Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2319/12.9BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:12/03/2020
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO;
EXECUÇÃO FISCAL;
GERENTE;
CULPA;
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:I – Estando em causa a aplicação da alínea a) do artigo 24º da LGT, recai sobre a AT o ónus de provar que foi a actuação culposa da Oponente, na qualidade de gerente, que motivou a situação de insuficiência patrimonial da devedora originária para solver as dívidas exequendas.
II – A demonstração da culpa do gerente implica a alegação e prova de factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

E..., veio deduzir oposição à execução fiscal n° 3... e apensos, originariamente instaurado contra a sociedade G..., Unipessoal, Lda, para cobrança de IRC, IRS/retenções na fonte, IVA, coimas e encargos, no montante total de 37.275,45.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 5 de Julho de 2018, julgou procedente a oposição.

Não concordando com a sentença, a Fazenda Pública veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações, formulado as seguintes conclusões:

«I - Visa o presente Recurso reagir contra a douta Sentença que julgou procedente a presente oposição, com a consequente extinção do processo de execução fiscal (PEF) n.° 3... e apensos, contra a Oponente revertida e, a respectiva condenação da Fazenda Pública ao pagamento de custas.

II - Defende o tribunal “a quo”, no que se refere ao despacho de reversão que a AT não alegou quaisquer elementos concretos dos quais, provados que fossem, fosse possível extrair qualquer juízo de censura no comportamento assumido pela Recorrida, concluindo que o despacho de reversão peca pela inexistência de factos alegados e provados pela AT, que conduziram à conclusão que a recorrida não observou os deveres de cuidado e que não actuou nos termos do disposto no artigo 64.° da LGT.

III - Outrossim, o tribunal “a quo” defende que tendo a reversão sido efectuada pelo artigo 24.°, n.° 1, al. a) da LGT, a AT, como legalmente se impunha teria de ter feito prova da culpa da Recorrida na insuficiência do património societário para satisfação das dívidas tributárias, através, por exemplo, de factos demonstrativos da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos índice de uma gestão danosa do património da sociedade devedora - cfr. neste sentido, Lima Guerreiro (António Lima Guerreiro, in obra citada, pág. 141).

IV - Concluindo que a AT ao não cumprir o ónus da prova que sobre ela impendia nos termos do disposto no artigo 24.°, n.° 1, al. a) da LGT, a ora Recorrida é parte ilegítima na oposição, devendo a oposição ser julgada procedente por provada.

V - A decisão ora recorrida, não faz, salvo o devido respeito, uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito relevante e, bem assim, total e acertada interpretação e aplicação das normas legais aplicáveis ao caso “sub judice”, não se conforma a Fazenda Pública com a douta decisão ora recorrida, sendo outro o seu entendimento.

VI - Antes de mais, refira-se que o Órgão de Execução Fiscal (OEF) notificou a Recorrida para, querendo, exercer o direito de audição antes da reversão, direito que exerceu, ficando, desde logo, a saber quais os motivos que levavam o OEF a reverter a dívida da devedora originária, contra si, situação que ela, aliás, era conhecedora, não só porque foi a única gerente, como, foi, também, ela que pediu o pagamento das dívidas em prestações.

VII - Tendo isto presente realçamos que, o dever de fundamentação impõe que se esclareçam as razões que suportam a decisão, mas não exige, como refere o tribunal “a quo” que o despacho mencione a conduta praticada pela Recorrida.

VIII - Quanto à própria questão da falta de fundamentação do despacho de reversão, também, não se afigura possível atribuir qualquer espécie de razão ao Oponente, porquanto, como bem se constata no documento que titula a citação em reversão, a reversão tem por base a “Insuficiência de bens da devedora originária (artigo 23.°, n.° 2 e 3 da LGT).

IX - Tal como determina o artigo 23.°, n.° 4 da LGT, conjugado com o artigo 77.° do mesmo diploma legal, o Serviço de Finanças, produziu e fez acompanhar a citação pessoal da Recorrida com a declaração fundamentada dos pressupostos da reversão e extensão, apontando as razões de facto e de direito de forma sucinta, mostrando- se devidamente fundamentado, permitindo, inquestionavelmente, a um normal destinatário conhecer as razões de facto e de direito do acto de reversão.

X - E assim, o despacho de reversão proferido nos presentes autos contém a fundamentação legalmente exigida pelo artigo 77.°, n.° 1 da LGT, permitindo à Recorrida perceber as razões de facto e de direito que levaram ao OEF a decidir nos moldes em que decidiu, o que lhe permitiu defender de forma cabal os seus direitos e interesses, como resulta, de forma clara, da simples leitura da petição de oposição.

