Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:39/11.0BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:04/29/2021
Relator:PATRÍCIA MANUEL PIRES
Descritores:IRS
REINVESTIMENTO
REQUISITOS CUMULATIVOS
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Sumário:I- O artigo 10.º, nº 5 do CIRS exclui da tributação as mais valias obtidas aquando da alienação de habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, se houver reinvestimento na aquisição, construção ou melhoramento de outro imóvel afeto à mesma finalidade.

II-O artigo 10.º, nº 6, alínea b), do CIRS encontra-se, efetivamente, ligado pela conjunção coordenativa “ou”, mas a verdade é que a aludida conjunção pode, do ponto de vista linguístico, ter um sentido alternativo ou cumulativo, e deve, portanto, ser lida no contexto em que é utilizada.

III-Tendo presente a ratio subjacente à exclusão em análise e sendo, outrossim, evidente que a norma define pela negativa o benefício, ter-se-á de concluir que o “ou” assume a natureza de inclusivo, e não exclusivo, donde cumulativo, logo têm de ser cumpridos os dois requisitos-início da construção e inscrição na matriz nos prazos nele constantes- e o adicional concatenado com a afetação ao agregado familiar.

IV- Se da leitura da decisão de indeferimento, resultam todas as fundamentações de facto e de direito em que se estribou a posição da AT, tendo sido ponderados, mediante refutação expressa e de acordo com a valoração que se entendia pertinente neste e para este efeito de todas as razões que permitem suportar a manutenção da correção e do ato reclamado, o mesmo não padece de falta de fundamentação formal.

V- A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projetar efeitos invalidantes sobre o ato tributário de liquidação que o antecede

Votação:MAIORIA - VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:

I-RELATÓRIO

P....., veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação adicional de Imposto Sobre o Rendimento de Pessoas Singulares (IRS), relativa ao ano de 2006, no valor de €38.949,69.

O Recorrente, apresenta as suas alegações de recurso nas quais formula as conclusões que infra se reproduzem:

“A- O ora recorrente não concorda com a decisão proferida nos autos.

B - A decisão é nula nos termos da alínea d) do n° 1 do artigo 615° do CPC.

C - O Tribunal “ a quo” não conheceu questões que deveria apreciar.

D- Errou na apreciação dos factos dados como provados, fazendo tábua rasa de alguns deles e aplicando-lhes a lei de forma incorrecta e contraditória.

E - O impugnante alegou que a interpretação da alínea b) do n°6 do artigo 10° deveria ter em conta a existência de duas orações coordenadas disjuntivas, devendo entender-se que o prazo para o início das obras e o prazo de inscrição do prédio não são cumulativos, mas sempre na condição de o prédio ser afecto à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao do início da realização.

F - Na sua fundamentação, o Tribunal defendeu, como não poderia deixar de ser, que a interpretação de normas de exclusão de tributação deve ser feita nos seus exactos termos, sem analogias. E claro, sem omissões.

G- Ao subsumir os factos à norma, não conheceu a alegação de não cumulação de requisitos, e apenas decidiu com base no requisito do prazo de inscrição na matriz.

H - Não conheceu, cabalmente, a alegada insuficiência de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada pelo impugnante.

I - Estranhamente, num absoluto e único intuito de maior lucro para a AT, esquecendo as razões do contribuinte, o senhor Chefe de Divisão de Divisão de Finanças, em 27/12/2010, perante a dualidade de posições da própria AT, decidiu sem fundamentar sequer, que a decisão a extrair era a do indeferimento com base no prazo da inscrição do prédio na matriz. Sem fundamentar. Mas a mais conveniente.

H- O tribunal “a quo” decidiu não conhecer a prova testemunhal produzida.

I - Certamente, se valorasse o depoimento de parte de F....., prestado na sessão de 18-02-2014, gravado em cassete áudio, da volta 0010 a 1415 do lado A, perceberia que algo de estranho e apressado aconteceu na decisão do Chefe da Divisão de Finanças, em 27/12/2010, e que as obras tiveram início ainda em 2007.

J -A matéria deveria ter sido carreada para os factos provados e não foi.

L - Urge a reapreciação da prova gravada, nomeadamente, do depoimento de F......

M- Para além da nulidade existe erro de julgamento, quando o Tribunal “a quo” não aprecia os factos de 7 a 10, elencando-os, mas não os apreciando na fundamentação da decisão.

O- O mesmo se diga dos factos 14 e 17, os quais elenca como provados mas não aprecia na fundamentação da decisão.

P- A decisão é errada e violadora dos princípios ínsitos no artigo 20° da CRP.

Nestes termos e nos melhores de direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão proferida e reapreciando-se a prova gravada, nomeadamente, o depoimento de F....., por ser de inteira JUSTIÇA.”


***

Não foram apresentadas contra-alegações.

***

O Digno Magistrado do Ministério Público (DMMP) junto TCA pronunciou-se pela improcedência do recurso.

***

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença recorrida fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

1. Em 22/5/1997, P....., através da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada no 2.° Cartório Notarial de Setúbal, na agência do Banco Internacional do Funchal, adquiriu o prédio urbano, destinado à sua habitação própria e permanente, sito na ....., concelho de Almada, descrito na segunda conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.° ....., inscrito na matriz sob o artigo ....., pelo valor de PTE 10.000.000$00, com recurso a um contrato de mútuo no valor de vinte milhões de escudos (cf. escritura pública constante a fls. 55 a fls. 70 dos autos).

