Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2610/11.1BELSB
Secção:CA
Data do Acordão:02/13/2020
Relator:CRISTINA SANTOS
Descritores:MARGEM DE LIVRE DECISÃO
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
CONTRADITÓRIO ANTECIPADO - CONTRADITÓRIO SUCESSIVO
DESVIO DE PODER CONTRATUAL
Sumário:1. O CCP confere expressamente às entidades adjudicantes margem de livre decisão em matéria de liberdade de conformação do procedimento adjudicatório, v.g., mediante autovinculação a um limiar de valor de preço anormalmente baixo, a publicitar nas peças do procedimento e com efeitos excludentes das propostas que apresentem um preço inferior ao indicado - cfr. artºs. 132º/2 (concurso público) 115º/3 (concurso limitado) 189º/3 (ajuste directo) ex vi artº 71º/1, CCP.
2. Nos casos em que o concorrente propõe um preço que já sabe ser anormalmente baixo (como sucede quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento) a entidade adjudicante pode dispensar o contraditório sucessivo quando as justificações anteriormente apresentadas em documento junto com a proposta (contraditório antecipado) revelam manifesta carência de credibilidade para quebrar a presunção de que o preço proposto, por ser igual ou inferior ao limiar de anomalia previamente fixado, configura uma proposta não séria e incongruente.
3. Caso as justificações anteriormente apresentadas tenham criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta que apontam no sentido da sua exclusão, devem ser solicitadas justificações adicionais ou complementares, destinadas a afastá-las e a revelar ou manter a seriedade e a congruência da proposta.
4. O desvio de poder contratual apenas é susceptível de controlo jurisprudencial negativo, não podendo o Tribunal substituir-se à Administração para julgar da racionalidade das valorações efectuadas a não ser através de um juízo negativo de proporcionalidade.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:O Município de Loures, com os sinais nos autos, inconformado com o acórdão proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa dele vem recorrer, concluindo como segue:


A. Entendeu o Tribunal, “a quo”, que o Júri deveria ter pedido esclarecimentos às AA., anteriormente à audiência prévia, facto este de que se discorda frontalmente.
B. As AA., tinham junto inicialmente com a sua proposta nota justificativa do preço anormalmente baixo, perante a qual, o Júri do concurso atribuiu desde logo um sério juízo de reserva.
C. Com o pedido de esclarecimentos do Júri sobre o preço anormalmente baixo, após a notificação do Relatório Preliminar, para efeitos de audiência prévia, teria sido concedido um franco excesso de garantismo, que colocaria as Autoras em vantagem concorrencial, pela apresentação da nova proposta alterando-a, o que constituiria violação do princípio da igualdade concorrencial.
D. Na prática, o efeito resultante dos esclarecimentos, independentemente do momento em que são prestados, é idêntico, pois em qualquer dos momentos procedimentais, as AA., tiveram oportunidade de afastar as obscuridades que um preço tão baixo comportava, preenchendo-se a “ratio legis”, visada pela necessidade de esclarecimentos.
E. As garantias das AA. saíram reforçadas pelo contraditório oferecido em sede de audiência prévia, pelo que o desiderato legal pretendido, que era a audição do concorrente antes de ser deliberada uma decisão, foi alcançado.                               
F. Nos termos do nº 4, do artigo 71º, do CCP, os esclarecimentos prestados nos termos da alínea d), do nº 1, do artigo 57º, têm o mesmo valor dos que forem prestados nos ternos do artigo 71º, nº 3, equivalência legal esta, que a douta sentença denegou.
G. O Júri estava apto a fundamentar a imediata exclusão do concorrente, conforme permitido pela da alínea e) do nº 2, do artigo 70º do CCP, “in fine”, pelo que procedeu à adequada aplicação do critério estabelecido, resultando deste fundamento legal, a exclusão das AA..
H. Nenhuma violação de Lei ocorreu, pelo que a douta sentença deverá ser revogada quanto à decisão de verificação do vício de violação de Lei.
I. Nos esclarecimentos prestados a propósito da apresentação de propostas com um preço anormalmente baixo, nada impede o Júri de, avaliando de mérito, ficar imediatamente convicto da incapacidade da proposta para fornecer os serviços postos a concurso.                    
J. A experiência do R., quanto à contratação dos serviços em causa, revelou-se apurada, conforme demonstram as duas propostas correspondentes aos preços indicados, e a uma terceira proposta acima desses preços, exceptuando a proposta das Autoras com valores anormalmente baixos.
K. No entanto, o Tribunal “a quo”, examinou e decidiu que os preços mínimos apresentados pelo R., eram elevados face ao que se pratica no mercado, sem levar em consideração a ponderação dos valores praticados pelos outros municípios, que são diferentes, sendo semelhantes apenas na natureza dos bens a fornecer.                
L. E se o Tribunal “a quo”, considera que o que define os valores de mercado é o momento temporal e a contemporaneidade dos valores apresentados em que ocorreu o procedimento, então aí, igualmente claudicou ao considerar iguais procedimentos que o não são, pois o conjunto de requisitos e variáveis, no que à composição do preço unitário de refeição diz respeito, é de tal forma diverso que não se compadece com comparações simples e desprovidas de conhecimentos técnicos, pelo que ao tomar por igual o que não é igual, a douta sentença, violou por esta via, o princípio da igualdade, ao comparar propostas incomparáveis.                  
M. As recomendações do Ministério da Educação e Ciência, conforme circular nº 14/DGIDC/2007 e posterior aditamento, configurando requisitos mínimos, foram observados na sua totalidade, neste procedimento de aquisição.
N. Na proposta das AA., os efeitos de escala, eficiência e poupança nunca se quantificaram, nem em nenhum momento se indica de que forma se traduzem na proposta apresentada, sendo que os esclarecimentos justificativos prestados pelas AA., foram omissos em clarificar de que forma toda aquela organização se materializaria na proposta apresentada, eliminando inverosimilhanças e incongruências, tendo assim ficado por demonstrar, o efeito de economia de escala na proposta apresentada.
O. O Município de Loures, tendo como pressuposto o objectivo de garantia de um padrão de serviço de qualidade em benefício dos destinatários dos serviços a contratar, as crianças alunas do ensino básico e jardins-de-infância do Município, fixou os valores máximos e mínimos, desde logo, com um propósito de não contratar a qualquer preço, cabendo ao Município de Loures, definir discricionariamente, a refeição que quer servir.                                             
P. O Júri do concurso incorreu numa apreciação normal, regular e válida dos meios humanos e materiais, incluindo na proposta das AA., devendo a douta sentença ser anulada, por violação da discricionariedade administrativa, pois invadiu a esfera jurídica alheia, substituindo-se nos poderes da entidade adjudicante de conformação dos termos do concurso, procurando impor determinados limites de preço e de qualidade.                               
Q. Pela tese do Tribunal “a quo”, transparece que o R., deveria ter efectuado uma comparação, com os 308 municípios existentes, ficando por revelar qual o universo de municípios que se considera dever comparar, para ser dado início a um procedimento de aquisição de bens e serviços, ou se considera o universo apresentado pelas AA., como representativo dos valores de mercado nacional, ficando por determinar, qual a falta em que incorre o R..
R. Entende o R., Município que a fundamentação da sentença relativamente a cada um dos pontos debatidos enferma de um erro grave de julgamento, pois o Tribunal “a quo”, com o merecido respeito, carece de juízos técnicos que habilitem ao conhecimento de mérito.
S. A douta sentença recorrida revela que o Tribunal “a quo” pretendeu condicionar o procedimento a um determinado preço e qualidade, sem qualquer mandato que legitimasse aquela actuação.
T. A regra geral é a de que ao concorrente cabe demonstrar a sustentabilidade do preço apresentado, inversamente ao que sucedeu no procedimento em causa nos presentes autos, onde a douta sentença incorreu em erro de julgamento com a inversão do ónus da prova, ao fazer recair sobre o R., Município o ónus de alegar e demonstrar “os pressupostos de tais valores”.
U. É ao contraente público que compete determinar os interesses públicos subjacentes ao contrato a celebrar e que se reflectem na concreta conformação das peças do concurso.
V. Resulta nitidamente a violação pelo Tribunal “a quo” da discricionariedade da administração na conformação do procedimento pré-contratual.                                         
W. Sendo seguro que os factos em causa nos autos exigem conhecimentos técnicos especiais de que, com o merecido respeito, o Tribunal carece.
X. Existe clara violação do princípio da separação de poderes, pela douta sentença recorrida.
Y. O Município de Loures, aqui Recorrente, foi ainda condenado a "... emitir o acto de adjudicação do contrato a favor das AA.,...”, tendo igualmente por esta via, o Tribunal “a quo”, violado a esfera de discricionariedade da Administração, concretamente, o artigo 266º da Constituição da República Portuguesa, pois imiscuiu-se na prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos que integram a Autarquia de Loures, devendo com este fundamento, decidir-se pela anulação da douta sentença.                Não é bem assime

NOS TERMOS E COM OS FUNDAMENTOS EXPOSTOS PELAS CONCLUSÕES, ROGA-SE AOS VENERANDOS JUÍZES DESEMBARGADORES, QUE CONCEDENDO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, DECIDAM PELA ANULAÇÃO DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, PROFERIDO PELO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO DE CÍRCULO DE LISBOA, JULGANDO-SE A PRESENTE ACÇÃO TOTALMENTE IMPROCEDENTE, QUANTO AOS PEDIDOS DEDUZIDOS PELAS AUTORAS.


