Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:12852/15.5BCLSB
Secção:CA
Data do Acordão:06/14/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:INTERVENÇÃO DO MP; IRRECORRIBILIDADE DA DECISÃO ARBITRAL; LEI DE ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA; RECURSO: CAAD
Sumário:I – Atendendo às competências do MP e à formulação legal constante do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, o DMMP detém um direito processual de intervir na causa quando entenda que estão em discussão interesses públicos especialmente relevantes. A apreciação do conceito ínsito ao indicado artigo pertence ao próprio DMMP, que nesta tarefa goza de uma larga margem de apreciação. Entretanto, só nas situações de erro grosseiro, manifesto ou de facto, poderá aquela mesma apreciação ser sindicada pelo tribunal;
II - Face ao regime decorrente do art.º 39.º, n.º 4, da Lei 63/2011, de 14-12, o recurso para o tribunal estadual competente, no caso, para o Tribunal Central Administrativo, só é possível se as partes tiverem consignado de forma expressa, designadamente na convenção de arbitragem celebrada ou nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos seus intervenientes, a sua vontade quanto a essa possibilidade, ou à admissibilidade desse recurso jurisdicional.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A… de N… P… P… F… e outros, interpuseram recurso da decisão arbitral proferida em 08-09-2005, que julgou improcedentes os pedidos formulados nesse processo, para que fosse declarado que os então Demandantes tinham direito à progressão na carreira ao abrigo do disposto no art.º 103.º, n.º 2, da LOPJ e, em consequência, que fosse o então Demandado condenado no posicionamento dos Demandantes no escalão 2, mediante a contagem dos seus tempos de serviço para efeitos de progressão e valorização retributiva, com a prática dos actos necessários à correcta contagem do tempo de serviço decorrido entre 04-10-2006 e 31-12-2010 e à correspondente actualização do escalão, o reconhecimento do direito à posição remuneratória decorrente de tal mudança de escalão, com, o pagamento das diferenças que forem calculadas e juros de mora.

Em alegações são formuladas pelos Recorrentes, as seguintes conclusões: ”1. A sentença recorrida julgou improcedentes os pedidos formulados com fundamento na não aplicação, desde 1 de Janeiro de 2009 (data da entrada em vigor do art. 18.0 da LOE 2009), do disposto no art. 103.º n.º2 da LOPJ (Lei Orgânica da Polícia Judiciária, aprovada pelo DL n.0 275-A/2000, de 09 de Novembro).
2. Nos termos da sentença recorrida, o art. 18.º da LOE teria revogado o regime decorrente do artigo 20.0 da Lei 49/2008,de 28 de Agosto que determinava a aplicação do art. 103.º n.º 2 da LOPJ.
3. A Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro, veio estabelecer regras gerais relativas à alteração do posicionamento remuneratório. As carreiras, em geral, passaram a ver a mudança de escalão ficar dependente da avaliação de desempenho alcançada pelo trabalhador nelas integrado, passando a processar-se nos termos previstos nos arts. 46.º a 48.º e 113.0 da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro.
4. Em 6 de Agosto de 2008 foi publicada a Lei n.º37/2008 que aprovou a orgânica da Polícia Judiciária, determinando o art. 54.º n.º 1 que "Os regulamentos em vigor para a PJ continuam a aplicar-se/ com as necessárias adaptações até à publicação da regulamentação decorrente das normas previstas na presente lei' salvaguardando assim a aplicação, entre outros, do Regulamento de Classificações e Louvores da Polícia Judiciária, aprovado pelo Despacho Conjunto dos Ministros da Justiça e da Reforma Administrativa, de 20-12-1982 , DR 22, IISérie, de 27-11-1983.
5. Em 27 de Agosto de 2008 foi publicada a Lei n.0 49/2008, de 27 de Agosto (Lei de Organização da Investigação Criminal), dispondo o art. 20.º da citada Lei que: ' avaliação de desempenho dos elementos das forças e dos serviços de segurança e do pessoal oficial de justiça é regulada em legislação especial, ficando excepcionados da aplicação do disposto no artigo 113. º da Lei n. 0 12- A/200 de 27 de Fevereiro e sujeitos aos respectivos regimes estatutários'
6. Assim, se dúvidas houvesse sobre a aplicação dos arts. 46.º a 48º e 113.º da Lei 12-A/2008, de 27 de Fevereiro aos ora Recorrentes, da citada norma resulta que a avaliação de desempenho dos elementos das forças e dos serviços de segurança e do pessoal oficial de justiça é regulada em legislação especial, aplicando-se como tal o art. 103.º n.º 2 da LOPJ.
