Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2500/10.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:11/05/2020
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
DEDUÇÃO.
DESPESAS RELACIONADAS COM A EXPLORAÇÃO.
Sumário:As despesas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento utilizados indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes são dedutíveis na medida em que se relacionem com o exercício da actividade do contribuinte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão

I- Relatório

A O..........., S.A, melhor identificada nos autos, instaurou impugnação judicial, na sequência do indeferimento tácito da Reclamação Graciosa deduzida contra as liquidações de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e juros compensatórios referentes ao exercício de 2005, no montante total de € 7.800,42. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 247 e ss. (numeração do SITAF), datada de 21/05/2019, julgou a acção procedente e, consequentemente, anulou as liquidações de IVA impugnadas no montante de €7.800,42. Desta sentença foi interposto recurso, conforme requerimento de fls. 279 e ss. (numeração do SITAF), no qual formula as seguintes conclusões:

«I- Os autos à margem identificados visam apurar se existiu vício de erro nos pressupostos de direito no que se refere ao arrendamento dos lugares de estacionamento, e à dedução do IVA, efetuada pela Recorrida (artigo 21.º, n.º 1, al. a) do CIVA).

II- Defende o tribunal a quo que os valores despendidos com o arrendamento se enquadram na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, uma vez que, necessariamente, tanto os funcionários como os clientes e os fornecedores são indispensáveis à realização do objeto da sociedade e à prossecução da sua atividade, não podendo por isso, ser excluído o benefício da dedução do IVA correspondente ao arrendamento dos lugares de estacionamento, por este arrendamento estar estritamente ligado à locação da sede da Impugnante, sendo o IVA despendido com esta locação integralmente dedutível, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.

III - Decidindo pelos motivos supra transcritos que as liquidações em crise padecem de erro sobre os pressupostos de direito, devendo, assim, ser anuladas.

IV - Não pode a Fazenda Pública conformar-se com o assim doutamente decidido, afigurando-se-nos existir erro de julgamento quer quanto à matéria de direito quer quanto à de fato, senão vejamos:

V- Foi a ora recorrida que contabilizou na rubrica 6331901 - Rendas - Instalações o montante de €6.738,15, referente a encargos com o estacionamento de viaturas, suportados pelas faturas emitidas pela “N..........., SA”.

VI- Porém as referidas faturas não contêm um único valor no descritivo, aquelas mencionam um valor para a renda do escritório e outro valor para o estacionamento.

VII- Pelo que, só nos resta concluir que os gastos foram suportados com viaturas ligeiras e, não com rendas do escritório, pelo que, nos termos o artigo 21.º, n.º 1, al. a) do CIVA, o IVA foi deduzido indevidamente.

VIII- Quanto ao defendido pelo Tribunal “a quo” , mormente que os valores despendidos com o arrendamento se enquadram na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA diremos que, efetivamente, o artigo 20.º, n.º 1, do CIVA determina que só pode deduzir-se imposto que tenha incidido sobre bens adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização de transmissões de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas, ou relativamente às operações elencadas na respetiva alínea b).

IX- Contudo, existem, algumas exceções a esse direito, previstas no artigo 21.º, n.º 1 do CIVA, relativas a aquisições de determinados bens ou serviços cujas características os torna não essenciais à atividade produtiva ou facilmente desviáveis para consumos particulares.

X- Nos termos do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do CIVA, não se verifica a exclusão do direito à dedução, quando as despesas mencionadas na alínea a) do n.º 1, respeitem a bens cuja venda ou exploração constitua objeto da atividade do sujeito passivo.

XI- Para que seja possível deduzir o IVA nestes casos, não é suficiente que os bens sejam utilizados para a realização de operações tributáveis, ainda que estes bens sejam utilizados e indispensáveis para a atividade do sujeito passivo, o direito à dedução, apenas, pode ser exercido nas situações em que o objeto da atividade é a venda ou exploração desses bens, o que no caso em apreço não aconteceu.