  *

As sociedades I, SA e S, Lda, ora Recorridas, contra-alegaram concluindo como segue:

1. A DOUTA DECISÃO RECORRIDA FOI DOUTA E BRILHANTEMENTE FUNDAMENTADA, NÃO MERECENDO QUALQUER REPARO OU CENSURA, SEJA QUANTO À SUA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E DE DIREITO, SEJA QUANTO AO SEU SEGMENTO DECISÓRIO;

2. O RECORRENTE MUNICÍPIO DE LOURES NÃO IMPUGNOU A MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA PELO TRIBUNAL A QUO, A QUAL, COMO TAL, NÃO DEVE SER OBJECTO DE QUALQUER CENSURA OU REAPRECIAÇÃO POR ESCAPAR AO OBJECTO E ÂMBITO DOS RECURSOS INTERPOSTOS;

3. NO QUE AO DIREITO DIZ RESPEITO, AO CONTRÁRIO DO QUE ADVOGA O RECORRENTE, A DOUTA DECISÃO RECORRIDA NÃO É NULA NEM VIOLOU OS LIMITES DA DISCRICIONARIEDADE ADMINISTRATIVA E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DE PODERES, PELO QUE NÃO SE VERIFICOU QUALQUER INCONSTITUCIONALIDADE DESSA DECISÃO OU DO ENTENDIMENTO NELA PRECONIZADO;

4. COMO CONSTA DA FUNDAMENTAÇÃO DA DOUTA DECISÃO RECORRIDA E DA PI FORMULADA PELAS RECORRIDAS, ESTÁ EM CAUSA A APRECIAÇÃO DE UM ERRO MANIFESTO OU GROSSEIRO NA APRECIAÇÃO FEITA PELO JÚRI DO CONCURSO DAS RAZÕES JUSTIFICATIVAS APRESENTADAS PELAS RECORRIDAS PARA A APRESENTAÇÃO DE UMA PROPOSTA DE PREÇO ANORMALMENTE BAIX

5. COMO SE JULGOU NO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO, A APRECIAÇÃO EFECTUADA PELO JÚRI DO PROCEDIMENTO E QUE CONSUBSTANCIOU A DECISÃO DE EXCLUSÃO DA PROPOSTA DAS RECORRIDAS, EMBORA SE NORTEIE POR CRITÉRIOS DE DISCRICIONARIEDADE TÉCNICA, PADECE DE ERRO MANIFESTO, PELO QUE ESSA APRECIAÇÃO PODIA SER SINDICADA E CENSURADA, COMO FOI, PELO TRIBUNAL A QUO;

6. EMBORA ESTIVESSEM EM CAUSA MATÉRIAS JUDICIALMENTE "INDIGESTAS", A FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO DE EXCLUSÃO DA PROPOSTA DAS RECORRIDAS NÃO CORRESPONDE A QUALQUER ESPAÇO RESERVADO POR LEI À ADMINISTRAÇÃO, ESPECIALMENTE QUANDO ESTAVA E ESTÁ EM CAUSA A APLICAÇÃO DO DISPOSTO NA ALÍNEA E) DO ARTIGO 70º, Nº 2, E NO ARTIGO 71º, Nº 4, AMBOS DO CCP;

7. COMO RESULTA COM CLARIVIDÊNCIA DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO DA DOUTA DECISÃO RECORRIDA, ESTA DEU RAZÃO Às RECORRIDAS QUANTO À EXISTÊNCIA DE ERRO MANIFESTO POR BANDA DO JÚRI DO CONCURSO NA ANÁLISE EFECTUADA AOS ESCLARECIMENTOS PRESTADOS PELAS RECORRIDAS SOBRE O PREÇO "ANORMALMENTE BAIXO";

8. TAIS ERROS FORAM EXPRESSA E INDIVIDUALMENTE APRECIADOS E ELENCADOS EM CADA UM DOS PONTOS DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO DO DOUTO ACÓRDÃO RECORRIDO (SOBRE O EFEITO DE ESCALA NA COMPRA DE MATÉRIAS-PRIMAS; SOBRE O IMPACTO DO CUSTO DE TRANSPORTE; SOBRE O CUSTO DE TRANSPORTE PARA REFEIÇÕES TRANSPORTADAS E COM CONFEÇÃO LOCAL; SOBRE O CUSTO DAS MATÉRIAS-PRIMAS DAS REFEIÇÕES PARA ADULTOS E ALUNOS; SOBRE A MÉDIA PONDERADA; SOBRE O PREÇO DOS KITS DESCARTÁVEIS E SOBRE OS PREÇOS MÍNIMOS EXCESSIVAMENTE ELEVADOS);

9. TAIS ERROS SÃO ABSOLUTAMENTE EVIDENTES E O TRIBUNAL A QUO NÃO TEVE DIFICULDADE EM IDENTIFICÁ-LOS E EM PROCEDER À SUA APRECIAÇÃO AO LONGO DA FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO DA DECISÃO RECORRIDA, O QUE BEM EVIDENCIA O SEU CARÁCTER MANIFESTO OU PALMAR;

10. NÃO TEM, ASSIM, RAZÃO O RECORRENTE QUANDO ADUZ QUE O TRIBUNAL A QUO FOI INCAPAZ DE IDENTIFICAR QUALQUER ERRO MANIFESTO DO JÚRI;

11. PARA ALÉM DE MANIFESTOS, TAIS ERROS DO JÚRI IMPLICAM UM GRAVE DESAJUSTAMENTO DA DECISÃO ADMINISTRATIVA IMPUGNADA PERANTE A SITUAÇÃO CONCRETA, ID EST, A EXCLUSÃO INFUNDADA E ILEGAL E A NÃO ADJUDICAÇÃO DA PROPOSTA DAS RECORRIDAS;

12. E ISTO QUANDO FORAM ESTAS QUE, AO ABRIGO DO PRINCÍPIO DA CONCORRÊNCIA, APRESENTARAM A PROPOSTA DE MAIS BAIXO PREÇO E, COMO TAL, A MELHOR PROPOSTA À LUZ DO CRITÉRIO DE ADJUDICAÇÃO DEFINIDO NA CLÁUSULA 20 A DO PROGRAMA DO CONCURSO;

13. O JUÍZO FORMULADO PELO TRIBUNAL A QUO SOBRE OS PREÇOS DE MERCADO DAS REFEIÇÕES ESCOLARES E SOBRE O CARIZ CLARAMENTE EXCESSIVO DOS PREÇOS MÍNIMOS CONSTANTES DO PROGRAMA DO CONCURSO ASSENTA NA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA, DESDE LOGO, DOS SEUS PONTOS 18, 19, 24 E 25, OS QUAIS, ALIÁS, NÃO FORAM IMPUGNADOS PELO RECORRENTE MUNICÍPIO DE LOURES;

14. OS ERROS COMETIDOS NO RACIOCÍNIO EFECTUADO PELO JÚRI DO CONCURSO CONTRARIAM A REGRAS DA LÓGICA E DA EXPERIÊNCIA COMUM E SÃO EVIDENTEMENTE CONTRADITÓRIOS, INEXPLICÁVEIS E INFUNDADOS, PELO QUE NÃO PODIAM DEIXAR DE SER SINDICADOS, COMO FORAM, PELO TRIBUNAL A QUO;

15. EM FACE DA MATÉRIA DE FACTO PROVADA, NÃO ERA NECESSÁRIO QUE O TRIBUNAL A QUO FOSSE DETENTOR DE ESPECIAIS CONHECIMENTOS EM MATÉRIA DE RESTAURAÇÃO COLECTIVA OU DE FORNECIMENTO DE REFEIÇÕES ESCOLARES PARA IDENTIFICAR E CENSURAR TÃO EVIDENTES ERRO;

16. E, AO CONTRÁRIO DO QUE SARCASTICAMENTE ADUZIU O RECORRENTE NO ARTIGO 193º DAS SUAS ALEGAÇÕES, TAMBÉM NÃO ERA NECESSÁRIO, EM FACE DA MATÉRIA DADA COMO PROVADA, QUE O TRIBUNAL A QUO OPERASSE NO "SEIO DESTE MERCADO, COMPRANDO OU VENDENDO AS MENCIONADAS REFEIÇÕES";

17. É DESACERTADA A AFIRMAÇÃO DO RECORRENTE DE QUE TRIBUNAL A QUO CHAMOU A SI PODERES DE CONFORMAÇÃO DOS TERMOS DO CONCURSO;

18. A APRECIAÇÃO DA QUESTÃO RELATIVA AOS PREÇOS MÍNIMOS FIXADOS PELA ENTIDADE DEMANDADA NA CLÁUSULA 20A DO PROGRAMA DO CONCURSO PRENDEU-SE TÃO-SOMENTE COM A QUESTÃO DE SABER SE ESSES PREÇOS SÃO EXCESSIVOS FACE AOS PREÇOS DE MERCADO, TAL COMO ALEGADO PELAS RECORRIDAS COMO FUNDAMENTO DE IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO DE EXCLUSÃO DA SUA PROPOSTA, CONTIDA NO ATO DE ADJUDICAÇÃO IMPUGNADO;

19. MUITO BEM ANDOU O TRIBUNAL A QUO AO CONSIDERAR, COM BASE, INTERALIA, NO PONTO 19 DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA, QUE OS PREÇOS MÍNIMOS FIXADOS PELA ENTIDADE ADJUDICANTE (ORA RECORRENTE) SÃO SUPERIORES À GENERALIDADE DOS DEMAIS VALORES PRATICADOS NOUTROS MUNICÍPIOS, CONSIDERANDO-OS VALORES DE MERCADO UMA VEZ QUE SE TRATAM DE VALORES CONTEMPORÂNEOS DO MOMENTO TEMPORAL EM QUE OCORREU O PROCEDIMENTO CONCURSAL EM CAUSA;

20. NA VERDADE, ANTE UM FORNECIMENTO QUE SE PAUTA POR PADRÕES DE EXIGÊNCIA SIMILARES, OBJETO DE NORMAS DE ALIMENTAÇÃO DEFINIDAS PELO MINISTÉRIO DE EDUCAÇÃO, O RECORRENTE NÃO CONSEGUE EXPLICAR AS ELEVADÍSSIMAS DIFERENÇAS ENTRE OS PREÇOS CONSTANTES DO PONTO 19 DA MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA E OS PREÇOS MÍNIMOS CONSTANTES DO PROGRAMA DE CONCURSO;

21. E, PERANTE AS PROVAS APRESENTADAS PELAS RECORRIDAS, MUITO MENOS CONSEGUIU O RECORRENTE DEMONSTRAR (POR EXEMPLO, POR VIA DE QUALQUER CONTRA-PROVA) QUE OS PREÇOS PROPOSTOS PELAS RECORRIDAS (QUE, COMO FICOU PROVADO, SÃO INFERIORES EM CERCA DE € 4.000.000,00 AOS PREÇOS MÍNIMOS CONSTANTES DO PROGRAMA DO CONCURSO E, COMO TAL, AOS PREÇOS CONSTANTES DA PROPOSTA DA UNISELF - QUE OS APLICOU) NÃO SÃO PREÇOS DE MERCADO, SÉRIOS E CONGRUENTES;

22. BEM ANDOU O TRIBUNAL A QUO AO CONSIDERAR QUE O RECORRENTE NÃO ALEGOU NEM DEMONSTROU QUE AS CONDIÇÕES DO FORNECIMENTO DAS REFEIÇÕES NOS ESTABELECIMENTOS DE ENSINO DO MUNICÍPIO DE LOURES NÃO SEJAM ANÁLOGAS ÀS CONDIÇÕES DE FORNECIMENTO NOUTROS MUNICÍPIOS;

