Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:14/18.4BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:11/14/2019
Relator:BENJAMIM BARBOSA
Descritores:PROCURAÇÃO;
MANDATO FORENSE;
INSPECÇÃO;
LIQUIDAÇÃO.
Sumário:1. Dada a estreita correlação e interdependência que se verifica entre o procedimento de inspecção e o procedimento de liquidação, o mandato forense constituído no primeiro é extensivo ao segundo, visto que ao conferir tal mandato o contribuinte mandante visa assegurar a mais ampla defesa em relação a quaisquer actos que lesem ou sejam potencialmente lesivos da sua esfera jurídica, incluindo o subsequente acto de liquidação baseado no resultado da inspecção.
2. Destinando-se a procuração a fazer prova, apenas, da existência e da regularidade desse mandato, basta a apresentação da procuração no procedimento de inspeção, sem necessidade de apresentação de nova procuração no procedimento de liquidação.
3. Deve ser notificada ao mandatário constituído no decorrer do procedimento de inspecção a liquidação que, correlacionada com essa inspecção, venha a ser posteriormente efectuada.
Votação:Voto de vencida
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:
1 - Relatório
1.1. As partes
A Fazenda Pública, inconformada com a sentença do TAF do Funchal que na oposição à execução fiscal instaurada pelo Serviço de Finanças de Machico, para a cobrança coerciva de dívidas provenientes Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), do ano de 2014, contra N……… Lda., julgou a mesma procedente, veio interpor o presente recurso jurisdicional
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1.2. O Objecto do recurso
1.2.1. Alegações
Nas suas alegações a recorrente formulou as seguintes conclusões:
1.ª A sentença do tribunal a quo considerou provados os factos constantes de pontos A) a R) da sua fundamentação de facto, dando como provado, em especifico,
- que o sujeito passivo do imposto, ora oponente, constituiu mandatário no procedimento inspetivo n.° 01201700…;
- que o relatório da inspeção tributária foi notificado ao sujeito passivo e ao mandatário constituído nesse procedimento inspetivo;
- Mas que a posterior liquidacao de IVA "corretiva" foi só notificada ao sujeito passivo e não ao mandatário constituído no procedimento inspetivo;
2.ª Face a factualidade dada como provada, considerou o tribunal a quo que se impunha a notificação da liquidacao de imposto ao mandatário constituído no procedimento inspetivo, considerando que as notificações de liquidações de imposto/ato tributário somente feitas na pessoa do sujeito passivo, com mandatário constituído no âmbito de procedimento inspetivo anterior, são notificações ineficazes e que não podem produzir efeitos em relação ao sujeito passivo, a luz dos n.° 1 e 2 do artigo 40.° do CPPT.
3.ª A Fazenda Publica entende que esta decisão judicial, ora recorrida, padece de erro de julgamento quanto à matéria de facto e, consequentemente, no julgamento de direito, entendendo a Fazenda Pública que a matéria de facto provada devia ter conduzido a improcedência da oposição judicial ora recorrida, por ser eficaz, e bastante, a notificação da liquidacao de imposto ao sujeito passivo, ora oponente.
4.ª Com efeito, decorre do artigo 54.° n.° 1 alíneas a) e b) da LGT, que o procedimento de inspeção tributária e o procedimento de liquidação são dois procedimentos tributários distintos e autónomos, os quais não são confundíveis nem passiveis de consunção.
5.ª O artigo 44.° do CPPT também distingue os vários procedimentos tributários, que compreendem, entre outros,
- a) as acções preparatórias ou complementares da liquidacao dos tributos, incluindo parafiscais, ou de confirmação dos factos tributários declarados pelos sujeitos passivos e
- b) A liquidacao dos tributos, quando efetuada pela administração tributaria;
6.ª Já o artigo 5.° do CPPT determina que os interessados ou seus representantes legais podem conferir mandato, sob a forma prevista na lei, para a pratica de atos de natureza procedimental ou processual que não tenham caráter pessoal, mais determinando que, quando se suscitem ou discutam questões de direito perante a administração tributaria em quaisquer petições, reclamações ou recursos, o mandato tributário só pode ser exercido, nos termos da lei, por advogados, advogados estagiários ou solicitadores.