7. Nos termos gerais de direito, a norma especial prevalece sobre a lei geral, pelo que a questão que se coloca é a de saber se com o art. 18.º da LOE de 2008, o legislador pretendeu, inequivocamente, revogar o art. 20.º da LOIC.
8. No caso subjudice, nada indicia que o legislador não mantivesse a intenção de excepcionar, relativamente à regra geral, as situações dos elementos das forças e serviços de segurança, considerada a especificidade das atribuições e competências dessas forças e serviços, bem assim como as peculiares funções exercidas pelos elementos que integram tais forças e serviços (art. 25.0 da Lei n.º 53/2008, de 29 de Agosto).
9. A sentença recorrida, ao julgar improcedentes os pedidos formulados pelos Recorrentes com fundamento na revogação do art. 20.0 da LOIC pela norma constante do art. 18.º da LOE de 2009, procedeu a uma errada interpretação da lei, violando as referidas normas legais, bem como o art. 7.º n.º3 do Código Civil.
10. Se a sentença recorrida tivesse procedido a uma correcta interpretação do art. 20.º da LOIC e do art. 18.º da LOE de 2009, à luz do que dispõe o art. 7.º n.º 3 do Código Civil, teria de concluir, forçosamente, que não havia cessado a vigência do art. 20.º da LOIC, por revogação tácita.
11. A sentença recorrida, ao não aplicar o disposto no art. 20.º da LOIC e, por sua via o art. 103.º n.º 2 da LOPJ, quando deveria ter aplicado tais normas, incorreu assim em erro na determinação da norma aplicável.
12. De uma correcta interpretação da norma do art. 24.º da LOE, à luz do art. 12.o do Codigo Civil, resulta que a mesma só entrou em vigor em 01.01.2011e que não lhe foi atribuída eficácia retroativa.
13. Daí que aquela proibição de valorizações remuneratórias não seja aplicável nos casos em que os requisitos legais exigidos para a constituição do direito à alteração do posicionamento remuneratório se mostrem preenchidos em data anterior à da entrada em vigor daquela lei, ou seja, em data anterior a 01.01.2011, como é o caso dos Recorrentes que em 31.12.2010 haviam já preenchido os pressupostos de que o art. 103.º n.0 2 da LOPJ fazia depender a progressão na carreira.
14. A sentença recorrida procede a uma errada interpretação do disposto no art. 24.0 da LOE 2011, violando a referida norma legal, bem como o art. 103.º n.0 2 da LOPJ cuja aplicação em 31.12.2010 aos Recorrentes não viola a proibição da valorização remuneratória introduzida pelo LOE 2011em 01.01.2011.”

O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A) O artigo 103.º sob a epigrafe " Promoção e progressão" do Decreto-Lei n.º 275-A/2000, de 9 de novembro (LOPJ) dispunha que "A mudança de escalão, em cada categoria, opera-se logo que verificado o requisito de três anos de bom e efetivo serviço no escalão em que o funcionário se encontra posicionado, vencendo-se o direito à remuneração no 1.º dia do mês imediato";
B) Por sua vez, o Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro, revogado pela Lei n.º 12- A/2008, de 27 de fevereiro (diploma que estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas), estabeleceu regras sobre o estatuto remuneratório dos funcionários e agentes da Administração Pública e a estrutura das remunerações base das carreiras e categorias nele contempladas, passando a remuneração base dos funcionários ou agentes a ser determinada em função do índice correspondente à categoria e escalão em que estejam posicionados;
C) Assim, em cada categoria existe um conjunto de posições remuneratórias (escalões) -, às quais os funcionários ou agentes vão acedendo à medida que perfazem determinados módulos de tempo, sendo que a progressão na categoria é justamente, a mudança de um escalão para outro;
D) A mudança de escalão ocorre ao fim de três anos (carreiras verticais), ou quatro anos (carreiras horizontais), de permanência no escalão imediatamente inferior, nos termos do artigo 19.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 353-A/89, de 16 de outubro;
E) O preceituado no artigo 20.º do diploma legal supra mencionado sob a epigraf e Formalidades definia as formalidades na mudança de escalão (progressão) na categoria, normativo legal que foi reaplicado no artigo 103.º da LOPJ, a que se refere os presentes autos;
