Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01747/07
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:02/09/2010
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:LIQUIDAÇÃO ADICIONAL
SOCIEDADE
NOTIFICAÇÃO EDITAL
Sumário:1. No campo privativo do procedimento e processo tributário a notificação é “o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo” – cfr. art. 35.º n.º 1 CPPT, sendo condição de eficácia, com relação aos notificandos, dos “actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes …” – art. 36.º n.º 1 CPPT.
2. Relativamente às regras, merece realce a (normal e geral) que se mostra formulada no art. 38.º n.º 1 do mesmo compêndio legal, no sentido da obrigatoriedade de serem efectivadas por carta registada com aviso de recepção as notificações “sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (…)”.
3. Sem prejuízo de especificidades ao nível da regulamentação privativa de cada imposto, as notificações de actos de liquidação de tributos, quando estes concretizem uma alteração da situação tributária, como sucede com as liquidações adicionais, devem processar-se, por regra, via carta registada com A/R, sob pena de os destinatários poderem ser considerados como não validamente notificados.
4. A notificação, à semelhança da citação, edital, no decurso do ano de 2002, só podia ser accionada, a coberto do disposto, com as devidas adaptações, no art. 233.º n.º 6 CPC (redacção do DL. 183/2000 de 10.8.), quando o notificando se encontrasse ausente em parte incerta, nos termos dos arts. 244.º e 248.º ou quando fossem incertas as pessoas a notificar, ao abrigo do art. 251.º.
5. As sociedades podem (e devem) ser notificadas “na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem” – cfr. art. 41.º n.º 1 CPPT.
6. Como resulta da factualidade julgada provada neste aresto, antes de actuar a notificação edital da impugnante, a administração tributária/AT, além do mais, teve conhecimento da identidade de um sócio-gerente da mesma, bem como, dos dados da sua residência – cfr. item 6) dos factos provados, pelo que, actuando a prescrição legal vinda de coligir, se lhe impunha efectivar a pretendida notificação da sociedade, para pagar o montante da liquidação adicional em causa, na pessoa do conhecido e localizável gerente, utilizando a, como vimos, obrigatória, via do envio de carta registada com aviso de recepção.
7. Destarte, a efectivada notificação edital da impugnante, para pagar o montante de imposto e juros adicionalmente liquidados, não respeitou a lei aplicável e, por isso, sendo ilegal, jamais se pode considerar válida e eficaz.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
I
A..., L.DA, contribuinte n.º ... e com os demais sinais dos autos, apresentou impugnação judicial, visando acto de liquidação de IRC e juros compensatórios, relativo ao ano de 1997.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, foi proferida sentença que, concluindo, em primeira linha, ser a presente impugnação extemporânea, julgou esta improcedente.
Rejeitando tal veredicto, a impugnante interpôs recurso jurisdicional, cujas alegações encerra concluindo (1): «
1º - Do plasmado nas linhas precedentes com referência à documentação junta aos autos, resulta, pois, que todas as correcções propostas no âmbito da acção inspectiva que deu origem às liquidações impugnadas nos presentes autos foram atacadas judicialmente, sendo que, as que derivavam de recurso a métodos indirectos, como é o caso das dos autos, o foram, como a lei impõe em sede de Comissão de Revisão, sufragando o perito independente na íntegra a exegese interpretativa da aqui Recorrente, considerando que as correcções propostas pela AF não poderiam colher...
Aquela, contudo, manteve na íntegra o fixado na acção inspectiva e notificou a aqui Recorrente, decorrido mais de um ano sobre a entrada do seu Pedido de Revisão, da sua decisão, que mantinha os termos do projecto de conclusões, com a menção de que da mesma não caberia qualquer ataque e que iria ser posteriormente notificada, bem como o seu mandatário, cfr., aliás, impõe o art.º 40º do C.P.P.T. 1 das respectivas liquidações 2
1 O que nunca aconteceu.
2 Cfr. consta do processo administrativo junto aos autos e bem assim de documento junto pela aqui Impugnante, docs cuja subida se requereu.

Não foi, contudo, nunca, até hoje, a Recorrente notificada de tais liquidações, ao contrário do que é dado como provado nos n.ºs 4) e 5) da douta sentença do Mmo Juiz a quo.
A Recorrente ao ser citada da execução que tinha por base as liquidações nos autos impugnadas confrontou pessoalmente os Serviços do 2° Bairro Fiscal de Lisboa, os quais informaram que passaram imediatamente a citação edital, sem expedição de qualquer carta registada com A/R.