7.ª Acrescenta o artigo 40.° do CPPT que, nos procedimentos tributários em que seja admitido o mandato, e dentro dos poderes conferidos e legalmente admitidos, as notificações nesses procedimentos, quanto não determinem a pratica pelo sujeito passivo de ato pessoal, serão feitas ao mandatário na pessoa deste.
8.ª Assim, a luz conjugada dos artigos 5.° e 40.° ambos do CPPT, tendo sido constituído mandatário em procedimento de inspeção, pelo sujeito passivo inspeccionado, então as notificações que se insiram no âmbito desse procedimento inspetivo autónomo, isto é, aquelas que medeiem entre o seu início (data da assinatura da ordem de serviço ou despacho — artigo 51.°, n.° 2 do RCPITA) e a sua conclusão (data da notificação do relatório final de inspeção — artigo 62.° n.° 2 do RCPITA), devem ser feitas na pessoa deste e no seu escritório, pela forma prescrita no aludido artigo 40.° do CPPT.
9.ª E, conforme provado a ponto F) da matéria de facto provada na sentença ora recorrida, a notificação do relatório da IT foi efetuada na pessoa do mandatário, por carta registada com aviso de receção.
10.ª Já esta obrigação de notificação ao mandatário (constituído no procedimento inspetivo), cf. artigo 40.° do CPPT, não pode ser extensível a atos praticados no âmbito de outros procedimentos tributários, como seja o de liquidacao, como parece querer impor o tribunal a quo. - Neste sentido, vide Acórdão do STA de 05/04/2011, processo n.° 0927/10, disponível no endereço www.dgsi.pt
11.ª Ate se admite que exista uma correlação entre os dois procedimentos, e que o procedimento de inspeção externa até pode resultar, na maioria das vezes, em correções, as quais são materializáveis em atos tributários de liquidacao, e até mesmo no que respeita a sua fundamentação (cf. artigo 63° do RCPITA);
Contudo,
12.ª Não se pode considerar que da correlação e interdependência entre o procedimento de inspeção tributária com o procedimento de liquidacao resulta um único procedimento tributário, no âmbito do qual uma procuração oferecida no primeiro (procedimento de inspeção tributaria) possa ser valida e vigente no procedimento de liquidacao que se lhe segue.
13.ª Ate porque esta interdependência também se verifica com outros procedimentos tributários que não apenas o da liquidação, como é o caso, entre outros, do procedimento tributário de revisão da matéria tributaria (artigo 91.° e ss da LGT), ou do subprocedimento de derrogação do sigilo bancário. (artigo 63.° B da LGT).
14.ª E pese embora a conexão entre o procedimento de inspeção tributaria e o subsequente procedimento de liquidacao, cada um tem o seu fito, rege-se por normas distintas e tem delimitada a ação dos serviços e agentes da AT a luz da disciplina que resulta de cada procedimento específico.
15.ª O procedimento de inspeção (artigo 54.° n.° 1 al. a) é um procedimento preparatório e / ou acessório do procedimento de liquidacao, conforme artigos 11.° e 63.° n.° 2 do RCPITA, e que termina com a notificação do relatório final de inspeção ao sujeito passivo, determinando esta notificação, a conclusão do procedimento de inspeção, conforme resulta do prescrito no artigo 62.° n.° 2 do RCPIT.
16.ª Enquanto o procedimento de liquidacao, regulado pelos artigos 54.° n.° 1 al. b) da LGT e 59.° e 60.° do CPPT e pelas demais normas dos respetivos códigos tributários, pode ter por base um procedimento de inspeção e respetivos documentos de correção, culminando com a pratica do ato tributário de liquidacao do imposto tido em falta.
17.ª Tendo sido apresentada procuração constituindo mandatário tributário em sede de procedimento inspetivo, factos provados nos pontos B) e F) da sentença a quo, então os seus efeitos conter-se naquele e cessam com a respetiva conclusão.