2. Em 12/12/2006, o Impugnante celebrou a escritura de compra e venda, constante de fls. 71 a 76 dos autos, cujo conteúdo se dá por reproduzido, através da qual vendeu o prédio descrito no ponto que antecede pelo valor de EUR 300.000,00 (cf. escritura a fls. 71 a 16 dos autos).

3. Em 12/12/2006, o Impugnante liquidou um crédito bancário no valor de EUR 85.353,37, relativa ao mútuo bancário, obtido junto do BANIF - Banco Internacional do Funchal para a compra do prédio descrito em 1. (cf. declaração de amortização emitida pelo BANIF a fls. 77 dos autos).

4. Em 25/5/2007, o Impugnante apresentou a declaração de IRS relativa ao ano de 2006, na qual declarou nos quadros 4 e 5 do anexo G da declaração, que no mês 12 de 2006 tinha realizado uma alienação onerosa do imóvel no valor de EUR 300.000,00, identificou o ano e o valor de aquisição do referido imóvel e a intenção de proceder ao reinvestimento do valor da realização (cf. declaração de IRS a fls. 79 a fls. 86 dos autos).

5. Em 8/5/2007, no Cartório Notarial de Almada, o Impugnante e a mulher através da escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca, adquiriram um lote de terreno para construção designado por lote 6.50.49, com a área de mil seiscentos e vinte e três metros e oitenta e um centímetro, sito na ....., Concelho de Almada, inscrito na respetiva matriz sob o artigo 11.015, pelo valor de EUR 150.000,00, com recurso a um contrato de mútuo no valor de EUR 300.000.00 para construção do imóvel (cf. escritura pública a fls. 87 a fls. 101 dos autos).

6. Em 10/10/2007, o Impugnante obteve a licença de obras para construção de uma moradia a edificar no lote de terreno identificado no ponto que antecede, emitida pela Camara Municipal de Almada, pela qual pagou o valor de EUR 26.086,28. (cf. Despacho a fls. 102 a 104, recibo a fls. 108, todas dos autos).

7. Em 11/8/2009, foi emitido o alvará n.° 319/2009 de utilização da moradia identificada com o n.° 5 e 5.A (lote 6.50.49), ....., descrito na 2.a Conservatória do Registo Predial de Almada sob o n.° ....., inscrito na matriz urbana sob o artigo .....  (cf. Alvará a fls. 105 dos autos).

8. Em 2/6/2009, F....., mulher do Impugnante, procedeu à alteração do seu domicilio fiscal para a ..... (cf. Gestão de contribuintes a fls. 106 do Processo Administrativo Tributário de ora em diante designado abreviadamente de PAT).

9. Em 11/10/2009, o Impugnante procedeu à alteração do seu domicilio fiscal para a ..... (cf. Gestão de contribuintes a fls. 106 do PAT).

10. Em 11/8/2009, o Impugnante e a sua mulher passaram a habitar a nova moradia sita na ....., dela fazendo a sua habitação própria e permanente (cf. documentos de fls. ).

11. A declaração de IRS relativa ao ano de 2006, deu origem à liquidação n.° ....., com um resultado nulo (cf. nota de cobrança a fls. 114 dos autos).

12. Em 28/6/2010, a Administração Tributária procedeu ao acerto da “liquidação” da declaração de IRS apresentada em 2006 como n.° ....., para a tributação das mais valias declaradas, que originou uma nota de cobrança no valor de EUR 38.949,69, com data limite para pagamento em 18/8/2010 (cf. nota de cobrança a fls. 114 e 115 dos autos).

13. Em 9/8/2010, o Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Almada, a petição de reclamação graciosa constante a fls. 2 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e da qual consta o seguinte:
“(...)
P....., NF - .....e mulher F....., NF - ....., casados sob o regime de comunhão de adquiridos, residentes na ....., Telem. ....., vem nos termos dos Art. 68 e 70- do Código do Procedimento e do Processo Tributário (CPPT), e Art. 140 n.° 4 al. A) do Código do Imposto s/ o rendimento das pessoas singulares (CIRS), reclamar contra a liquidação- ....., de irs do ano de 2006, de que resultou imposto no valor de Euros: 38.949,69 em virtude de:
- Por lapso, na declaração Mod. 3 Anexo G, foi declarado no campo 504, quando deveria ter sido declarado Euros: 217.664,63, sendo corresponde à diferença do valor da divida do empréstimo e o valor da venda.
- Também o reinvestimento sem recurso ao crédito do Lote de terreno, ou seja não foi declarado no anexo G, quadro 5, campo 507, no ano de 2007, que corresponde ao valor reinvestido no primeiro ano seguinte, sendo esse valor de Euros: 150.000,00 ( aquisição em 2007.05.08).
- O Lote de Terreno teve como destino, construção de habitação própria, sendo que a construção à data presente ainda não se encontra concluída.
Solicitamos a melhor compreensão, pelo facto de ter havido lapso no preenchimento da declaração.
Aguardamos uma resposta de V. Exa.
(…)"

14. Em 4/11/2010, a Divisão da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Setúbal emitiu a informação constante de fls. 91 a fls. 97 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, com o assunto “RECLAMAÇÃO GRACIOSA IRS 2006”, a qual mereceu o despacho de concordância do Chefe de Divisão, da qual consta em síntese o seguinte:
“(…)
Reportando-nos aos factos, verificamos que o reclamante reuniu os requisitos previstos na alínea a) do n° 5 do art° 10°.
No entanto, perde o benefício fiscal, porque não cumpriu os requisitos previstos na al. b) do n° 6, porquanto a construção teve início em 10/10/2007, mas não inscreveram o imóvel nos 24 meses seguintes (nem até à presente data).
Em consequência do que vem dito, afigura-se-nos que nem o custo de aquisição do terreno, nem os custos de construção efectuados nos 24 meses seguintes ao da venda, devem ser aceites a título de reinvestimento.
VI - CONCLUSÃO
Termos em que, perante os factos se propõe o INDEFERIMENTO da presente reclamação graciosa
(…)"

15. Em 5/11/2010, o Impugnante apresentou no Serviço de Finanças de Almada a declaração modelo 1 IMI “Comprovativo da declaração para inscrição ou atualização de prédios urbanos na matriz!” para inscrição do novo prédio na matriz (cf. declaração a fls. 106 dos autos).

