Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:8695/15.4BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:IRC;
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS;
SGPS.
Sumário:I. Segundo o disposto no artigo 1.º do DL n.º 495/88 de 30 de Dezembro (na redacção introduzida pelo DL n.º 318/94, de 24 de Setembro) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante ( note-se, que o artigo 4.º, n.º 1, permite ainda às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações).

II. Nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do diploma referido em I. «A prestação de serviços será objecto de contrato escrito, no qual será especificada a correspondente remuneração, que não pode exceder o respectivo valor de mercado.».

III. Como tal deve entender-se que à Administração Tributária apenas compete ajuizar se os serviços contratados foram ou não efectivamente prestados e se o preço pago foi superior ao valor que é praticado no mercado, estando-lhe vedada qualquer posição que coloque em causa o princípio do equilíbrio financeiro/económico do contrato celebrado.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO




I.RELATÓRIO
A FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por «L....................SGPS, S.A.» melhor identificada nos autos, contra a liquidação adicional de IRC, relativa ao ano de 1996, no valor de € 64.476,00.

A recorrente termina as suas alegações com as seguintes conclusões:
«1°- Na presente acção, a impugnante alega que, por lapso, não abateu o valor do trespasse em causa, e pretende o reconhecimento judicial de que se trata de um custo extraordinário, razão pela qual, por se tratar de factos que alega e lhe aproveitam, sobre ela impendia o ónus da prova de todos os elementos constitutivos desse contrato e do direito, de crédito, de que se arroga;

2°- Como da matéria de facto melhor ressuma, ou, ao inverso, não ressuma, a impugnante/apelada não logrou provar a existência real da operação subjacente ao documento;

3°- A simples emissão de uma nota de débito, só por si, não pode aspirar a constituir, na esfera de quem a emite, o correspondente direito que se arroga, pois a AT questionou que a mesma corresponda a alguma operação e não sabe o que tem subjacente pois a mesma não cumpre com os fundamentos legais;

4°- O tribunal "a quo", com a asserção "não vislumbramos razão pela qual não possa ter ser considerado ou ser-lhe atribuído, em razão das circunstâncias descritas, um custo de carácter excepcional ou extraordinário, em relação ao exercício de 1996", exalta uma, in casu inadmissível, inversão do ónus da prova;

5°- Na verdade, consta do relatório inspectivo e está amplamente assente na matéria dada como provada (vide F) dos factos assentes, p. 7 da sentença recorrida), que a AT não aceitou como custo extraordinário pelo facto de não estar comprovado que o trespasse transmitido na escritura de Dez.1995, corresponda a esta Nota de Débito;

6°- Face ao exposto, não pode o tribunal "a quo", dar por assente que esta nota de débito corresponde efectivamente a tal operação;

7°- Na verdade, o artigo 23° n°1 do CIRC preconiza que "consideram-se custos ou perdas os que comprovadamente forem indispensáveis para a realização dos proveitos ou ganhos sujeitos a imposto ou para a manutenção da fonte produtora.";

8°- Acresce que, ao contrário do preconizado na douta sentença proferida pelo tribunal "a quo", não questiona o lapso da impugnante, questiona sim que a Nota de Débito n°01.0071 de 31-01-1996, corresponda a alguma operação e não sabe o que tem subjacente pois a mesma não cumpre com os fundamentos legais

9°- Ressuma pois, que incumbia à impugnante demonstrar a existência real da operação subjacente ao documento;

10º- Pelo que incorreu em erro de julgamento, com claro prejuízo da apelante.

11º- Quanto à correcção relativa a prestações de serviços (ponto 3), o que ressuma dos factos assentes é que a impugnante, ora apelada, e as suas associadas, ao abrigo do n°1 do art.4.°do Decreto - Lei n°318/94, de 24 de Dezembro, contratualizaram por escrito, ao abrigo das exigências legais, a prestação de serviços técnicos de administração e gestão;

12º- Tal contrato estipulou que a remuneração devida pela associada L.................... seria de 15.000.000$00 mensais, com a ressalva que ajustamentos poderiam ser feitos no fim de cada exercício, em função dos serviços efectivamente prestados durante o mesmo;

13º- O contrato celebrado foi a 5 de Janeiro de 1996 e originou a emissão de 6 notas de débito a partir de Setembro de 1996, no final do ano foi emitida uma nota de crédito de 55.349.000$00, calculado com base num mapa de repartição de custos, acrescidos de uma margem de 20%;

14º- Porém, a alínea que permite os ajustamentos de serviços prestados no final do exercício vai no sentido inverso do que preceitua o n°2 do citado art.4°, já que não identifica a remuneração exacta, ficando ao livre arbítrio da empresa calcular os seus resultados de acordo com os resultados das associadas, retirando daí vantagens em termos fiscais;

15º- Na verdade, ou a remuneração acordada é fixa, sem possibilidade de ajustamentos ou não o é nesse concreto caso pode ajustar, agora querer o melhor de dois mundos não será possível, pelo facto de a entender-se assim se postergar lei fundamental, maxime princípio da legalidade;

16º- Mais, constata-se que os custos com o pessoal, fornecimentos e serviços externos debitados são na totalidade às associadas, o que nos leva a concluir que a prestação de serviços não reveste carácter acessório em relação ao total da actividade;

17º- Sendo que, estando os quadros do pessoal e todos os fornecimentos externos afectos ao funcionamento da actividade das associadas, deveriam também ser imputados outros custos, mesmo que indirectos, o que não se verificou;

18º- Assim, não pode ser aceite a anulação do proveito correspondente à nota de crédito retro identificada, bem como o IVA regularizado a favor da empresa, por os serviços terem sido efectivamente prestados, devendo integrar os proveitos do art.20° CIRC.