18.ª O mandato tributário não pode, na sua extensão, extravasar o âmbito do procedimento ou do processo onde foi oferecido, pois NÃO É LEGALMENTE ADMISSIVEL CONFERIR MANDATO GENÉRICO e que abranja a pratica de todo e qualquer ato de natureza procedimental ou processual, em procedimentos ou processos presentes e futuros.
19.ª Atente-se ainda ao art.° 44.°/1 do CPC que dispõe que: «o mandato atribui poderes ao mandatário para representar a parte em todos os atos e termos do processo principal e respetivos incidentes» sendo que se determina no n.°1 do artigo 45.° do CPC que, «quando a parte declare na procuração que concede poderes forenses ou para ser representada em qualquer ação, o mandato tem a extensão definida no artigo anterior» (44.° do CPC), ou seja, cingir-se-á ao processo principal e eventuais incidentes.
20.ª E sublinhe-se que o instituto do "mandato tributário", consignado no artigo 5.° do CPPT, é distinto da figura da "representação fiscal", prevista no n.° 6 do artigo 19.° da LGT, e com a mesma não pode ser confundido.
21.ª Neste exato sentido, se pronunciou o STA, no seu recente Acórdão proferido em 2017-­09-13, no processo n.° 01356/16, em cujo sumário, por unanimidade, se firmou que «Não recai sobre a Administração Tributaria a obrigação de associar uma procuração, que excluiu a representação fiscal, passada a mandatário, ao cadastro dos contribuintes com a inerente obrigação de, no futuro, proceder a todas as notificações dos atos procedimentais da sua iniciativa na pessoa do mandatário constituído, permitindo a intervenção deste em todos os atos, sem necessidade de apresentação de uma procuração em cada procedimento"
22.ª Também não será legalmente admissível a AT promover a extensão do mandato tributário para além do que resulta expresso do respetivo instrumento jurídico, não podendo esta replicar o seu alcance a procedimento tributário diverso daquele em que foi oferecido, sob pena de fazer incorrer os seus trabalhadores na violação dos deveres de confidencialidade que sobre os mesmos recaem. (cfr. artigo 64.° da LGT).
23.ª Convoca-se, a este respeito, o Parecer n.° 28/PP/2010-P da Ordem dos Advogados, de 2010-07-22, onde se concluiu que: «A - As notificações emitidas em sede de procedimentos e processos fiscais não podem ser feitas na pessoa do advogado que havia sido constituído como mandatário do notificando num processo judicial autónomo. B- O art°40° de CPPT, segundo do qual "as notificações aos interessados que tenham constituído mandatário serão feitas na pessoa deste e no seu escritório", deve ser interpretado restritivamente, não se podendo interpretar como sendo aplicável a mandatários constituído em qualquer processo. C - As notificações referidas no art.° 40.° CPPT são apenas as referentes ao concreto procedimento ou processo tributário onde tenha sido junta procuração a favor de advogado. (...)»
24.ª Concluindo, com o fim do procedimento inspetivo ao qual foi requerida a juncão da procuração, deixou de haver objeto no alcance da dita procuração, logo, em sede da notificação da subsequente liquidação, não tem lugar a aplicação do artigo 40.° do CPPT, devendo esta ser somente notificada ao sujeito passivo, (à luz do disposto no artigo 36.°, n.° 1 do CPPT, nos termos prescritos nos artigos 38.° e 39.° do CPPT) e não ao mandatário constituído no procedimento concluído.
25.ª A posição defendida pela Fazenda Publica encontra apoio jurisprudencial junto do STA, nomeadamente no recente Acórdão de 3 de maio de 2018 no processo 167/18, do qual a sentença a quo faz tábua rasa, sem fundamentação plausível.

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1.2.3. Contra-alegações
A recorrida não apresentou contra-alegações
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1.3. Parecer do Ministério Público
O EMMP junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser negado provimento do recurso.