16. Em 17/11/2010, o Impugnante pronunciou-se em sede de audição prévia sobre a proposta de decisão de indeferimento da reclamação graciosa nos termos constantes de fls. 100 a fls. 104 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido.

17. Em 27/12/2010, o Chefe de Divisão da Divisão de Finanças proferiu o Despacho de indeferimento da reclamação apresentada pelo Impugnante, nos termos constantes de fls. 127 do PAT, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, do qual consta o seguinte:
“(…)
Na análise ao presente procedimento foi elaborado um primeiro projecto de decisão, sancionado pelo n/ despacho de 5/11/2010, fls. 91, no qual se propunha o indeferimento total do pedido, porquanto a reclamante não requereu a inscrição do imóvel na matriz no prazo de 24 meses contados da data do início das obras, de harmonia com o preceituado no art°. 10 n°. 6 alínea b) do Código do IRS.
Na sequência do exercício do direito de audição pelo reclamante, foi alterado o projecto de decisão, de molde a considerar o reinvestimento parcial, já que se entendeu, por lapso, 'que os requisitos ínsitos na predita norma da alínea b) do n°. 6 do art°. 10°. do CIRS não eram cumulativos.
Todavia não é essa a conclusão a extrair. Efectivamente, e in casu, deveria o reclamante, para que o reinvestimento fosse aceite, com o consequente deferimento em parte do pedido, ter requerido a inscrição do prédio na matriz, no prazo de 24 meses após o início das obras, o que incumpriu, sendo certo que este é um pressuposto que se tem de verificar, para que se opere a exclusão da tributação.
Neste sentido, pode ver-se o Ac. do TCAS, de 15-12-2010, publicado no âmbito do Proc. n°. 4319/10, acessível em www.dgsi.pt.
Termos em que, e sem necessidade de quaisquer outras considerações, INDEFIRO totalmente o pedido.
Não se concede novo direito de audição, porquanto a decisão ora produzida, vai no sentido do primeiro projecto de decisão, sobre o qual já o reclamante se havia pronunciado.
Notifique-se o reclamante.
Por delegação de competências do Exm°. Director de Finanças, conforme Aviso n°. 20237/2010, DR II série n°. 199, de 13 de Outubro.
(…)"

18. Em 28/12/2010, o Impugnante rececionou o aviso de receção que acompanhou o envio postal da decisão de indeferimento da reclamação graciosa apresentada, descrita no ponto que antecede (cf. oficio, registo e A.R. a fls. 129 a fls. 130 do PAT).

19. Pela cofragem e enchimento na construção da moradia sita na ....., o Impugnante pagou o valor de EUR 27.500,88 (cf. Fatura a fls. 109 dos autos).

20. O Impugnante pagou pelos trabalhos de pintura e exterior, muros e gradeamento da moradia sita ....., o valor de EUR 8.400,00 (cf. fatura a fls. 110 dos autos).

21. O Impugnante pagou pelo chão radiante da moradia ....., o valor de EUR 2.630,00 (cf. fatura a fls. 111 dos autos).


***

A decisão recorrida consignou como factualidade não provada, o seguinte:

“Nada mais foi provado com interesse para a decisão em causa, atenta a causa de pedir.”


***

A motivação da matéria de facto assentou “[n]o exame dos documentos e informações oficiais constantes dos autos e especificados nos vários pontos da matéria de facto provada, não foi considerada a prova testemunhal produzida, designadamente o depoimento da testemunha F..... (cônjuge do impugnante) e o depoimento de parte do Impugnante, uma vez que da análise da posição de ambas as partes, constata-se que não existe qualquer dissidência quanto à matéria de facto alegada. A questão controvertida nos presentes autos, prende-se exclusivamente com a interpretação do artigo 10.° do CIRS.

Assim, dos depoimentos produzidos não resultaram factos susceptíveis de contribuir para a solução legal da questão em litígio, pelo que não foram considerados.”


***

III) FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

In casu, o Recorrente não se conforma com a decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação oficiosa de IRS, respeitante ao ano de 2006, no montante de €38.949,69.

Em ordem ao consignado no artigo 639.º, do CPC e em consonância com o disposto no artigo 282.º, do CPPT, as conclusões das alegações do recurso definem o respetivo objeto e consequentemente delimitam a área de intervenção do Tribunal ad quem, ressalvando-se as questões de conhecimento oficioso.

Assim, ponderando o teor das conclusões de recurso cumpre aferir:
-Se a decisão recorrida padece de nulidade por omissão de pronúncia;
-Se o Recorrente impugnou a matéria de facto respeitando os requisitos contemplados no artigo 640.º do CPC;
-Se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento por errada interpretação dos pressupostos de facto e de direito, concretamente se errou ao interpretar os requisitos consignados no artigo 10.º, nº6, alínea b), do CIRS, como sendo requisitos cumulativos;
-Se existe erro de julgamento quanto à inexistência de falta de fundamentação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa;
-Se a decisão recorrida viola os princípios ínsitos no artigo 20.º da CRP.

Vejamos, então.

Comecemos pela arguida nulidade por omissão de pronúncia.