Dispõe o n.º 6, do art.º 77º da LGT “A eficácia da decisão depende da notificação”.
Dispondo o n.º 1 do art.º 36° do CPPT “Os actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes só produzem efeitos em relação a estes quando lhes sejam validamente notificados”
Esta exigência de notificação como condição de eficácia dos actos com eficácia externa aos serviços da AF é a concretização da imposição constitucional constante do n.º 3, do art.º 268° da CRP.
Estatuindo-se, em consequência, no n.º 1 do art.° 38° do CPPT “As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributárias dos contribuintes ...”
In casu, é pacífico que a liquidação adicional de IRC alterava a situação tributária do sujeito passivo, aqui Recorrente – “Constituindo a liquidação um acto que altera a situação tributária do contribuinte, a respectiva notificação deve ser efectuada por carta registada com aviso de recepção (art. 38.°, n. ° 1, do CPPT)”3. Pelo que,
3 cfr. Acórdão da pela Secção de Contencioso Tributário do TCA no Processo n.º 45/03 publicado em 29/04/2003

A notificação legalmente obrigatória teria de haver sido efectuada por carta registada com A/R, apenas se considerando efectuada na data da assinatura do aviso de recepção, cfr. n.º 3, do art.° 39° do CPPT.
Não procedeu, contudo, a AF como lhe era imposto pelo n.º 1 do art.° 38° do CPPT, porquanto não notificou a aqui Recorrente da liquidação na forma que estava obrigada ou qualquer outra.
No caso sub judice a Recorrente admite que mudou de sede, conforme consta no sistema informático da DGCI para efeitos de adesão ao Plano Mateus, DL 124/96 de 10 de Agosto, e do relatório da inspecção tributária, pág. 3 consta igualmente tal alteração de sede e a nova morada. Além do que o próprio chefe de finanças do 2 Bairro Fiscal de Lisboa e alguns dos seus colaboradores têm disso conhecimento pessoal. Na verdade, no âmbito de outro processo fiscal que corre termos naqueles serviços, em virtude das Impugnações a que se aludiu, foram dados como garantia alguns bens móveis existentes na nova sede e bem assim o estabelecimento comercial, além do que, então foram apreciados todos os elementos contabilísticos referentes às novas instalações para pedido de dispensa de prestação de garantia naqueles processos4.
Deu, pois, a aqui Recorrente integral cumprimento à comunicação a que alude o art.º 43° n.º 1, não obstante não haver a Administração Fiscal promovido essa alteração em todo o seu cadastro informático.
Acrescendo que, a Recorrente tem todo o seu correio reencaminhado da sede anterior para a actual bem como consta do seu papel timbrado5 a morada das novas instalações6.
4 Cfr. documentos juntos aos autos, cuja subida se requereu com o processo principal.
5 Nas diversas comunicações que vem mantendo com a AF, das quais, algumas juntas aos autos.
6 Cfr. Acórdão 5998/01 de 14/05/2002 do TCA é “ ... jurisprudência pacífica e uniforme a doutrina de que a notificação dos actos ou decisões que afectem a situação tributária dos contribuintes (como é o caso dos actos de liquidação de IRS efectuados fora do prazo normal de liquidação -arts.79° e 97º do CIRS- que são considerados como susceptíveis de alterar a situação tributária do contribuinte) tem de ser efectuada por carta registada com aviso de recepção, recaindo sobre a Administração Fiscal o ónus de provar que a notificação foi feita segundo as prescrições constantes da lei (cfr., entre outros, os Acs. Do STA de 14/04/99, no Rec. N° 20.850 e de 13/10/99, no Rec. N° 23.067 e deste TCA nos Acs. De 4/07/00 no Rec. Nº 3158. de 28/03/00, no Rec. N° 2577 e de 2/05/00, no Rec. N° 1739/99) e que a falta de comunicação da alteração do domicílio fiscal não dispensa a obrigação de notificação por carta

Além do que, sendo a aqui Recorrente uma pessoa colectiva, refere o art.º 41° do CPPT, que a mesma será notificada na pessoa de um dos seus gerentes na sua sede, residência, ou em qualquer lugar onde se encontrem.
Passou, pois, a AF directamente à citação edital da liquidação de 1997, em arrepio não só da lei mas também da resolução administrativa, na sequência de Despacho Conjunto de Suas Excelências os Ministros das Finanças e do Equipamento, Planeamento e da Administração do Território, ofício circulado 1073, de 5/2/19987.
É falso que hajam sido/estado afixados à porta da sede do citando quaisquer éditos em arrepio do n.º 6, do art.° 192° do CPPT ...