XI - Diga-se, ainda, que a qualquer momento a AT disponibiliza ao contribuinte a consulta do processo de execução, onde constam efectivamente todas as diligências prévias onde assenta a presente reversão, estando assim satisfeitas todas as exigências de fundamentação.

XII - Não ocorre, pois, em nosso entendimento, a alegada falta de fundamentação da reversão, porquanto todas as exigências de fundamentação se mostram cumpridas no caso concreto, contrariando, com a devida vénia, o decidido pelo tribunal “a quo”.

XIII - No que se refere à culpa da Recorrida, diremos que do artigo 24.°, n.° 1, al. a) da LGT, decorre a existência de dois requisitos substantivos para se concluir pela responsabilidade subsidiária, a saber: a gerência de facto e a culpa.

XIV - Ora, exercida que foi a gerência de facto, como aliás a Recorrida reconhece ao longo de todo o seu petitório e, também, no seu depoimento de parte, quando afirma que foi a única gerente da devedora originária, desde o início (1985) até ao fim (2011), resta-nos provar a culpa da gerente na diminuição do património societário da devedora originária, como aliás se fez quer no articulado de contestação quer no articulado de alegações (artigo 120.° do CPPT).

XV - Face às declarações de rendimentos de IRC Mod. 22 entregues pela Recorrida em nome e por conta da devedora originária, concluímos que aquela desde o exercício de 2005 até ao exercício de 2010, apresentou sempre custos muito avultados quer com ajudas de custo quer com deslocações em viaturas próprias pelos seu 5 funcionários, embora aqueles custos pudessem ter sido evitados, porquanto não contribuíram para obter ou garantir rendimentos sujeitos a IRC.

XVI - Facto que foi diminuindo os lucros tributáveis (exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008), chegando, mesmo, nos exercícios de 2009 e 2010 a apresentar prejuízos, face aos avultados custos com as mesmas rúbricas, como se pode verificar nos pontos 33.° a 37.° das presentes alegações e, que nos escusamos de reproduzir por mera economia processual.

XVII - A culpa relevante para a imputação da responsabilidade subsidiária é a que deriva da diligência exigível a um gerente, no sentido de cuidar do património da empresa para que esta se mantenha viva, progrida e cumpra com os seus credores, a não satisfação desse desiderato leva a concluir pela sua omissão aos deveres a que se tinha proposto aquando da sua indigitação, que não cumpriu o dever de diligência e o mandato que lhe foi concedido,

XVIII - Embora este dever de diligência deva ser apreciado em cada caso concreto, porém, no caso em apreço, dúvidas não podem restar que a Recorrida incumpriu com o preceituado do artigo 64.° do CSC a que estava obrigada, uma vez que, não exerceu com zelo e com o cuidado de um gestor criterioso e ordenado, no interesse da devedora originária.

XIX - Uma vez nomeado e estando no exercício das suas funções, o gerente/administrador tem o dever de administrar a empresa de modo que esta subsista e cresça, devendo cumprir e fazer cumprir os contractos celebrados e as avenças contratadas com quem lhe presta serviço, pagar as dívidas da sociedade, cobrar os seus créditos e demais deveres legais, designadamente, de vigilância, evitando assim que o património da sociedade se torne insuficiente para satisfazer os créditos fiscais.

XX - Impõe-se ao administrador/gerente, um grau de esforço exigível para, de entre os vários actos possíveis segundo as suas opções discricionárias, determinar os que são adequados ao fim imposto e, depois, executá-los, sempre com a assunção de uma postura responsável e ponderada, no desempenho das suas funções, de modo que aquela corresponda a uma actuação que, de acordo com o exigível a um administrador criterioso, colocado em idêntica situação e dentro da inerente discricionariedade técnica, se mostre, em princípio, como adequado ao alcance dos fins e objectivos para que a sociedade se constituiu.

XXI - A culpa aqui apreciada jaz na tal conduta funcional imputada à Recorrida enquanto gerente, pelo que, a sua culpa reconduzir-se-á aos actos (de representação, disposição e gestão) praticados em nome da devedora originária.

XXII - No caso em apreço, a Recorrida, simplesmente, foi incapaz de materializar uma actuação que obviasse, ou, pelo menos, minorasse uma previsível situação de insuficiência do património societário da devedora originária, que configurasse uma conduta minimamente diligente da sua parte, não logrando assim demonstrar que foi de todo alheia à sua vontade que se frustrou o pagamento do crédito tributário, limitou-se a escudar na saída do sobrinho com todas as consequências que lhe foram inerentes.