XII - Assim, a douta sentença ora recorrida a manter-se na ordem jurídica, é convencimento da Fazenda Pública que incorreu em erro de julgamento, quer sobre a matéria de facto quer sobre a matéria de direito.»

Termina, pedindo que seja concedido provimento ao recurso, revogada a sentença e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.


X

A recorrida não apresentou contra-alegações ao recurso interposto.
X

O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

X

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte matéria de facto:
«1) Durante o ano de 2005, a Impugnante efetuou o pagamento de €6.738,15 referente a IVA suportado com o arrendamento de lugares de estacionamento localizados no mesmo edifício que a sua sede (facto não impugnado e cf. anexo 11 ao RIT junto ao PA apenso aos autos);
2) O estacionamento referido em 1) era utilizado indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes da Impugnante (facto não impugnado e cf. contestação);
3) Em 12-09-2009, foi elaborado em nome da Impugnante um Relatório de Inspeção Tributária (RIT) no qual consta, designadamente, o seguinte:
«[...] III. 1.2. Correcções ao Cálculo do Imposto: € 11.656,84 [...] b) Despesas com viaturas ligeiras de passageiros
O sujeito passivo contabilizou nas rubricas 6331901 - Rendas - Instalações e 6222 705 Deslocações e Estadas - Viagens o valor de € 33.737,00, referente a encargos com estacionamentos de viaturas, suportados por facturas emitidas pela N..........., S.A., [...]
Relativamente a esses encargos, a empresa não considerou no cálculo do imposto a pagar, nos termos do n.º 3 do artigo 81 º do CIRC, o montante de € 1.686,85 a título de tributação autónoma dos mesmos (€ 33.737,00 x 5%).
Foi questionado o sujeito passivo sobre não ter tributado autonomamente os encargos com estacionamento de viaturas constantes nas facturas emitidas pela N............ S.A., que argumentou (resposta de 26/01/2009 da O........... à notificação da Administração Fiscal de 14/01/2009) (VER ANEXO 4 a)):
"A não aplicação de tributação autónoma decorreu de ser um custo de utilização dos escritórios que está contratado em conjunto entre espaço de escritórios e outras facilidades.”
Contudo, as referidas facturas identificam claramente os encargos com estacionamento, devendo dessa forma os mesmos serem considerados no cálculo das tributações autónomas.
Desta forma é de acrescentar ao imposto a pagar (campo 365 do Quadro 10 da declaração de rendimentos Modelo 22) o montante de € 1.686,85 (€ 33.737,00 x 5%) referente à tributação autónoma dos documentos constantes do anexo 11. [...]
III.2. Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA)
IVA indevidamente deduzido nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 19º e alíneas a) e d) do n." 1 do artigo 21º, ambos do CIVA: €36.754,24 [...]
Saliente-se que, não obstante a argumentação (resposta de 26-01-2009 da O........... à notificação da Administração Fiscal de 14/01/2009) (VER ANEXO 4 a)) do sujeito passivo referente à dedução do IVA dos encargos de estacionamento constantes das facturas emitidas pela N........... S.A. de que: "A dedução do IVA decorre de ser uma operação sujeita a IVA e não excluída do direito à dedução (utilização de escritórios)", da análise efectuada à documentação apresentada, constata-se que as referidas facturas identificam claramente encargo com estacionamento, encargo esse que não permite o direito à dedução do IVA no termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 21º do CIVA, sendo de corrigir o montante de € 6.738,15, de IVA deduzido indevidamente pelo sujeito passivo.[...]
III. 1.2. Correcções ao Cálculo do Imposto
Quadro 10 - Campo 365 Tributações Autónomas (artigo 81º do CIRC)
b) Despesas com viaturas ligeiras de passageiros - Facturas Emitidas pela N..........., S.A.: € 1.685,75
No exercício do seu direito de audição, o sujeito passivo não obstante mantenha a mesma posição já anteriormente demonstrada durante o procedimento de inspecção, ou seja, a de considerar tais encargos como custos de utilização dos seus escritórios, vem, entre outros argumentos, alegar o seguinte
- Ponto 43º - "(...) constatar que a utilização dos lugares de estacionamento pelos colaboradores da O........... é parte integrante/inerente da utilização pelos mesmos colaboradores dos escritórios - sede da empresa (...)"
