Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03828/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:07/14/2010
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Descritores:LGT.
ÓNUS DA PROVA.
Sumário:1.Discutindo-se, nos autos, a responsabilidade pelo pagamento de dívida por IRC de 2000, tratando-se, nitidamente, perscrutada a factualidade assente, de situação subsumível à previsão do art. 24.º n.º 1 al. a) LGT, impende, sem dúvidas e reservas, sobre a Fazenda Pública o ónus de provar a culpa do responsável subsidiário, v.g., do gerente, na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva para satisfazer os montantes em falta.

2. A aplicação do estatuído no art. 24.º n.º 1 LGT, designadamente, por parte do órgão da execução fiscal, não pode ignorar a diferenciação relevante que tem de operar-se entre o âmbito e o regime privativos das suas duas alíneas.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ARTUR ......................., contribuinte n.º .................e com os demais sinais constantes dos autos, deduziu oposição a execução fiscal contra si revertida e instaurada, originariamente, à sociedade B............., Pinturas ................, Unipessoal, L.da, por dívida de IRC, do ano de 2000.
No Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, foi proferida sentença que julgou procedente a oposição e determinou a extinção do processo executivo, quanto ao oponente, veredicto que a FAZENDA PÚBLICA adversou em recurso jurisdicional, cuja alegação encerra com as seguintes conclusões: «
1. A dívida dos autos é relativa a IRC de 2000;
2. Tal dívida reverteu contra o oponente na qualidade de responsável subsidiário;
3. As normas com base nas quais se determina a responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes das sociedades são as constantes da legislação em vigor à data dos factos;
4. Logo, aplica-se o regime do artº 24º da Lei Geral Tributária (LGT);
5. Por força deste, a AT tinha que demonstrar e provar o exercício efectivo da gerência por parte do oponente, o que fez, sendo até tais factos admitidos pelo próprio oponente na PI;
6. O oponente praticou actos de gerência efectiva, que vincularam a sociedade e eram susceptíveis de conduzir à diminuição do património societário (assinatura de cheques, celebração de contratos de trabalho e de aquisição de uma viatura automóvel);
7. Presumida e provada a gerência de facto, era ao oponente que incumbia provar que não lhe assistia qualquer culpa na diminuição do património societário.
8. Este nunca alegou a ausência de culpa na diminuição do património da executada como fundamento para a sua ilegitimidade no chamamento à execução;
9. A sentença recorrida decidiu mal ao julgar o oponente parte ilegítima na execução, por entender que incumbia à AT provar a culpa daquele na diminuição do património da sociedade;
10. Violando assim, o disposto no artº 24º nº 1, da LGT.
11. E decidindo para além do pedido, violou ainda o disposto na alínea d) do nº 1, in fine, do artº 668º do CPC.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vs. Exas. se dignem julgar PROCEDENTE, por provado, o presente recurso e revogar a douta sentença recorrida, substituindo-a por acórdão que julgue improcedente a oposição, tudo com as demais consequências legais. »
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Não há registo da apresentação de contra-alegações.
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A Exma. Procuradora-Geral-Adjunta emitiu parecer, no sentido de que deve manter-se o julgado, na sentença recorrida.
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Apostos os vistos de lei, compete conhecer.
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II
Mostra-se consignado, na sentença: «
FUNDAMENTAÇÃO
OS FACTOS
Compulsados os autos e vista a prova produzida, com interesse para a decisão, apuraram-se os seguintes factos:
1- A sociedade B.......... - Pinturas ..............., Lda., foi registada em 19/11/1998 na Conservatória do Registo Comercial do .........tendo como sócios João .................e Artur ................... sendo a gerência de ambos os sócios e necessária a assinatura dos dois gerentes para obrigar a sociedade (cfr. fls. 27 do processo de execução fiscal em apenso).
2- Em 25/11/1998 foi lavrada a acta nº 2 referente à sociedade B............ - Pinturas de ................, Lda, na qual consta ter sido aprovado que o sócio Artur ............. auferiria uma remuneração mensal de 87.909$00 a partir do dia 1 de Dezembro de 1998 e que o sócio João ................... auferiria uma remuneração mensal de 100.000$00 a partir de 01/01/1999 (cfr. fls. 37).
3- Em 01/12/1998 foi celebrado um contrato de trabalho entre a B............... - Pinturas ................. e Artur ................. para o desempenho por este das funções de encarregado de 2ª, nas obras adjudicadas à sociedade e durante o horário de trabalho em vigor na empresa auferindo a remuneração mensal de 87.909$00, tendo direito a férias remuneradas e a subsídio de Natal (cfr. teor do documento de fls. 32/33).
4- Em 25/02/2001 foi lavrada a acta nº 4 referente à sociedade na qual consta que o sócio João .................. deixaria de auferir remuneração a partir de 01/03/2001 (cfr. fls. 38).