23. BEM ANDOU O TRIBUNAL A QUO AO CONSIDERAR QUE O RECORRENTE MUNICÍPIO, AO TER-SE LIMITADO A UMA INVOCAÇÃO GENÉRICA E INCONSISTENTE DE QUE PRETENDIA SALVAGUARDAR A "QUALIDADE" DAS REFEIÇÕES, NÃO JUSTIFICOU NEM CONSEGUIU DEMONSTRAR A RAZÃO PELA QUAL OS PREÇOS MÍNIMOS PREVISTOS NO PROGRAMA DO CONCURSO, COMO FICOU PROVADO, SE SITUAM DE FORMA TÃO EXCESSIVA ACIMA DOS VALORES PRATICADOS NOUTROS MUNICÍPIOS, EM MATÉRIA DE REFEIÇÕES ESCOLARES DISPONIBILIZADAS NO ÂMBITO DA ACÇÃO SOCIAL ESCOLAR;

24. BEM ANDOU O TRIBUNAL A QUO AO CONSIDERAR QUE, EM FACE DAS PROVAS APRESENTADAS E DA MATÉRIA DE FACTO QUE CONSIDEROU PROVADA, O RECORRENTE MUNICÍPIO NÃO ALEGOU NEM DEMONSTROU QUE OS PREÇOS APRESENTADOS PELAS RECORRIDAS NÃO SÃO PREÇOS DE MERCADO E QUE TAIS PREÇOS NÃO SÃO SUSCEPTÍVEIS DE PERMITIR O CUMPRIMENTO DAS OBRIGAÇÕES ATINENTES AO CONTRATO A CELEBRAR;

25. BEM ANDOU, POIS, O TRIBUNAL A QUO AO CONSIDERAR QUE, AO TER ILEGALMENTE EXCLUÍDO A PROPOSTA DAS RECORRIDAS, O MUNICÍPIO DE LOURES OBRIGOU-SE A PAGAR MAIS, MUITO MAIS (CERCA DE € 4.000.000,00), DO QUE DEVIA PELA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO EM CAUSAÀ CONTRA-lNTERESSADA UNISELF;

26. NO ENTENDER DAS RECORRIDAS, SÃO ERRADAS AS ALEGAÇÕES DO RECORRENTE SOBRE A SUPOSTA INEXISTÊNCIA DO VÍCIO DE VIOLAÇÃO DE LEI;

27. COMO FICOU DEMONSTRADO E RESULTA EXPRESSAMENTE DO TEOR DO RELATÓRIO PRELIMINAR, O JÚRI TINHA DÚVIDAS SOBRE DIVERSOS ELEMENTOS JUSTIFICATIVOS APRESENTADOS PELAS RECORRIDAS (PONTOS OU ELEMENTOS CONCRETOS E PRECISOS DA PROPOSTA) EM ORDEM A FUNDAMENTAR O PREÇO ANORMALMENTE BAIXO, DEVERIA TER-LHES SOLICITADO ESCLARECIMENTOS ANTES DE DELIBERAR SOBRE A EXCLUSÃO DA SUA PROPOSTA - CFR. ARTIGO 71º, Nº 3, DO CCP E O ENTENDIMENTO PRECONIZADO NOS ACÓRDÃOS DO TCA SUL DE 23.11.2011 (PROC. 07914/11), DE 17.02.2011 (PROCESSO Nº 6985/10) E DE 23.02.2012 (PROC. Nº 08460/12);                                  

28. COMO SE PRECONIZA NA DOUTA DECISÃO RECORRIDA, TAL ENTENDIMENTO DOUTRINÁRIO E JURISPRUDENCIAL É O QUE MELHOR SE COADUNA COM A INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 71º, Nº 3 D0 CCP À LUZ DO DIREITO COMUNITÁRIO E, MAIS CONCRETAMENTE, DA JURISPRUDÊNCIA EXPRESSA NO ACÓRDÃO LOMBARDINI;

29. É FALSO QUE A DOUTA DECISÃO RECORRIDA NÃO TENHA IDENTIFICADO AS DÚVIDAS MANIFESTADAS PELO JÚRI O QUE SUCEDEU, A TÍTULO EXEMPLIFICATIVO, NO QUE DIZ RESPEITO AO PREÇO UNITÁRIO DOS KITS DESCARTÁVEIS PROPOSTO PELAS RECORRIDAS, PELO QUE, AO CONTRÁRIO DO QUE PRECONIZA O RECORRENTE, INEXISTE QUALQUER NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO POR VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 615º, Nº 1, ALÍNEA B), DO CPC, APLICÁVEL EX VI DO DISPOSTO NO ARTIGO lº DO CPTA;

30. O JÚRI DO CONCURSO NÃO PODERIA TER FORMULADO UMA QUALQUER PROPOSTA DE EXCLUSÃO ENQUANTO SUBSISTISSEM DÚVIDAS QUANTO A DETERMINADOS ELEMENTOS CONCRETOS DA PROPOSTA DAS RECORRIDAS;

31. UMA PROPOSTA DE EXCLUSÃO FORMULADA NESTES TERMOS NÃO SÓ É ILEGAL COMO SEMPRE CARECERIA DE QUALQUER CREDIBILIDADE, DE NADA RELEVANDO QUE O JÚRI TENHA CONFERIDO ÀS AUTORAS O DIREITO DE, EM SEDE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA, SEREM OUVIDAS SOBRE ESSA PROPOSTA DE EXCLUSÃO;

32. O PEDIDO DE ESCLARECIMENTOS, POR ESCRITO E EM PRAZO ADEQUADO, AO CONCORRENTE, SOBRE DETERMINADOS ELEMENTOS DA SUA PROPOSTA SOBRE O PREÇO ANORMALMENTE BAIXO - CFR. ARTIGO 71º, Nº 3, DO CCP -, É FORMULADO ANTES DA TOMADA DE QUALQUER DECISÃO PELO JÚRI E DO PROCEDIMENTO E NÃO SE CONFUNDE COM A AUDIÊNCIA PRÉVIA A EFETUAR NOS TERMOS DO ARTIGO 147º DO CCP;

33. OS ESCLARECIMENTOS, DIFERENTEMENTE DAS EXPOSIÇÕES EM SEDE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA, PASSAM A INTEGRAR AS PROPOSTAS DOS CONCORRENTES E SÃO, PORTANTO, AINDA RELEVANTES PARA A ANÁLISE DESSAS PROPOSTAS - CFR. ARTIGO 72º, Nº 2, DO CCP;

34. A EXPOSIÇÃO EM SEDE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA CONSTITUI APENAS UMA PRONÚNCIA DOS CONCORRENTES SOBRE OS JUÍZOS FORMULADOS PELO JÚRI SOBRE A VALIDADE FORMAL E MATERIAL DA PROPOSTAS E SOBRE OS SEUS JUÍZOS CLASSIFICATIVOS E A ORDENAÇÃO DAS PROPOSTAS, NÃO TENDO A NATUREZA DE ESCLARECIMENTOS;

35. PELO QUE, AO CONTRÁRIO DO QUE PRECONIZA O RECORRENTE, O FACTO DE TER HAVIDO LUGAR A AUDIÊNCIA PRÉVIA NÃO SANA A VIOLAÇÃO DO DISPOSTO NO ARTIGO 71º, Nº 3, DO CCP;

36. O ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO RECORRENTE NÃO APENAS VIOLA O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, COMO VIOLA OS PRINCÍPIOS DA TRANSPARÊNCIA E DA BOA-FÉ QUE NORTEIAM A ATUAÇÃO DO JÚRI E DA ENTIDADE ADJUDICANTE, NÃO PODENDO A ADMINISTRAÇÃO CONFRONTAR OS ADMINISTRADOS COM DECISÕES (AINDA QUE PROVISÓRIAS) QUE NÃO PODE IGNORAR SEREM ILEGAIS (PORQUE ASSENTES, DESDE LOGO, EM DÚVIDAS QUANTO AOS ELEMENTOS EM ANÁLISE), NA PERSPECTIVA DE QUE OS INTERESSADOS CONTRADIGAM (OU NÃO) ESSAS DECISÕES EM SEDE DE AUDIÊNCIA PRÉVIA;

37. O ENTENDIMENTO SUFRAGADO PELO RECORRENTE CONSTITUI UMA CLARA INVERSÃO E DETURPAÇÃO DOS PROCEDIMENTOS E REGRAS LEGAIS PREVISTAS NO CCP NO QUE TANGE AO EXERCÍCIO DAS COMPETÊNCIAS DO JÚRI DE UM PROCEDIMENTO ADJUDICATÓRIO, PELO QUE, NO ENTENDER DAS RECORRIDAS, NÃO DEVE MERECER O ACOLHIMENTO DESSE VENERANDO TRIBUNAL;

38. NO QUE RESPEITA À APRECIAÇÃO DOS ERROS MANIFESTOS CONSTANTES DA AVALIAÇÃO FEITA PELO JÚRI DO CONCURSO, RESULTA CLARO QUE ESTE FEZ, PURA E SIMPLESMENTE, "TÁBUA RASA" DOS ELEMENTOS JUSTIFICATIVOS E DAS EXPLICAÇÕES QUE LHE FORAM DADAS PELAS RECORRIDAS, BEM DEVENDO SABER QUE OS PREÇOS DE MERCADO CORRESPONDEM, NO CASO EM APREÇO, À MATÉRIA DE FACTO DADA COMO PROVADA NO PONTO 19 DA FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO E SÃO, PORTANTO, MUITO INFERIORES AO LIMIAR DE "ANOMALIA" CONSTANTE DO PROGRAMA DE CONCURSO;

39. TAL COMO CONSTA DA DECISÃO A QUO, AS RECORRIDAS, À LUZ DE UM JUÍZO DE VEROSIMILHANÇA, APRESENTARAM TODAS AS JUSTIFICAÇÕES PARA O PREÇO QUE APRESENTARAM, INCLUINDO A INVOCAÇÃO DE QUE O PREÇO MÍNIMO FIXADO NO PROGRAMA DE CONCURSO ERA EXCESSIVAMENTE ELEVADO FACE AOS VALORES DE MERCADO, COMO SE FACILMENTE SE PROVOU E NÃO FOI, ALIÁS, IMPUGNADO NOS PRESENTES AUTOS;

40. PEL0 QUE TERIA DE SER A ENTIDADE DEMANDADA, ORA RECORRENTE, A JUSTIFICAR E, EM FACE DAS PROVAS DOCUMENTAIS APRESENTADAS PELAS RECORRIDAS, PRODUZIR CONTRAPROVA DE TÃO SIGNIFICATIVAS DIFERENÇAS DE PREÇOS EM FORNECIMENTOS SIMILARES, O QUE NÃO FEZ;