19º- Não o entendendo assim, a douta sentença em recurso violou os preceitos legais invocados na mesma, pelo que, deverá ser revogada, com todas as legais consequências devidas.

TERMOS EM QUE,

Deve ser admitido o presente recurso e revogada a douta decisão da primeira instância, substituindo-a por outra que julgue totalmente improcedente a impugnação judicial, com todas as consequência legais.

Todavia,

Em decidindo, Vossas Excelências farão a costumada Justiça!.»



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A recorrida apresentou contra-alegações, nas quais apresenta as seguintes conclusões:

«Trespasse - Esc. 5.000.000

A) Em discussão neste ponto está, o reconhecimento, pela Recorrida, de um custo extraordinário no montante de Esc. 5.000.000, o qual tem origem numa nota de Débito emitida pela L.....................

B) Tendo, o referido custo, na sequência de uma inspecção tributária ao exercício de 2006, sido anulado, pela Autoridade Tributária, com base no pressuposto de que tal reconhecimento é, alegadamente, contrário ao estabelecido no artigo 23° do Código do IRC.

C) Da argumentação da Recorrente, ressaltam dois argumentos base para a desconsideração do valor de Esc. 5.000.000, enquanto custo fiscal extraordinário: (i) a inexistência de um nexo causal claro entre a Nota de Débito no valor de Esc. 5.000.000,00 e o Trespasse da utilização do espaço da L...................., e (ii) a violação do princípio da especialização dos exercícios - não estando a Recorrida apta a demonstrar que o custo em causa constitui uma das situações excepcionais que permite a derrogação do referido princípio.

D) Argumentos, com os quais, a Recorrida, não pode concordar, subscrevendo a decisão proferida pelo douto Tribunal a quo, segundo a qual, não tendo a Recorrente questionado o lapso invocado pela Recorrida e tendo tido a oportunidade de consultar a sua contabilidade, não tendo nessa sequência logrado provar a não correspondência entre a Nota de Débito, documento suporte do custo e o trespasse, deverá ser anulada a correcção elaborada no âmbito da inspecção tributária.

E) Decisão que se coaduna com a doutrina e jurisprudência predominantes, as quais sustentam que:
(i) Os documentos que servem de suporte aos custos fiscais passíveis de dedução, não carecem, dos mesmos requisitos formais que são exigidos para as facturas, em sede de IVA; e que,
(ii) As declarações e os registos contabilísticos dos contribuintes gozam de uma presunção de veracidade, incumbido à AT provar que os mesmos não correspondem à realidade que visam documentar.

F) Neste sentido atende-se no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 28.01.2010, segundo o qual:
"Estando em causa uma liquidação de IRC que tem por fundamento o não reconhecimento de custos declarados pelo sujeito passivo, compete à Autoridade Tributária fazer prova de que estão verificados os pressupostos lesais que legitimam a sua actuação;
Não o fazendo, há que concluir que a administração não se desonerou das obrigações probatórias que sobre si impendiam no sentido de demonstrar os pressupostos substantivos da sua actuação pelo que é ilegal a liquidação que se fundamenta na desconsideração do custo titulado pela referida factura.” (Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, Processo: 04871/04 - VISEU de 28.01.2010, disponível em:
http://w\vw.dgsi.pt/itcn.nst/0/cl725dOdba292b45802576c7005cddlc?OpenDocument)

G) Não tendo a AT, por um lado, comprovado a discrepância entre o documento apresentado como comprovativo do custo e a realidade que lhe subjaz e por outro, feito uma correcção que impôs ao sujeito passivo o pagamento de um imposto que, em consequência da desconsideração do custo, é superior ao efectivamente devido, incorre a mesma, numa violação dos princípios da justiça e da tributação pelo lucro real, constitucionalmente consagrados.

H) Princípios, que a doutrina e jurisprudência, têm considerado como prevalecentes numa situação, em que os mesmos se encontrem em conflito com o princípio da especialização do exercício tributário.

Prestações de Serviços - Esc. 55.349.000

I) A AT apresentou Recurso da anulação da correcção referente a prestações de serviços, no montante de Esc. 55.349.000, efectuada pelo Tribunal a quo, com a seguinte argumentação:

J) Entende, assim, a AT, no Recurso apresentado, que a Douta Sentença emitida pelo Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao anular a correcção acima identificada, por considerar que a alínea do contrato celebrado entre a Recorrida e a L.................... contraria o disposto no artigo 4°, nº1 do Decreto-Lei nº318/94, de 24 de Dezembro.

K) Nesta sequência, refere que tal alínea do contrato, ao permitir ajustamentos de serviços prestados no final do exercício, contraria o disposto no referido Decreto-Lei aplicável, pois alegadamente a não identificação da remuneração exacta, permite à Recorrida calcular os seus resultados de acordo com os resultados das associadas, retirando daí vantagens fiscais.

