Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1115/12.8BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:02/11/2021
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:IVA.
REGULARIZAÇÕES EM FAVOR DO SUJEITO PASSIVO.
Sumário:Uma vez feita a prova de que as facturas anuladas foram devolvidas pelos clientes ao contribuinte, não pode a AT exigir ulterior prova sobre o conhecimento por parte dos mesmos de que a operação foi anulada.
Em regra, tal exigência consubstancia uma onerosidade excessiva sobre o contribuinte.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acórdão


I- Relatório


A……………, Lda., melhor identificada nos autos, apresentou impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2007, pedindo a sua anulação, o que fez na sequência do indeferimento de reclamação graciosa.

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, por sentença proferida a fls. 126, (numeração do SITAF), datada de 2020.06.18, julgou parcialmente procedente a acção de impugnação judicial e, em consequência, anulou as liquidações impugnadas na parte relativa a regularizações de IVA que têm como documentos de suporte os originais das faturas emitidas pela impugnante às suas clientes, bem como na parte relativa a regularizações decorrentes de situações de falência. A Fazenda Pública interpôs recurso contra a sentença, conforme requerimento de fls. 156 e ss. (numeração do SITAF). As conclusões de recurso são as seguintes:

« A)Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou parcialmente procedente a presente ação de impugnação judicial deduzida por A........, Lda. na sequência do indeferimento de reclamação graciosa contra as liquidações adicionais de IVA do ano de 2007, e, em consequência, anulou as liquidações impugnadas na parte relativa a regularizações de IVA que têm como documentos de suporte os originais das faturas emitidas pela impugnante às suas clientes, bem como na parte relativa a regularizações decorrentes de situações de falência.

B) Em causa nos autos está a regularização de IVA constante de fatura, quando, por qualquer motivo, o valor tributável da operação ou o respetivo imposto venham a sofrer alguma retificação.

C) A Impugnante, ora Recorrida anulou várias faturas emitidas a clientes de grandes cadeias de super e hipermercados como a “C........, S.A.”, “P........, Lda” e “P........, S.A.” e fê-lo à margem do disposto no n.º 5 do art.º 78.º do CIVA, conforme veremos.

D) Da referida disposição legal extrai-se, não só que o sujeito passivo, emissor das faturas, terá de ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, prova essa documental, mas também que o suporte documental a que apela a disposição legal se terá de ter como produzido à data da efetivação da regularização, e não em momento posterior quando confrontado o sujeito passivo com a não admissibilidade do IVA regularizado a seu favor face à inexistência de prova documental, sob pena de inversão do raciocínio do legislador vertido na norma.

E) Portanto, nos termos do ao tempo artigo 71.º, n.º 5 do Código do IVA, atual art.º 78.º n.º 5 do CIVA, a regularização do IVA a favor do sujeito passivo, nos casos em que o valor tributável da operação ou o respetivo imposto sofrerem retificação para menos, depende de um pressuposto legal, ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, sob pena de se considerar indevida a respetiva dedução do IVA.

F) Pelo que, se o sujeito passivo no momento em que efetua a regularização do IVA não possui a prova exigida no n.º 5 do art.º 71.º do Código do IVA, e, apesar disso, efetua a dedução do respetivo imposto, é a própria norma que estatui que esta dedução se considera indevida.

G) O Tribunal a quo defende igualmente que a prova a produzir, em sede de IVA e das suas regularizações, é prova documental.

H) No entanto, e apoiando-se na jurisprudência do TJUE, nomeadamente o Acórdão Kraft Foods, processo C588/10 do TJCE, 2.a secção de 26.01.2012, afirma que a prova documental exigida no art.º 78.º n.º 5 do Código do IVA pode assumir qualquer suporte, desde que idóneo para o efeito.

I) Para o efeito considerou o Tribunal a quo que as faturas emitidas pela ora Recorrida, enviadas aos respetivos clientes e posteriormente devolvidas à ora Recorrida, juntamente com os extratos de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007 enviadas pelos clientes em causa, representam prova documental suficiente de que os adquirentes tomaram conhecimento da retificação, sendo portanto devida a dedução, ao abrigo do disposto no art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA, ao tempo.