41. AS CONSIDERAÇÕES PRODUZIDAS PELO RECORRENTE SOBRE AS QUESTÕES ATINENTES AOS ERROS MANIFESTOS APRECIADOS PELO TRIBUNAL A QUO SÃO, COMO ACIMA SE DEMONSTROU, TOTALMENTE DESACERTADAS E NÃO PASSAM DE PUROS SOFISMAS, ASSENTES EM MERAS CONJECTURAS, SUPOSIÇÕES E JUÍZOS DE VALOR SEM QUALQUER SUBSTRATO FACTUAL;

42. INEXISTE QUALQUER NULIDADE DO SEGMENTO DECISÓRIO DO ACÓRDÃO RECORRIDO, TENDO A ENTIDADE DEMANDADA SIDO BEM CONDENADA À PRÁTICA DO ATO DE ADJUDICAÇÃO A FAVOR DAS RECORRIDAS;

43. O TRIBUNAL A QUO DEU PLENO CUMPRIMENTO AO DISPOSTO NO ARTIGO 71º, NÚMEROS 1 E 2, DO CPTA;

44. TENDO A DISCRICIONARIEDADE DO RECORRENTE FICADO "REDUZIDA A ZERO" - DESDE LOGO POR, TAL COMO EXPRESSAMENTE ADMITIDO POR AQUELA, A PROPOSTA DAS RECORRIDAS NÃO PADECER DE QUALQUER OUTRO SUPOSTO VÍCIO ALÉM DO SUPOSTO PREÇO "ANÓMALO" - CABE ÀS RECORRIDAS O DIREITO À ADJUDICAÇÃO E, PORTANTO, O DIREITO À CONDENAÇÃO DA ENTIDADE DEMANDADA À PRÁTICA DO ATO DEVIDO, NOS TERMOS PETICIONADOS;

45. AO NÃO TER EXCLUÍDO A PROPOSTA DAS RECORRIDAS POR QUALQUER OUTRO MOTIVO QUE NÃO O INDICADO NOS RELATÓRIOS PRELIMINAR E FINAL, FOI A PRÓPRIA ENTIDADE ADJUDICANTE QUE REDUZIU A SUA DISCRICIONARIEDADE A ZERO, JÁ TENDO TIDO A OPORTUNIDADE DE REALIZAR, QUANTO AOS DEMAIS ASPECTOS DA PROPOSTA DAS RECORRIDAS, A AVALIAÇÃO SUBJETIVA QUE LHE CUMPRIA FAZER NO DECURSO DA FASE DE ANÁLISE DAS PROPOSTAS DOS CONCORRENTES;

46. lN CASU O ATO DEVIDO PELA ENTIDADE DEMANDADA - ATO DE ADJUDICAÇÃO EM QUE FOI CONDENADA, A PROFERIR A FAVOR DAS RECORRIDAS - EMBORA, NUMA VISÃO EX ANTE, FOSSE POTENCIALMENTE DISCRICIONÁRIO, NUMA VISÃO EX POST, DEIXOU DE O SER POR APENAS SER POSSÍVEL UMA ÚNICA SOLUÇÃO: A ADJUDICAÇÃO DO OBJETO DO CONCURSO ÀS RECORRIDAS;

47. PELO QUE, POR FORÇA DO DISPOSTO NO ARTIGO 71º, Nº 2, DO CPTA, O ATO DEVIDO NÃO PODE DEIXAR DE SER EQUIPARADO A UM ATO VINCULADO, POR SER EVIDENTE, NESTE MOMENTO, QUE INEXISTE QUALQUER POSSIBILIDADE DE ESCOLHA OU MARGEM DE LIVRE DECISÃO ADMINISTRATIVA DA ENTIDADE DEMANDADA;

48. PELO QUE OUTRA SOLUÇÃO INEXISTE QUE NÃO A PRÁTICA DO ATO ADMINISTRATIVO EM QUE O RECORRENTE FOI CONDENADO.

O QUE SE ROGA.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, DOUTAMENTE A SUPRIR POR V. EXAS, DEVE O RECURSO INTENTADO PELO MUNICÍPIO DE LOURES SER JULGADO IMPROCEDENTE E 0 ACÓRDÃO RECORRIDO SER MANTIDO NOS SEUS PRECISOS TERMOS E COM TODOS OS RESPETIVOS EFEITOS, ASSIM SE FAZENDO A COSTUMADA JUSTIÇA!


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Com dispensa legal de vistos substituídos pela competente entrega de cópias aos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem para decisão em conferência.


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Ao abrigo do regime do artº 663º nº 8 CPC, ex vi artº 1º CPTA, por não ter sido impugnada remete-se para o elenco de matéria de facto julgada provada pelo Tribunal a quo.

                                                                                            DO  DIREITO

 O Recorrente peticiona a revogação e anulação do acórdão proferido, assacando-o de incorrer em violação primária de direito substantivo por erro de julgamento em matéria de:

1. violação de lei do acto de exclusão por inobservância do contraditório sucessivo em sede de preço anormalmente baixo ……………………………………………..  itens A a I;

2. liberdade de modelação do conteúdo contratual ….. ……………….…   itens J a Y.


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No segmento decisório, o acórdão recorrido emitiu julgado como segue:

o julgar totalmente procedente a presente acção,

o declarando-se a anulação do acto de exclusão da proposta das AA

o bem como do acto de adjudicação;

o condena-se o Município de Loures a, no âmbito do procedimento adjudicatório de concurso público para fornecimento de refeições escolares referido nos autos, emitir o acto de adjudicação do contrato a favor das AA

o e anula-se o contrato celebrado em 13.9.2011 entre o R e a C.I, com efeitos a partir do 0º dia útil, contado da notificação da presente decisão.

1. critério de adjudicação do mais baixo preço – preços base unitários - preços  unitários mínimos;

                No presente concurso público o critério de adjudicação determinado é o do mais baixo preço (artº 74º nº 1 b) CCP) o que significa que nestas circunstâncias a Administração deve apresentar um caderno de encargos que “(..) defina todos os restantes aspectos da execução do contrato a celebrar, submetendo apenas à concorrência o preço a pagar pela entidade adjudicante pela execução de todas as prestações que constituem o objecto daquele.” – artº 74º nº 2 CCP.

E significa do outro lado da relação jurídica procedimental que os concorrentes não carecem de desenvolver nenhuma actividade concretizadora de aspectos essenciais do caderno de encargos, na exacta medida em que são chamados simplesmente a aderir ao projecto contratual que o respectivo clausulado configura, com a única excepção do factor preço a pagar pela entidade adjudicante na aquisição do material didáctico para os Jardins de Infância da Rede Pública do Concelho de Oeiras.

O mesmo é dizer que tanto o conteúdo dos aspectos de execução submetidos à concorrência - os atributos, artº 56º nº 2 CCP - se mostra reduzido à sua expressão mínima, como é total a definição dos restantes aspectos não submetidos à concorrência  - os parâmetros base, artº 42º nºs. 3, 4 e 5 CCP -, dado que o único aspecto submetido à concorrência e, nessa medida, aberto à apresentação de propostas por parte dos concorrentes, é o preço([1])

                De modo que, dos três conceitos de preço que o CCP apresenta – valor do contrato, artº 17º, preço base, artº 47º e preço contratual, artº 97º - nos procedimentos em que o critério de adjudicação é o do mais baixo preço apenas importa o preço contratual, artº 97º nº 1 CCP, o seja, “o preço a pagar pela entidade adjudicante, em resultado da proposta adjudicada, pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato”.

O conceito de preço base em sede de CCP reporta-se ao “(..) preço máximo que a entidade adjudicante se dispõe a pagar pela execução de todas as prestações que constituem o objecto do contrato (..)” e, como tal, o preço contratual, isto é, o preço que consta da proposta e que assume esta natureza com a adjudicação, tem de se conter nos limites do preço base, sob pena de exclusão da proposta – cfr. artºs 70º nº 2 d) e 97º nº 1 CCP([2])

 O preço base fixado no concurso tem por referência o valor global de todas as prestações objecto do contrato a celebrar, mas pode “(..) dar-se o caso de se fixarem apenas preços base unitários, caso em que o preço base corresponderá ao produto desses preços unitários pelas quantidades respectivas constante do (usualmente designado) mapa de quantidades do caderno de encargos, onde vêm descritas as quantidades de cada bem ou tarefa que o adjudicatário prestará para realização do contrato (ver 47º/5 do CCP).

A diferença, nesta hipótese, é que há tantos parâmetros vinculativos da concorrência quanto os preços base unitários, pelo que a violação de qualquer deles constitui causa de exclusão das propostas –  mesmo que os outros dela constantes, ficando abaixo do respectivo preço unitário, permitissem compensar a carestia daquele  (..)” atento o efeito cominado no artº 70 nº 2 b) CCP de exclusão das propostas na hipótese de apresentarem atributos que violem os parâmetros base do caderno de encargos. 


  *

 De modo que, continuando com a doutrina citada, a “(..) Função principal da existência de um preço base é porém a de servir de parâmetro de validade das propostas, levando, como resulta da alínea d) do nº 2 do art. 70º do Código, à exclusão daquela que (global ou unitariamente, consoante os casos) o superem e igualmente a de funcionar como parâmetro de aferição preliminar das propostas de preço anormalmente baixo, nos termos previstos nos seus arts. 71º/1, 115º/3, 132º/2 e 189º/3.  (..)” ([3])


    *

Sucede que no caso trazido a recurso os preços base unitários, ou seja, os limites máximos dos preços unitários fixados no artº 20º do Programa do Concurso (preços unitários máximos que a entidade adjudicante se dispõe a pagar) não constituem o referencial para determinar no procedimento o limiar de anomalia automático segundo a tabela do artº 71º nº 1 b) CCP.

Questão diversa no tocante aos limites mínimos dos preços unitários.

Na circunstância a entidade adjudicante ora Recorrida fixou o limiar de anomalia das propostas no artº 20º do Programa do Concurso por referência aos preços unitários mínimos fixados quanto aos elementos constitutivos dos factores elementares levados à fórmula de cálculo do modelo de avaliação para determinação do atributo preço/custo das propostas, preços unitários tomados na sua totalidade posto que o preço anormalmente baixo é sempre o preço total, como expresso no artº 70º nº 2 e) CCP.