- Ponto 44º - (...) não seria obviamente necessário suportar os encargos com cerca de 50 lugares de estacionamento que apenas são necessários porque afectos aos seus trabalhadores.”
Daqui se retira a ideia que o contribuinte não põe em causa que tais encargos sejam efectivamente referentes a estacionamento, nem tão pouco que tal espaço seja utilizado pelos seus colaboradores "(...) que apenas são necessários porque afectos aos seus trabalhadores (...)” para o estacionamento das suas viaturas. A alegação que é um custo inerente ao aluguer do escritório, não retira de per si, a componente que a utilização do espaço demonstra, ou seja, que tais encargos são efectivamente despesas com viaturas ligeiras de passageiros.
Refira-se que o sujeito passivo não alega que seja dada outra utilização a tal espaço (por exemplo arrumos), é, isso sim, o próprio a reconhecer que tal espaço é utilizado pelos seus colaboradores para o estacionamento das suas viaturas, pelo que é entendimento da Administração Fiscal que a correção proposta é de manter. Estando certo que a utilização dada a tal espaço é o estacionamento, não se poderá dissociar o entendimento dado a estes encargos suportados com as "Facturas Emitidas pela N..........., S.A. do entendimento dado ao "Talão emitido por caixa automática no aeroporto de Lisboa”, correção com a qual, como supra mencionado, o sujeito concorda.
Nestes termos é manter a correção inicialmente proposta [...]»
(cf. documentos a fls. 41 a 86 do SITAF e RIT junto ao PA apenso aos autos);
4) Em 18-09-2009, foi proferido despacho pela Chefe de Divisão da Inspeção Tributária, da Autoridade Tributária (AT), a concordar com o RIT referido em 3) (cf. documentos a fls. 41 a 86 do SITAF e RIT junto ao PA apenso aos autos);
5) Em data incerta, foram emitidas em nome da Impugnante, relativas ao exercício de 2005, as liquidações adicionais de IVA n.º…….., no montante de € 912,00, n.º ………… no montante de € 6.099,00, n.º ………. no montante de € 3.234,00, n.º ………. no montante de € 525,00, n.º ………. no montante de € 2.359,09, n.º ………….. no montante de € 685,65 e n.º ………. no montante de € 703,50 (cf. documentos a fls. 41 a 86 do SITAF);
6) Em data incerta, foram emitidas em nome da Impugnante, relativas ao exercício de 2005, as liquidações adicionais de juros compensatórios n.º ……… na quantia de € 152,92, n.º ………. na quantia de € 1.002,58, n.º ……… na quantia de € 519,92, n.º ……….. na quantia de € 82,79, n.º ………. na quantia de € 355,74, n.º ………… na quantia de € 101,22 e n.º …….. na quantia de € 101,46 (cf. documentos a fls. 41 a 86 do SITAF);
7) Em 27-01-2010, deu entrada nos serviços da AT um requerimento da Impugnante com assunto "RECLAMAÇÃO GRACIOSA" (cf. documentos a fls. 41 a 86 do SITAF);
8) Em data incerta, os serviços da AT elaboraram a informação n.º AJT- 117/2010, em nome da Impugnante, na qual consta, além do mais, o seguinte:
«[...] DA QUESTÃO CONTROVERTIDA [...]
10.1           - Encargos com estacionamento - € 6.738.15 - Ponto III..2 do relatório - considerando que onde o contribuinte contabilizou encargos com estacionamento das viaturas dos colaboradores da empresa no prédio arrendado onde se situa a sua sede (tendo exercido o direito a dedução de IVA), efectivamente, compaginou uma dedução indevida de IVA porquanto a Adm. Fiscal qualifica o facto como despesas com viaturas ligeiras de passageiros, em preterição do disposto no artº 19º/1-a) e 21º/1-a) e d) CIVA. [...]
APRECIAÇÃO [...]
21 - Consubstancia-se assim a lide, outrossim, à divergência interpretativa, à subsunção do facto à norma, assente inclusive sobre os mesmos normativos sendo que, nesta questão e em cumprimento do disposto nos art. 11º, 55º e 68º-A - nº 1 todos da LGT e art. 57º do CPPT, só haverá lugar a alteração da decisão se a mesma se revelar clara e inequivocamente enfermada de erro sobre os pressupostos de direito, devendo na dúvida imperar o brocardo "in dúbio pro Fiscum". [...]
DO PROBATÓRIO
23 - Dos autos resulta como irrefutável que a prova que sustenta a decisão, recolhida junto do contribuinte, foi produzida em respeito dos ditames da proporcionalidade, verdade material, cooperação e contraditório [...] não tendo merecido deste qualquer contestação em sede e momentos próprios do procedimento de inspecção (maxime os actos que cometeram à acção de inspecção e ao exercício do Direito de Audição). [...]