L) Ora, como ficou devidamente comprovado pela Recorrida, e aliás reconhecido pelo Tribunal a quo, apenas a posteriori, e em função designadamente do volume monetário dos recursos utilizados pela ora Recorrida ao longo do ano, seria possível fixar definitivamente a remuneração justa que o preceito do referido Decreto-Lei pretende, ou seja, que a remuneração não ultrapasse valores de mercado.

M) Acresce que, e como bem decidiu o Tribunal a quo, tendo em consideração que o exercício em questão correspondia ao primeiro ano em que tal fornecimento de serviços foi efectuado às sociedades participadas, admite-se que neste ano não pudesse ser estabelecida uma renumeração fixa, i.e., que pudesse ser efectuada uma previsão de prestação de serviços.

N) Mais, ficou, igualmente, provado que a Autoridade Tributária não contestou os números contabilizados, sendo que, nunca fundamentou quais seriam as vantagens fiscais alegadamente tidas, pois não apurou qual o resultado que então estaria em causa.

O) Com efeito, tais argumentos não podem, salvo o devido respeito, proceder, pois, a manter-se, tal resultaria, ainda, numa clara violação do princípio da justiça previsto no artigo 55° da LGT.

P) Pois, os proveitos corrigidos pela Autoridade Tributária não foram considerados como custos nas respectivas sociedades participadas e já não o podem ser, pelo que a Autoridade Tributária deveria ter-se abstido de efectuar tal correcção, e como tal, também por esta razão, decidiu bem o Tribunal a quo ao anular a correcção, ora, em causa.

Q) Sendo que, quando há divergência entre o critério do contribuinte e o da Autoridade Tributária, sobre a imputação de determinado ganho ou perda a determinado exercício, esta deve proceder à correcção da matéria colectável, fazendo acrescer o proveito ao ano que entende que ele deve respeitar e, correspondentemente, deveria acrescer os correspondentes custos nas sociedades participadas, o que não sucedeu no caso sub judice.

R) Somente com este procedimento, não haveria qualquer situação de injustiça, pois ao acréscimo de imposto em determinado ano, corresponderia uma diminuição semelhante no imposto das sociedades participadas.

S) Na verdade, e ainda que a presente correcção pudesse ser considerada legal - o que, como se demonstrou não é - nas situações em que não existe prejuízo para o Estado com o erro praticado pelo contribuinte, "deve optar-se por não efectuar a correcção, limitando aquele dever de correcção por força do princípio da justiça". (Campos, Diogo Leite de, e outros, in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 1999, Edição Vislis).

T) A doutrina refere que "há, nesta situação, dois deveres a ponderar, ambos com cobertura legal: um é o de repor a verdade sobre a determinação da matéria colectável (...) dando execução ao princípio da especialização, reposição essa que a administração fiscal deve efectuar mesmo que não lhe traga vantagem; outro é o de evitar que a actividade administrativa se traduza na criação de uma situação de injustiça". (Campos, Diogo Leite de, e outros, in Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 1999, Edição Vislis).

U) Face ao exposto, deverá o Tribunal ad quem manter o entendimento vertido na Sentença recorrida, devendo a correcção em causa ser anulada.

Nestes termos, em face de toda a factualidade exposta, bem como das normas legais aplicáveis, e porque a Douta Sentença bem decidiu, deve a mesma ser mantida e negado provimento ao Recurso apresentado pela Fazenda Pública.»



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Foi dada vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer a fls.305 a 310 dos autos, no sentido de ser concedido provimento ao recurso.


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Colhidos os vistos aos Exmos Juízes Desembargadores adjuntos, cumpre decidir.


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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
De acordo com o disposto no artigo 635º, nº 4 do Código de Processo Civil, é pelas conclusões da alegação do Recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
No caso trazido a exame, as questões a decidir consistem em saber se a sentença sob recurso incorre em erro de julgamento de facto e de direito por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 23.º e 20.º ambos do CIRC.

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III. FUNDAMENTAÇÃO
A. DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto nos seguintes termos:

«A)
Em 29/12/95, a sociedade anónima, então "F..................., S. A.", procedeu à sua alteração para "L.................., SGPS, S.A.", alterando o seu objecto social para:
«(...) gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas. As participações referidas podem pertencer a quaisquer sociedades nacionais ou estrangeiras, independentemente do seu objecto. A sociedade poderá, nos termos de contratos a celebrar para o efeito, prestar serviços técnicos de administração e Gestão a qualquer das sociedades em que possua participação, e com ou sem remuneração (...)»;
(cfr. fls. 13 dos autos)
B)
Em 14.12.1995, foi elaborado relatório nos termos e para os efeitos do artº28 do Código das Sociedades Comerciais, pela Sociedade "A................. - Sociedade de Revisores Oficiais de Contas" com vista a verificação das entradas em espécie, relativamente aos bens patrimoniais no valor global de Esc.2.818.232.000 que a F..................., SA., detém e com que pretende efectuar a realização do capital social da "L...................., SA., o que será de Esc.1.000.000.000 (Mil milhões de escudos), sendo a diferença considerada como suprimento, no montante de Esc.1.818.232.000., cujo teor se dá por reproduzido;
(cfr. doc. 6 junto com a PI)
C)
Em 27.12.1995 foi lavrado escritura publica de Rectificação e Aditamento de Contrato de Sociedade, com o seguinte teor:
«(...) PELO OUTORGENTE, FOI DITO:
Que ele outorgante na mesma qualidade em que ora intervém em nome de "F..................., S.A." e ao abrigo do disposto no artº488º do Código das Sociedades Comerciais, constitui duas sociedades comerciais, sob o tipo de sociedade anónima, ambas com os respectivos capitais sociais integralmente realizados pela única accionista, " F..................., SA", através da transferência, para cada uma das respectivas sociedades, de bens em espécie, objecto de avaliação, constantes dos respectivos relatórios, elaborados ao abrigo do artº28 do Código das Sociedades Comerciais. Que as sociedades em causa são as seguintes:
PRIMEIRO
"L...................., SA", com sede em Lisboa na Praça da Alegria, número vinte e dois, primeiro andar, freguesia de S. José, como o capital social de MIL MILHÕES DE ESCUDOS, representado por um milhão de acções de valor nominal de mil escudos cada uma, constituída pela escritura de dezoito de Dezembro corrente, lavrada de folhas sessenta e três, verso, a sessenta e cinco, deste livro;
SEGUNDO
"L................., SA", com sede em Lisboa, na Praça da Alegria número vinte e dois, primeiro andar, freguesia de S. José, como capital social de DUZENTOS E CINQUENTA MILHÕES DE ESCUDOS, representado por duzentas e cinquenta mil acções de valor nominal de mil escudos cada uma, constituída por escritura de dezoito de Dezembro corrente, lavrada de folhas sessenta e cinco, verso a sessenta e sete, deste mesmo livro, ambas, portanto, lavradas neste Cartório.
Que tais sociedades ficaram a reger-se pelos respectivos contractos, elaborados nos termos dos documentos complementares das mesmas escrituras, elaboradas ao abrigo do artº64 do Código do Notariado.
Que, nas duas referidas escrituras disse-se que os bens com os quais a F................... SA., realizou os respectivos capitais e que assim transferiu para o património das novas sociedades, eram os constantes do relatório, elaborado por Revisor Oficial de Contas, identificado na respectiva escritura. (...)»
(cfr. doc. 6 junto com a PI)
D)
Em 05.01.1996, foi celebrado um contrato de Prestação de serviços Técnicos de Gestão, entre a "L................. SGPS, SA.", e a sociedade "L.................... - SGPS., SA.", cujos pontos 2.5 e 2.6 tem o seguinte teor:
«(...) 2.5 A L................., SGPS deverá fornecer prontamente à L...................., SGPS toda a informação que esta lhe solicite para efeitos da prestação de serviços objecto deste contrato.
Em contrapartida da prestação de serviços objecto deste contrato, a L................., SGPS terá direito a auferir uma remuneração mensal de Esc.15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), ficando estipulado que:
a) este montante será debitado no primeiro dia do mês a que disser respeito;
b) no fim de cada exercício serão realizados ajustamentos relativamente aos montantes facturados em função dos serviços efectivamente prestados durante o exercício em causa. O ajustamento será efectuado mediante a emissão de uma factura adicional ou de uma nota de crédito;
c) nos exercícios subsequentes, o valor da remuneração aplicável será acordada até 15 de Janeiro de cada ano. (...)»
E)
Pela ordem de serviço nº4759 de 28.11.2000, a impugnante foi objecto de uma acção de inspecção tributária externa, ao exercício de 1996, no período decorrido entre 02.02.2001 e 17.05.2001;
(cfr. fls. 13 dos autos)
F)
Do relatório inspectivo resultaram as seguintes correcções para o exercício de 1996:
«(…)
2.1.2 - Conta 62227 04 - Deslocações ao estrangeiro
Da análise a esta conta, detectaram-se as seguintes situações:
Os documentos, 35/05 e 12/06 de 524.700$00 e 186.350$00 respectivamente, contabilizados através de recibos emitidos pelas agências de viagem "C................ Lda." e "S………" não sendo no primeiro caso identificado o utilizador das viagens, para o que seria necessário a apresentação do respectivo bilhete, no segundo caso refere o utilizador mas também não apresenta o comprovativo da viagem e o documento identificado no extracto com o nº11, de Agosto no valor de 203.245$, com a descrição Moçambique/JBC não foi localizado. Estas situações origina uma não aceitação do custo por falta de comprovativos, nos termos do artigo 23° do CIRC. (Anexos 45 a 49). (...)
2.2 - Conta 62236- Trabalhos especializados
Da sua análise, detectou-se a contabilização nesta conta e na 6881 respectivamente 2.530.640$ e 52.500$, suportados apenas por transferência bancária em nome de S............... não comprovando assim o custo, não sendo fiscalmente aceite por contrariar o disposto no artº23° do CIRC. Os documentos encontram-se identificados nos respectivos extractos através da descrição "The S……..", a título de exemplo anexa-se o documento 87/02. (Anexos 59 a 62).
2.3 -Trespasse
Foi contabilizado na conta 698809 a anulação de um trespasse da L...................., trespasse este, que por escritura de 27 de Dezembro de 1995 passou a fazer parte dos bens com os quais foi realizado o capital da sociedade "L...................., S. A.". Solicitados esclarecimentos à Sª D. O............., responsável pela contabilidade, fomos informados que no acto de escritura aquele trespasse não fazia parte dos bens activos da empresa, embora se encontrasse contabilizado na conta 4340004 em Novembro de 1995, daí a L.................... ter emitido Nota de Débito no valor do referido trespasse (5.000.000$00), à L................., S.G.P.S.. Considerando que aquando da transmissão do direito ao arrendamento em 1993 deveria ter sido transmitido o direito ao trespasse, ou a sua anulação e que através dos documentos justificativos de todos os movimentos não é possível comprovar a efectiva transmissão ou não, do mesmo, não se aceita como custo extraordinário para efeitos fiscais. Apesar da L.................... ter emitido a Nota de Débito nº 01.0071 de 31/01/96, não fica comprovado que o trespasse transmitido na escritura de Dez. de 1995, corresponde a esta Nota de Débito uma vez o histórico da mesma refere (nosso pagamento de vossa conta, conforme fotocópias anexas) no montante de 5.000.0000$. isento de IVA ao abrigo do artº16° n. B6 alínea c) do CIVA; daí a não aceitação, nos termos do artº23ºdo CIRC.
(Anexos 63/(1 a 17)).
(…)
2.5. 1 - Relativamente às Reintegrações e amortizações não aceites como custos nos termos do artº32°, nº1, foram acrescidos 3.664.411$00, quando deveriam ter sido 4.149.411$00, pelo que há a acrescer 485.000$00, como se passa a explicar:

Viaturas Ligeiras
Matriculas
Valor aquisição
Ano Aquisição
Taxa %
Valor amortizado
Fiscalmente aceite
Valor a acrescer
………
14.149.999
95
25
3.537.500
1.000.000
2.537.500
……….
8.500.000
95
25
2.125.000
1.000.000
1.125.000
………
9.895.286
07/96
25
1.236.911
750.000
486.911
Total
4.149.411

- Prestações de Serviços.
De acordo com o nº1 do artº4° do Decreto Lei nº318/94 de 24 de Dezembro é permitida às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a alguma das associadas em que detenham participações previstas no n°2 do artº1° e na alíneas a) e c) do n°3 do artigo 3° ou com as quais tenha celebrado contratos de subordinação.
Tal contrato, de acordo com nº2 do mesmo art.º 4° deverá ser objecto de contrato escrito, no qual será especificada a correspondente remuneração, que não pode exceder o valor de mercado.
Esta actividade, dado o objecto da SGPS, terá carácter acessório e englobará entre outros, serviços de gestão corrente, gestão financeira de tesouraria e recursos humanos.
No caso em apreciação, a empresa prestou serviços a duas associadas-L................. A……….. e J.............. Tais serviços englobam genericamente os descritos e foram objecto de contratos escritos, que se anexam. Da análise destes contratos, verifica-se que:
L.................... - no ponto II Termos e Condições, ficou estipulado que a remuneração era de 15.000.000$00 mensais, com a ressalva que ajustamentos poderiam ser feitos no fim de cada exercício, em função dos serviços efectivamente prestados durante o mesmo. O contrato foi celebrado em 5 de Janeiro de 1996 e originou a emissão de 6 notas de débito a partir de Setembro de 1996 (ver extracto de conta corrente. Anexo 67); no final do ano foi emitida uma nota de crédito de 55.349.000$00 (Anexos 68 a 77), montante calculado com base num mapa de repartição de custos, acrescidos de uma margem de 20%. A alínea que permite os ajustamentos de serviços prestados no final do exercício vai no sentido inverso do que preceitua o nº 2 do citado art°4º, já que não identifica a remuneração exacta, ficando ao livre arbítrio da empresa calcular os seus resultados de acordo com os resultados das suas associadas retirando daí vantagens em termos fiscais.
Analisada a natureza dos custos constata -se que os custos com o pessoal e fornecimentos e serviços externos são debitados na totalidade a estas associadas, o que nos permite concluir que a prestação de serviços reveste carácter acessório em relação ao total da actividade. Assim, estando os quadros do pessoal e todos os fornecimentos externos afectos ao funcionamento da actividade das associadas, deveriam também ser imputados outros custos mesmo que indirectos, o que não se verificou.
Assim, não aceitaremos a anulação do proveito correspondente a esta nota de crédito, bem como o lVA regularizado a favor da empresa, pelas razões já apontadas, por os serviços terem sido efectivamente prestados, devendo integrar os prove/tos do artº20º do CIRC. (Anexos 79 e 80).
J............. - relativamente a esta associada ficou estipulado no contrato o pagamento da remuneração anual de 135.000.000$00, também com a introdução de uma ressalva de possibilidade de ajustamento de preço com a variação máxima de 1%. O contrato foi celebrado em 5 de Janeiro de 1996. No final do exercício e pela leitura dos mapas de cálculo dos custos a imputar às associadas constata-se a quase total coincidência entre os valores inicialmente estipulados no contrato e os efectivamente incorridos na prestação de serviços (diferença de 39.000$00). Apesar desta coincidência não teceremos mais comentários a estes contratos.
(cfr. fls.51 a 54 dos autos)
G)
Das correcções efectuadas em sede de acção de inspecção, foi emitida a liquidação adicional de IRC ao exercício de 1996, nº…………., no montante de 12.926.287$00;
(cfr. doc. 1 junto com a PI)
H)
Em 22.02.2002, a impugnante deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 2 de reclamação graciosa da liquidação atrás identificada;
(cfr. doc. 2 junto com a PI)
I)
Pelo ofício nº1501 de 16.03.2004, o Serviço de Finanças de Lisboa 3, informou o tribunal que o montante em divida nos autos, resultante da liquidação adicional se encontra paga ao abrigo do Decreto-Lei nº248-A/2002 de 14 de Novembro no valor de €44.569,82, sendo dispensados os juros compensatórios no valor de €19.906,23;
(cfr. fls. 124 dos autos)».