Não estavam, sequer, verificados os pressupostos da citação edital previstos no art.º 192° n.º 2, pelo que não obstante in casu a mesma não ser admissível, também não foi efectuada correctamente, viciando, pois a citação edital. Além de tal preterição resultar dos documentos juntos aos autos, a aqui Recorrente arrolou também testemunhas para demonstração de tal circunstância. Contudo, o Mmo Juiz a quo considerou desnecessária a sua audição.
Ao que acresce que relativamente às sociedades não é admissível a notificação ou citação edital (a não ser em casos excepcionais de desaparecimento dos seus legais representantes) já que a sociedade ainda existe e tem representantes legais8.
Atento o art.º 36° n.º l do CPPT a falta de notificação da liquidação torna-a ineficaz em relação ao contribuinte9.
registada com A/R quando esta seja obrigatória, bem como de quaisquer outras regras sobre notificações que sejam aplicáveis, sob pena da respectiva irregularidade ou invalidade
7 Documento junto com a Impugnação cuja subida, igualmente, se requer.
8 Neste sentido Acórdão 5998/01 de 14/05/2002 do TCA.
9 cfr. Acórdão do STA de 10.2.1999 in , doc. n.º SA219990210022290; “(..) A falta de notificação da liquidação exequenda torna a dívida inexigível, o que constitui um fundamento válido de oposição ...”,
cfr. Acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do TCA no processo n.º 3482/00, publicado em 10/10/2000 e no processo n.º 2054799 publicado em 21/09/1999 e .Acórdãos do STA de 10.2.1999 e 21.5.1997 in , docs. n.ºs SA219990210022290 e SA219970521021605, respectivamente.

Além do que, no caso dos autos a haver sido afixado edital, e já sabemos que não, teria sido em 30/12/2002, o que significa que só produziria efeitos, ou seja, só se considera que o interessado está notificado no final do prazo afixado no mesmo, i.é. 30 + 30. Logo para além do limite de 31/12/2002.
Ocorreu, pois, a caducidade do direito de liquidação, quer se considerasse a notificação edital válida, o que não se aceita, quer não, porquanto o tributo supostamente em dívida reporta-se ao ano de 1997 e até final de 2002 não foi efectuada pela AF qualquer notificação da Impugnante10.
2° - Aflora o Mmo Juiz a quo a questão de fundo a propósito da legalidade/ilegalidade da liquidação, no sentido dos valores aprovados pela AF não merecem qualquer censura, porquanto não terá sido cometida pela mesma qualquer ilegalidade, sem que os justifique/fundamente e/ ou conteste/ afaste os vícios apontados na Impugnação pela Recorrente e na Comissão de Revisão pelo Perito Independente.
Face ao que dispõe, designadamente o n.º 3 do art.º 17º do CIRC11, a contabilidade das pessoas colectivas (bem como outras que exerçam a titulo principal uma actividade comercial industrial ou agricola) deve:
· Estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o respectivo sector de actividade, sem prejuízo da observância das disposições previstas neste código;
· Reflectir todas as operações realizadas pelo sujeito passivo e ser organizada de modo que os resultados das operações e variações patrimoniais sujeitas ao regime geral do IRC possam claramente distinguir-se das restantes.
10 Conforme muito bem concluiu o Mmo Juiz do 2° Juízo, 5ª Unidade Orgânica do Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa, a liquidação controvertida nos presentes autos porque não foi validamente notificada dentro do prazo de caducidade à aqui Recorrente por não haverem sido observadas as regras próprias das notificações previstas nos art.ºs 38° n.º 1, 39° n.ºs 3,4 e 5 e por falta de documentação nos autos da incerteza de localização da aqui recorrente, deu total provimento à Oposição e ordenou a extinção da execução, cfr certidão ora junta.
11 As referências ao CIRC são antes da republicação.

Por outro lado, a obrigatoriedade de existência de uma contabilidade, organizada nos termos da lei comercial e fiscal (que permita o controlo do lucro tributável) resulta, também, do art.º 98° do CIRC e art.º 44 do CIVA, e do relatório da inspecção tributária resulta por parte da Impugnante o cumprimento de todas estas obrigações.