5- Em 10/11/2001 foi lavrada a acta nº 7 da sociedade na qual consta o seguinte “Embora o artigo quinto do nº dois do contrato de sociedade em que ambos os sócios exerciam o cargo de gerentes, verificou-se desde o início da actividade da firma, que o sócio Artur .................. nunca exerceu tal cargo, sendo o mesmo exercido apenas pelo sócio João ..................., pelo que, para quaisquer efeitos assume na sua totalidade a responsabilidade de todos os actos relacionados com a gerência e administração da firma” (cfr. fls. 41).
6- Em 14/05/2004 foi registada na Conservatória do Registo Comercial do Barreiro a cessação da gerência, por renúncia em 05/05/2004 de Artur ................... e, na mesma data registada a transmissão da sua quota ao outro sócio (cfr. fls. 28 do apenso).
7- Em 27/02/2005 foi instaurado no Serviço de Finanças do .............. o processo de execução fiscal nº ............. em nome de B............. Pinturas .................., Lda., por dívida de IRC do ano de 2000 no montante de € 52.291,82 cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 27/10/2004 (cfr. fls. 2/3 do processo de execução fiscal em apenso).
8- Em 31 /03/2006 foi lavrado despacho pelo Chefe do Serviço de Finanças com o seguinte teor “(...) ao executado não são conhecidos bens penhoráveis (...), nos períodos a que respeita a dívida exerceram de facto e de direito a gerência do executado conforme documentos de fls. 10 a 13 os sócios-gerentes João .................. (...) e Artur ....................... (...), a responsabilidade subsidiária dos gerentes nos presentes autos rege-se pelo artigo 24º da Lei Geral Tributária - quanto às dívidas cujo facto gerador ocorreu a partir de 01 de Janeiro de 1999, constatada nos autos a inexistência de bens penhoráveis do devedor principal que possa satisfazer a dívida exequenda e respectivos acréscimos legais, necessário se toma garanti-los pela figura da reversão. Assim, notifique-se nos termos do artigo 60º da Lei Geral Tributária os responsáveis subsidiários João ...................... . e Artur .................... (...) para exercer o direito de audição (...)” (cfr. fls. 15).
9- Em 17/04/2006 foi exercido por Artur ..................... o direito de audição sobre o projecto de reversão da execução tendo junto ao requerimento, apresentado prova documental (incluindo as actas mencionadas nos pontos 2, 4 e 5) e prova testemunhal produzida no Serviço de Finanças (como consta de fls. 21/64 do apenso).
10- Na sequência do exercício do direito de audição foi prestada informação pelo serviço de finanças em 06/07/2006 na qual se afirma que “(…) os factos alegados na p.i. e verbalmente confirmados pelas testemunhas, não alteram a fundamentação da informação e do projecto de reversão” tendo na mesma data sido proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças despacho de reversão da execução contra Artur ................ e João .................. na qualidade de responsáveis subsidiários (cfr. fls. 65 do apenso).
11- O despacho referido no ponto anterior é do seguinte teor “Assim, constatada nos autos a evidente insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal que possa satisfazer a dívida exequenda e respectivos acréscimos legais, necessário se torna garanti-los pela figura da reversão. Cumprido o disposto no artigo 23º da Lei Geral Tributária, com os pressupostos da responsabilidade subsidiária do gerente, em relação à executada e fazendo uso da conjugação das disposições dos artigos 23º e 24º da Lei Geral Tributária e do artigo 153º do Código de Procedimento e Processo Tributário, nomeadamente no seu nº 2, alínea b), nos termos do artigo 159º do mesmo Código, declaro a presente execução revertida contra os responsáveis subsidiários Artur .................. e João ..................... (...)” (cfr. fls. 65 do apenso).
12- Em 13/07/2006 foi assinado o aviso de recepção da citação de ........................ (cfr fls. 66/68).

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório e com base nos depoimentos prestados na audiência de inquirição, constante da acta de inquirição de fls. 176/180.
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Não se mostra provada a culpa do oponente na insuficiência patrimonial da sociedade. »
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A Recorrente/Rte assaca nulidade, à sentença recorrida, por pretenso excesso de pronúncia, resultante de o oponente nunca ter alegado a ausência de culpa na diminuição do património da executada como fundamento para a sua ilegitimidade no chamamento à execução” – cfr. conclusões 8. e 11., sendo este, contudo, o fundamento decisivo para a procedência da oposição.
Ao invés do propalado em tais conclusões, consta dos arts. 34º, 40º a 43º e, vincadamente, 54º (1), da petição inicial deste processo oposicionista, a alegação dessa problematizada ausência de culpa. Assim, porque a nulidade da sentença, positivada no art. 125.º n.º 1 CPPT e com correspondência na al. d) (2.ª parte) do n.º 1 do art. 668.º CPC, só germina nos casos em que o tribunal tome posição sobre qualquer questão de que não pudesse conhecer, face aos pronunciamentos que vimos de transcrever, versando, inequivocamente, o aspecto da falta de culpa na dissipação do património societário, é imperativo, sem mais, afirmar a não ocorrência da nulidade coligida pela Rte.