De modo que, no contexto das questões suscitadas nos itens A a I das conclusões, cabe analisar a matéria do preço anormalmente baixo segundo o regime do artº 71º nºs 2 e 3 do CCP, em ordem a saber se a existência do contraditório antecipado exige, no caso, a observância do contraditório sucessivo por parte da entidade adjudicante, rectius, do júri concursal, sob pena de o acto de exclusão da proposta ao abrigo do regime do artº 70º nº 2 e) CCP configurar um acto ilegal.

2. autovinculação - limiar de anomalia – separação de poderes -  margem de livre decisão – precedência de lei - artºs. 71º/1, 115º/3, 132º/2 e 189º/3 do CCP;

Um primeiro aspecto a ter em conta no tocante à regulação de preços unitários mínimos fixados no artº 20º do Programa do Concurso passa pela circunstância de o direito objectivo em matéria de contratação pública expressamente admitir que as Entidades Adjudicantes usem da faculdade de autovinculação a um limiar de valor de preço anormalmente baixo, publicitado nas peças do procedimento e com efeitos excludentes das propostas que apresentem um preço inferior ao indicado.

A atribuição desta faculdade consta do artº 71º nº 1 CCP que remete expressamente para o regime de conformação do programa do procedimento no concurso público (cfr. artº 132º nº 2 CCP) e do convite nos procedimentos de ajuste directo (cfr. artº 115º nº 3) e de concurso limitado para apresentação de propostas aos candidatos qualificados (cfr. artº 189º nº 3).

A autovinculação da Entidade Adjudicante a um limiar de valor de preço anormalmente baixo por si estabelecido nas peças do procedimento, “(..) pode ser feita, por exemplo, através da fixação de uma quantia ou de uma fracção ou de uma percentagem do preço base do procedimento. A expressão utilizada no texto legal para referir esse valor, como sendo um valor “a partir do qual”, pode padecer de alguma ambiguidade, sendo manifesto que o preço será anormalmente baixo se for inferior ao indicado. (..)”  ([4])


*

Um segundo aspecto prende-se com a distinção entre esfera da legalidade e esfera do mérito.

O principio constitucional da separação de poderes, artº 2º CRP conjugado com a habilitação dos tribunais restrita ao controlo de legalidade, artº 201º nº 2 CRP, significa que “(..) A margem de livre decisão implica uma consequência fundamental: no seu âmbito não existe controlo jurisdicional … devendo o controlo resumir-se à aferição do respeito administrativo pelas vinculações administrativas e pelos limites internos da margem de livre decisão (..)

(..) O mérito engloba a apreciação da oportunidade .. e da conveniência .. de uma determinada actuação administrativa em termos que podem levar a dizer que ela prossegue de forma melhor ou pior o interesse público, mas não que é ilegal. (..)”  ([5])

Tendo em conta as disposições constitucionais e a doutrina citada, o regime dos artºs. 71º nº 1, 115º nº 3, 132º nº 2 e 189º nº 3 do CCP implica a atribuição de um espaço de liberdade conferido às entidades adjudicantes na conformação do procedimento contratual, sendo que o agir administrativo em matéria de tramitação procedimental também se mostra sujeito ao princípio da reserva de lei por disposição expressa do artº 267º nº 5 CRP.

Por isso, no que importa ao caso dos autos, a vertente regulamentar expressa no ARTº 20º DO Programa do Concurso tem que traduzir, do ponto de vista jurídico, a concretização da previsão normativa constante do CCP em matéria de conteúdo procedimental, o que significa que a margem de abertura conferida pelos citados preceitos em favor da entidade adjudicante no domínio da densificação dos pressupostos do “preço anormalmente baixo” consiste na atribuição de uma margem de livre decisão balizada pelo bloco de legalidade aplicável, ou seja, limitada pela proibição de actuações que não sejam normativamente permitidas pelo bloco de legalidade que rege o caso concreto.  ([6])

O mesmo é dizer que os artºs. 71º nº 1, 115º nº 3, 132º nº 2 e 189º nº 3 do CCP, além de constituírem o fundamento legitimador da actuação da entidade adjudicante, procedem à densificação normativa dos pressupostos da fixação do limiar de anomalia mediante o conceito indeterminado de “preço total anormalmente baixo” relativamente ao preço total da proposta apresentada pelo concorrente.

Atenta a existência prévia de norma jurídica habilitante (precedência de lei) asseguradora em favor dos interessados da garantia de previsibilidade do agir administrativo concretizado nas peças do procedimento, a ora Recorrente não incorre em desconformidade legal no que respeita ao exercício da competência regulamentar em matéria de fixação no Programa do Concurso do limiar de anomalia do preço das propostas.


      *

O terceiro aspecto tem a ver com a matéria de facto levada ao item 5 do probatório, mera referência por remissão para o artº 20º do Programa do Concurso transcrito a fls. 34-36 do segmento de fundamentação de direito do acórdão sob apreço.

Este terceiro aspecto passa por saber se o Município ora Recorrente agiu em desconformidade com o bloco normativo aplicável ao concretizar preços mínimos unitários no exercício da margem de livre decisão conferida por lei, ou seja, ao fixar na cláusula 20º nº 2 do Programa do Concurso limites mínimos para os 6 (seis) sub-factores elementares do modelo de avaliação, constitutivos do único atributo levado à concorrência, o preço (artºs. 42º nºs 3/4, 71º nº 1(1ª parte), 75º nº 2 e 139º nº 2 CCP),

O que significa que a apreciação da actuação administrativa do ora Recorrente no uso da margem de livre decisão conferida por lei em sede de CCP, passa por saber se a fixação de preços mínimos unitários que parametrizam o limiar de anomalia modelando no procedimento o padrão de referência do preço anormalmente baixo está em desconformidade com os limites internos da margem de livre decisão, concretamente, em desconformidade com os princípios da concorrência no que tange aos interessados no mercado administrativo presentes no procedimento e da prossecução do interesse público por parte da entidade adjudicante, ora Recorrente.

3. relatório preliminar - preço anormalmente baixo não justificado;

O Júri pronunciou-se expressamente no Relatório Preliminar sobre a proposta apresentada pelo agrupamento concorrente constituído pelas sociedades ora Recorridas, qualificando os preços apresentados em todos os itens como preço anormalmente baixo não justificado, em razão de, os preços unitários propostos em valor inferior aos limites mínimos fixados na cláusula 20º nº 2 do Programa do Concurso para os 6 (seis) sub-factores elementares do modelo de avaliação, constitutivos do único atributo levado à concorrência, o preço (artºs. 42º nºs 3/4, 71º nº 1(1ª parte), 75º nº 2 e 139º nº 2 CCP) configurarem, no global, que “o preço proposto pelo agrupamento concorrente peca por falta de seriedade e consistência” para a normal execução das prestações do contrato, posto que nos esclarecimentos justificativos do documento  junto ao abrigo do regime do artº 57º nº 1 d) CCP – vd. item 21 do probatório  - o agrupamento concorrente não logrou afastar o juízo de suspeita que a apresentação de tão baixo preço só por si já suscita”.


 *

Na parte que ora importa transcreve-se o Relatório Preliminar, levado ao item 22 do probatório e junto a fls. 160-185 dos autos em papel.

“(..) O agrupamento de concorrentes assume uma proposta com preço anormalmente baixo em todos os casos, a saber:  refeições transportadas a quente e a frio para alunos (-45,72%);   refeições com confecção local para alunos (-11,63%);   lanches (-45,66%);   refeição escolar para adultos (-36,37%);    fruta escolar (-33,34%)   e   kits descartáveis (-28,58%).

Preço anormalmente baixo esse que, na quantificação apresentada pelo próprio agrupamento concorrente no ponto 17 e quadro 3 que integra esse documento justificativo em análise, se traduz numa redução média de 33,55% em relação aos preços mínimos estabelecidos.

Ora o documento justificativo apresentado cura de tentar demonstrar que existem fundamentos válidos para a apresentação de tal preço e, consequentemente, dever o mesmo ser aceite pela entidade adjudicante porque justificado.

Sem prejuízo da minuciosa análise feita ao teor do documento justificativo apresentado pelo agrupamento concorrente, pode dizer-se aqui, para já e apenas em jeito de resumo de tal documento, que os fundamentos invocados se situam na esfera do seguinte:

- Na caracterização e modelo de actuação do grupo de sociedades no qual se integra o agrupamento concorrente, e na caracterização e modelo de actuação do agrupamento concorrente propriamente dito, tentando pôr em evidência o efeito de eficiência, poupança e escala obtidos em razão do modelo de negócio e actuação desses agrupamentos, com repercussão directa nos preços que praticam e de que os preços aqui em análise são uma expressão ou reflexo; 

- Face à actual situação da economia do nosso País e às evidências do mercado, os preços fixados pela entidade adjudicante nas peças procedimentais revelam-se excessivos e desadequados ao mercado, quando comparados com os preços suportados por outros municípios.

Ora, começando por tomar posição crítica sobre os esclarecimentos apresentados, pode afirmar-se que é de senso comum o conhecimento de que um processo de agrupamento de empresas, qualquer que seja a natureza desse agrupamento, encerra em si, e em tese, potencialidades para gerar ou intensificar efeitos de escala, eficiência ou poupança, podendo proporcionar, também em tese, condições competitivas ou comparativas vantajosas perante a concorrência.

Partindo da premissa anterior duas questões que se colocam, de imediato, são:

a)- a de saber se, neste caso concreto em análise, tais efeitos de escala, eficiência ou poupança, ou a eventual presença de condições competitivas ou comparativas vantajosas perante a concorrência, existem, se se mostram alegadas e factual e concretamente demonstradas e;

b}- existindo, mostrando-se alegadas, factual e concretamente demonstradas têm a extensão ou o alcance que o agrupamento concorrente lhes pretende dar, isto é, são de tal ordem que não só permitem dar contributo para a justificação de um preço anormalmente baixo, como permitem dar contributo para a justificação de um preço anormalmente baixo anormal mediante uma redução média de 33,55% em relação aos preços mínimos estabelecidos nas peças do procedimento aquisitivo.

As questões colocadas o júri está seguro e convicto da resposta a dar, É a seguinte:

- se é certo que tais efeitos de escala, eficiência ou poupança se mostram alegados pelo agrupamento concorrente a verdade é que não se mostram factual e concretamente demonstrados e muito menos em relação directa com os preços apresentados na sua proposta e, assim sendo, então não se mostra demonstrado que fossem susceptíveis de dar contributo para a justificação de um preço anormalmente baixo, em especial mediante uma redução média de 33,55% em relação aos preços mínimos estabelecidos nas peças do procedimento.