Se a declaração do contribuinte estiver de acordo com os elementos constantes da sua contabilidade ou escrita, esta se mostrar organizada nos termos da lei e não se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não corresponde à realidade, presume-se que a matéria tributável declarada é a real, isto mesmo se pode inferir do art.º 75° da LGT: «quando a contabilidade ou escrita do sujeito passivo se mostre organizada segundo a lei comercial ou fiscal, presume-se a veracidade dos dados e apuramentos decorrentes, salvo se verificarem erros, inexactidões ou outros indícios fundados de que ela não reflecte a matéria tributável efectiva do contribuinte».12
Ora, face à quase ausência de fundamentação, bem como, à forma como tal fundamentação foi contrariada pela aqui Recorrente em sede de Impugnação e de Comissão de Revisão, merecendo total concordância do Perito Independente, e parcial do perito da AF, cfr. acta da comissão de revisão e respectivos pareceres, parece inequívoco que (pelo menos) neste caso, há dúvida fundada sobre a existência dos factos tributários que se pretendem tributar por via de correcções técnicas e métodos indirectos, pelo que se deve anular o acto de liquidação controvertido.
De tudo o que fica exposto, julga a aqui recorrente, poder concluir-se, sem deixar de reconhecer o direito que a Administração tem de recorrer a presunções ou estimativas para, em certos casos, bem definidos e de carácter muito excepcional, fazer a determinação da matéria tributável através de recurso a métodos indirectos, bem como proceder a correcções de natureza meramente aritmética, o que não ficou devidamente provado que havia necessidade de as aplicar no presente caso. É que não deixa de constituir base fundamental, neste tipo de fiscalizações, que a prova da
12 Aspectos sobejamente aflorados na Impugnação.

existência de operações fictícias não oferece credibilidade compete à Administração Fiscal e isso não nos parece que tenha sido feito13
Em face do plasmado, pensamos, que o Mmo Juiz a quo ao se debruçar apenas “en passant” sobre os fundamentos de anulação do acto controvertido, fundamentou deficientemente a sua decisão, não justificando o recurso a métodos indirectos ou mesmo o recurso a ciutação edital, atentando, pois, contra o preceituado no art.º 668°, n.º 1, alíneas b) e d) do CPC, bem como contra o preceituado no art.º 268° da CRP e demais disposições do CPA, produzindo uma sentença nula14.
13 (…)
14 (…)
Termos, em que V. Exas. mui doutamente suprirão, se requer tendo em conta o plasmado, dignem V. Exas. levar em conta a argumentação expendida, revogando a decisão recorrida e outrossim, concluindo pela caducidade do direito de liquidação da administração tributária, quer por invalidade da citação edital ou se assim não se entender, o que por mero exercício académico se ventila, quer por a mesma só produziria efeitos para lá do prazo de caducidade, i.é., 60 dias após a sua alegada afixação. Se assim não se entender, á cautela sem conceder, considerar a sentença nula por violação das alíneas b) e d) do art.° 668 do CPC, e em consequência ordene que os autos baixem para realização de diligências de prova e todo o mais que se afigure necessário à boa decisão da causa.
Assim fazendo V. Exas. Venerandos Desembargadores Serena, Sã e Objectiva a tão costumada JUSTIÇA! »
*
Não há registo da apresentação de contra-alegações.
*
O Exmo. Procurador-Geral-Adjunto emitiu parecer, no sentido de que, apontando não ter a recorrente atacado o fundamento da sentença, ou seja, a extemporaneidade da impugnação, deve o recurso ser rejeitado, por falta de objecto, e/ou negar-se-lhe provimento.
*
Notificada, a Recorrente/Rte respondeu, sustentando que, no recurso, tocou “pormenorizadamente a questão da falta de suporte de facto e de direito da sentença recorrida quanto à suposta extemporaneidade …”.
*
Colhidos os vistos legais, compete conhecer.
*******
II
Mostra-se consignado, na sentença recorrida: «
Factos provados:
Julgam-se provados os seguintes factos, com interesse para a decisão da causa, com fundamento nos documentos juntos aos autos:
1) O objecto social da impugnante é a “impressão, n.e.” (n.e.: não especificado), com o CAE 022220 (vd. fl. 294 do PAT apenso aos autos).
2) A ora impugnante foi objecto de uma inspecção externa, por parte dos SIT, para os anos de 1997 a 1999. Quanto ao ano de 1997, foram efectuadas correcções aritméticas (no montante de 2.639.660$00) e aplicados métodos indirectos (no montante de 22.163.106$00), pelo que o lucro tributável (corrigido) passou a ser de 28.781.519$74 - vd. fls. 135 e ss. do PAT apenso aos autos.
3) A impugnante apresentou pedido de revisão da matéria colectável. Não tendo havido acordo entre os peritos, a AF decidiu, nos termos do n.º 6 do art. 92.º da LGT, a manutenção dos valores apurados (vd. fls. 291 e ss. do PAT apenso).