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1.4. Questões a decidir
A questão a dirimir é a seguinte:
- Apurar se o advogado constituído em procedimento de inspecção deve ser notificado do acto de liquidação.
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2. Fundamentação
2.1. De facto
Por não ter sido impugnada a matéria de facto, remete-se, ao abrigo do artigo 666.º, nº 3, do CPC, para os termos da sentença recorrida.
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2.2. De Direito
A questão de direito a decidir consiste em saber se a constituição de mandatário no procedimento de inspecção tributária se confina a esse procedimento ou se os efeitos da respectiva procuração se estendem ao procedimento de liquidação.
A sentença considerou que sim, anulando a liquidação com fundamento em não ter sido notificada ao ilustre mandatário da recorrida, que havia sido constituído como tal no procedimento de inspeção.
Outro é o entendimento da recorrente, que pugna pela revogação da sentença, argumentando que o procedimento de inspecção é distinto do procedimento de liquidação, pelo que não é comunicável a este a procuração a advogado para intervenção no primeiro. Acrescenta que não se pode confundir essa situação com a figura da representação e convoca jurisprudência do STA e doutrina da OA.
Vejamos.
É indiscutível que as acções preparatórias ou complementares de informação e fiscalização tributária constituem um procedimento formalmente distinto da liquidação dos tributos quando efectuada pela administração tributária, porque assim o impõe o artigo 54.º, n.º 1, als. a) e b), da LGT.
É também verdade que a figura do mandato tributário se distingue da figura da representação fiscal, prevista no artigo 19.°, n.º 6, da LGT.
Mas também é verdade que a linha que separa um procedimento do outro é muito ténue, visto que na prática o procedimento de liquidação é consequência da inspeção, não existindo uma separação nítida – nem sequer do ponto de vista da sequência de actos – entre um e outro.
Por isso é também inegável que existe, como a própria recorrente reconhece, uma “correlação e interdependência entre o procedimento de inspeção tributaria e o procedimento de liquidacao”.
Daí que a questão da “validade” no segundo da procuração passada no primeiro deve ser vista num outro ângulo que não aquele que a recorrente aparentemente perfilha ao referir-se ao acórdão do STA de 2017-09-13 (rec. n.º 01356/16) e ao Parecer n.° 28/PP/2010-P da Ordem dos Advogados, de 2010-07-22, porque em ambos os casos estamos a falar de situações aparentadas com a figura da representação tributária, enquanto na situação sub judice de se trata de uma questão de definição dos limites endoprocessuais/extraprocessuais, ou endoprocedimentais/extraprocedimentais, da procuração.
Ora, para a solução desta questão há uma e só uma resposta: a resposta legal. É nela que tem de basear-se a tarefa interpretativa do aplicador do direito, e não em quaisquer razões de conveniência, oportunidade ou dinâmica processual ou procedimental.
E a resposta legal só pode ser dada pelo Código de Processo Civil, pois só esta codificação contém a chave do problema, já que o CPPT e o CPTA – que precede o CPC na integração de lacunas daquele, como resulta do artigo 2.º do CPPT – nada referem a respeito desta questão. Donde, no que diz respeito ao mandato, se aplicar subsidiariamente o Código do Processo Civil, nos termos do artigo 2.º, al. e), do CPC.
E o CPC contém, em concreto, no seu artigo 44.º, n.º 1, duas soluções abstractamente possíveis para a questão da validade extraprocessual ou heteroprocessual da procuração.
A primeira solução, numa interpretação estritamente literal da norma, aponta no sentido da procuração valer, não só no processo em que foi e para o qual foi apresentada – função endoprocessual – mas também nos respectivos incidentes de instância, como justamente assinala a recorrente.
Os incidentes da instância são “relações processuais secundárias, intercorrentes no processo principal, de caráter episódico ou eventual, que se destinam a prover, em regra, sobre questões acessórias, nomeadamente respeitantes ao preenchimento ou à modificação de alguns dos elementos da instância em que se inserem”[1].