Com efeito, as justificações apresentadas pelo agrupamento concorrente não se revelam capazes de afastar as dúvidas que a aparente “bondade” da sua proposta suscita. Bem pelo contrário. Apesar de extensas, vistas em pormenor, as justificações apresentadas não logram explicar, em concreto, o motivo pelo qual o seu preço é tão baixo. A maioria das justificações apresentadas pelo agrupamento concorrente não se traduzem senão em alegações não concretizadas e na invocação da forma de organização do grupo empresarial no qual se inserem, ambas insuficientes só por si, para cumprirem o desiderato que se propõem, o de justificar o preço anormalmente baixo.

Diga-se mais, dado o carácter genérico das justificações apresentadas, as mesmas poderiam, em tese, justificar os seus preços neste concurso como em qualquer outro. O agrupamento concorrente, na verdade, não consegue explicar, concretamente, por que motivo lhe é possível apresentar preços inferiores àqueles que são considerados anormalmente baixos.

E esta conclusão do júri é uma conclusão segura, sem que por um instante tenha perdido de vista ou deixado de ter em consideração o teor da proposta e mais concretamente tudo o que vem alegado no documento justificativo, isto é, a dimensão e experiência do grupo, o número de locais abastecidos, o volume de vendas, um sistema centralizado de compras, as plataformas logísticas, a proximidade de estabelecimentos industriais e de uma plataforma logística, a detenção de veículos de transporte dos bens ou o invocado sistema de confecção dotado de equipamentos tecnológicos mais avançados. (..)

(..)

Na sua justificação, o agrupamento concorrente parece colocar uma especial preocupação em justificar o custo de transporte. Neste sentido, veja-se o ênfase posto na proximidade geográfica entre a plataforma logística e o estabelecimento industrial e os locais onde serão fornecidas as refeições e demais bens (o que o júri não considera irrelevante),

Para além disso, as concorrentes consideram que o facto de os veículos utilizados nos transportes serem detidos por um dos membros do agrupamento permite apresentar uma proposta especialmente competitiva (o que também o júri não considera irrelevante, mas concluindo, igualmente, que o agrupamento não demonstra concreta e especificamente no que se baseia tal condição competitiva e não deixando de ter presente, também, que a detenção dos veículos, só por si, nada demonstra, quando é sabido que, amiúde, contratações pelas entidades empresariais neste domínio, por exemplo em regime de outsourcing, são feitas em condições de eficácia, eficiência e poupança mais vantajosas).

No entanto, analisada a justificação unitária dos diversos preços da refeição, constata-se que, inexplicavelmente, o custo do transporte é rigorosamente o mesmo, quer as refeições sejam confeccionadas no local, quer sejam transportadas. Ora o agrupamento concorrente não esclarece, justifica ou fundamenta a razão de ser de igual preço para situações tão distintas no que ao custo do transporte diz respeito na estrutura de custos apresentada. (..)

(..)

Ademais, verifica-se que a parte do preço proposta para ressarcir os custos relacionados^ com a aquisição de matéria-prima alimentar é idêntica, quer se trate de refeições a servir a alunos, quer se trate de refeições a servir a adultos, sendo que as capitações mínimas das refeições de adultos são, em regra, superiores às capitações mínimas definidas para alunos. 

Este aspecto, não deixa de constituir outro factor que abala de forma considerável a seriedade dos preços propostos, porquanto, o agrupamento concorrente também neste aspecto não esclarece, justifica ou fundamenta a razão de ser de igual preço para situações tão distintas no que ao custo da matéria-prima alimentar diz respeito na estrutura de custos apresentada.

Assim, também não abona a favor da credibilidade da proposta o facto do preço proposto para a matéria-prima alimentar ser igual para adultos ou alunos, independentemente da diferença na capitação desses dois tipos de refeição.

Ora, sobre estes dois aspectos o júri não pode aceitar que o agrupamento concorrente, sem qualquer justificação venha apresentar custos em transporte e matéria-prima alimentar a partir de uma espécie de média ponderada, pois, tal configura uma proposta de feição anómala.

Tanto mais que tal contrasta com os custos apresentados relativamente ao pessoal onde se verificam alterações do valor do custo para os diversos tipos de refeições.

Por outro lado, também se afigura inaceitável, porque não fundamentado ou justificado pelo agrupamento concorrente, que o preço unitário proposto por cada refeição, seja de confecção local, seja transportada a quente e a frio, seja para alunos, seja para adultos, se apresente igual em todos casos. 

Outro aspecto concreto que suscita dúvidas é o facto da proposta apresentada ter um preço unitário para os kits descartáveis de 60,20. E suscita dúvidas e muitas reservas quanto à seriedade do preço, na medida em que é o próprio agrupamento concorrente que, no ponto 13 do documento justificativo afirma - e reproduz-se na parte que interessa - “(...) beneficiando, assim, as concorrentes agrupadas, de um preço de aquisição de apenas €0,20 por cada kit descartável(,..)”, isto é, o agrupamento concorrente compra e ' vende os kits ao mesmo preço. (..)

(..)

Assim, com base na apreciação já feita, e à luz do seu entendimento, o júri não pode deixar de considerar que o preço proposto pelo agrupamento concorrente peca por falta de seriedade e consistência.

Com efeito o agrupamento concorrente não logrou afastar o juízo de suspeita que a apresentação de tão baixo preço só por si já suscita.(..)

(..)

Se o preço não se revelar capaz de assegurar a cobertura dos custos e a remuneração comercial do proponente não há garantia da qualidade da prestação, nem fica assegurada uma sã concorrência.

Resulta evidente das normas do programa do concurso que a entidade adjudicante não está disposta a contratar o serviço de refeições a qualquer preço.

Evidência disso, é o facto do programa do concurso obrigar a que uma percentagem mínima do preço unitário incorpore o custo da matéria-prima alimentar.

No mesmo sentido de que a entidade adjudicante não está disposta a contratar o serviço de refeições a qualquer preço, se mostra a determinação que, relativamente a algumas componentes do preço, não serão permitidas apresentações de valores a custo zero (ver n.° 5 da cláusula 13ª do Programa do Concurso).

Por esse motivo, a entidade adjudicante redigiu a cláusula relativa ao critério de adjudicação com especial cuidado (ao contrário do que o agrupamento concorrente deixa entender) introduzindo o conceito de “preço mínimo”, tido também como limiar do preço anormalmente baixo, preço mínimo esse que pretende dissuadir os concorrentes à apresentação de um qualquer preço. (..)

(..)

Aliás, apreciando os preços apresentados na proposta do agrupamento concorrente e o próprio desvio médio da sua proposta que quantificou (33,55% relativamente ao preço mínimo estabelecido, concomitantemente relativamente a outras propostas apresentadas com o preço mínimo e, inequivocamente, desvio superior a uma das propostas que apresenta preço superior ao mínimo estabelecido) e apresenta nos seus esclarecimentos, conclui-se que, se na quase generalidade dos preços estabelecidos pela entidade adjudicante houvesse uma diminuição na percentagem de um terço no preço máximo e se se actualizasse o preço mínimo à respectiva metade, ainda assim a proposta do agrupamento apresentaria preços unitários quase generalizadamente anormalmente baixos. (..)

(..)

Numa outra perspectiva de análise, uma eventual incorrecta fixação do preço base ou do preço abaixo do qual qualquer preço se mostrará anormalmente baixo, não inviabiliza quer a apresentação de proposta com preço anormalmente baixo, quer a eventual admissão da mesma, apenas dita a necessidade de uma especial demonstração por parte do concorrente que apresente tal preço que o mesmo, ainda que anormalmente baixo, se mostra justificado ou fundamentado. Mister é que o concorrente específica e concretamente, e com precisão e clareza, o justifique o que, tal como se tem vindo a demonstrar, não é o caso na situação aqui em análise.(..)

(..)

Deste modo, o júri do concurso considera que a apresentação da proposta do agrupamento concorrente com preço anormalmente baixo não justificado fere, no seu entender, e de forma irremediável, a possibilidade de concretização das prestações contratuais pretendidas bem como a garantia da qualidade do serviço a prestar.

Concluindo, analisadas e apreciadas, criticamente, as razões justificativas apresentadas pelo agrupamento de concorrentes - “I. S.A. e S. Lda.” o Júri conclui pela sua insuficiência e invalidade, logo pela sua inaptidão para justificar o preço anormalmente baixo apresentado, não se mostrando, pois, preenchidas as condições invocadas pelo agrupamento e que se mostram previstas nas alíneas a), b) e d) do artigo 71.°, n.° 4, do Código dos Contratos Públicos.          

À luz do que antecede, e concomitantemente, resulta a deliberação do júri no sentido de propor a exclusão da proposta apresentada pelo agrupamento de concorrentes - “I. S.A. e S, Lda.”, com fundamento no disposto na alínea e), do n.° 2, do artigo 70.° do Código dos Contratos Públicos. (..)”  –  vd. fls. 160-179 dos autos e alíneas 6 e 7 do probatório).

No procedimento cumpriu-se a tramitação legal subsequente mediante notificação do Relatório Preliminar a todos os concorrentes, seguida de pronúncia do agrupamento constituído pelas sociedades ora Recorridas em audiência prévia (artºs. 122º e 123º CCP), mantendo o Júri no Relatório Final tanto os fundamentos como a proposta de exclusão do agrupamento, homologada por deliberação do Recorrente de 24.08.2011 (artº 124º CCP) – vd. alíneas 8, 9, 10 e 11 do probatório.  

4. preço anormalmente baixo – contraditório antecipado – contraditório sucessivo;

Feita a transcrição do Relatório Preliminar, voltemos ao caso em recurso no tocante à matéria do contraditório sucessivo em sede de preço anormalmente baixo regulado no artº 71º nºs. 2 e 3 CCP, como segue.

  • nº 2 – Quando o caderno de encargos não fixar o preço base, bem como quando não se verificar qualquer das situações previstas no nº 3 do artº 115º, no nº 2 do artº 132º e no nº 3 do artº 189º, o órgão competente para a decisão de contratar deve fundamentar, para efeitos do disposto no número seguinte, a decisão de considerar que o preço total resultante de uma proposta é anormalmente baixo.
  • nº 3 – Nenhuma proposta pode ser excluída com fundamento no facto de dela constar um preço total anormalmente baixo, sem antes ter sido solicitado ao respectivo concorrente, por escrito, que, em prazo adequado, preste esclarecimentos justificativos relativos aos elementos constitutivos da proposta que considere relevantes para esse efeito.