4) A ora impugnante foi notificada do acto de liquidação - como se pode verificar pelo edital de fl. 303, pela certidão de afixação de fl. 304 e ainda pelo auto de diligência prévia justificativa da notificação edital de fl. 305 do PAT apenso aos autos - antes de ocorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação (de 5 anos, conforme o disposto no art. 33.º, n.º 1, do CPT).
5) O prazo para pagamento voluntário do valor em causa terminou em 19/1/2003 (vd. fl. 297 do PAT apenso aos autos). Como não foi pago o tributo impugnado, foi instaurado o processo de execução fiscal n.º 3247200201067214.
6) A ora impugnante deduziu a presente impugnação em 30/7/2003.

Factos não provados:
Constituindo “matéria [ ... ] relevante” para a solução da “questão de direito” - ­art. 511.º, n.º 1, do Código de Processo Civil -, nenhum. »
*
A primeira questão a dirimir passa, em função da pronúncia do Exmo. PGA, por saber se deve o presente apelo ser rejeitado por falta de objecto, na medida em que, na sua perspectiva, a Rte não atacou o fundamento da sentença, ou seja, a extemporaneidade da impugnação.
Sem prejuízo de, versada a motivação da decisão sob recurso, se poder sustentar que a decretada improcedência da impugnação se suporta em outros, embora pouco explícitos e escalpelizados, fundamentos, não é questionável que o decisivo, o determinante, é o da apresentação intempestiva desta impugnação judicial. Ademais, no rigor dos princípios, ao afirmar-se esta extemporaneidade sempre restaria, necessariamente, prejudicado o debruce sobre as demais questões suscitadas no processo, pelo que, esta tem de ser a temática primeva e central da corrente fase processual.
Tendo de conceder-se que a Rte não isola, conveniente e resolutamente, o apontamento de dedução da impugnação para além do respectivo prazo legal como alvo principal da sua crítica e ataque à sentença aprecianda, é, para nós, facilmente, constatável que não se conforma com esse julgamento e que o põe em causa quando, por exemplo e decisivamente, invoca ser errada a factualidade vertida nos pontos 4) e 5) dos factos provados, que se mostra e foi fundamental no estabelecimento da conclusão pela intempestividade da impugnação.
Posto isto, sem mais considerações, não se pode atender esta proposta de rejeição do conhecimento do recurso, por pretensa falta de objecto.
*
Prosseguindo, pois, entendemos, primeiramente, não haver lugar ao decretamento de nulidade da sentença recorrida, porquanto tem de sustentar-se que esta versou e decidiu a única questão que, verdadeiramente, elegeu como a solucionar e que identificou prender-se com a tempestividade, ou não, da impugnação judicial, pelo que, em decorrência da conclusão pela extemporaneidade da respectiva petição inicial, resultou prejudicada, de forma necessária, ainda que possam ter sido feitas referências avulsas, desgarradas, a pronúncia sobre outras eventuais questões suscitadas no processo. Acresce referir que, quanto à validade e fortaleza, para o judiciado, dos fundamentos de facto e direito, objectivamente, congregados na sentença em apreço, estaremos no domínio da discussão dos respectivos aspectos substanciais.
Assim, como já deixámos antever, importa, de seguida, neste recurso jurisdicional, verificar se na criticada decisão judicial ocorreu errado julgamento, numa dupla vertente; em primeira linha, no que tange à factualidade assente e, num segundo momento, no que concerne à conclusão pela extemporaneidade da presente impugnação.
A Rte insurge-se contra os factos julgados provados nos pontos 4) e 5) supra transcritos, na nossa opinião, com nítida e inteira razão. Resumidamente, no primeiro, estamos perante uma mistura de facto, com apontamento da convicção do julgador e menção de matéria jurídica (conclusão), enquanto, no segundo item (1.ª parte), se fixou factualidade que não corresponde à realidade, como veremos. Deste modo, vistos e valorados os elementos documentais coligidos nos identificados pontos, bem como, outros disponíveis nos autos, somos impelidos a considerá-los erráticos e ao abrigo do disposto no art. 712.º n.º 1 al. a) CPC, alterar (2) a matéria de facto assente, em 1.ª instância, nos seguinte moldes:
4) Na sequência do decidido no âmbito do pedido de revisão da matéria tributável, com data de 22.11.2002, foi efectuada a liquidação adicional n.º 8310037227, referente a IRC e juros compensatórios, do ano de 1997, no valor total de € 67.178,04 – cfr. fls. 222, 296 a 298 do PA apenso.