XXIII - Face ao exposto e, contrariamente ao expendido na douta sentença, a ora Recorrida agiu com culpa quando o património da executada se tornou insuficiente para o pagamento das dívidas, logo é parte legitima para a reversão, devendo, por esse facto o PEF n.° 3... e apensos, manter-se na ordem jurídica para cobrança coerciva contra a Recorrida.

XXIV - Assim, a douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento, quer sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a oposição totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.»


*

A recorrida, devidamente notificada para o efeito, ofereceu as suas contra-alegações, tendo formulado as conclusões seguintes:
«A. Apreciação da constitucionalidade e valor jurídico do regime que resulta do art.° 24 da Lei Geral Tributária, deverão ser analisados à luz das disposições legais que os precederam nomeadamente do art.° 13 do Código de Processo Tributário que substitui- o o art.° 16° do Código das Contribuições e Impostos.
B. Os preceitos em causa definiram o regime da responsabilidade subsidiária dos administradores e gerentes das sociedades, fixando as condições legais para que os mesmos possam ser pessoal e profissionalmente responsáveis.
C. Têm interesse verificar a evolução do regime que previa a existência da culpa como requesito de responsabilização do gerente e administrador de uma sociedade, sendo certo que o mesmo evoluiu.
D. Do regime em que se previa a culpa presumida que resultava do art.° 16° do C. P.T. para um regime mais exigente no sentido de a culpa constituir um elemento essencial do tipo.
E. Que só com ele seria possível responsabilizar os revertidos.
F. O facto de existir grande instabilidade sobre o ponto de vista jurisprudencial levou o legislador a aproveitar a publicação do Códigos das Sociedades Comerciais para no seu art.° 78° afirmar que a responsabilidade dos gerentes e administradores das sociedades de responsabilidade limitada, prevista no art.° 16° do C.P.T., seria aplicável a essas mesmas situações, tendo em conta a exigência de culpa que o Código das Sociedades Comerciais veio introduzir.
G. A partir deste momento, passou-se à exigência da verificação em termos objectivos da práctica de actos lesivos e em si considerados como adequados, desleais e prejudiciais a Sociedade, pela Revertida.
H. Na realidade, o regime que decorre da publicação do Código das Sociedades Comerciais requer, que, a quando da aplicação do art.° 24° do L.G.T. tenha que existir uma responsabilidade por culpa efetiva.
I. Temos que o legislador de 87 teve consciência da inconstitucionalidade, como era sustentada pela jurisprudência, mantendo a previsão do art.°16° completando-o com o art.° 78° do Código das Sociedades Comerciais, deste modo excluindo o princípio da presunção salvando a inconstitucionalidade.
J. Ainda hoje os problemas de inconstitucionalidade, independentemente das posições que têm sido tomadas pelo Tribunal Constitucional na matéria, que resultam da aplicação do art.° 24° da Lei Geral Tributária, se poêm, nomeadamente em função da ofensa de princípios de ordem constitucional, princípios aliás que podem ser considerados supra constitucionais e que no fim de contas debruçam sobre as situações de proibições de excesso, violação das regras de adequação e da necessidade, atingindo igualmente o principio da proporcionalidade na aplicação do preceito citado do art.° 22 e art.° 24 da Lei Geral Tributária.
K. Tem especial importância a doutrina que resulta do estudo do Professor Dr. Diogo Leite Campos intitulado "A matéria da responsabilidade subsidiária em Direito Tributário da Administração Tributária", onde o mesmo afirma não só as questões relativas a inconstitucionalidade, mas fundamentalmente faz uma análise absolutamente objectiva da situação e comportamento da Administração Tributária e da Segurança Social, como sendo os grandes responsáveis, pela inadequada implementação á AT das Empresas, uma vez que o sistema criado em nada ajuda as empresas pelo contrario vem descapitaliza-las, quando elas tem lucros e não as ajudam, pelo contrário estigmatizam- nas mas através de processos judiciais, quando as mesmas têm prejuízos, neste sentido se remete para questões previas supra retratadas.
L. Não se pode concordar com a posição que resulta da oposição do recurso da Administração Tributária, na medida em que defende que existiu uma fundamentação objectiva, quando esta se limita pura e simplesmente a aplicação de raciocínios lógicos e a aplicação de princípios inadequados (vg. manutenção dos meios de trabalho dos vendedores) sem de forma alguma traduzir factos objectivos que pudessem ser considerados como actos culposos por parte da Revertida.
M. Ao contrário, a Revertida fez a prova das dificuldades por que passou, também em virtude da Administração Tributária não lhe ter restituído as importâncias que oportunamente pediu, nomeadamente o IVA, mas também pelo facto do seu director comercial ter abandonado a G... e levado consigo parte da equipa de vendas e clientela, o que prejudicou profundamente a empresa.
N. Em relação a estas situações, em nada se pode imputar como culpa à Revertida.
O. Não basta uma mera afirmação de que a Revertida teria culpa, é necessário que essa culpa seja objectivamente fundamentada e haja nexo de causalidade, em relação ao não pagamento ao Estado e a diminuição do património.
P. Também um dos fundamentos essenciais para a prática da reversão, que resulta da Lei, é a prova de que haja uma diminuição do património do devedor originário, o que nunca existiu, pelo que a falta da sua prova é motivo de improcedência do recurso intentado.
Q. A matéria em que nos apoiamos resulta da jurisprudência citada do acórdão do Tribunal Central Administrativo, de 29 de Outubro de 2009, que sustenta inteiramente a posição que se defendeu.
R. No que toca a matéria de ausência de culpa da Revertida, na insuficiência do património da devedora original, nada foi provado neste sentido.
S. Uma vez mais se referem as questões relativas a ausência total de culpa por parte da Revertida, no sentido de ter provocado a impossibilidade de pagamento ou diminuição do património, o que só ocorreu por impossibilidade e pela acção absolutamente nociva do Estado, através da legislação fiscal e igualmente através da existência de tributações e a aplicação de taxas de Segurança Social, que são absolutamente descomunais, em relação a possibilidade das empresas as pagarem.
T. Volta-se a repetir, que o conceito de que a Administração Tributária e Fiscal deveria ter em conta não deveria ser a apreciação de uma situação única anual das Empresas, mas deveriam avalia-las na sua própria evolução, tendo em conta que a tributação, quer sob o seu ponto de vista fiscal, quer o seu ponto de vista social, fossem adequadas a situação concreta da Empresa
Nestes termos e nos mais de Direito aplicável que V.ªs Exªs doutamente suprirão, deverá o recurso interposto pela Fazenda Pública ser julgado improcedente por não provado e, em consequência, ser confirmada a sentença proferida em primeira instância, fazendo-se, assim, a costumada Justiça!»