J) Refira-se desde logo que embora tenha sido dado como provado que as faturas em causa nos autos não constam dos extratos de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007 e, consequentemente não foram contabilizadas [cf. als. P), W) e Z) dos factos provados], em nenhum momento da sentença é referido quando é que a ora Recorrida teve acesso a esses mesmos extratos.

K) Uma vez que o art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA refere expressamente que o sujeito passivo emissor da fatura e beneficiário da regularização do IVA tem de ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação, e que como já foi supra afirmado, tal prova terá de se ter como produzida à data da efetivação da regularização, e não em momento posterior, mostra-se muito relevante o momento em que a ora Recorrida teve acesso a esses elementos, para que dessa forma se possa avaliar o cumprimento pela ora Recorrida do pressuposto legal para a regularização do IVA a favor do sujeito passivo.

L) Tal não foi, no entanto, tido em consideração na sentença ora recorrida.

M) Não pode o Tribunal a quo afirmar que a ora Recorrida emitiu as notas de lançamento após quer a devolução das faturas, quer o conhecimento de que as mesmas não foram contabilizadas quando desconhece o momento a partir do qual a ora Recorrida teve acesso aos extratos de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007, assim como desconhece quando é que os clientes devolveram as faturas em causa nos autos.

N) A exigência da lei de que o sujeito passivo tenha na sua posse prova “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto" justifica-se pelo fim visado pelo legislador na referida disposição legal, o controlo da evasão e fraude fiscal pela AT.

O) Exige-se, portanto, que para que o sujeito passivo possa utilizar esse mecanismo legal, cumpra o regime jurídico específico das regularizações do IVA e, consequentemente, cumpra os seus pressupostos legais.

P) O Tribunal a quo não analisou sequer um dos pressupostos legais do regime jurídico específico das regularizações do IVA.

Q) Não situando temporalmente o conhecimento pelos adquirentes, pelos clientes, da retificação, o Tribunal a quo invalidou a possibilidade de controlo de um dos requisitos legais para a regularização do IVA, o de que a retificação ocorreu após o conhecimento pelos adquirentes de que a mesma seria feita.

R) E, acrescente-se que o entendimento do TJUE não é contrário ao aqui explanado.

S) Embora o entendimento do TJUE seja que, em nome dos princípios da neutralidade do IVA e da proporcionalidade, se exige maior flexibilidade no suporte documental admitido pelas Administrações Tributárias dos Estados-membros que comprove o conhecimento pelo adquirente, continua o TJUE a exigir que esse conhecimento seja prévio à própria retificação.

T) Ademais, considerou o Tribunal a quo provado, nos ponto L) e M) dos factos dado como provados, factos exclusivamente com base em prova testemunhal, no depoimento de apenas uma testemunha, C........, contabilista certificado e diretor financeiro da ora Recorrida.

U) Salvo o devido respeito pelo Tribunal a quo, não se pode considerar a prova testemunhal, ainda mais sendo apenas uma testemunha, suficiente para provar um procedimento de regularização de IVA que não guarda qualquer registo documental do conhecimento pelo adquirente/cliente da referida regularização, limitando-se a assumir a devolução das faturas originais como base para a respetiva regularização.

V) Considerar provado o conhecimento pelos clientes da retificação somente com base em prova testemunhal é, em si mesmo, um desvio ao próprio art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA, que exige suporte documental, anterior à retificação, que comprove que o cliente teve conhecimento da retificação.

W) As faturas em si mesmo, e uma vez que não há qualquer prova nos autos quer do envio das mesmas, quer da sua devolução à ora Recorrida, só assumiram a vertente de prova documental, exigida pela referida disposição legal, por referência ao depoimento da testemunha.

X) Sem o depoimento da testemunha, C........, as faturas em si mesmo e sem prova igualmente documental do caminho percorrido pelas mesmas, seriam apenas faturas sem qualquer valor probatório para o efeito. Só adquiriram o valor probatório que o Tribunal a quo lhes deu em virtude do depoimento da testemunha e, portanto, de prova testemunhal, o que é, no mínimo, insuficiente e consubstancia claro erro de julgamento.

Y) Os documentos têm uma função representativa ou reconstitutiva do objeto, destinando-se a servir como meio de prova real de determinados factos [Acórdão do TRP de 04/07/2016, no âmbito do processo n.º 197/14.2TTOAZ.P1, in www.dgsi.pt1

Z) Já a prova testemunhal terá de ser valorada em consonância com a prova documental apresentada, não tendo a virtualidade de provar factos apenas justificáveis documentalmente, como sucede no caso concreto.