5) No dia 11.12.2002, funcionário do Serviço de Finanças/SF de Lisboa 2 redigiu auto de diligência, indicando ter-se dirigido à “residência de A..., Lda.”, Rua Cruz dos Poiais, 103 - Lisboa, constatou “Não ter o executado ali a sua sede” – cfr. fls. 305 do PA apenso.
6) Do auto identificado em 5) consta sob a epígrafe “Sócios-Gerentes” a menção de « Joaquim Fernando (…) Marques, R. Domingos Monteiro, n.º 3, Charneca de Caparica » e, ainda, a título de “OBSERVAÇÕES” « Segundo informações colhidas no local há cerca de 2 anos que a firma mudou a sede para o Distrito de Setúbal » - idem.
7) Este versado auto foi antecedido de “MANDADO DE NOTIFICAÇÃO”, datado de 2.12.2002, em que o Chefe do SF Lisboa 2 determinou a notificação do “contribuinte A... Lda, (…), com sede na Rua da Cruz dos Poiais 103, 1200 Lisboa para no prazo de 30 dias, efectuar o pagamento da importância de € 67.178,04 proveniente de Liquidação de IRC do exercício de 1997, (…)”– cfr. fls. 306 do PA apenso.
8) Ostentando a data de 17 de Dezembro de 2002, foi elaborado “EDITAL”, onde o Chefe do SF Lisboa 2 fez saber « que fica por este meio notificado A..., Lda, NIF 500474904, que teve a sua última morada conhecida em Rua da Cruz dos Poiais, 103, 1200 Lisboa e que actualmente se encontra em parte incerta, para no prazo de 30 dias findos os TRINTA de dilação do presente edital a contar da data da sua afixação, efectuar o pagamento da importância de € 67.178,04, da liquidação de IRC do ano de 1997. (…). » – cfr. fls. 303 do PA apenso.
9) Por funcionário do Serviço de Finanças/SF de Lisboa 2, foi lavrada “CERTIDÃO DE AFIXAÇÃO”, certificando que o edital aludido em 8) havia sido, em 17.12.2002, afixado na residência fiscal do notificado, à porta do SF e na Junta de Freguesia das Mercês – cfr. fls. 304 do PA apenso.
10) A petição inicial desta impugnação judicial foi apresentada no Tribunal Tributário de 1.ª Instância de Lisboa, no dia 30.7.2003.
-
Para rematar esta alteração ao cenário factual traçado na sentença, cumpre registar não se dar, agora, por provado que “O prazo para pagamento voluntário do valor em causa terminou em 19/1/2003 (…).”. Efectivamente, apesar de o documento de fls. 297 do PA apenso (“DETALHE DE NOTA DE COBRANÇA”, vulgo, print) mencionar como data limite de pagamento para a versada liquidação o dia 19.1.2003, constata-se, por referência aí explícita, ter esta indicação pressuposto que, em 17.12.2002, ocorreu a assinatura de aviso de recepção/notificação; o que, neste momento, manifestamente, já podemos, com segurança, afirmar não corresponder à verdade.
***
Na posse destes dados factuais, já ao nível dos fundamentos jurídicos da causa, a questão seguinte prende-se com a avaliação do julgamento sobre a tempestividade ou não desta impugnação judicial, sendo certo que, desde logo, por errada, assente em insustentáveis pressupostos de facto, não se pode manter a conclusão pela extemporaneidade, inscrita na sentença, suportada no entendimento de que foi desrespeitado, com a apresentação da petição em 30.7.2003, o prazo de 90 dias, previsto no art. 102.º n.º 1 al. a) CPPT, contado desde 19.1.2003, fim do prazo para pagamento voluntário da liquidação impugnada.
Afastado este exclusivo apoio da decisão recorrida, não resulta consequente afirmar que a impugnação é tempestiva, impondo-se, portanto, avaliar tal aspecto (3) em função de todos os elementos, no presente, disponíveis. Assim, num primeiro impulso, pressupondo que a notificação edital da impugnante, para proceder ao pagamento da liquidação em análise, foi legal, válida, teríamos que o termo do prazo para adimplemento voluntário ocorreu 60 dias, 30 dias do prazo legal respectivo, acrescido de 30 dias de dilação, após a data de 17.12.2002, donde resultaria ser extemporânea a impugnação apresentada em 30.7.2003, mais de 90 dias, seguidos, sobre aquela data terminal.