F) A mudança de escalão ocorrerá sempre no mês imediatamente anterior àquele em que se vence o direito à nova remuneração, pelo que será sempre a parti r daquele mês que se deve começar a computar os módulos de tempo necessários à progressão para novo escalão;
G) No caso em concreto, a progressão, operada através da mudança de escalão em cada uma das categorias, processa-se de forma automática e oficiosamente quando verificado o requisito estipulado no n.º 2 do artigo 103.º da LOPJ, ou seja, três anos de bom e efetivo serviço no escalão em que o funcionário está posicionado;
H) O artigo 24.º da Lei n.º 55-A/201O, de 31 de dezembro (LOE2011) veio revogar as normas que permitem efeitos retroativos e congelamento das promoções/ progressões na função pública;
/) A referida proibição abrange não só as situações constituídas após 1 de janeiro de 2011, mas igualmente as situações ou direitos constituídos ainda em 201 O, cujos efeitos, nomeadamente os decorrentes de acréscimos remuneratórios se produziram a partir de 1 de janeiro de 2011, caso dos presentes autos;
J) O que está em causa é um imperativo de redução da despesa pú blica face à situação de incapacidade financeira do Estado para fazer face às despesas correntes do conhecimento geral incidindo, necessariamente, sobre trabalhadores cujas promoções/ progressões sejam suportadas pelo erário público;
K) A medida consagrada no artigo 24.º da LOE2011 visa proteger os próprios interesses dos funcionários por ela abrangidos, reflectindo a intenção do legislador de proibir a produção dos efeitos remuneratórios resultantes da mudança de posição remuneratória ou de categoria, com inicio em 1 de janeiro de 2011;
L) O artigo 24.º da LOE de 2011 que tem valor reforçado prevalecendo sobre o artigo 103.º da LOPJ, no caso vertente;
M) Trata-se assim de um problema de hierarquia normativa: as normas que estabelecem o direito de progredi r na carreira e o consequente direito à remuneração correspondente ao escalão;
N) Deste modo, a sentença recorrida não padece de erro de julgamento sobre a matéria de direito, interpretando corretamente a Lei n.º 55-A/201O, de 31 de dezembro (OE de 2011), designadamente o artigo 24.º, no sentido de considerar que, por força da citada Lei, a progressão da carreira dos Recorrentes estava impedida, e, em consequência, o posicionamento dos Recorridos no escalão 2, mediante a contagem dos seus tempos de serviço para efeitos de progressão e valorização retributiva”.

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da inadmissibilidade do recurso.
Os Recorrentes apresentam pronúncia ao parecer do DMMP, considerando-o inadmissível, por ter versado sobre uma questão processual e não sobre o mérito do recurso e não estar delimitado aos direitos e interesses referidos no art.º 9.º do CPTA.
Por despacho de 19-04-2018, foi suscitada a questão prévia da admissibilidade do recurso e foram as partes convidadas a pronunciarem-se sobre a mesma.
Os Recorrentes apresentaram a pronúncia de 02-05-2018.

II – FUNDAMENTAÇÃO

Da questão prévia da inadmissibilidade do parecer do MP

No que concerne ao direito de intervenção nos autos da DMMP, decorre o mesmo do preceituado no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, que prevê essa possibilidade não apenas para efeito da defesa de algum dos valores ou bens referidos no art.º 9.º, n.º 2, do CPTA, mas, ainda, para defesa “dos direitos fundamentais dos cidadãos” e de “interesses públicos especialmente relevantes”.
A indicação da possibilidade de intervenção do MP para a defesa de “interesses públicos especialmente relevantes”, remete-nos para um conceito indeterminado e para uma cláusula aberta, que exigirá uma interpretação ampla. Ou seja, atendendo às competências do MP e àquela formulação legal, constante do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, o DMMP detém um direito processual de intervir na causa quando entenda que estão em discussão interesses públicos especialmente relevantes. A apreciação do conceito ínsito ao indicado artigo pertence ao próprio DMMP, que nesta tarefa goza de uma larga margem de apreciação. Entretanto, só nas situações de erro grosseiro, manifesto ou de facto, poderá aquela mesma apreciação ser sindicada pelo tribunal.