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu aos autos o seu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta 1ª Sub-Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«A) A sociedade denominada G..., Unipessoal, Lda, foi constituída em 1985, tendo por objecto a elaboração de projectos de construção civil, controle, execução e fiscalização de pequenas obras de construção, nomeadamente divisórias, tectos falsos, pavimentos, pinturas, rebocos e subempreitadas afins, apoio de construção civil às instalações eléctricas, de ar condicionado e ventilação;

B) E... (ora oponente), única sócia, foi nomeada gerente;

C) Contra a sociedade identificada em A) foram instaurados os seguintes processos de execução fiscal:


«Imagem no original»


D) Em 02-02-2012 a sociedade identificada em A) foi declarada insolvente no processo n° 47/12.4TYLSB, que correu termos no 1° Juízo do tribunal de Comércio de Lisboa, que se dá por reproduzida para todos os efeitos legais;

E) Em 14-03-2012 foi enviada à oponente a notificação para audição prévia (reversão), conforme notificação junto ao PEF, onde consta no campo PROJECTO DA REVERSÃO

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art° 23°/n° 2 da LGT).

Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas para pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período do exercício do seu cargo (art° 24°/n°1/a LGT).

Quanto às coimas é aplicável o disposto na al a) e b) do n° 1 do art° 8° do RGIT e na al c) do n° 1 do art° 148° do CPPT.

Junta-se cópia do despacho e cópia dos detalhes dos processos de contra- ordenação.

F) A oponente exerceu direito de audição tendo alegado a nulidade da notificação e a inexistência de culpa;

G) Em 30-04-2012 foi proferido despacho de reversão, com os seguintes fundamentos:

Quanto à nulidade da notificação pelo motivo de "não mencionar o prezo legal para exercer o direito...", encontra-se ultrapassada uma vez que, por lapso na notificação o prazo não foi inscrito manualmente, mas está bem presente na cópia do despacho que acompanhou a referida notificação.