A propósito da omissão de pronúncia dispõe o artigo 125.º, nº1, do CPPT que constitui nulidade a falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar.

Preceituando, por seu turno, a primeira parte da alínea d), do nº 1, do artigo 615.º do CPC, que a decisão é nula, quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, a nulidade da decisão por omissão de pronúncia sucede apenas quando a mesma deixe de decidir alguma das questões suscitadas pelas partes, salvo se a decisão tiver ficado prejudicada pela solução dada a outra questão submetida à apreciação do Tribunal.

Dir-se-á, neste particular e em abono da verdade que, as questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. De notar para o efeito que, as questões não são passíveis de qualquer confusão conceptual com as razões jurídicas invocadas pelas partes em defesa do seu juízo de valoração, porquanto as mesmas correspondem a simples argumentos e não constituem questões na dimensão valorativa preceituada no citado normativo 615.º, nº 1, alínea d), do CPC.

Conforme doutrinado por ALBERTO DOS REIS “[s]ão, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão”[1].

Vejamos, então.

Defende o Recorrente que o Tribunal a quo, incorreu em nulidade por omissão de pronúncia visto que, por um lado, não conheceu a alegação de não cumulação de requisitos, e por outro lado, não conheceu, cabalmente, a alegada insuficiência de fundamentação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.

Apreciando.

Contrariamente ao invocado pelo Recorrente, as aludidas nulidades não se verificam, porquanto quanto à falta de apreciação da questão inerente à natureza dos pressupostos nele contemplados, mormente, natureza alternativa, ou cumulativa, o Tribunal a quo aquiesceu, desde logo, que os mesmos são cumulativos, logo ao ajuizar dessa forma, não tem, necessariamente, de pronunciar-se sobre a alegação de que não são alternativos. Naturalmente, a afirmação de um torna necessariamente prejudicada a apreciação do outro.

No concernente à omissão de pronúncia sobre a falta de fundamentação da decisão de reclamação graciosa, a mesma, igualmente, improcede, porquanto atentando na decisão verifica-se que o Tribunal a quo, abordou clara e expressamente essa realidade.

Senão vejamos.

Atentando na aludida decisão recorrida quanto a concreta questão, consta a seguinte análise e fundamentação:
“No que se refere à alegada falta de fundamentação da decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, importa ter presente que a liquidação do imposto ora impugnada resultou da declaração do próprio Impugnante e que a Administração Tributária procedeu à reliquidação da declaração apresentada pelo impugnante e relativa ao ano de 2006, por ter cessado a suspensão de tributação prevista no artigo 10.º do CIRS, face ao termo do prazo legal para cumprimento dos pressupostos legais que permitem essa suspensão, já que o Impugnante não declarou o reinvestimento nas declarações dos anos posteriores e não requereu a inscrição do imóvel na matriz no prazo de vinte e quatro meses sobre a data de inicio das obras, pelo que cessou a suspensão da tributação com o termo do período dentro do qual esse reinvestimento era admissível, nos termos do n.° 5 e 6 do Art.° 10.° do CIRS.”

Concluindo, depois, que:
“Da análise da informação e decisão de indeferimento que recaiu sobre a reclamação graciosa apresentada pelo Impugnante, não se verifica a alegada insuficiência da fundamentação, uma vez que são considerados expressamente todos os factos alegados pelo Impugnante, inumeradas as normas aplicáveis e exposto o enquadramento legal respetivo.”

Ora, como é bom de ver, atentando nas transcrições supra dimana inequívoco que a questão foi expressamente abordada pelo Tribunal a quo, sendo que se a questão foi correta, ou incorretamente, abordada não traduz nulidade por omissão de pronúncia, quando muito erro de julgamento, e que será analisado em sede própria.

Em face de todo o exposto e sem necessidade de outros considerandos dimana evidente que não padece de nulidade por omissão de pronúncia a decisão recorrida, visto que conheceu de todas as questões que devia conhecer, resolvendo-as, ainda que a descontento do Recorrente[2].

Prosseguindo, ora, com o erro de julgamento de facto.

O Recorrente alega que não foi, adequadamente, valorado o depoimento da testemunha F....., o qual permitia percecionar que algo estranho e apressado aconteceu na decisão do Chefe da Divisão de Finanças, em 27 de dezembro de 2010, e que as obras tiveram início ainda em 2007.

Mais aduz que incorreu em erro de julgamento, porquanto pese embora elenque como factualidade provada a indicada nos pontos 7 a 10, e 14 a 17, não procede à sua análise na fundamentação da decisão.

Para o efeito, importa começar por aferir se o Recorrente cumpriu os requisitos consignados no artigo 640.º do CPC.

Preceitua o aludido normativo que:

“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”

Com efeito, no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao Recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorretamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adotada pela decisão recorrida[3].

Sendo que quanto à prova testemunhal tem de existir uma indicação exata das passagens de gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, porquanto além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, servem sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova.

In casu, conforme se extrai do teor das alegações recursivas e suas conclusões, o Recorrente não cumpriu o ónus a que estava adstrito.

Comecemos pela prova testemunhal. No caso sub judice, o Recorrente não cumpriu as referidas formalidades legais, pois ainda que convoque o depoimento de F....., a verdade é que não indica, com a devida particularização no competente registo áudio, as passagens concretas desse mesmo depoimento, nem, tão-pouco, concretiza o teor, devidamente substanciado, do(s) facto(s) que entende pertinente o seu aditamento por via de complementação ou mesmo de supressão.