É intuitivo que não faria sentido que a lei exigisse, para cada uma dessas “intercorrências” a apresentação de uma nova procuração, valendo, portanto, a que foi apresentada no processo. Tanto mais que, a procuração não se confunde com o mandato forense, sendo aquela a uma das modalidades em que este pode ser exteriorizado, visto que também pode ser conferido por instrumento notarial e por declaração verbal da parte no auto de qualquer diligência que se pratique no processo (cfr. artigo 43.º do CPC).
Por isso pode existir mandato forense sem procuração, como lucidamente se observou no acórdão de 24-09-2012 do Tribunal da Relação do Porto[2]. A procuração destina-se, apenas, a fazer prova da existência e regularidade desse mandato.
Mas esta norma, que refere que a procuração é válida para o processo em que é apresentada e respectivos incidentes, não pode merecer uma interpretação literal e restritiva.
Os incidentes a que o preceito se refere não se reduzem aos incidentes da instância, previstos nos artigos 292.º e ss. do CPC, mas a todos os incidentes que, tendo a estrutura de uma causa (cfr. artigo 152.º, n.º 2, do CPC) devam correr por apenso aos autos principais. Por exemplo, a procuração conferida numa execução vale para a oposição e vice-versa[3].
Em reforço deste entendimento pode convocar-se o regime do apoio judiciário que, embora dispensando a procuração, confere ao defensor oficioso um mandato forense em nome do beneficiário. Nos termos do artigo 18.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, “O apoio judiciário mantém-se para efeitos de recurso, qualquer que seja a decisão sobre a causa, e é extensivo a todos os processos que sigam por apenso àquele em que essa concessão se verificar, sendo-o também ao processo principal, quando concedido em qualquer apenso”.
A razão de ser desta norma é a relação umbilical que liga o processo principal aos seus apensos, uma verdadeira osmose processual que se estabelece entre um e outros.
Portanto, é inquestionável que o artigo 44.º, n.º 1, do CPC, só pode ser interpretado no sentido da procuração conferir poderes ao mandatário para representar a parte em todos os actos e termos do processo principal e respetivos incidentes, incluindo aqueles que, tendo a estrutura de uma causa, devam correr por apenso aos autos principais e vice-versa.
Isto é, constata-se que das duas interpretações possíveis do artigo 44.º, n.º 1, do CPC, deve ser acolhida a interpretação mais lata e afastada a interpretação restritiva do preceito.
Com este parâmetro interpretativo é fácil chegar à solução correcta no caso vertente.
Embora constituindo dois procedimentos autónomos, a inspecção e a liquidação tributárias são como irmãos siameses, que tendo a sua própria identidade partilham órgãos comuns. Na verdade, a liquidação consequente a uma fiscalização/inspecção baseia-se nos resultados desta, que de resto constitui o seu discurso fundamentador (cfr. artigo 63.º, n.º 1, do RCIPITA).
Aliás, a própria recorrente reconhece que “o procedimento de inspeção (artigo 54.° n.° 1 al. a) é um procedimento preparatório e / ou acessório do procedimento de liquidacao” (cfr. conclusão 15.ª). Ou, para utilizar também as suas palavras, há uma “correlação e interdependência entre o procedimento de inspeção tributaria e o procedimento de liquidação”.
Ora, o mandato judicial, a representação e assistência por advogado são sempre admissíveis e não podem ser impedidos perante qualquer jurisdição, autoridade ou entidade pública ou privada, nomeadamente para defesa de direitos, patrocínio de relações jurídicas controvertidas, composição de interesses ou em processos de mera averiguação, ainda que administrativa, oficiosa ou de qualquer outra natureza [cfr. artigo 66.º, n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA)].
Por seu lado o mandato forense destina-se ao exercício de qualquer mandato com representação em procedimentos administrativos, incluindo tributários, perante quaisquer pessoas coletivas públicas ou respetivos órgãos ou serviços, ainda que se suscitem ou discutam apenas questões de facto [artigo 67.º, n.º 1, al. c), do EOA].