Neste contexto, o dever de solicitação de esclarecimentos a cargo do órgão competente para a decisão de contratar, pressuposto integrativo do poder de exclusão das propostas nesta matéria do preço anormalmente baixo e estatuído no artº 71º nº 3 CCP, rege, desde logo, no caso de não haver nem limiar de anomalia no convite ou programa do concurso, nem preço base no caderno de encargos.

E entende-se porquê, pois fixado que seja o preço base no caderno de encargos ou determinado o limiar de anomalia no convite ou programa do procedimento, os concorrentes tomam conhecimento pela consulta e fornecimento das peças concursais, especificamente quanto ao preço contratual, das balizas que delimitam o conceito de preço anormalmente baixo no caso do contrato a celebrar, isto é, conhecem o limiar da anomalia das propostas no tocante ao preço que podem propor.

O que não pressupõe que seja vedada a apresentação de preço competitivo igual ou inferior ao limiar da anomalia, só que, nesta circunstância, entre os documentos constitutivos obrigatórios da proposta e, consequentemente, de apresentação obrigatória, figura o documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto “quando esse preço resulte, directa ou indirectamente das peças do procedimento” cfr. artº 57º nº 1 d) CCP, modelo denominado de contraditório antecipado, revogado pelo actual CCP /DL 111-B/2017, mas que também se coloca no novo quadro legal.   ([7]) ([8])

De modo que, havendo preço base fixado no caderno de encargos ou um limiar de anomalia fixado pela entidade adjudicante no convite ou no programa do concurso nos termos do artº 71º nº 1, 1ª ou 2ª parte CCP, tal significa que a ausência de documento justificativo do preço anormalmente baixo proposto pelo candidato/concorrente, determina a exclusão da respectiva proposta, cfr. artº 70º nº 2 e) CCP.


    *

Neste domínio dos esclarecimentos justificativos o distinguo entre os modelos de contraditório antecipado e do contraditório sucessivo consiste em que, no primeiro, as justificações são apresentadas juntamente com a proposta e, por isso, os esclarecimentos do concorrente relativos ao preço apresentado na proposta têm em vista afastar a presunção de inidoneidade do preço proposto, presunção genérica fundada na circunstância de o valor pecuniário proposto a título de preço contratual não respeitar o limiar de anomalia por ser igual ou inferior ao valor fixado nas peças do procedimento, seja o limiar legal automático seja o limiar fixado pela entidade adjudicante no uso do poder discricionário.

Como nos diz a doutrina “(..) Em tais circunstâncias são as razões justificativas constantes da proposta, que determinam o juízo do órgão adjudicante sobre a razoabilidade económica ou técnica do preço proposto (..)” sem prejuízo de “(..) No caso de esse documento ser apresentado e se suscitarem dúvidas sobre a bondade da justificação, deve a entidade adjudicante solicitar esclarecimentos ao concorrente (..)”   ([9])

Pelo contrário, no contraditório sucessivo os esclarecimentos prestados pelo concorrente a solicitação do júri versam sobre os pontos concretos da composição do preço proposto que suscitaram ao júri dúvidas sobre a seriedade e congruência da proposta para assegurar a normal execução do contrato e motivaram a consequente necessidade de esclarecimentos expressamente pedidos ao concorrente; trata-se, pois, de um contraditório específico, dirigido a pontos concretos da proposta, suscitado pela entidade adjudicante rectius, pelo júri, e não um contraditório genérico em face do preço da proposta se apresentar igual ou abaixo do limiar de anomalia resultante das peças do procedimento. 


  *

Como nos diz a doutrina no âmbito do CCP anterior à revisão operada pelo DL 111-B/2017,

“(..) O contraditório que é imposto pelas directivas comunitárias é, a nosso ver, um contraditório dirigido, no sentido de que os concorrentes cujas propostas são qualificadas como de preço anormalmente baixo têm de se justificar perante imputações, sejam elas genéricas ou concretas, que lhes são dirigidas no sentido da suspeita de falta de seriedade ou congruência do preço proposto em relação à proposta contratual em causa.

Esse contraditório tanto é dirigido, no sentido assinalado, nos casos em que o concorrente propõe um preço que já sabe ser anormalmente baixo (como sucede “quando esse preço resulte, directa ou indirectamente, das peças do procedimento”, na sintética expressão da parte final da alínea d) do nº 1 do artº 57º do CCP), como nos casos em que só é confrontado com essa qualificação no seguimento de uma decisão discricionária da entidade adjudicante proferida nos termos do nº 2 do artº 71º do CCP.

(..) quando as justificações apresentadas ao abrigo da alínea d) do nº 1 do artº 57º do CCP não são consideradas pela entidade adjudicante como demonstrativas da seriedade ou congruência do preço anormalmente baixo que foi proposto, é preciso distinguir claramente duas situações.

A primeira é a de os documentos apresentados não serem demonstrativos da seriedade ou congruência da proposta porque nem sequer afastam a presunção geral resultante do limiar de anomalia previamente fixado. Ou seja, tendo em conta que há uma conexão directa entre o preço concretamente proposto e a sua anomalia, as justificações devem procurar demonstrar que o preço, apesar de anormalmente baixo, é um preço de mercado. (..)

(..) se as justificações apresentadas … podem, por si só, ser idóneas a demonstrar que tal proposta é séria e congruente, permitindo, assim, à entidade adjudicante dispensar o contraditório sucessivo,  não é menos verdade que o mesmo se deve passar então quando as justificações apresentadas revelam também, mas ao contrário, a manifesta,  absoluta e incontroversa carência de credibilidade … são completamente claudicantes no objectivo de quebrar aquela efectiva presunção de que o preço proposto, por ser igual ou inferior ao limiar de anomalia previamente fixado, configura uma proposta não séria e incongruente.

A segunda situação é a de as justificações apresentadas terem criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta. (..) Essas dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta, porque apontam no sentido da sua exclusão, implicam, pois, justificações adicionais ou complementares, destinadas a afastá-las e a revelar ou manter a seriedade e a congruência da proposta.  

Assim, enquanto que na primeira situação a entidade adjudicante se deve considerar exonerada da obrigação de interpelar o concorrente fundando a imediata exclusão da proposta no disposto na parte final da alínea e) do nº 2 do artº 70º do CCP, na segunda situação deve aplicar o nº 3 do artº 71º do CCP e solicitar ao concorrente que apresente justificações relativas “aos elementos constitutivos da proposta” que considere relevantes para esse efeito. (..)

(,,) o que acaba de afirmar-se não pode excluir, naturalmente, a possibilidade de recurso ao disposto no nº 1 do artº 72º do CCP em todos os casos em que as justificações apresentadas ainda necessitem, elas próprias, de esclarecimentos, isto é, de que sejam aclarados alguns pontos obscuros ou contraditórios contidos nas próprias justificações. (..) 

(..) Por isso, sob pena de violação da directiva comunitária (cfr. nº 1 do artº 55º da Directiva nº 2004/18), o artº 71º do CCP deve ser interpretado à luz da jurisprudência Lombardini, [Acórdão do TJCE de 27.11.2001, processo C-285/99 e C-286/99 - Lombardini/Mantovani] no sentido de o seu nº 3 se aplicar também, nos dois casos previstos no nº 1, quando as justificações anteriormente apresentadas tenham criado na entidade adjudicante dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta.

Mas assim sendo, impõe-se também que seja convocada a aplicação da segunda parte do nº 2 do artº 71º do CCP, isto é, que a entidade adjudicante fundamente essa decisão de solicitar novos “esclarecimentos justificativos, pois só assim é que ocorre um verdadeiro contraditório, como o prevê, tanto aquele nº 3 do artº 71º do CCP, como o próprio nº 1 do artigo 55º da Directiva nº 2004/18. (..)”  ([10])   


   *

Atendendo ao enquadramento normativo e doutrinário supra exposto, não se acompanha o entendimento sustentado pelo Tribunal a quo em sede de acórdão.

Em primeiro lugar, contrariamente ao sustentado na fundamentação do julgado constante de fls. 27-42 no acórdão recorrido, do teor textual do Relatório Preliminar, assumido no Relatório Final, resulta com clareza que não se suscitaram quaisquer dúvidas ao Júri concursal quanto a classificar a proposta apresentada pelo agrupamento constituído pelas sociedades ora Recorridas como proposta de preço anormalmente baixo e não justificado pelo documento junto em contraditório antecipado, ao abrigo do artº 57º nº 1 d) CCP, juízo de inidoneidade sufragado pela Entidade Adjudicante, ora Recorrente ao homologar a exclusão da proposta.

Segundo, contrariamente ao sustentado em sede de acórdão recorrido, da interpretação conjugada do disposto nos artºs. 57º nº 1 d) e 71º nº 3 CCP não se extrai a vinculação do júri a observar no procedimento o contraditório sucessivo, isto é, a solicitar esclarecimentos justificativos complementares dos já levados ao procedimento na proposta apresentada, relativamente ao preço proposto pelo concorrente em violação do limiar de anomalia determinado nas peças do procedimento, sob pena de, caso não seja observado o contraditório sucessivo, o acto de exclusão da proposta ao abrigo do  artº 70º nº 2 e) CCP por preço anormalmente baixo, incorrer em vício invalidante.

No caso dos autos, face ao juízo emitido pelo Júri na sequência do documento apresentado e no âmbito da audiência de interessados por notificação do Relatório Preliminar, afirmativo no sentido de exclusão da proposta por manifesta carência de credibilidade do preço anormalmente baixo proposto e não justificado, não cabia abrir o sub-procedimento do contraditório sucessivo para efeitos de colher junto do agrupamento concorrente esclarecimentos complementares das justificações anteriormente apresentadas no documento junto com a proposta levada ao procedimento.


 *

De modo que não se acompanha a fundamentação constante de fls. 27-42 do acórdão sob recurso, no sentido de julgar verificado o vício de violação de lei por não terem sido solicitados esclarecimentos complementares em contraditório sucessivo ao agrupamento concorrente na sequência do contraditório antecipado (artº 57º nº 1 d) CCP), na medida em que a entidade adjudicante ora Recorrente, maxime, o júri concursal, em parte alguma do procedimento pré-contratual afirma expressamente que, face ao teor dos esclarecimentos justificativos anteriormente apresentadas no documento junto com a proposta ao abrigo do regime do artº 57º nº 1 d) CCP, se suscitaram dúvidas sobre pontos ou elementos concretos e precisos da proposta apresentada.

O que, pelas razões de direito supra expostas,  significa que os actos de exclusão e adjudicação bem como o contrato celebrado não se mostram inquinados por vício derivado da não abertura do sub-procedimento de contraditório sucessivo.


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Pelo exposto, procedem as questões trazidas a recurso nos itens A a I das conclusões.