24 -CONCLUSÃO
Conforme resulta da análise supra, a "litis" consubstancia-se unicamente na divergência interpretativa, na discordância da subsunção do facto à norma (ou seja, direito versus direito) sendo que (e conforme o afirmado supra no ponto 20), nada resulta dos autos que em matéria de facto, aduza factos novos que determine a DSIT, nos termos do art0 63º/3 LGT, à prossecução de novo procedimento inspectivo para alterar o sentido da sua decisão. [...]»
(cf. documentos a fls. 96 a 136 do SITAF);
9) Em 07-05-2010, o Diretor de Serviços de Inspeção Tributária da AT proferiu despacho a concordar com a informação referida em 8) (cf. documentos a fls. 96 a 136 do SITAF);
10) Em 26-07-2010, os serviços da AT elaboraram uma informação em nome da Impugnante da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
«[...] 3.3 - Após análise do conteúdo da Reclamação Graciosa apresentada pelo Contribuinte ..........., referente ao exercício de 2005, concluímos que a mesma deverá ser indeferida, pelas razões expostas na Informação nº AJT- 117/2010, processada na DSIT, que se junta a este Projecto de Decisão [...]»
(cf. documentos a fls. 96 a 136 do SITAF);
11) Em 19-09-2010, o Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da AT proferiu despacho a concordar com a informação referida em 10) (cf. documentos a fls. 96 a 136 do SITAF);
12) Em 26-10-2010, deram entrada os presentes autos (cf. carimbo aposto a fls. 1 dos autos);
13) Em 05-11-2010, deu entrada nos serviços da AT um requerimento da Impugnante com assunto "DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA" (cf. documentos a fls. 96 a 136 do SITAF);
14) Em 29-11-2010, os serviços da AT elaboraram uma informação em nome da Impugnante da qual se extrai, designadamente, o seguinte:
«[...] III - ANÁLISE DO PEDIDO[...]
3.3 - Após análise do conteúdo da Reclamação Graciosa apresentada pelo Contribuinte ..........., referente ao exercício de 2005, concluímos que a mesma deverá ser indeferida, pelas razões expostas na Informação nº AJT-117/2010, processada na DSIT, que se junta a este Projecto de Decisão:
3.3.1- Esse Serviço, emitiu a sua pronúncia, na parte atinente a Matéria de Facto.
3.3.2 No tocante a Matéria de Direito, nada há a esgrimir, dado que não são invocadas quaisquer Preterições de Formalidades Legais, susceptíveis de colocar em questão, a legalidade e legitimidade das Liquidações contestadas.
3.4 - Perante o exposto, propomos o indeferimento do Pedido da Reclamante, cumprindo as instruções descritas, vertidas para a Informação atrás identificada.
IV - INFORMAÇÃO COMPLEMENTAR [...]
4.6 - Para alicerçar a proposta de indeferir o Pedido formulado pelo Rogador, socorreu-se a Administração Tributária, (através da Direcção de Serviços de Inspecção Tributária), do brocado "in dubio pro fiscum".
4.7 - Muito embora não faça alusão, poderia o Contribuinte contrapor ou sugerir, a figura "in dubio pro reo".
4.8 - No entanto, detendo-nos profundamente sobre o tema em discórdia, extrai-se que, não se trata apenas de uma mera interpretação subjeciva dos factos, mas sim de matéria concreta, objectiva.
4.9 - Efectivamente, no parágrafo 20º da Petição, o Requerente reconhece que, na factura estão identificados os encargos com o estacionamento das viaturas, em separado com os referenciados às "rendas dos escritórios".
4.10 - Posto isto, dúvidas não restam que, os custos em litigância, referem-se exclusivamente a viaturas e não ao arrendamento dos escritórios, pois que se assim não fosse, o montante da renda seria único.
4.11 - Nos termos do disposto no artigo 21º do CIVA, (Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado), "exclui-se do direito à dedução, o imposto contido nas despesas com viaturas ..."
4.12 - Assim, de facto, não tinha o Sujeito Passivo o ensejo de usufruir da dedução do imposto em questão, pelo que, agiu em conformidade a DSIT, no acto da realização da Acção Inspectiva.
4.13 - Desta maneira, a Decisão projectada, de indeferir o Pedido formulado, deverá ser convolada em definitivo. [...]»
(cf. documentos a fls. 96 a 136 do SITAF); 
15) Em 30-11-2010, o Chefe de Divisão da Justiça Administrativa da AT proferiu despacho a concordar com a informação referida em 14) (cf. documentos a fls. 96 a 136 do SITAF).