Igualmente, quendo se remete para o “mérito do recurso”, remete-se para todas as questões relativa ao seu merecimento, sejam elas de forma ou de substância, porquanto a lei não restringe aqueles poderes de intervenção à apreciação das questões relativas ao mérito da pretensão formulada pelo interessado. O que a lei refere é “o mérito do recurso”, não o “mérito da causa” ou o “mérito da pretensão do A.”. Ou seja, contrariamente ao aduzido pelos Recorrentes, a expressão legal não visa cercear a intervenção do MP, em sede de recurso, a questões relativas à substância do direito ou do interesse que se discute na acção e às específicas matérias que vêm indicadas no art.º 9.º do CPTA.
Ora, no caso em apreço, discute-se uma questão que envolve Inspectores-Chefes da Policia Judiciária, da carreira de investigação criminal, respectivas progressões na carreira e remunerações, a resolução da mesma por tribunais arbitrais e da admissibilidade, ou não, do recurso da decisão arbitral para os tribunais judiciais.
Assim, estando em causa interesses que se relacionam com a justiça, a investigação criminal, as carreiras dos Inspectores da PJ, a defesa da legalidade retributiva e, ainda, a própria justificação dos tribunais arbitrais e (in)sindicância das respectivas decisões, a intervenção do DMMP não poderá rotular-se de manifestamente errada.
Pelo exposto, claudica a alegação dos Recorrentes relativas à ilegalidade da intervenção da DMMP.

Da questão prévia da inadmissibilidade do recurso

Foi suscitada pelo DMMP e depois oficiosamente a questão prévia da inadmissibilidade do presente recurso, por as partes não terem acordado expressamente na sua admissibilidade, nos termos do art.º 39.º, n.º 4, da Lei n.º 63/2011, de 14-12 (Lei de Arbitragem Voluntária – LAV) e esta lei derrogar o regime anteriormente instituído no art.º 29.º do Regulamento do CAAD. Essa mesma questão é de conhecimento oficioso.
Este TCAS, no P. 12992/16, de 22-09-2016, já se pronunciou sobre questão similar, decidindo pela irrecorribilidade da decisão arbitral quando as partes não tenham consignado de forma expressa e explícita a sua vontade quanto a essa possibilidade, ou à admissibilidade desse recurso jurisdicional.
Essa é também a jurisprudência que foi adoptada pelo STA nos processos n.º 0181/17, de 20-06-2017 e Ac. do STA n.º 112/17, de 20-06-2017.
Assim sendo, também aqui nos pronunciaremos pela irrecorribilidade da decisão em questão nestes autos, remetendo para a argumentação aduzida no invocado Ac. do TCAS n.º 12992/16, de 22-09-2016, que subscrevemos.
No citado acórdão do TCAS é referido o seguinte: “Estipula o artigo 29º do citado Regulamento do CAAD que:” 1- As decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral podem ser anuladas pelo Tribunal Central Administrativo com qualquer dos fundamentos que, na lei sobre a arbitragem voluntária, permitem a anulação da decisão dos árbitros.
2 – Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabem os mesmos recursos para o Tribunal Central Administrativo que caberiam das sentenças proferidas pelos Tribunais Administrativos de 1ª instância” (disposição alterada em 29 de Abril de 2013).
Por sua vez, o artigo 29º da Lei nº 31/86, de 29 de Agosto, que aprovou a Lei de Arbitragem (entretanto alterada pelo Decreto – Lei nº 38/2003, de 8 de Março), e que veio a ser revogada pela actual Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro, referia o seguinte: “ 1 - Se as partes não tiverem renunciado aos recursos, da decisão arbitral cabe recurso para o Tribunal da Relação os mesmos recursos que caberiam da sentença proferida pelo Tribunal de comarca.
2 – A autorização dada aos árbitros para julgarem segundo a equidade envolve a renúncia aos recursos”.
Constata-se assim, pela comparação entre o nº 2 do artigo 29º do citado Regulamento e o nº 1 do artigo 29º da Lei nº 31/86, que ambos consentiam o recurso jurisdicional se as partes não tivessem renunciado antecipadamente a este.