Quanto à inexistência de culpa efectiva, fica provado nos autos com a junção de cópias dos pedidos em prestações e detalhe das liquidações de IVA que a gerente tinha conhecimento da débil situação da empresa e que efectivamente retardou a entrega dos impostos em falta pois o IVA de 2005, 2006 e 2007, viria a ser liquidado somente em 2009, bem como não procedeu à entrega dos valores de IRS descontados no vencimento dos seus colaboradores.

a. (...).

b. Em relação ao exercício da gerência: conforme o disposto no art° 24° da LGT, os gerentes que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estes e solidariamente entre si pelas dívidas tributárias sujo facto constitutivo se tenha verificado no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação e pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargos, quando não provem que lhes foi imputável a falta de pagamento.

(…).

H) Em 10-05-2012 a oponente foi citada, fls do PEF, que se dá por reproduzida, constando do despacho de reversão, nomeadamente:

Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art° 23°/n° 2 da LGT).

Dos administradores, directores ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas para pagamento, quando o facto constitutivo da dívida se verificou no período do exercício do seu cargo (art° 24°/n°1/a LGT).

Quanto às coimas é aplicável o disposto na al a) e b) do n° 1 do art° 8° do RGIT e na al c) do n° 1 do art° 148° do CPPT.

Em anexo segue despacho.

I) Em 11-06-2012 deu entrada a presente oposição;

J) No processo n° 47/12.4TYLSB em 21-02-2013 foi declarada encerrada a liquidação do activo, conforme despacho dessa data onde consta, nomeadamente:

Pelo exposto:

1 - Declaro encerrado, nos termos dos art°s 230° n° 1 al d) e 232° n° 2 do CIRE, por insuficiência da massa insolvente, o presente processo em que foi declarada a insolvência da sociedade G..., Unipessoal, Lda (...).

K) No período compreendido entre 2005 e 2010 a G... apresentou lucros tributáveis inferiores aos encargos com viaturas e ajudas de custo (depoimentos das testemunhas);

L) A G... tinha 6 funcionários afectos: 3 em vendas, 2 ligados à parte técnica e 1 administrativa (declarações da parte);

M) Dão-se por inteiramente reproduzidas as declarações de rendimentos da oponente;

N) Com data de entrega de 18-10-2016 a oponente requereu ao Chefe do serviço de Finanças de Lisboa 9, a compensação da dívida exequenda pelo crédito de IVA que a G... é detentora junto da AT, referente ao período de Abril de 2011, bem como solicitou que promovesse a penhora dos créditos que a G... tem junto de diversas sociedade e de que é credora.


A convicção do tribunal formou-se no teor dos documentos identificados em cada ponto dos factos provados, nas declarações da parte e depoimento das testemunhas, que se mostraram isentos.

Das declarações da parte e da inquirição das testemunhas, resultou como segue: E..., encontra-se reformada e foi gerente da G... desde 1980 a 2011. Declarou que até 2007 correu bem tendo começado a sentir dificuldades a partir desse ano, tendo tido de fazer acordos com a SS e com a AT, onde a situação foi regularizada. Explicitou que a G... era uma empresa ligada à área de construção civil, efectuava acabamentos de interiores, pavimentos, flutuantes, caixilharia, electricidade, ..., tendo trabalhado com empresas do Norte e Centro do País. Os grande empreiteiro clientes da G... não tinham trabalho para dar e, não teve outra alternativa senão apresentar-se à insolvência. Alguns créditos que detinham sobre clientes foram cobrados e outros encontram-se dependentes de julgamento, como o crédito sobre a C…. Referiu ainda que a empresa tinha 6 funcionários: 3 em vendas, para angariar clientes, 2 no gabinete técnico, que acompanhavam a obra e 1 administrativo. Mais referiu que pagou salários até 30-12-2010. Disse ainda que ao vendedor era pago, para além do ordenado, subsídio de transporte, refeições e custos de portagens e combustível. Mais disse que contraiu empréstimos e penhorou bens pessoais para injectar na empresa, bem como não recebeu ordenado de Setembro de 2009 até Maio de 2011. Referiu ainda a existência de IVA não reembolsado, cerca de 16mil euros, tendo elucidou que não lhe ser possível pedir o reembolso, teria de ser a AT a efectuar a compensação, que apesar das insistências não o fez. Acrescentou que havia 3 viaturas, tendo uma delas sido vendida por 600 euros antes da falência.

S…, advogada, disse que nos anos de 2005 a 2009 foram, em grande parte, para a resolução de problemas, tendo-se deslocado muitas vezes ao bairro fiscal. Esclareceu que a Dª E… delegava muito no sobrinho e que se demitiu e constituiu uma empresa sua, com o mesmo objecto da G..., tendo iniciado a actividade ainda antes da demissão. Quanto à situação da C…, a Dª E…, continua a aguardar a resolução do problema e receber o dinheiro que o Estado lhe deve.