5. liberdade de modelação do conteúdo contratual – desvio de poder contratual;

Nos itens J a Y das conclusões vem o acórdão assacado de incorrer em erro de julgamento por “violação da discricionariedade administrativa, pois invadiu a esfera jurídica alheia, substituindo-se nos poderes da entidade adjudicante de conformação dos termos do concurso, procurando impor determinados limites de preço e de qualidade.”, no que assiste razão ao Recorrente.


   *

No acórdão sob recurso a fls. 43 considerou-se que “(..) a fixação de um limiar de anomalia excessivamente elevado face à realidade do mercado também pode constituir uma circunstância justificativa da apresentação de um preço anormalmente baixo à luz do limiar de anomalia previsto no programa do procedimento (..)”.

Cabe referir que o limiar de anomalia fixado pela entidade adjudicante no Programa do Concurso tem respaldo normativo no regime prescrito no artº 71º nº 1, 1ª ou 2ª parte CCP que, no caso concreto, se concretizou na determinação dos limites mínimos dos preços unitários fixados na cláusula 20º nº 2 do Programa do Concurso para os 6 (seis) sub-factores elementares do modelo de avaliação, constitutivos do único atributo levado à concorrência, o preço (artºs. 42º nºs 3/4, 71º nº 1(1ª parte), 75º nº 2 e 139º nº 2 CCP).

Acresce que a determinação do limiar de anomalia não é indissociável do exercício da competência administrativa na vertente da margem de livre decisão para efeitos de conformação das prestações contratuais de acordo com o entendimento concretizado no procedimento adjudicatório dos autos no âmbito do interesse público que ao Município ora Recorrente cabe prosseguir, conformado pelas atribuições legais em que está investido.

Desde que, obviamente, esse entendimento do interesse público levado às peças do procedimento adjudicatório não se configure ilegal por violar os limites imanentes da margem de livre decisão constituídos pelos princípios da actividade administrativa plasmados no artº 266º nºs. 1 e 2 CRP e nos artºs. 3º a 19º  CPA/revisão de 2015.

Sem esquecer, no que tange à contratação pública em mercado livre administrativo, os princípios da concorrência e demais enunciados no artº 1º-A CCP/revisão de 2018, que já decorriam da codificação anterior; ou seja, há uma relação de conexão directa de natureza normativa entre as competências do órgão e        liberdade da actuação administrativa conferido por lei e limitado pelo bloco de legalidade, implicando, portanto, uma pelo menos parcial auto-determinação administrativa (..)

(..) implica uma consequência fundamental: no seu âmbito não existe controlo jurisdicional … devendo o controlo resumir-se à aferição do respeito administrativo pelas vinculações normativas e pelos limites imanentes da margem de livre decisão. (..)” ([11])

Ora, a conformação das prestações contratuais faz parte das valorações próprias da actividade administrativa no domínio do mérito da actuação, o que significa que, nos termos e limites expostos não é sindicável pelos Tribunais, a não ser que seja demonstrado, em concreto, que tais limites mínimos fixados na cláusula 20º nº 2 do Programa do Concurso obstaculizam o livre acesso ao mercado administrativo pelo operadores económicos, o que no caso concreto nem sequer foi alegado.

Acresce que a liberdade competencial das entidades adjudicantes para estruturação do procedimento adjudicatório tem base normativa expressa.

No que respeita ao programa do concurso no artº 132º nº 4 CCP, permitindo que nele sejam incorporadas “quaisquer regras específicas sobre o procedimento de concurso público consideradas convenientes pela entidade adjudicante, desde que não tenham por efeito impedir, restringir ou falsear a concorrência.”.

No tocante ao caderno de encargos no artº 42º nº 4 CCP, concedendo abertura a que no tocante aos aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência “os parâmetros base .. podem dizer respeito a quaisquer aspectos da execução do contrato .. e devem ser definidos através de limites mínimos e máximos, consoante os casos, sem prejuízo dos limites resultantes das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”.


   * 

Neste quadro, importa analisar em que medida e até que ponto a entidade adjudicante pode ir na liberdade de decisão no tocante à estipulação do conteúdo do contrato administrativo.  ([12])

A medida é dada, necessariamente, pelo interesse público posto a cargo da entidade adjudicante na decorrência das funções legalmente cometidas à pessoa colectiva pública, isto é, das atribuições fixadas por lei para cuja prossecução, a cargo dos respectivos órgãos, a lei necessariamente concede um elenco expresso de competências traduzidas nos meios jurídicos necessários ao concreto desempenho daquelas atribuições.

Quanto ao alcance da liberdade de modelação do conteúdo contratual nas peças procedimentais no uso da margem de livre decisão conferida por lei no quadro da autonomia pública em matéria de contratação, maxime, no CCP, cabe à Administração observar os limites internos do poder discricionário ou, noutra formulação, os limites imanentes da margem de livre decisão, decorrentes dos princípios constitucionais: além do já referido dever de prossecução do interesse público, o princípio da proporcionalidade na vertente da racionalização dos meios a utilizar pelos serviços, cfr. artºs. 266º nºs. 1 e 2 e 267º nº 5 CRP. 


   *

Quanto aos pressupostos de que depende o uso da margem de livre decisão da entidade adjudicante expressa na inclusão de limites mínimos dos preços unitários fixados na cláusula 20º nº 2 do Programa do Concurso, o caso concreto não evidencia a violação de quaisquer limites internos do poder discricionário por parte do Município ora Recorrente.

Primeiro porque, como já referido, é a própria lei no CCP que atribui abertura competencial às entidades adjudicantes permitindo liberdade de conformação do procedimento adjudicatório no respeito pela concorrência entre os operadores do mercado e das vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, vd. artºs. 42º nº 4 e 132º nº 4 CCP, donde, no que ora importa ao caso trazido a recurso, liberdade de escolha na definição dos limites mínimos ou máximos vinculativos das propostas em aspectos da execução do contrato submetidos à concorrência, a saber, o preço a pagar pela entidade adjudicante e o limiar de anomalia para o preço anormalmente baixo, no tocante às propostas.

Segundo, porque nos autos não foi feita prova que os concretos  preços mínimos estabelecidos no artº 20º nº 2 do Programa do Procedimento e levados a sub-factores elementares no modelo de avaliação, portanto, com efeitos directos na análise, avaliação e ordenação das propostas,  provocaram  no mercado  –  nomeadamente no mercado interno  –  efeitos restritivos da concorrência na prestação do serviço de refeições nas cantinas das escolas estatais sitas na área do Município de Loures.

Por conseguinte, a opção tomada no artº 20º nº 2 do Programa do Procedimento em matéria de determinação dos limites mínimos dos preços unitários, na medida da observância por parte da entidade adjudicante dos limites imanentes da margem de livre decisão não se mostra eivada de desvio de poder contratual.

E, como salienta a doutrina “(..) O desvio de poder contratual é apenas susceptível de controlo jurisprudencial negativo. O juiz pode constatar que a escolha (..) haja sido ditada por um motivo principalmente determinante que em nada se prenda com uma pretensão de dar um destino racional aos meios disponíveis para a acção administrativa. Mas não pode substituir-se à Administração para julgar da racionalidade das valorações efectuadas a não ser através de um juízo negativo de proporcionalidade.

(..) Desde que a valoração teleológica tenha sido efectuada no quadro da prossecução do interesse superior da racionalização dos meios a utilizar, não existem outros parâmetros para uma revisão da legalidade. (..)”  ([13])


          *

 Pelo exposto, procedem as questões trazidas a recurso nos itens J a Y das conclusões.


       *

Neste enquadramento, cabe revogar o acórdão no tocante (i) ao julgado anulatório do acto de exclusão da proposta do agrupamento constituído pelas sociedades ora Recorridas, do acto de adjudicação proferido pelo ora Recorrente e (ii) ao efeito condenatório declarado de emissão de acto de adjudicação a favor das sociedades recorridas e de anulação do contrato celebrado em 13.9.2011.


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Termos em que acordam, em conferência, os Juízes-Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em julgar procedente o recurso e revogar o acórdão proferido.

   Custas a cargo dos Recorridos.

Lisboa, 13.FEV.2020


(Cristina dos Santos) ………………………………………………………..

(Sofia David) ………………………………………………………………..

(Dora Lucas Neto) …………………………………………………………

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[1] Margarida Olazabal Cabral, O concurso público no Código dos Contratos Públicos, Estudos de Contratação Pública - I, CEDIPRE, org. Pedro Gonçalves, Coimbra Editora/2008, págs. 204/205; Luís Verde de Sousa, A negociação nos procedimentos de adjudicação, Almedina/2010, págs. 184/185; José Eduardo Figueiredo Dias e Fernanda Paula Oliveira, Noções fundamentais de direito administrativo, Almedina/2010, 2ª ed. pág. 208. 
[2] Jorge Andrade da Silva, Dicionário dos contratos públicos, Almedina/2010, págs. 341/342.
[3] Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos …, págs. 638, 639 e 640.
[4] Andrade da Silva, Código dos Contratos Públicos, Almedina/2013, 4ª ed. págs. 343 e 375. 
[5] Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito administrativo geral, Tomo I, D. Quixote, 3ª ed., págs. 135, 138 e 185.
[6] Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito administrativo, pp. 160, 168-169, 175-178. 
[7] Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos de contratação pública, Almedina/2011, págs. 591 e 936-938;  João Amaral e Almeida, As propostas de preço anormalmente baixo - Estudos de Contratação Pública, CEDIPRE- III, Coimbra Editora/2010, págs. 129/134.
[8] José Azevedo Moreira, Breves notas sobre o novo regime das propostas de preço(ou custo) anormalmente baixo, Comentários á revisão do CCP, Coord. Carla Amado Gomes/Ricardo Pedro/Tiago Serrão/Marco Caldeira, AAFDL Editora/2018, págs.707-712.
[9] Mário e Rodrigo Esteves de Oliveira, Concursos e outros procedimentos … págs. 561 e 939/ nota 224.
[10] João Amaral e Almeida, As propostas de preço anormalmente baixo - Estudos de Contratação Pública, III-CEDIPRE, Coimbra Editora/2010, págs. 139-140, 143-145.
[11] Marcelo Rebelo de Sousa/André Salgado de Matos, Direito administrativo geral, Tomo I, 3ª ed. D. Quixote, págs. 183-184, 203.
[12] Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia contratual nos contratos administrativos, Almedina/2013 (reimpressão da ed./1987), págs. 124, 479, 655, 666 a 670.
[13] Sérvulo Correia, Legalidade e autonomia…, pág. 667.