De todo o modo, e sem embargo do exposto, sempre se dirá que a questão atinente à licença de obras está devidamente atestada no probatório, mormente, no ponto 6), e foi feito enfoque na fundamentação de direito da decisão recorrida, o mesmo sucedendo com a decisão datada de 27 de dezembro de 2010, que está elencada no ponto 17), portanto qualquer dissídio, a existir, redundará em erro de julgamento de direito.

No respeitante ao erro de julgamento por não tomar em consideração os factos  7 a 10 e 14 a 17, o mesmo não se verifica, e isto, desde logo, porque atenta a fundamentação que norteou a improcedência não se vislumbra de que forma os mesmos relevariam para a descoberta da verdade material. De todo o modo, sempre se dirá que o Recorrente não substancia, como se impunha, de que forma a sua análise e a sua ponderação determinariam a procedência da lide.

Face a todo o exposto, rejeita-se a aludida impugnação, mantendo-se a factualidade nos moldes fixados pelo Tribunal a quo.


***

Aqui chegados, estabilizada a matéria de facto relevante, importa apreciar o erro de julgamento de direito.

Atentamos, ora, no erro de julgamento de direito.

Defende o Recorrente que o Tribunal a quo procedeu a uma errónea interpretação da alínea b), do n°6, do artigo 10.° do CIRS, porquanto deveria ter em conta a existência de duas orações coordenadas disjuntivas, devendo entender-se que o prazo para o início das obras e o prazo de inscrição do prédio não são cumulativos, mas sempre na condição de o prédio ser afeto à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao do início da realização.

O Tribunal a quo entendeu que a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do Impugnante ou do seu agregado familiar implica a verificação do pressuposto, de entre outros, do requerimento de inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras. Logo, não tendo o Recorrente procedido à inscrição do prédio na matriz no prazo de 24 meses após o início das obras de construção da moradia, tal obstava à exclusão da tributação pretendida, donde nenhuma ilegalidade podia ser apontada à liquidação.

Apreciando.

Para o efeito, cumpre convocar o quadro jurídico que releva para o caso vertente.

Preceituava, à data, o artigo 10.º, nº5 do CIRS que:

“5 - São excluídos da tributação os ganhos provenientes da transmissão onerosa de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo ou do seu agregado familiar, nas seguintes condições:

a)               Se, no prazo de vinte e quatro meses contados da data de realização, o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for reinvestido na aquisição da propriedade de outro imóvel, de terreno para a construção de imóvel, ou na construção, ampliação ou melhoramento de outro imóvel exclusivamente com o mesmo destino, e desde que esteja situado em Território português;

b)              Se o valor da realização, deduzido da amortização de eventual empréstimo contraído para a aquisição do imóvel, for utilizado no pagamento da aquisição a que se refere a alínea anterior, desde que efectuada nos doze meses anteriores;

c)               Para os efeitos do disposto na alínea a), o sujeito passivo deverá manifestar a intenção de proceder ao reinvestimento, ainda que parcial, mencionando, na declaração de rendimentos respeitante ao ano da alienação, o valor que tenciona reinvestir”.

Consagrava, por seu turno, o artigo 10.°, no seu nº 6, que:

“Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando”:

a)               Tratando-se de reinvestimento na aquisição de outro imóvel, o adquirente o não afete à sua habitação ou do seu agregado familiar, até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;

b)              Tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, o adquirente não inicie, exceto por motivo imputável a entidades públicas, a construção até decorridos seis meses após o Termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado ou não requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de inicio das obras, devendo, em qualquer caso, afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do Quinto ano Seguinte ao da realização;

c)               Tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento de imóvel, não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras, devendo, em qualquer caso, afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.

7 - No caso do reinvestimento parcial do valor de realização e verificadas as condições estabelecidas no número anterior, o benefício a que se refere o n.° 5 respeitará apenas à parte proporcional dos ganhos correspondentes ao valor reinvestido.”

Como visto, o Recorrente propugna que, contrariamente ao ajuizado pelo Tribunal a quo, o qual validou o entendimento e interpretação da AT, que os pressupostos consignados no artigo 10.º, nº6, alínea b), do CIRS, não são cumulativos, mas meramente disjuntivos.

Porém, assim o não entendemos, validando-se o juízo de entendimento do Tribunal a quo.

Expliquemos, então, porque assim o apreendemos.

Ab initio, importa relevar que, em ordem ao consignado no artigo 9.º, nº2, do CC e seguindo os ensinamentos de BAPTISTA MACHADO, ter-se-á de ter como assente que o texto da lei, constitui o ponto de partida do processo hermenêutico e também um seu limite, na medida em que não é possível considerar aqueles sentidos que não tenham nas palavras da lei qualquer apoio, “um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso.[4]

Mais importa ter presente que as normas de exclusão tributária e de isenção merecem tratamento autónomo porque são normas antissistemáticas por definição, estando em tensão permanente com o princípio da capacidade contributiva, que derrogam como padrão na repartição do imposto[5], devendo, por isso, respeitar o princípio de interpretação estrita ou declarativa.

Sendo certo que, “[a] letra da lei tem duas funções: a negativa (ou de exclusão) e positiva (ou de selecção). A primeira afasta qualquer interpretação que não tenha uma base de apoio na lei (teoria da alusão); a segunda privilegia, sucessivamente, de entre os vários significados possíveis, o técnico-jurídico, o especial e o fixado pelo uso geral da linguagem. Temos de pensar que o legislador soube exprimir correctamente o seu pensamento e se serviu do vocábulo jurídico adequado e que o legislador se dirige a todos os cidadãos, sendo necessário que o entendam (sobre esta matéria cfr. i.a.: Cabral de Moncada, Lições de Direito Civil, pág. 163; Castanheira Naves, Interpretação Jurídica, págs. 362/363; Baptista Machado, Introdução ao Direito, pág. 182; Oliveira Ascensão, O Direito, págs. 406/407; Santos Justo, Introdução ao Estudo de Direito, 4ª ed., págs. 334 e ss.)[6].”