*

Não existem factos não provados com interesse para a decisão da causa.

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A convicção do Tribunal relativamente à matéria de facto dada como provada resulta da análise dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados, assim como nos factos alegados pelas partes, corroborados pelos documentos juntos, conforme discriminado nos vários pontos do probatório, dando-se por integralmente reproduzido o teor dos mesmos bem como o do PA apenso aos autos.»

X

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento quanto à matéria de facto assente e quanto ao direito aplicável em que terá incorrido a sentença recorrida.

2.2.2. Para julgar procedente a presente impugnação, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
    «… verifica-se que não é controvertido nos autos que os lugares de estacionamento arrendados se situam no mesmo edifício onde se encontra localizada a sede da Impugnante, tendo o arrendamento o propósito único de servir indiscriminadamente os funcionários, clientes e fornecedores desta que ali trabalham ou pretendem fazer negócio, conforme se extrai da factualidade assente em 1) e 2). // Por este motivo, não poderemos deixar de considerar que os valores despendidos com o arrendamento se enquadram na previsão da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA, uma vez que, necessariamente, tanto os funcionários como os clientes e os fornecedores são indispensáveis à realização do objeto da sociedade e à prossecução da sua atividade.
Não obstante, cabia então verificar se esta mesma despesa está excluída do direito à dedução do IVA por preencher a previsão das alíneas a) ou c) do n.º 1 do artigo 21.º do CIVA, ou seja, por ser referente à utilização de viaturas de turismo ou por corresponder a despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal. (…) // Aplicando o mesmo raciocínio ao caso dos autos, temos então que não pode ser excluído o benefício da dedução do IVA correspondente ao arrendamento dos lugares de estacionamento, por este arrendamento estar estritamente ligado à locação da sede da Impugnante, sendo o IVA despendido com esta locação integralmente dedutível, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA».