AA) Pelo exposto, verifica-se um erro de julgamento, decorrente da circunstância de, com base na factualidade dada por provada, se ter concluído que os clientes tiveram conhecimento da retificação das faturas e, consequentemente, que foram cumpridos pela ora Recorrida os pressupostos legais constantes do art.º 71.º n.º 5 do Código do IVA, atual art.º 78.º n.º 5 do CIVA para a retificação das faturas.

BB) Impunha-se à douta sentença recorrida, perante o probatório, fazer uma correspondência perfeita entre os factos dados como provados e o decidido, o que não aconteceu, manifestando a fundamentação jurídica da decisão uma apreciação manifestamente ilógica, arbitrária ou de todo insustentável, e por isso incorreta, o que conduziu à injusta decisão contra a ora Recorrente.

Pelo que, nestes termos se impõe a sua revogação e substituição por acórdão que, julgue procedente o presente recurso, e, consequentemente procedente a presente Impugnação Judicial, nos termos das conclusões que seguem e que V. Exas melhor suprirão, julgando legal a sobredita correção.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o presente recurso e revogada a douta sentença, como é de Direito e Justiça.»

X

A recorrida apresentou contra-alegações, pugnando a final pela improcedência de todas as conclusões constantes das alegações da Fazenda Pública, julgando improcedente o recurso interposto.

X


O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, foi regularmente notificado e pronunciou-se pela procedência do recurso.


X

Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.

X

II- Fundamentação.

A sentença recorrida assentou na seguinte fundamentação de facto:

«A) No exercício de 2007 a Impugnante encontrava-se coletada pelo exercício da atividade principal “Fabricação de equipamento não doméstico para refrigeração e ventilação” - CAE 028250, enquadrado em sede de IVA no regime de tributação normal mensal - facto não controvertido.

B) A coberto da ordem de serviço interna n.º OI 201006934, foi a impugnante notificada para prestar esclarecimentos e com vista ao envio de elementos relacionados, designadamente, com regularizações de IVA - facto não controvertido e cf. o teor do relatório de Inspeção Tributária (RIT) a fls. 164 a 176 do processo administrativo tributário apenso (PAT).

C) Em 05.09.2011 foi elaborado o Relatório Final da Inspeção, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo sido propostas correções de natureza aritmética em sede de IVA no exercício de 2007, relacionadas com regularizações, no montante de € 54.444,56, resultando da respetiva fundamentação, designadamente, o seguinte:

“[…]

III DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORRECÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA COLECTÁVEL [...]

Com vista à análise interna da declaração modelo 22 de 2007, e tendo por base o processo de documentação fiscal, balancetes analíticos e extractos da conta 24.1 remetidos pelo sujeito passivo, foram solicitados esclarecimentos adicionais, conforme ofícios Nº 29913 de 01-04-2011 e Nº 51806 de 15-06- 20JJU conforme cópias que se juntam em Anexo 1.

Também foi remetido email, com vista ao envio dos elementos solicitados em oficio.

Os elementos solicitados referem-se:

1- Justificação da divergência detectada nas Aquisições Intracomunitárias; entre os valores declarados nas DPs de IVA e os valores declarados através do sistema de intercâmbio de informações sobre o IVA (VIES);

2- O envio do balancete analítico antes de apuramento de resultados.

3- Regularizações de IVA a favor do sujeito passivo de montantes elevados, tendo- se solicitado o envio dos documentos comprovativos relativamente a todos os períodos de 2007 de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, conforme disposto no artº 78º nº5 do CIVA (anterior 71º nº 5).

Não tendo o sp remetido resposta às questões solicitadas, nem enviado os documentos de suporte dos registos contabilísticos, propõe-se seguinte correcção:

III.1 - Conta 24341 (IVA Regularizações Mensais a favor da Empresa - Campo 40 da D.Periódica IVA) - € 119.080,75

[...]

Para que se efective a regularização do imposto é exigido ao s.p, prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação o qual por sua vez terá de regularizar o IVA a favor do Estado.

Não tendo sido apresentado a referida prova é regularizado o IVA a favor do Estado nos seguintes montantes:


[...]