Com efeito, tendo por base o supra aludido e como norteador que interpretar a lei é fixar o seu sentido e o alcance com que ela deve valer, ou seja, determinar o seu sentido e alcance decisivos[7], aquiesce-se que da sua letra a seguinte interpretação:

Não haverá lugar à exclusão de tributação, tratando-se de reinvestimento na aquisição de terreno para construção se:
o Não forem iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efetuado;
o Não for requerida a inscrição do imóvel até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras,
o Devendo, mesmo após o preenchimento dos pressupostos supra expendidos, ocorrer a afetação do imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização.

Com efeito, “no nº 6 estabelecem-se os pressupostos cuja verificação condiciona a exclusão da tributação dos ganhos provenientes da transmissão onerosa do imóvel destinado a habitação do sujeito passivo, estabelecendo-se os prazos de aquisição e ocupação da nova habitação, da aquisição do terreno para construção, início e conclusão do imóvel e sua ocupação até ao quinto ano seguinte ao da realização e, tratando-se de reinvestimento na construção, ampliação ou melhoramento do imóvel, o prazo em que devem ser iniciadas as obras, requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz e sua afectação à sua habitação ou do seu agregado familiar”[8].

É certo que o Recorrente advoga que a interpretação do normativo visado tem de levar em linha de conta a existência de duas orações coordenadas disjuntivas, devendo, por isso, entender-se que o prazo para o início das obras e o prazo de inscrição do prédio não são cumulativos, mas sempre na condição de o prédio ser afeto à habitação do sujeito passivo ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao do início da realização.

É certo, outrossim, que atentando na letra da lei verifica-se, efetivamente, que o artigo 10.º, nº 6, alínea b), do CIRS encontra-se ligado pela conjunção coordenativa “ou”, mas a verdade é que a aludida conjunção pode, do ponto de vista linguístico, ter um sentido alternativo ou cumulativo, e deve, portanto, ser lida no contexto em que é utilizada.

Em termos linguísticos, a função “e” e a função “ou” podem ser equivalentes, e isto porque a função ou, em termos lógicos, pode existir com dois significados: um inclusivo e outro exclusivo, sendo que o “ou” (inclusivo) já inclui o efeito que a conjunção “e” procura expressar, razão pela qual não carece de inclusão expressa[9].

Neste particular, vide, designadamente, os Acórdãos do TJUE, de 12 de julho de 2005, Comissão/França, C‑304/02, e de 14 de maio de 2019, C‑391/16, C‑77/17 e C‑78/17, nos quais é, expressamente, relevado que a:

 “[c]onjunção «ou», (…) pode, de um ponto de vista linguístico, ter um sentido alternativo ou cumulativo, e deve, portanto, ser lida no contexto em que é utilizada e à luz das finalidades do ato em causa.”

In casu, tendo presente a ratio subjacente à exclusão em análise- reconhecimento da proteção devida à aquisição ou melhoramento de imóveis destinados a habitação própria e permanente do sujeito passivo- e sendo, outrossim, evidente que a norma define pela negativa o benefício, ter-se-á de concluir que o “ou” assume a natureza de inclusivo, e não exclusivo, donde cumulativo, logo têm de ser cumpridos esses dois requisitos e o adicional concatenado com a afetação ao agregado familiar.

De relevar, neste particular, que a expressão “em qualquer caso”, não permite retirar essa caraterística e pendor cumulativo, porquanto ajuíza-se que quando o legislador evidencia “em qualquer caso”, pretende dizer que mesmo que os outros dois pressupostos se verifiquem, tem adicionalmente de verificar-se a afetação ao agregado familiar. Ou seja, é um plus aos requisitos evidenciados anteriormente.

Note-se, aliás, que atualmente a letra da lei foi alterada passando a consignar-se que não haverá lugar a tributação quando “[o] adquirente não requeira a inscrição na matriz do imóvel ou das alterações decorridos 48 meses desde a data da realização, devendo afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização”, tendo deixado decair, expressamente, a menção ao início das obras, o que também permite inferir o sentido interpretativo que propugnamos.

Este é também o entendimento doutrinado no Aresto do STA, proferido no processo nº 070/12, de 17 de dezembro de 2019, segundo o qual:

“A norma define, pela negativa, as circunstâncias em que o benefício da exclusão não se verificará.

É o que se infere claramente do texto do preceito quando prevê que “Não haverá lugar ao benefício referido no número anterior quando… não sejam iniciadas as obras até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado ou não seja requerida a inscrição do imóvel ou das alterações na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras (…)”.

Assim, contrariamente ao alegado pelos recorrentes não basta o cumprimento de um daqueles requisitos legais para se alcançar a exclusão da tributação.(…)

Trata-se, pois, como bem decidido na decisão recorrida, de requisitos que, cumulativamente se hão-de verificar.”

E bem assim da doutrina, convocando-se, neste particular, o entendimento de Xavier de Basto o qual evidencia que: “Se o reinvestimento tiver sido feito na aquisição de terreno para construção, a lei dá obviamente mais tempo para a efectiva afectação do imóvel, como bem se compreende. Entretanto, todavia, exige que o adquirente inicie a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado e requeira a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras, sob pena de perder o benefício da exclusão da incidência. Em qualquer caso, deve afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização. É o que resulta da alínea b).” (destaques e sublinhados nossos).