Consta ainda da sentença recorrida a título “Factos não Provados” que: «Não se provaram outros factos relevantes para a presente decisão.».

E, em sede de Motivação” lê-se na sentença recorrida que: «A matéria de facto, dada como assente nos presentes autos, foi a considerada relevante para a decisão da causa controvertida, segundo as várias soluções plausíveis das questões de direito e, a formação da convicção do tribunal, para efeitos da fundamentação dos factos, atrás dados como provados, está referida no probatório com remissão para as folhas do processo onde se encontram.»



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B.DE DIREITO

A ora recorrida deduziu impugnação judicial contra a liquidação de IRC nº…………….., relativa ao exercício fiscal de 1996, no montante de € 64.476,00.

Proferida a decisão em primeira instância, foi julgada procedente a impugnação judicial, considerando-se que as correções que suportam a liquidação sindicada violam os artigos 23.º e 20.º ambos do CIRC.

Inconformada, com tal decisão, a Fazenda Pública veio interpor recurso, tendo em vista a revogação do decidido.

Vejamos, cada uma destas correções.

Conforme resulta do Relatório de Inspecção (cfr. alínea F) do probatório) a Administração Tributária não aceitou como custo extraordinário a verba inscrita na Nota de Débito nº 01.0071, de 31 de Janeiro de 1996, por não estar comprovada a sua ligação ao Trespasse outorgado mediante escritura realizada em Dezembro 1995.

Como sabemos, a regra geral do apuramento da matéria tributável dos contribuintes é a do apuramento com base na respectiva declaração destes. A Administração Tributaria só pode recorrer ao apuramento através de correcções ou através de métodos indirectos quando o contribuinte não cumpre os deveres de cooperação a que está obrigado, designadamente o de ter a contabilidade organizada nos termos da lei comercial e fiscal ou o da entrega da respectiva declaração periódica de rendimentos.

Isto porque se presume a veracidade dos dados e apuramentos constantes da contabilidade, caso o contribuinte disponha de contabilidade organizada segundo a lei comercial e fiscal e porque essa presunção de veracidade só cessa se se verificarem erros, inexactidões ou outros fundados indícios de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte (cfr., ao tempo, os artigos 76.° e 78.° do CPT).

Mas, como quem tem a seu favor uma presunção estabelecida na lei está dispensado da prova do facto presumido (cfr. os artigos 349º e 350º nº 1 do CCivil), o contribuinte, se tiver a sua escrita organizada conforme as exigências legais, não precisa de provar que são verdadeiros os dados dela decorrentes. Só assim não será no caso de, como se disse, se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva: neste caso, cessa a presunção, mesmo que a escrita esteja organizada de acordo com a lei. E é isso que se verifica quando a contabilidade, apesar de estar formalmente organizada, for avaliada do ponto de visto técnico-contabilístico e se verificar então que omite operações efectuadas ou inclui operações não efectuadas.

E, no que respeita à organização da contabilidade e à sua relevância, importa ter em conta que «(...) a fiabilidade do registo contabilístico dos factos patrimoniais fundamenta-se na chamada escrituração comercial, constituída pelos livros e registos obrigatórios e submetidos a formalidades legais, pelos livros facultativos ou a estes equiparados (folhas soltas, volantes ou avulsas, v.g. folhas de caixa, arts. 31º a 37º do C.Com.) e, ainda, pelos documentos justificativos, não sendo de esquecer que, de acordo com a lei, a escrituração comercial é, não só, o meio descritivo dos factos patrimoniais como, também, o modo formal da respectiva comprovação» (cfr. Acórdão deste Tribunal Central Administrativo de 14.03.2000, proferido no processo n.º 2597/99).

E se é certo (como é pacificamente aceite pela doutrina e pela jurisprudência) que é à Administração Tributária que cabe o ónus de provar a verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), pertencendo, quando estejam verificados esses pressupostos, ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade daquele acto consubstanciado na actuação da Administração Tribuária.

Atendendo ao acabado de explanar, vejamos se a Administração Tributária cumpriu o ónus de provar a factualidade que a leve a desconsiderar fiscalmente a questionada verba.

Compulsados todos os elementos probatórios recolhidos e observando sobretudo o Anexo 63, junto com o Relatório Inspectivo (cfr. alimea F) do probatório) verifica-se que existe efectivamente uma Nota de Débito escriturada, em Mapa de Movimento de Contabilidade, a movimentar a débito a “conta 43400 04”, no montante de 5.000.000$00 e, a crédito, a “conta 698809 01” pelo mesmo montante, com o seguinte descritivo: «Este doc.º é anulado em virtude de constar na relação de bens transmitidos para a sociedade L...................., SA., cf., escritura de 18/12/95 e 27/12/95.».

Decorre igualmente do probatório, que os trespasses, à data da celebração da escritura de contrato de sociedade, eram propriedade da sociedade «F................... SA» e, encontravam-se registados nos seus Livros em 30.11.1995. (cfr. fls.69 dos autos - Relatório da Soc. de Revisores Oficiais de Contas).