Contudo, o nº 4 do artigo 39º da Lei nº 63/2011, de 14 de Dezembro (Lei da Arbitragem Voluntária) veio , em nosso entender, derrogar trais normativos, estabelecendo regra oposta, ou seja, a de que para haver recurso jurisdicional da sentença, têm as partes que nisso acordar expressamente na convenção de arbitragem.
Com efeito, o nº 4 do artigo 39º da Lei nº 63/2011, que entrou em vigor em 14 de Março de 2012, estipula textualmente o seguinte: “ 4 - A sentença que se pronuncie sobre o fundo da causa ou que, sem conhecer deste, ponha termo ao processo arbitral, só é susceptível de recurso para o tribunal estadual competente no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem e desde que a causa não haja sido decidida segundo a equidade ou mediante composição amigável”.
Assim, se a aceitação do Regulamento de Arbitragem, por via do recurso ao Tribunal Arbitral, implicasse a sua integração na convenção de arbitragem e forçosamente a aplicação automática do nº 2 do artigo 26º do citado Regulamento, ficaria sem aplicação útil o nº 4 do artigo 39º da Lei nº 63/2011, que é manifestamente contrário ao citado nº 2 do artigo 26º.
Por outro lado, o recurso ao Centro de Arbitragem Administrativa, ainda que obrigatório pelo Ministério da Justiça, refere-se ao recurso à arbitragem e não ao recurso jurisdicional da sentença arbitral.
Por conseguinte, nos termos da actual Lei da Arbitragem Voluntária (LAV) tal recurso jurisdicional só é actualmente possível se constar da convenção de arbitragem que as partes pretendem fazer uso do mesmo. E nada consta da Portaria nº 1120/2009, de 30 de Setembro, ou de qualquer outro dispositivo legal, que impeça a celebração de convenção de arbitragem com vista ao acordo sobre a impugnação de sentença arbitral, mesmo no âmbito da CAAD.
É, pois, esta a interpretação que se nos afigura mais consentânea com a letra e o espirito da LAV na medida em que nesta Lei se quis restringir ao máximo o acesso aos tribunais, bastando-se a arbitragem a si própria, sob pena de ficarem defraudados os objectivos para que aquela lei foi criada ou seja, “ eficácia, economia e celeridade e do próprio contributo para o descongestionamento dos tribunais” como claramente se evidencia do preâmbulo da citada lei. A não ser assim ficaria uma parte substancial das matérias abrangidas pela arbitragem, como são as da CAAD, fora do alcance dos objectivos da Lei da Arbitragem Voluntária, o que não parece ter sido o desejo do legislador.”
Este foi também o sentido seguido pelo STA no processo n.º 0181/17, de 20-06-2017, no qual se defendeu o seguinte: “Dúvidas não parecem existir que com a «LAV/2011» e por força da própria revogação operada, mormente, do art. 186.º do CPTA, inverteu-se o regime supletivo decorrente da «LAV/1986» [cfr. o citado art. 29.º] e acolheu-se ou consagrou-se uma regra de irrecorribilidade da decisão arbitral [de mérito ou de forma] [cfr. articulação conjugada, dos seus arts. 39.º, n.º 4, 46.º, n.º 1, e 59.º, n.ºs. 1, al. e), 2 e 8], já que aquela decisão é suscetível de recurso jurisdicional para o tribunal estadual competente [o TCA em cuja circunscrição se situe o local da arbitragem] apenas no caso de as partes terem expressamente previsto tal possibilidade na convenção de arbitragem, mostrando-se proibido tal recurso, em qualquer caso, quando a causa haja sido decidida pelo tribunal arbitral segundo a equidade ou mediante composição amigável.
(…) Exige-se ou impõe-se inequivocamente hoje uma afirmação ou tomada de posição expressa por ambas as partes [demandantes e demandados, incluindo contrainteressados] quando à admissão da impugnabilidade da decisão arbitral através de recurso jurisdicional, não podendo valer como tal, assim, inferências ou extrapolações feitas ou extraídas do silêncio, ou de meros comportamentos ou atitudes havidos e que não hajam sido materializados e verbalizados sob forma expressa, mormente, inferidos implicitamente da prática de atos em processo arbitral e adesão a determinado regulamento.