No mesmo sentido preconiza André Salgado Matos, relevando, para o efeito, que: “nos termos do n.° 6, este benefício não existe em algumas se se tratar de reinvestimento na aquisição de terreno para construção, se o adquirente não iniciar a construção até decorridos seis meses após o termo do prazo em que o reinvestimento deva ser efectuado, excepto por motivo imputável a entidades públicas, ou se não requerer a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data de início das obras (o sujeito passivo deve, em qualquer caso, afectar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar até ao fim do quinto ano seguinte ao da realização) [al . b)].” Em sentido idêntico aponta Paula Rosado Pereira, nos Estudos sobre IRS: Rendimentos de Capitais e Mais-Valias[10].

E por assim ser, entende-se que nenhuma censura pode ser apontada ao Tribunal a quo, quando preconizou que tendo os requisitos legais para exclusão de tributação natureza cumulativa, e sendo inequívoco -conforme dimana do probatório- que o Recorrente não cumpriu, dentro do prazo preconizado legalmente, a inscrição na matriz, ter-se-á de concluir que o ato de liquidação não padece da aludida ilegalidade assacada pelo Recorrente.

Subsiste, ora, por analisar o vício formal da falta de fundamentação.

O Recorrente aduz, in fine, que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, porquanto o despacho de indeferimento da reclamação graciosa padece de falta de fundamentação, concretizando, neste âmbito, que o senhor Chefe de Divisão de Divisão de Finanças, em 27 de dezembro de 2010, decidiu sem fundamentar porque motivo a decisão a extrair era a do indeferimento com base no prazo da inscrição do prédio na matriz, quando aliás existiam informações antagónicas.

Vejamos, então, se se verifica a aludida falta de fundamentação formal.

O dever de fundamentação dos atos tributários insere-se no princípio constitucionalmente consagrado, no art.º 268.º, n.º 3, da CRP, nos termos do qual “os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos” .

O dever de fundamentação, ao nível do procedimento administrativo em geral, encontrava acolhimento nos artigos 124º, n.º 1, al. a), e 125.º, ambos do CPA, atuais artigos 152.º, nº1, alínea a) e 153.º (redação conferida pela Lei nº 42/2014, de 11 de Julho).

Ao nível dos atos tributários, encontra-se especificamente previsto no art.º 77.º, da LGT, cujos n.ºs 1 e 2 determinam que:

“1 - A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.

2 - A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo”.

“[ a] fundamentação há-de ser expressa, através duma exposição sucinta dos fundamentos de facto e de direito da decisão; clara, permitindo que, através dos seus termos, se apreendam com precisão os factos e o direito com base nos quais se decide; suficiente, possibilitando ao administrado ou contribuinte, um conhecimento concreto da motivação do acto, ou seja, as razões de facto e de direito que determinaram o órgão ou agente a actuar como actuou; e congruente, de modo que a decisão constitua conclusão lógica e necessária dos motivos invocados como sua justificação, envolvendo entre eles um juízo de adequação, não podendo existir contradição entre os fundamentos e a decisão.

Podendo consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anterior parecer, informação ou proposta, que, neste caso, constituirão parte integrante do respectivo acto (fundamentação por adesão ou remissão).

Pelo que, em tal caso, o despacho integra nele próprio o parecer, informação ou proposta que, assim, em termos de legalidade, terão de satisfazer os mesmos requisitos da fundamentação autónoma.

Por outro lado, é equivalente à falta de fundamentação, a adopção de fundamentos que, por obscuridade, contradição ou insuficiência, não esclareça, concretamente, a motivação do acto.

A violação destes requisitos da decisão implica a respetiva ilegalidade, fundamento de subsequente anulação, em sede de impugnação judicial da correspondente liquidação – artigo 99.º, alínea c), do Código de Procedimento e Processo Tributário.

Assim, a fundamentação é um conceito relativo que varia em função do tipo legal de acto, visando responder às necessidades de esclarecimento do administrado, pelo que se deve, através dela, informá-lo do itinerário cognoscitivo e valorativo do acto, permitindo-lhe conhecer as razões, de facto e de direito, que determinaram a sua prática e por que motivo se decidiu num sentido e não noutro.

Pelo que um acto está fundamentado sempre que o administrado, como destinatário normal, ficar devidamente esclarecido acerca das razões que o determinaram estando, consequentemente, habilitado a impugná-lo convenientemente, não tendo, todavia, a fundamentação de ser exaustiva mas acessível, no sentido de explícita”

Traduz-se isto em dizer que o contribuinte, no caso o Recorrente, deve ficar na posse de todos os elementos de facto e de direito que conduziram à manutenção das correções meramente aritméticas à matéria tributável, ou seja, deve ser dado, ainda que de forma sucinta, nota do “itinerário cognoscitivo e valorativo” seguido para a tomada da decisão, pois só dessa forma pode analisar a decisão e ponderar se a pretende contestar.

Ora, da leitura da decisão de indeferimento, e contrariamente ao expendido pelo Recorrente resultam todas as fundamentações de facto e de direito em que se estribou a posição da AT, tendo sido ponderados, mediante refutação expressa e de acordo com a valoração que se entendia pertinente neste e para este efeito de todas as razões que permitem suportar a manutenção da correção e do ato reclamado. É certo que a mesma é antagónica à pretensão do Recorrente e bem assim de uma informação constante no procedimento, porém tal situação não determina, de todo, falta de fundamentação formal da decisão do procedimento.

Mais importa ter presente que a AT não está vinculada à análise e contestação expressa de todos os argumentos convocados pela mesma, mas, tão-só, a analisar as questões arguidas, as quais, como já evidenciado, não são passíveis de qualquer confusão conceptual com argumentos. E isso, no presente caso, sucedeu.