Posto isto, avaliadas as demais conclusões acima reproduzidas, constatamos que a Rte assaca, à sentença, erro no julgamento dos aspectos relativos à culpa do oponente, pela insuficiência patrimonial da sociedade, originária devedora, de que derivou a impossibilidade em solver as suas dívidas tributárias. Esta constitui-se, pois, como a derradeira questão a solucionar.
Na decisão recorrida, sobre o disputado aspecto da culpa, expendeu-se: «
No caso em apreço a administração tributária considerou, face aos elementos obtidos no âmbito do processo executivo que o ora oponente foi gerente de direito e de facto no período em que ocorreu o facto tributário (2000) tendo o ora oponente em sede de audiência prévia apresentado prova documental e testemunhal que, em seu entender, provaria que apesar de ter sido gerente de direito não foi gerente de facto na sociedade B............. - Pinturas ............., Lda. No entanto, apesar da prova que o oponente apresentou, o órgão de execução fiscal declarou a execução revertida contra o ora oponente com base no disposto nos “artigos 23º e 24º da Lei Geral Tributária e do artigo 153º do Código de Procedimento e Processo Tributário, nomeadamente no seu nº 2 alínea b), e nos termos do art. 159º do Código de Procedimento e Processo Tributário”.
Tendo a administração tributária considerado que o ora oponente foi gerente de facto no período em que ocorreu o facto constitutivo (IRC de 2000) mas o prazo legal de pagamento do imposto ocorreu após a cessação da gerência dado que o ora oponente renunciou à gerência da sociedade em 05/05/2004 e o prazo de pagamento voluntário do referido imposto terminou em 27/10/2004, razão pela qual aplica-se ao caso o disposto na alínea a) do nº 1 do art. 24º da Lei Geral Tributária.
Ora nos termos desta disposição legal, para que o gerente possa ser responsabilizado subsidiariamente pela dívida exequenda, torna-se necessário que, em qualquer dos casos, tenha sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para o seu pagamento, e a prova da culpa na insuficiência do património da sociedade recai sobre a administração tributária.
No caso em apreço, a administração tributária não fez qualquer prova sobre a culpa do ora oponente na insuficiência do património da sociedade devedora originária pelo que, não se mostrando preenchidos todos os requisitos para a reversão da execução, tem necessariamente de concluir-se que o ora oponente é parte ilegítima na execução fiscal. »
Antecipando, desde já, o acerto, legal e doutrinal, deste entendimento, na verdade, discutindo-se, nos autos, a responsabilidade pelo pagamento de dívida por IRC de 2000, tratando-se, nitidamente, perscrutada a factualidade assente, de situação subsumível à previsão do art. 24.º n.º 1 al. a) LGT (2), ou seja, para as dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois do período do exercício das funções de gerente, impende, sem dúvidas e reservas, sobre a Fazenda Pública o ónus de provar a culpa do responsável subsidiário, v.g., do gerente, na insuficiência patrimonial da pessoa colectiva para satisfazer os montantes em falta(3).
Em suma, não assiste razão, à Rte, no apontar de errado julgamento, pela sentença, da questão em torno da existência ou não de culpa, do oponente, na detectada situação de insuficiência patrimonial da sociedade devedora para solver as respectivas prestações tributárias, improcedendo, portanto, a alegada violação do disposto no art. 24.º n.º 1 LGT, porquanto ignora(4) a diferenciação relevante que tem de operar-se entre o âmbito e o regime privativos das suas duas alíneas.
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III
Pelo expendido, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, acorda-se negar provimento ao presente recurso jurisdicional.
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Custas a cargo da recorrente.
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(Elaborado em computador e revisto, com versos em branco)
Lisboa, 14 de Julho de 2010
Aníbal Ferraz
Eugénio Sequeira
Rogério Martins
(1)« Sendo que, a ter existido tal património, o oponente não sabe, nem tem qualquer responsabilidade quanto à forma como o mesmo foi dissipado. »
(2)Na redacção inicial, decorrente do DL. 398/98 de 17.12.: “Os administradores, directores e gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração nas sociedades, cooperativas e empresas públicas são subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si:
a) Pelas dívidas tributárias cujo facto constitutivo se tenha verificado no período de exercício do seu cargo ou cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado depois deste, quando, em qualquer dos casos, tiver sido por culpa sua que o património da sociedade se tornou insuficiente para a sua satisfação;
b) Pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento.”
(3)Neste sentido, desenvolvendo, inclusive, argumentos por contraposição com o regime precedente, cfr. Diogo Leite de Campos …, Lei Geral Tributária, comentada e anotada, 3.ª edição, Vislis, pág. 142 e, na sintonizada jurisprudência, entre outros, Ac. TCAS de 13.10.2009, rec. 03309/09.
(4)Tal como, mais grave e decisivamente, o órgão da execução fiscal.