Aqui chegados, urge que nos debrucemos sobre legalidade da notificação edital dirigida à impugnante, visando comunicar-lhe o prazo disponível para pagar, voluntariamente, o montante da liquidação adicional de IRC, referente ao ano de 1997.
No campo privativo do procedimento e processo tributário a notificação é “o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo” – cfr. art. 35.º n.º 1 CPPT. Tratando-se, nitidamente, de um acto com importância e que é votado ao desempenho de uma decisiva tarefa de transmissão de informação relevante, o legislador rodeou-o de exigentes regras e cautelas, cumprindo destacar o erigi-lo à condição de eficácia, com relação aos notificandos, dos “actos em matéria tributária que afectem os direitos e interesses legítimos dos contribuintes …” – art. 36.º n.º 1 CPPT. Relativamente às regras, merece realce a (normal e geral) que se mostra formulada no art. 38.º n.º 1 do mesmo compêndio legal, no sentido da obrigatoriedade de serem efectivadas por carta registada com aviso de recepção as notificações “sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes (…)”.
Após algumas hesitações (nomeadamente, no âmbito da aplicação do regime, equivalente ao actual, positivado no art. 65.º n.º 1 CPT), podemos, no presente, assentar (4) em que devem considerar-se “actos e decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes” não apenas os que em concreto produzem uma alteração de tal situação, mas também todos aqueles em que se discuta a possibilidade dessa concretização. Como tal merecem, por isso, ser qualificados “os actos ou decisões que criam deveres ou encargos para os destinatários ou lhes restringem ou negam direitos que aqueles entendem ter”. Nesta conformidade, é implicante entender-se que, sem prejuízo de especificidades ao nível da regulamentação privativa de cada imposto, as notificações de actos de liquidação de tributos, quando estes concretizem uma alteração da situação tributária, devem processar-se por via de carta registada com A/R, sob pena de os destinatários poderem vir a ser considerados como não validamente notificados.
Feito este enquadramento legal e doutrinário, importa, pois, conferir se a liquidação em causa neste processo podia ser notificada, à, aqui, Rte, por éditos, em vez do envio de carta registada com A/R.
A notificação, à semelhança da citação, edital, no decurso do ano de 2002, só podia ser accionada, a coberto do disposto, com as devidas adaptações, no art. 233.º n.º 6 CPC (5), quando o notificando se encontrasse ausente em parte incerta, nos termos dos arts. 244.º e 248.º ou quando fossem incertas as pessoas a notificar, ao abrigo do art. 251.º. Ora, in casu, como se depreende do ponto 8) dos factos provados, o justificativo para promover a notificação da impugnante pela via edital residiu na circunstância, abstractamente legítima, de que, à data, a mesma se encontraria em parte incerta, ou seja, doutro modo, que nos atrevemos a intuir (6), a sociedade não tinha sede no domicílio fiscal conhecido dos serviços da administração tributária/AT.
Independentemente de se discutir se houve ou não, por parte do contribuinte, violação da obrigação de participação de alteração da sede ou domicílio (7), os dados factuais disponíveis levam-nos a entender que foi prematuro e precipitado a AT, face ao constatado encerramento da sede conhecida, concluir que a sociedade notificanda se encontrava em parte incerta. Na verdade, os serviços intervenientes, na actuação desenvolvida, olvidaram, de forma irremediável, que as sociedades podem (e devem) ser notificadas “na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem” – cfr. art. 41.º n.º 1 CPPT. Concretizando, como resulta da factualidade julgada provada neste aresto, antes de actuar a notificação edital da impugnante, a AT, além do mais, teve conhecimento da identidade de um sócio-gerente da mesma, bem como, dos dados da sua residência – cfr. item 6) dos factos provados, pelo que, actuando a prescrição legal vinda de coligir, se lhe impunha efectivar a pretendida notificação da sociedade, para pagar o montante da liquidação adicional em causa, na pessoa do conhecido e localizável gerente, utilizando a, como vimos, obrigatória via do envio de carta registada com aviso de recepção.
Em suma, como, também, defende a Rte, julgamos que a efectivada notificação edital da impugnante, para pagar o montante de imposto e juros adicionalmente liquidados, não respeitou a lei aplicável e, por isso, sendo ilegal, jamais se pode considerar válida e eficaz.