Aquando da escritura de rectificação e aditamento às duas escrituras de contrato de sociedade ficou registado que, a «F................... SA» constituiu duas sociedades comerciais, ambas, com os respectivos capitais sociais, integralmente realizados pela única accionista «F................... SA» através da transferência para cada uma das sociedades, de bens em espécie, objecto de avaliação, constantes dos respectivos relatórios, elaborados.

Os bens em espécie que constituíram as sociedades «L....................» e a «L................. SA» constam em dois documentos, sendo que num deles é mencionado sob a VERBA QUATRO: «(...)Trespasse do escritório da Rua L...................., nº 113, 1° andar, em Lisboa, cujo valor atribuído é de 5.000.000$00;(...)».

Perante esta factualidade, o Tribunal «a quo» entendeu, e bem, que « [t]endo em conta que a impugnante deixou de ter o direito de arrendatária do prédio, objecto do trespasse em causa, no ano 1993, deveria ter procedido nessa mesma data ao abatimento da respectiva transacção, fazendo repercutir esse montante no apuramento do lucro tributável desse exercício.

Não o tendo feito, podemos concluir que o montante do trespasse permaneceu registado no activo imobilizado incorpóreo na contabilidade, tendo sido, por essa mesma razão, utilizado pela impugnante na constituição do capital das duas sociedades.».

Sublinha-se que a conclusão alcançada se encontra em perfeita sintonia com a matéria dada como provada na sentença. Assim sendo, somos levados a concluir que ficou demonstrado a ligação substancial entre a Nota de Débito no valor de 5.000,000,00€ e o Trespasse da utilização do espaço sito na rua da L.....................

Sendo que, de todo o modo, os próprios Serviços de Inspecção poderiam verificar e comprovar através da análise dos registos da recorrida (fls.70 e 80 dos autos) se aquele mesmo montante se encontra ou não latente na contabilidade ou, se efectivamente, já tinha sido utilizado em exercícios anteriores.

Ora, se, a dedutibilidade da despesa se afere pela inserção, ou não, da respectiva operação no escopo societário, crê-se que, no caso vertente, a recorrente logrou fazer prova positiva de que as ditas operações se inseriram na sua capacidade, interesse e objectivo societários, face às necessidades e capacidades objectivas da empresa.

No caso vertente, deve ser aceite para efeitos fiscais a verba inscrita da Nota de Débito porque estamos perante um custo suportado documentalmente, registado na contabilidade, e que derivou de uma transacção inerente ao activo intangível (goodwill) da recorrida.

No que respeita à segunda correcção - a que se refere à não aceitação da anulação do proveito correspondente à Nota de crédito de 55.349.000$00 - , reitera a recorrente os argumentos que já havia produzido em sede de contestação. Por um lado, a ausência da identificação da remuneração fixa relativamente aos serviços prestados às associadas «L....................» e «J.............», permitiu à recorrida retirar daí vantagens em termos fiscais, por outro, se os custos (com o pessoal e fornecimentos de serviços externos), foram debitados na totalidade às associadas, a prestação de serviços não reveste carácter acessório em relação ao total da actividade, devendo ter sido imputados outros custos mesmo que indirectos, o que não se verificou.

Vejamos.

A recorrida é uma SGPS, que cujo regime jurídico está estabelecido no Decreto-Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro (com as alterações que lhe foram introduzidas pelos Decretos-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro - diploma que introduziu significativas alterações ao Decreto - Lei n.º 495/88, de 30 de Dezembro, contribuindo para que o regime aplicável às sociedades gestoras de participações sociais (SGPS) se tornasse mais flexível.

Segundo o disposto no artigo 1º do diploma identificado no parágrafo antecedente as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante.

Visa-se, como é justificado no preâmbulo daquele diploma legal: «(…) proporcionar aos empresários um quadro jurídico que lhes permita reunir numa sociedade as suas participadas sociais em ordem à sua gestão centralizada e especializada» por forma a facilitar e incentivar «(…) a criação de grupos económicos enquanto instrumentos adequados a contribuir para o fortalecimento do tecido empresarial português».

É neste contexto que é permitida às SGPS «a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações previstas no n.º 2 do artigo 1.º e nas alíneas a) a c) do n.º 3 do artigo 3.º ou com as quais tenham celebrado contratos de subordinação(cfr. artigo 4.º, n.º1 do Regime jurídico das SGPS), a título acessório.

Revertendo ao caso concreto dos presentes autos, constatamos que a recorrida desenvolve a sua actividade no âmbito da «[g]estão de participações sociais noutras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas. As participações referidas podem pertencer a quaisquer sociedades nacionais ou estrangeiras, independentemente do seu objecto. A sociedade poderá, nos termos de contratos a celebrar para o efeito, prestar serviços técnicos de administração e Gestão a qualquer das sociedades em que possua participação, e com ou sem remuneração».

E, no exercício dessa actividade, a recorrida celebrou um contrato escrito mediante o qual se obrigou a fornecer à «L...................., SGPS» toda a informação que esta lhe solicite para efeitos da prestação de serviços objecto desse contrato. Ora, a circunstância dos custos com o pessoal, fornecimentos e serviços externos serem na totalidade debitados às associadas da recorrida não tem a potencialidade de fazer vincar a argumentação da recorrente.