2.2.3. No que respeita ao erro de julgamento no enquadramento jurídico da causa, a recorrente afirma, em síntese, que estão em causa despesas relacionadas com veículos de uso pessoal dos trabalhadores da empresa e que como tal não são passíveis de dedução.

Apreciação.

O direito à dedução do imposto suportado pelo sujeito passivo decorre do disposto nos artigos 19.º e 20.º do Código do IVA/CIVA, o qual por seu turno, transpõe para a ordem interna, o disposto no artigo 17.º/3, da Sexta Directiva IVA [correspondente ao artigo 168.º da Directiva 2006/112/CE, do Conselho de 28 de Novembro de 2006]. O CIVA «determina, como regra geral, a dedutibilidade do imposto devido ou pago pelo sujeito passivo nas aquisições de bens e serviços feitas a outros sujeitos passivos»[1]. «[I]mporta recordar que o regime das deduções visa libertar inteiramente o empresário do ónus do IVA, devido ou pago, no âmbito de todas as suas actividades económicas. O sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado garante, por conseguinte, a perfeita neutralidade quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, quaisquer que sejam os fins ou os resultados dessas actividades, na condição de as referidas actividades estarem, elas próprias, sujeitas ao IVA»[2]; «na ausência de uma disposição que permita aos Estados-membros limitarem o direito à dedução conferido aos sujeitos passivos, este direito deve ser exercido imediatamente em relação à totalidade do imposto que onerou as operações efectuadas a montante»[3]. «As disposições (…) [que estabelecem as] condições de aquisição e o âmbito do direito à dedução não deixam aos Estados-Membros nenhuma margem de apreciação quanto à sua aplicação e conferem aos particulares direitos que estes podem invocar perante o juiz nacional para se oporem a uma regulamentação nacional incompatível com elas»[4]. Mais se refere que, tendo em vista a constituição na esfera jurídica do contribuinte do direito à dedução do imposto, «os bens ou serviços adquiridos devem ter uma relação directa e imediata com as operações tributadas»[5]. Mais se consigna que «os Estados não estão autorizados a limitar o direito à dedução, mesmo quando a utilização de bens na actividade económica é bastante limitada»[6]; por outras palavras, «as excepções [à regra geral da dedutibilidade do imposto suportado, de harmonia com o princípio fundamental da neutralidade do mesmo] devem, em princípio ser interpretadas estritamente»[7].

A fundamentação da correcção em exame consta do ponto 3 do probatório. Aí se consigna, designadamente, que «o contribuinte não põe em causa que tais encargos sejam efectivamente referentes a estacionamento, nem tão pouco que tal espaço seja utilizado pelos seus colaboradores "(...) que apenas são necessários porque afectos aos seus trabalhadores (...)” para o estacionamento das suas viaturas. A alegação de que é um custo inerente ao aluguer do escritório, não retira de per si, a componente que a utilização do espaço demonstra, ou seja, que tais encargos são efectivamente despesas com viaturas ligeiras de passageiros».

Estão em causas facturas relacionadas com os lugares de estacionamento das viaturas utilizadas pelos trabalhadores da empresa, ora recorrida/impugnante. A tese que fez vencimento na instância é a de que se trata de rendas associadas ao arrendamento da sede da empresa e, nessa medida, mostram-se ligadas ao exercício da actividade económica da mesma, pelo que são despesas cujo imposto incorrido deve ser dedutível, o que determinaria a ilegalidade da correcção, por violação do direito à dedução do imposto suportado.

A sentença decidiu com acerto.

É certo que as despesas referidas no preceito do artigo 21.º do CIVA, constituindo exclusões do direito à dedução e estando sujeitas ao princípio do não retrocesso (cláusula de standstill), têm sido aceites pela jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia [TJUE] como exclusões do direito à dedução, atendendo a que se trata de despesas que, pela sua natureza e características, podem ser utilizadas para fins privados, consubstanciando um consumo final[8].