M…, referiu que, nos anos de 2005 a 2010 apareceram montantes elevados de encargos com viaturas (combustível) e ajudas de custo, atendendo a que o pessoal andava sempre deslocado, não havendo indicação da existência de prémios ou incentivos nas vendas.»



*

- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo Recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou no seu julgamento ao concluir pela ausência de prova da culpa da Oponente, ora Recorrida, na insuficiência do património da devedora originária para solver as dívidas tributárias.

Vem a Recorrente, por outro lado, dizer que o despacho de reversão estava suficientemente fundamentado, discordando da posição da Oponente.

Antes de mais cumpre salientar que a sentença recorrida entendeu que o despacho de reversão não sofre do vício de falta de fundamentação, tendo concluído, quanto a este fundamento da oposição, pela improcedência. Dito isto, não se conhecerá do segmento do recurso que abarca a falta de fundamentação do despacho de reversão na medida em que, aqui, a sentença foi favorável à AT, como deixámos dito.

Avancemos, então.

Através da sentença objecto do presente recurso jurisdicional, foi a oposição deduzida por E..., contra a execução fiscal nº 332…, instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 9, para cobrança coerciva de dívidas da devedora originária “G..., Unipessoal, Ldª”, julgada procedente.

A Fazenda Pública afirma que a sentença errou no seu julgamento ao considerar que a oponente era parte ilegítima já que entende que a Recorrida agiu com culpa.

Estabelece o artigo 24.º, n.º 1 da LGT o seguinte:

1. Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entes fiscalmente equiparados são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:

a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da pessoa colectiva ou ente fiscalmente equiparado se tornou insuficiente para a sua satisfação;

b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento. (…)”.

Do preceito transcrito resulta que está prevista a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes relativamente a dívidas cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento tenha terminado depois deste exercício [alínea a) supra] ou vencidas no período do seu mandato [alínea b)].

Como se escreveu no Acórdão do TCAN de 10/10/2013, no âmbito do processo n.º 242/06.5BECBR: «Quanto às dívidas tributárias cujo facto constitutivo tenha ocorrido no período do exercício do seu cargo ou quando o prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois desse exercício (mas em que o gerente ou administrador já não exercia funções à data em que a dívida foi posta à cobrança) o administrador ou gerente é responsável se tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento. Neste caso, o ónus da prova da culpa recai, no entanto, sobre a Fazenda Pública.

Quanto às dívidas cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, o administrador ou gerente é responsável pelo seu pagamento, salvo se provar que a falta de pagamento lhe não foi imputável.”
Ou seja, no que respeita à alínea a), “
para além da definição do âmbito temporal da responsabilidade tributária subsidiária, o referido preceito estabelece, como pressupostos desta, a verificação da insuficiência de bens para proceder ao pagamento das dívidas tributárias, tendo essa diminuição patrimonial sido causada culposamente pelo gestor. Não estabelecendo a lei qualquer presunção relativamente a esses pressupostos, recai sobre a Administração o ónus da prova dos mesmos (...) De acordo com a regra geral de distribuição do ónus da prova, segundo a qual «Àquele que invocar um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito alegado» (art. 342.º, n.º 1, do CC). Também no domínio do procedimento tributário, a lei estipula que «O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque» (art. 74.º, n.º 1, da LGT), regra que devemos ter por transponível para o processo judicial tributário. Neste sentido, JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 5.ª edição, I volume, anotação 2. ao art. 100.º, pág. 719. ).

Regressando ao caso dos autos, e não vindo posta em causa a matéria de facto fixada em 1ª instância, não oferece dúvida que está em causa a aplicação da alínea a) do artigo 24º da LGT, nos termos da qual recai sobre a AT o ónus de provar que foi a actuação culposa da Oponente, na qualidade de gerente, que motivou a situação de insuficiência patrimonial da devedora originária para solver as dívidas exequendas.

A sentença recorrida, relativamente à culpa da Recorrida, firmou o seguinte entendimento:

“(…)I - Quanto às Coimas

No que respeita à responsabilidade subsidiária dos gerentes por dívidas provenientes de coimas rege o art°8.° n.° 1 do RGIT o seguinte:

«1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento».