(…) Ora, no caso vertente estamos perante arbitragem permanente institucionalizada do «CAAD» a que o aqui recorrente «MJ» se vinculou tal como resulta do proémio e do disposto no art. 01.º da citada Portaria n.º 1120/2009.
XVII. Da análise conjugada e devidamente articulada/adaptada do que se mostra disposto nos arts. 01.º, n.º 5, 02.º, n.ºs 1 e 5, 06.º e 62.º, todos da «LAV» e, ainda, do previsto nos arts. 184.º e 187.º do CPTA, na Portaria n.º 1120/2009 e no art. 08.º, n.º 5, do referido Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD» aqui aplicável, extrai-se que as partes, por força da propositura da ação/processo arbitral no «CAAD» e da dedução da contestação nos termos do respetivo regulamento, aderem ao regime respetivo nele definido, passando o mesmo regulamento e o nele definido a ter ou a valer como convenção de arbitragem entre as partes, cumprindo-se, assim, a forma escrita legalmente exigida para esse efeito.
XVIII. Na situação sob apreciação constata-se que a ação foi intentada ao abrigo deste quadro normativo e a mesma mostra-se sujeita, nomeadamente, ao aludido Regulamento de Arbitragem, conforme decorre também do n.º 5 do art. 08.º do mesmo regulamento.
XIX. Assente este pressuposto e, bem assim, o de que no contexto da propositura da ação/processo arbitral no «CAAD» o citado Regulamento deste e o nele definido tem ou vale como convenção de arbitragem entre as partes importa, então, determinar da observância ou cumprimento in casu daquilo que é o regime legal vigente, aqui plenamente aplicável, em matéria de exigência da expressa manifestação de vontade das partes quanto à admissão de recurso jurisdicional da decisão arbitral a proferir naquela ação/processo.
XX. É certo que no n.º 2 do art. 26.º daquele Regulamento se prevê que inexistindo renúncia por parte das partes quanto à possibilidade de dedução de recurso jurisdicional da decisão arbitral esta é, então, suscetível dos mesmos recursos jurisdicionais que no caso caberiam das decisões proferidas pelos tribunais estaduais de 1.ª instância, sendo também um dado adquirido o facto de que nas decisões proferidas no âmbito do «CAAD» o tribunal decide não segundo a “equidade ou mediante composição amigável”, mas segundo o “direito constituído” [cfr. art. 24.º, do mesmo regulamento].
XXI. E também se mostra claro e adquirido nos autos o facto de que, em momento algum do processo arbitral, desde logo nos articulados como sede própria e devida para esse efeito, as partes vieram, de modo expresso, tomar posição quanto à admissão ou à suscetibilidade da decisão arbitral ser passível de recurso jurisdicional nos mesmos moldes em que são admitidos para as decisões dos tribunais estaduais de 1.ª instância.
XXII. De facto, inexiste a demonstração in casu de qualquer pronúncia expressa das partes quanto ao reconhecimento da admissibilidade ou da suscetibilidade da decisão arbitral ser passível de recurso jurisdicional tal como se mostra previsto e exigido, em termos inequívocos, pela atual «LAV» [cfr., nomeadamente, seus arts. 39.º, n.º 4, 46.º, n.º 1, 59.º, n.ºs 1, al. e), 2 e 8], na certeza de que essa exigência legal não se basta ou pode ter-se como cumprida ou satisfeita, a ponto de ter-se como preenchida ou verificada, através duma inferência ou extrapolação feita ou extraída do silêncio, ou do mero comportamento ou atitude de dedução ou prática de atos em processo arbitral e duma decorrente adesão ou aceitação implícita do determinado e previsto no regulamento.
XXIII. O legislador, quanto à exigência em causa, não se bastou com uma mera atitude silente ou implícita a extrair ou inferir de determinados atos ou comportamentos havidos ou desenvolvidos, mormente, em decorrência de eventuais previsões normativas existentes em determinados regulamentos, mas que não hajam sido materializados e verbalizados, sob forma expressa, numa afirmação clara e inequívoca que explicite de forma direta a existência no caso de recurso jurisdicional da decisão que seja tomada pelo tribunal arbitral.