Quando o contribuinte visado num procedimento de inspecção confere mandato a advogado pretende, obviamente, a defesa de todos os seus interesses, os quais são indissociáveis da liquidação a praticar posteriormente. Aliás, pela natureza das coisas o mandato conferido num procedimento de inspecção não tem em vista, primordialmente, os actos que nesse procedimento sejam praticados mas sim o acto final que verdadeiramente é (eventualmente) lesivo do contribuinte: a liquidação cujo procedimento constitui, verdadeiramente, um apenso do procedimento de inspecção.
Donde, dever entender-se que o mandato forense conferido em procedimento de inspecção abrange não só todos os actos praticados nesse procedimento mas também todos os actos consequentes praticados no procedimento de liquidação, dada a reconhecida relação de proximidade, “correlação e interdependência” que entre ambos existe e que justifica que a procuração conferida no primeiro releve também para o segundo.
Na verdade, como o artigo 44.º, n.º 1, do CPC, se aplica ao procedimento tributário, ex vi do artigo 2.º, al. e), do CPPT, e como já vimos que aquele preceito deve ser interpretado de molde a abranger todos os incidentes, que tendo a estrutura de uma causa e a sua íntima ligação com o processo principal, devam seguir por apenso a este, segue-se que a procuração conferida em procedimento de inspecção é válida e produz efeitos no procedimento de liquidação, dada a íntima conexão ou osmose procedimental que se estabelece entre os dois, sem qualquer estanquicidade, de tal modo que não fora a separação legal contida no artigo 54.º, n.º 1, als. a) e b), da LGT, bem se poderia dizer que se trataria de um único procedimento.
Aliás, a interpretação contrária viola o direito de defesa consagrado no artigo 20.º, n.º 1 e n.º 2, da CRP, pois que sendo constituído mandatário no procedimento de inspecção, com vista à defesa do contribuinte perante actos da administração tributária lesivos da sua esfera jurídica (na vertente patrimonial, penal e ou contra-ordenacional), tal mandato forense abrange, necessariamente, o procedimento e o acto de liquidação, o acto tributário que, por natureza, pode projectar efeitos negativos sobre o mandante.
E assim é porque no mandato forense o mandatário goza de autonomia técnica quanto ao modo de exercício da sua actividade, e por conseguinte, quanto ao conteúdo e conveniência de cada um dos actos que pratica. Isto é, quando o mandante confere mandato ao advogado no procedimento de inspecção, está a perspectivar a sua defesa no sentido mais amplo, ou seja, em relação a todos os actos que, próprios desse procedimento ou nele ancorados, possam afectar a sua esfera jurídica.
Donde, ser inconstitucional, a nosso ver, a interpretação que exige uma procuração específica para cada um dos procedimentos em causa.
Em conclusão, deve ser notificado ao mandatário constituído para o processo de inspecção, o subsequente acto de liquidação que, com base nessa inspecção, venha a ser praticado.
Consequentemente, a sentença decidiu com acerto sendo, por isso, de negar provimento ao recurso
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3 - Dispositivo
Em face de todo o exposto acordam os juízes da 1.ª Subsecção da Secção de Contencioso do TCA Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente.
D.n.
Lisboa, 2019-11-14

Benjamim Barbosa
Ana Pinhol (Voto de vencida)
Isabel Fernandes

Voto de vencida:
Discordo do entendimento acolhido na tese que obteve vencimento no presente recurso, pelas razões aduzidas no acórdão de 16.09.2019, em que fui adjunta, proferido no âmbito do processo n.º 87/16.4 BEF, em alinha, aliás, com a jurisprudência vertida no arresto do Supremo Tribunal Administrativo de 03.05.2019, proferido no processo n.º0167/15.
Ana Pinhol
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[1] Acórdão do STJ de 29-06-2017, proc. n.º 2487/07.1TBCBR-C.C1.S1, Relator Tomé Gomes.
[2] Proc. n.º 141/11.9TBRSD-G.P1
[3] Neste sentido, ac. do STA de 12-02-2003, rec. n.º 01554/02