Sem embargo, no caso em exame, estão em causa despesas relacionadas com o uso de lugares de estacionamento utilizado indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes da Impugnante (n.º 3 do probatório).

Na Informação Vinculativa da DGCI, referente ao Processo n.º 1486, despacho do substituto legal do Director-Geral, de 28.01.2011, referente a “Direito à dedução – lugares de estacionamento”[9], a consulente solicitou informação sobre qual o enquadramento legal em IVA da disponibilização de lugares de estacionamento situados no campus empresarial onde se encontra o edifício que integra o espaço destinado à sua actividade», numa situação em que os lugares de estacionamento «se destinavam, embora não exclusivamente, ao parqueamento das viaturas da sua rede comercial e de assistência técnica, das quais a maioria é de mercadorias, bem como às viaturas dos seus clientes e fornecedores». Na Informação vinculativa citada, a AT fixou a orientação seguinte: «i) De acordo com os argumentos da consulente e tendo em consideração a actividade declarada em sistema, o espaço de estacionamento afigura-se necessário ao exercício da sua actividade, pelo que pode em princípio, conferir o direito à dedução por enquadramento no disposto na alínea a), do n.º 1, do artigo 20.º do CIVA. // ii) Todavia, face à exclusão prevista na alínea c) do n.º 1 do artigo 21.º, importa acautelar que a atribuição de lugares de estacionamento a funcionários, colaboradores, titulares de cargos de direcção ou outros que se subsumam nesta norma, limita aquele direito na proporção dos lugares atribuídos para esse fim».

Por seu turno, no caso em exame nos autos, o estacionamento referido está situado no mesmo edifício da sede da impugnante e era utilizado indiscriminadamente por funcionários, fornecedores e clientes da Impugnante (n.os 1 e 2 do probatório), pelo que o imposto suportado respeita a despesas relacionadas com o exercício da actividade da impugnante (“despesas afectas à exploração”), não sendo as mesmas recondutíveis ao disposto no artigo 21.º/1/c), do CIVA (“Despesas de transportes e viagens de negócios do sujeito passivo do imposto e do seu pessoal”). De onde se retira que o imposto suportado em apreço é dedutível por parte da empresa/impugnante, como sucedeu no caso. A correcção em exame, ao decidir diferentemente, enferma de erro e não pode ser mantida na ordem jurídica. A sentença recorrida não merece reparo, pelo que deve ser confirmada.

Termos em que se julgam improcedentes as presentes conclusões de recurso.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.


(Jorge Cortês - Relator)

(1ª. Adjunta)



 (2ª. Adjunta)


________________


[1] Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o valor acrescentado, Cadernos IDEFF, n.º 1, 5.º Ed., p. 204.
[2] §24 do Ac. do Tribunal de Justiça da União Europeia/TJUE, de 22.01.2001, P. C-408/98.
[3] §16 do Ac. do TJUE, de 21.09.1988, P. 50/87.
[4] §2 do sumário do Ac. do TJUE, de 06.07.1995, P. C-62/93.
[5] §31 do Ac. do TJUE, de 27.09.2001, P. C-16/00, §28 do Ac. do TJUE, de 22.02.2001, P. C-408/98.
[6] §29 do Ac. do TJUE, de 11.07.91, P. C-97/90.
[7] Clotilde Celorico Palma, Estudos de Imposto sobre o valor acrescentado, Almedina, 2006, p. 155.
[8] Código do IVA e RIT, notas e comentários, Clotilde Celorico Palma e António Carlos Santos, Almedina, 2015, pp. 257/258. V. Despacho proferido, em 17/09/2020, P. C-837/19, Super Bock Bebidas c. Autoridade Tributária e Aduaneira, in www.curia.eu).
[9] Fls. 176/179, dos autos.