Como se disse no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30-5-2012 (proferido no processo n.° 755/10) que aqui se acolhe, «qualquer que seja o período a que se refere a gerência, não existe qualquer presunção de culpa. Ao contrário do que sucede relativamente à responsabilidade subsidiária tributária prevista no art. 24.° da LGT, em cuja alínea b) do n.° 1 está consagrada uma presunção de culpa relativamente às dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento tenha terminado no período do exercício do cargo.) e, por isso, recai sempre sobre a AT a demonstração da culpa pela insuficiência do património social (de acordo com a regra geral da distribuição do ónus da prova - cfr. art. 342.°, n.° 1, do Código Civil).».

Sobre a Administração Tributária recai o dever de alegar no despacho de reversão e, posteriormente provar, a factualidade com vista a integrar a culpa do gerente ou administrador a quem pretende responsabilizar pelo pagamento da dívida exequenda. Como se verifica do ponto G) dos factos assentes e, nesta parte, consta a seguinte fundamentação:

"Quanto à inexistência de culpa efectiva, fica provado nos autos com a junção de cópias dos pedidos em prestações e detalhe das liquidações de IVA que a gerente tinha conhecimento da débil situação da empresa e que efectivamente retardou a entrega dos impostos em falta pois o IVA de 2005, 2006 e 2007, viria a ser liquidado somente em 2009, bem como não procedeu à entrega dos valores de IRS descontados no vencimento dos seus colaboradores."

No caso concreto a Administração Tributária não alegou no despacho de reversão quaisquer elementos concretos dos quais, provados que fossem, fosse possível extrair qualquer juízo de censura ao comportamento assumido pelo Oponente.

Significa que o despacho de reversão peca pela inexistência de factos alegados e provados pela Administração Tributária que conduziram á conclusão, que a oponente não observou "os deveres de cuidado”, pela sua falta de "competência técnica”, pelo não "desenvolvimento da actividade da sociedade adequados às suas funções" ou que aquela não tenha actuado com a "diligência de um gestor criterioso e ordenado, nos termos do art°64° do Código das Sociedades Comerciais limitando-se a alegar, genericamente que a "gerente tinha conhecimento da débil situação da empresa e que efectivamente retardou a entrega dos impostos em falta".

Com efeito, o art. 8° do RGIT não consagra qualquer presunção de culpa e, por isso, recai sobre o autor do acto de reversão o ónus de alegar a culpa do gerente pela insuficiência do património social, tendo em conta o disposto no preceito, segundo o qual «Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tornou insuficiente para o seu pagamento».

E, ainda assim, sempre que essa alegação seja contestada em sede de oposição, recai sobre a Fazenda Pública o ónus de a provar, em conformidade com o disposto no art° 74° n° 1 da LGT, segundo o qual «o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque».

No caso vertente, nada foi alegado pela administração quanto à culpa do revertido na insuficiência do património da sociedade devedora ou na falta de pagamento das coimas que constituem a dívida exequenda, o que colocou a Fazenda Pública na impossibilidade de fazer a prova da culpa no processo de oposição.

Quanto às dívidas de IRC, IRS e IVA

De acordo com o disposto no artigo 23°, n°s 1 e 2 da LGT, a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal e está dependente da fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal (e dos responsáveis solidários), sem prejuízo do benefício da excussão. De acordo com o n°4 do referido artigo 23°, a reversão, mesmo nos casos de presunção de culpa, é precedida de audição do responsável subsidiário e da declaração fundamentada dos seus pressupostos e extensão, a incluir na citação (artigo 23°, n° 4 da LGT).

Por seu turno, estabelece o artigo 153°, n.°2 do CPPT (norma que nem sequer é aludida no despacho de reversão) que o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da verificação de qualquer das seguintes circunstâncias:

a) Inexistência de bens penhoráveis do devedor e seus sucessores;

b) Fundada insuficiência, de acordo com os elementos constantes do auto de penhora e outros de que o órgão da execução fiscal disponha, do património do devedor para a satisfação da dívida exequenda e acrescido.

Tendo a administração tributária considerado que a ora oponente foi gerente de facto e aplicou ao caso o disposto na alínea a) do n° 1 do art. 24° da LGT, por considerar que o factos constitutivo no período da gerência mas o prazo legal de pagamento do imposto ocorreu após ter cessado a gerência, nos termos desta disposição legal, para que o gerente possa ser responsabilizado subsidiariamente pela dívida exequenda, torna-se necessário que, em qualquer dos casos, tenha sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento, e a prova da culpa na insuficiência do património da sociedade recai sobre a administração tributária.

Decorre da factualidade assente que os fundamentos da reversão se resumem à menção da insuficiência do património da sociedade para o pagamento/garantia das dívidas, acompanhada da invocação do artigo 24°, n°1, al. a) da LGT.