Ora, retirando consequências deste julgamento, em primeira linha, ao invés do que supra, condicionalmente, admitimos, agora, temos de, decididamente, afirmar a impossibilidade de, a partir dos prazos decorrentes da concretizada notificação edital, retirar qualquer termo para o pagamento voluntário, por parte da impugnante. Assim sendo e não podendo afirmar-se, face aos elementos disponibilizados nos autos, a verificação de nenhum dos outros factos previstos nas alíneas b) a f) do n.º 1 do art. 102.º CPPT, tem de conceder-se que a petição inicial deste processo foi atempadamente apresentada, desde logo, porque, não tendo a impugnante sido legalmente notificada para efectuar o pagamento voluntário da liquidação visada, sempre estaria em tempo de a atacar, impugnar, contenciosamente.
Enterrada, assim, definitivamente, a questão da tempestividade desta impugnação judicial, importa, não se registando outro motivo ou causa que impeça o conhecimento do seu objecto, continuar, apreciando e julgando os fundamentos invocados, pela ora Rte, na p.i. do processo impugnatório em curso.
Dentre estes, com primazia, encontra-se a alegação de que caducou o direito, da AT, à liquidação, por até ao final do ano de 2002 não ter sido efectuada qualquer notificação da impugnante, argumento repetido, renovado, neste recurso jurisdicional, conferindo-se que, sobre este aspecto, a sentença recorrida veicula: “Note-se ainda que, como também se referiu no ponto 4.º dos factos provados, a impugnante foi notificada do acto de liquidação – (…) – antes de ocorrido o prazo de caducidade do direito à liquidação (de 5 anos, conforme o disposto no art. 33.º, n.º 1, do CPT).”.
Por força do disposto no art. 33.º n.º 1 CPT (8), o direito à liquidação de impostos e outras prestações tributárias caducava se a liquidação não fosse notificada ao contribuinte no prazo de cinco anos, contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que ocorreu o facto tributário. Estando em disputa, neste processo, IRC, típico imposto periódico, do ano de 1997, a liquidação adicional do mesmo tinha de ser, em respeito do normativo referenciado, validamente (9), notificada à impugnante, impreterivelmente, até ao dia 31.12.2002. Como resulta da antecedente exposição, na medida em que a efectivada notificação edital da impugnante, para pagar o montante de imposto e juros adicionalmente liquidados, não é válida e eficaz, deriva tautológico afirmar que aquela não foi notificada do correspondente acto tributário de liquidação dentro do período de 5 anos, para o efeito, fixado por lei, pelo que, sem mais, caducou o direito ao exercício da superveniente liquidação tributária.
Resumindo, para concluir, a sentença recorrida não pode manter-se no seu julgamento afirmativo da extemporaneidade e consequente improcedência desta impugnação judicial, a qual, ao invés, tem de ser atendida e proceder, desde logo, por demonstrada a coligida caducidade do direito à liquidação impugnada, determinante, sem mais, da respectiva anulação.
*******
III
Pelos motivos aduzidos, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se:
- conceder provimento a este recurso jurisdicional e revogar a sentença objectada;
- julgar procedente a impugnação judicial e anular a liquidação identificada no ponto 4) dos factos provados.
*
Sem tributação.
*
(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 9 de Fevereiro de 2010
ANÍBAL FERRAZ
LUCAS MARTINS
EUGÉNIO SEQUEIRA

1- Relevam-se, aqui, as conclusões de fls. 336 segs., formalizadas na sequência de convite à correcção das inicialmente apresentadas.
2- Mantendo-se, por não passível de crítica, o conteúdo dos pontos 1) a 3) dos factos julgados provados.
3- Aliás, susceptível de conhecimento oficioso.
4- Na esteira do apontado pelo Exmo. Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, Vislis, 4.ª Edição, pág. 223.
5- Redacção do DL. 183/2000 de 10.8.
6- Na medida em que não tivemos acesso ao despacho do Chefe do SF que determinou a notificação edital do contribuinte.
7- Escusamo-nos desta discussão porquanto, nos termos do art. 43.º n.º 2 CPPT, o não cumprimento do aludido ónus é incapaz de prejudicar o que “a lei dispõe quanto à obrigatoriedade da citação e da notificação e dos termos por que devem ser efectuadas”, isto é, particularizando, a não comunicação de alteração do domicílio ou sede, só por si, não determina a conclusão pela ausência em parte incerta, para efeitos da escolha da modalidade de notificação de actos tributários.
8- Aqui aplicável presente, além do mais e decisivamente, a previsão do art. 5.º n.º 5 DL. 398/98 de 17.12.; diploma que aprovou e anexa a lei geral tributária.
9- Para evitar eventuais hesitações, no presente, o art. 45.º n.º 1 LGT utiliza, expressamente, este termo.