige que se mencionem a data do despacho delegante, nem o número do DR em que foi publicado, nem sequer a sua data. Refere que o que se exige é apenas a menção de que o acto foi praticado com delegação de poderes, o sentido em que decidiu e a data da decisão. E, nos termos do artigo 38º do CPA, o órgão delegado ou subdelegado deve mencionar essa qualidade no uso da delegação e subdelegação, o que foi feito.

Ora, nada mais há a acrescentar ao decidido, que resulta, claramente da lei, pelo que improcede este segmento do recurso.

Pelo exposto, será de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso.

Custas pelos Recorrentes.

Registe e Notifique.

Lisboa, 25 de Março de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)