Significa isto que, no caso concreto, a reversão da execução fiscal, efectuada ao abrigo da alínea a) do n° 1 do artigo 24° da LGT, não foi acompanhada, como legalmente se impunha, da prova - a cargo, repita-se, da Administração Tributária - da culpa da gerente na insuficiência do património societário para a satisfação das dívidas tributárias, através, por exemplo, de factos demonstrativos da destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfazer interesses de terceiros, entre outros factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora - cfr. neste sentido, Lima Guerreiro (António Lima Guerreiro, in obra citada, pág. 141). Ou seja, daquilo que se trata é, não da mera falta de mérito ou habilidade na gestão da sociedade, que parece ter ocorrido ao entregar ou delegar as suas competências no seu sobrinho, mas antes de factos violadores de concretas regras de protecção dos credores sociais.

Como se referiu e olhando para o despacho de reversão, pela Administração Tributária não foi alegado qualquer facto que integre a culpa na insuficiência do património, ainda que a RFP venha, em sede de alegações (somente) invocar que a oponente manteve 6 funcionários na sua empresa (originária devedora) e que durante o período de 2005 a 2010 teve lucros tributáveis inferiores aos custos, e assim poder concluir pela culpa do oponente na insuficiência do património para pagamento dos tributos, o que não é correcto.

E, como se sabe a legalidade do acto administrativo tem que ser aferida à luz dos fundamentos que dele constam expressamente e, no despacho sindicado nada consta quanto à culpa da oponente, pressuposto para a reversão (que eventualmente se poderia reconduzir à falta de fundamentação, também alegada).

Considerando a prova produzida e ouvidas as testemunhas arroladas, bem assim como as declarações da oponente, é nossa convicção que a oponente não agiu pois com culpa quando o património da executada se tomou insuficiente para o pagamento das dívidas.(…)

Atendendo ao exposto não podemos deixar de concluir, como já se fez referência que ao não cumprir o ónus da prova que sobre a Administração Tributária impendia, nos termos do citado artigo 24°, n°1, al. a) da LGT, a oponente é parte ilegítima na oposição, sendo de a julgar procedente por provada.(…)”

Como vimos supra, não vem posta em causa a factualidade assente, pelo que é com base nela que analisaremos a argumentação da Recorrente.

Diz a Recorrente que comprovou a culpa da Recorrida na contestação e nas alegações. A sentença recorrida entendeu que não. A nosso ver, bem.

Percorrida a contestação constatamos que a alegação da AT relativamente à culpa se centrou, unicamente, na circunstância de a Recorrida ter auferido rendimentos nos anos em causa. Tal alegação não foi, pela sentença, considerada apta à prova da culpa da gerente e, efectivamente, não o é. Não vislumbramos, sequer a relevância de tal argumentação, pois que, por si só, não serve o propósito de demonstrar a culpa da Oponente na insuficiência do património da devedora originária, uma vez que a Recorrente parece pretender corresponder uma eventual má gestão da Recorrida ao facto de ter auferido rendimentos da devedora originária.

A demonstração da culpa da Recorrida passaria pela alegação de factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora, como tem sido, reiteradamente, afirmado pela jurisprudência dos tribunais superiores.

É certo que foi dado como provado que, como ressalta da alínea k) do probatório, no período compreendido entre 2005 e 2010 a devedora originária apresentou lucros tributáveis inferiores aos encargos com viaturas e ajudas de custo. Porém, entendemos que este facto, isoladamente, carece de força probatória para a demonstração da culpa da Recorrida na insuficiência do património da empresa devedora originária. Como refere a sentença recorrida (citando Lima Guerreiro), os factos aptos a demonstrar a culpa da gerente teriam que ser capazes de demonstrar a destruição ou danificação do património social, da ocultação e dissimulação do activo social, da criação ou agravamento artificial de activos ou passivos, do uso do crédito da sociedade para satisfação de interesses de terceiros, entre outros factos-índice de uma gestão danosa do património da sociedade originariamente devedora, o que, manifestamente, não sucedeu.

Ora, in casu, para além da referência aos rendimentos recebidos pela Recorrida e aos custos mencionados, nada mais foi alegado e, por consequência, provado, não havendo notícia no probatório de factos concretos praticados pela Recorrida que permitissem a conclusão de que a sua gestão danosa teria provocado a situação de insuficiência patrimonial da devedora originária.

Em conclusão, a sentença não merece reparo, devendo ser negado provimento ao recurso.


III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso jurisdicional, assim se confirmando a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 3 de Dezembro de 2020


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)

(Lurdes Toscano)