XXIV. Não pode assim ter-se como preenchido na situação vertente o requisito legal definido ou exigido como condição da recorribilidade da decisão arbitral pela simples inferência ou juízo implícito decorrente do simples facto de as partes haverem submetido o litígio ao tribunal arbitral funcionando no âmbito do «CAAD» e do respetivo processo ser tramitado e julgado segundo o previsto no regulamento em referência daquela associação e, bem assim, do facto de nos termos do previsto nesse regulamento no silêncio das partes ou de uma ausência de renúncia destas haver lugar sempre a recurso jurisdicional.
XXV. Independentemente do que, em função do teor de determinada norma regulamentar, se possa inferir, tácita ou implicitamente, da ausência de comportamento, de atuação ou de manifestação de vontade das partes, impunha-se e impõe-se, hoje, na «LAV» a existência de expressa manifestação da vontade das mesmas quanto à possibilidade ou à admissibilidade de existência de recurso jurisdicional duma decisão arbitral a realizar-se ou materializar-se na convenção de arbitragem celebrada ou, então, nos articulados produzidos no processo arbitral por cada um dos seus intervenientes, constituindo a existência duma tal manifestação expressa das partes condição de verificação necessária para o assegurar da recorribilidade de tal decisão.
XXVI. Sendo essa hoje uma exigência e um requisito legalmente imposto pela «LAV», esta, enquanto ato legislativo e pela posição hierárquica, força e função que daí decorrem, reclama a conformação com a mesma daquilo que é o quadro legal produzido à sua sombra e em sua execução [cfr., nomeadamente, os arts. 112.º, n.ºs 1, 5, e 7, da CRP, 135.º, 136.º e 143.º do CPA/2015], dado a emissão de regulamentos e o poder ao abrigo do qual os mesmos são produzidos não podem deixar nunca de postular a vinculação e obediência à lei.
XXVII. Daí que, sob pena de verificação de eventual ilegalidade do regulamento, impõe-se, numa interpretação conforme do quadro normativo em confronto [mormente, dos arts. 08.º, n.º 5, e 26.º, n.º 2, do Regulamento de Arbitragem Administrativa do «CAAD» com o art. 39.º, n.º 4, da «LAV»], concluir, em consonância com exposto, no sentido de que se exige a existência na ação/processo arbitral junto do «CAAD» duma expressa e concordante manifestação de vontade das partes plasmada, desde logo, nos articulados, quanto à admissão da suscetibilidade de haver recurso jurisdicional da decisão arbitral que venha a ser proferida naquela ação/processo, declaração expressa essa cuja ausência, gerando a irrecorribilidade daquela decisão, não pode ser suprida por quaisquer inferências ou juízos implícitos ou tácitos a extrair ou assentar em atos ou comportamentos ainda que decorrentes ou estribados em previsões regulamentares genéricas e abstratas.
XXVIII. Assim, não obstante a verificação do requisito cumulativo previsto na segunda parte do art. 39.º, n.º 4, da «LAV» [litígio arbitral não haver sido decidido segundo a equidade ou mediante composição amigável] temos que, na ausência de demonstração no âmbito do processo/ação arbitral sob análise da existência duma declaração ou manifestação de vontade expressa das partes quanto à admissão da possibilidade de interposição de recurso jurisdicional da decisão arbitral que nele veio a ser proferida, tal como é exigido e imposto pela primeira parte do referido preceito, soçobra o presente recurso jurisdicional, impondo-se, em consequência, a manutenção do julgado no acórdão recorrido com todas as legais consequências.” – cf. em igual sentido e com idênticos fundamentos, o Ac. do STA n.º 112/17, de 20-06-2017.
O presente processo arbitral foi interposto após a entrada em vigor da Lei n.º 63/2011, de 14-12 e correu sob a égide de tal lei.
No indicado processo as partes não fizeram prova de que previram - na convenção de arbitragem, em termos expressos - a possibilidade de recurso, conforme impõe o n.º 4 do artigo 39º da Lei n.º 63/2011, de 14-12 (cf. também o art.º 61º dessa Lei).
Portanto, o presente recurso terá de ser rejeitado, por inadmissível e não há que conhecer do seu objecto.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em não admitir o presente recurso, por inadmissível, por a decisão impugnada ser irrecorrível;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 14 de Junho de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)