Com efeito, e não perdendo de vista o regime jurídico traçado pelo Decreto-Lei n.º 495/88 de 30 de Dezembro, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 318/94, de 24 de Dezembro, a actividade das sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), nas quais se insere a recorrida integra:

-actividade fundamental ou principal, consistente na aquisição e detenção, com carácter mais ou menos fixo, de títulos, (acções obrigações e títulos afins) das suas participadas como forma indirecta do exercício de actividades económicas, quer através do domínio sobre a sociedade participada quer de uma presença e intervenção activas, como sócias das sociedades participadas, não se traduzindo esse facto em meras aplicações de capitais e, ainda, na concessão de crédito às sociedades participadas e no investimento, no mercado de capitais, através de colocações temporárias de "pequenas participações"; e

-actividade complementar, que envolve a prestação de serviços técnicos de administração e gestão de todas ou algumas das empresas participadas, nomeadamente, estudos de reorganização, consultadoria jurídica e fiscal, auditoria e outros serviços.

No termos do artigo 20.° do CIRC, consideram-se proveitos ou ganhos os derivados de operações de qualquer natureza em consequência de uma acção normal ou ocasional, básica ou meramente acessória.

Ora, a prestação de serviços de técnicos de administração e de gestão às participadas, embora não seja uma actividade que possa ser dissociada da actividade principal, na medida em que é exercida no interesse directo das segundas mas também por conveniência da primeira, obviamente empenhada em retirar dessa actividade vantagens indirectas, é uma actividade económica para efeitos de imposto.

Por isso, tem de se concluir que estando os custos relacionados com a actividade recorrida, eles preenchem os requisitos em que assenta a interpretação o conceito de indispensabilidade do artigo 23.º do CIRC, e devem ser admitidos como custos fiscalmente dedutíveis.

Por outro lado, e contrariamente ao que a recorrente pretende sustentar no seu recurso, a o ponto 2.6 do contrato não viola o artigo 4.º, n.º 2 do Regime jurídico das SGPS.

Senão vejamos.

Dizia aquele normativo:

«A prestação de serviços será objecto de contrato escrito, no qual será especificada a correspondente remuneração, que não pode exceder o respectivo valor de mercado.».

Por seu turno, a cláusula contratual questionada nos presentes autos tem o seguinte teor:

«(...) Em contrapartida da prestação de serviços objecto deste contrato, a L................., SGPS terá direito a auferir uma remuneração mensal de Esc.15.000.000$00 (quinze milhões de escudos), ficando estipulado que:

a) este montante será debitado no primeiro dia do mês a que disser respeito;

b) no fim de cada exercício serão realizados ajustamentos relativamente aos montantes facturados em função dos serviços efectivamente prestados durante o exercício em causa. O ajustamento será efectuado mediante a emissão de uma factura adicional ou de uma nota de crédito;

c) nos exercícios subsequentes, o valor da remuneração aplicável será acordada até 15 de Janeiro de cada ano. (...)».

Ora, da mera leitura da cláusula supra transcrita, facilmente se constata, que as partes contraentes procederam à definição do preço contratual -15.000.000$00 (quinze milhões de escudos).

Quanto à inclusão dos ajustamentos acordados não compete a Administração Tributária definir o que considera ou não negociável, mas tão só ajuizar sobre a aceitação de ajustamentos, indagar se os serviços contratados foram ou não efectivamente prestados e se o preço pago por aqules serviços é superior ao valor de mercado.

Temos então que só esta é a única interpretação aceitável, por força do princípio do respeito pelo equilíbrio financeiro/económico do contrato celebrado, enquanto garante do equilíbrio dos interesses e da economia da relação contratual.

Salienta-se que a recorrente nunca discutiu ou pôs em causa qualquer um destes cenários.

Perante a factualidade provada a sentença recorrida não merece censura, pois que não é possível afirmar-se que tenha incorrido em violação de lei substantiva, e consequentemente em erro de interpretação e aplicação do direito.

Concluímos, perante o exposto, pela improcedência das conclusões de recurso.

IV.CONCLUSÕES

I. Segundo o disposto no artigo 1.º do DL n.º 495/88 de 30 de Dezembro (na redacção introduzida pelo DL n.º 318/94, de 24 de Setembro) as sociedades gestoras de participações sociais (SGPS), têm por único objecto contratual a gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indirecta de exercício de actividades económicas, sendo a participação numa sociedade considerada forma indirecta de exercício da actividade económica desta quando não tenha carácter ocasional e atinja, pelo menos, 10% do capital com direito de voto da sociedade participada, quer por si só quer através de participações de outras sociedades em que a SGPS seja dominante ( note-se, que o artigo 4.º, n.º 1, permite ainda às SGPS a prestação de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou a algumas das sociedades em que detenham participações).

II. Nos termos do artigo 4.º, n.º 2 do diploma referido em I. «A prestação de serviços será objecto de contrato escrito, no qual será especificada a correspondente remuneração, que não pode exceder o respectivo valor de mercado.».

III. Como tal deve entender-se que à Administração Tributária apenas compete ajuizar se os serviços contratados foram ou não efectivamente prestados e se o preço pago foi superior ao valor que é praticado no mercado, estando-lhe vedada qualquer posição que coloque em causa o princípio do equilíbrio financeiro/económico do contrato celebrado.

V.DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente.


Lisboa, 4 de Junho de 2020.

[Ana Pinhol]

[Isabel Fernandes]

[Jorge Cortês]