Sem embargo do exposto, sempre se dirá que: “A verificação de um vício de forma no procedimento de reclamação não pode projectar efeitos invalidantes sobre o acto tributário de liquidação que o antecede”[11].

Face ao supra exposto, improcede o aludido vício.

Uma nota final, para relevar que pese embora o Recorrente evidencie que a decisão recorrida determina a violação do artigo 20.º da CRP, a verdade é que o faz de forma absolutamente genérica e sem a exigível concretização, razão pela qual tal alegação está, necessariamente, votada ao insucesso.

Destarte, tudo visto e ponderado, improcedem, na íntegra, os vícios assacados pelo Recorrente, não padecendo o ato impugnado das arguidas ilegalidades, pelo que mantém-se a decisão de improcedência, ora, sindicada.


***

IV. DECISÃO

Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SEGUNDA SUBSECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em: NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO.

Custas pela Recorrente.

Registe. Notifique.


Lisboa, 29 de abril de 2021

[Relatora por vencimento, consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, tem voto de conformidade com o presente Acórdão a Exma. Desembargadora Susana Barreto, e que vota vencido o Exmo. Desembargador Mário Rebelo, conforme declaração infra]

Declaração de Voto Vencido
No projeto que apresentei à conferência concedia provimento ao recurso, defendendo, na questão material relativa à exclusão da tributação, o seguinte: 
“Cremos no entanto, com o devido respeito por diferente opinião, que a exigência cumulativa do início da construção e a inscrição do imóvel na matriz até decorridos 24 meses sobre a data do início das obras não é a interpretação mais adequada da norma, por duas razões.
Em primeiro lugar, porque tal interpretação substitui a proposição disjuntiva “ou” pela conjuntiva “e” na ligação entre as duas orações.
Com essa leitura o intérprete viola a expressa vontade do legislador.  Se quisesse que os dois requisitos fossem cumulativos teria simplesmente introduzido a conjuntiva “e” no lugar da disjuntiva “ou”. Optando por esta, não vemos como poderá o intérprete ler “e” onde o legislador escreveu “ou”.   
Poder-se-ia, no entanto, admitir que a interpretação do preceito nos levaria a concluir que o legislador quis efetivamente exigir a verificação cumulativa dos requisitos, mas expressou “imperfeitamente” a sua vontade introduzindo uma disjuntiva (“ou”) onde manifestamente só caberia a conjuntiva “e”.
Porém,  e esta é a segunda razão, parece claro que o legislador exprimiu corretamente o seu “pensamento” (cfr. art.º 9º/3 do Código Civil) uma vez que, em integral consonância com a disjuntiva “ou”,  na parte final da referida alínea b) do n.º 6 se determina que em qualquer caso o contribuinte deve afetar o imóvel à sua habitação ou do seu agregado familiar. 
Em qualquer caso, quer dizer, tanto no caso de se verificar o início das obras no prazo de seis meses, como no caso de se inscrever o imóvel na matriz no prazo de 24 meses.
Em qualquer caso, é o mesmo que dizer “quer se verifique um caso, quer se verifique outro”. Se os requisitos fossem cumulativos, esta frase não teria sentido.
Ou seja, também com este elemento literal se confirma que a interpretação perfilhada na sentença não pode manter-se (O relator também revê a posição assumida no Ac. do TCAN n.º 00484/04.8BEVIS de 12-01-2017 que subscreveu como primeiro adjunto)”.
Reconhecendo que a redação do art. 10º/6 CIRS era confusa pela sua formulação negativa, acrescentamos agora que numa frase estruturalmente idêntica, por ex. “Não haverá enriquecimento se não ganhar a lotaria ou o Euro milhões”, torna-se claro que não é necessário ganhar os dois prémios para haver enriquecimento (=benefício legal de exclusão da tributação) e que o “ou” cumpre exatamente a sua função alternativa, exatamente como no texto legal.
Mário Rebelo


Patrícia Manuel Pires


_____________________
[1] Código de Processo Civil anotado, Volume V, Coimbra Editora, 1981 (reimpressão), pág. 143.
[2] Vide Acórdão do STA, proferido no processo nº 01109/12, de 07 de novembro de 2012 e bem assim Aresto do mesmo Tribunal proferido no processo nº 829/12.7 BELRA.
[3] António Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 5ª edição, pp 165 e 166; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; Vide, designadamente, Acórdão do TCA Sul, proferido no processo nº 6505/13, de 2 de julho de 2013.
[4] Cfr. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, págs. 182, 188 e 189.
[5] Vide Sérgio Vasques, Manual de Direito Fiscal, p. 312.
[6] In citação no Acórdão do STA, proferido no processo nº 0701/10, de 29.11.2011.
[7] Neste sentido, vide, Manuel Andrade, Ensaio Sobre a Interpretação das Leis, págs. 21 a 26; Pires de Lima e A. Varela , Noções Fundamentais de Direito Civil, pág. 130
[8] F. Pinto Fernandes e J. Cardoso dos Santos, CIRS, anotado e comentado, 3ª edição, Rei dos Livros, p.205.
[9] Vide, neste âmbito, a propósito das conjunções disjuntivas inclusivas ou exclusivas, Maria Helena Mira Mateus, Gramática da Língua Portuguesa, 5ª edição, revista e aumentada, Caminho.
[10] Cadernos IDEFF, nº2, p. 100.
[11] Vide, neste sentido, designadamente Acórdãos do STA, proferidos nos processos nºs 0174/15 e 376/12, de 27.01.2016 e 10.10.2012, respetivamente.