IX DIREITO DE AUDIÇÃO PRÉVIA - FUNDAMENTAÇÃO

[...]

Conforme direito de audição, o contribuinte remeteu comprovativos das regularizações de IVA a seu favor.

Remeteu notas de lançamento / crédito, alguns desses documentos datados, carimbados e assinados pelos clientes, justificando desta forma, em tais casos o seu recebimento e a data em que as mesmas foram recebidas, com vista ao posterior controlo da regularização a favor do Estado, por parte da Administração Fiscal.

No entanto verificaram-se situações em que os comprovativos não puderam ser considerados válidos pelos seguintes motivos:

1- As cópias das notas de lançamento/ crédito não se encontravam assinadas, carimbadas.

2- Foram apresentadas as certidões de falência relativamente a regularizações a favor do s.p no valor de € 2694,79; €19,74 e € 42314,98, efectuadas no mês de Fevereiro/2007.

As certidões referem que as sentenças foram proferidas em 2006 e são acompanhadas de documento interno de regularização, datado de Dezembro de 2006.

A respeito dos documentos agora remetidos é oportuno referir que a presente inspecção interna passado pela fase preliminar de análise de documentos na qual o s.p não respondeu aos ofícios enviados, para entrega de elementos, conforme descrito no ponto III.

Desta forma os documentos apresentados não podem ser aceites uma vez que se reportam ao ano de 2006.

No mapa a seguir elaborado com base nos documentos remetidos assinalamos as situações em que os comprovativos não são válidos. 

Acresce que conforme cálculos efectuados os documentos remetidos perfazem o valor de € 115426,76, sendo que as regularizações do campo 40 das Declarações periódicas de IVA perfazem €119080,00, a diferença de €3653,99 não poderá ser aceite fiscalmente.

Desta forma a referida diferença deverá ser imputada ao mês de Novembro de 2007.

A data de contabilização dos documentos considerada foi a data que o s.p. assinalou manualmente nos documentos.

Face aos novos elementos, apresentados pelo s.p., nomeadamente cópia das notas de lançamento / crédito carimbadas e assinadas pelos clientes, consideram-se justificadas as regularizações das notas de crédito com excepção das situações já refridas e que a seguir se discriminam:

[...]

Documentos sem comprovativo válido € 50,790,57

Diferença entre o campo 40 DPS e total de comprovativos remetidos

(119,080,75 - 115426,76) = 3653,99

€ 50,790,57 + € 3653,99 = € 54444,56





[...]» - cf. o RIT a fls. 164 a 176 do PAT.

D) Liquidações impugnadas: Em 22.10.2011, na sequência das correções refletidas no Relatório de Inspeção a que se refere a alínea anterior, foram emitidas as seguintes liquidações de IVA e respetivas liquidações de juros compensatórios, por referência a diversos períodos do exercício de 2007, no montante total de € 63.847,21, com data limite de pagamento voluntário em 31.12.2011:

a) 0702 JC n.º ........, no valor de € 8.294,94

b) 0702 LA n.º ........, no valor de € 47.01,22

c) 0703 LA n.º ........, no valor de € 48,86

d) 0707 LA n.º ........, no valor de € 3.642,88

e) 0707 JC n.º ........, no valor de € 581,66 

f) 07010 LA n.º ........, no valor de € 67,69

g) 0711 JC n.º ........ no valor de € 3.662,18

h) 0711 JC n.º ........ no valor de € 535,78.

- facto não controvertido e cf. fls. 17, 59, 82, 96 e 115 do processo de reclamação graciosa (RG) apenso.

E) Em 13.03.2012, a Impugnante apresentou reclamação graciosa das liquidações identificadas na alínea que antecede, conforme requerimento de fls. 3 e sgts. do processo de RG apenso, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, com fundamentos em tudo idênticos aos que suportam o pedido de anulação dos atos de liquidação nos presentes autos de impugnação judicial - cf. fls. 3 e sgts. da RG apensa.

F) Com a reclamação graciosa referida na alínea que antecede a impugnante juntou 30 documentos, os quais aqui se dão por reproduzidos, e requereu a notificação dos contribuintes “P........, Lda.”, “C........, S.A.”, “P........, Lda” e “P........, S.A.” “para prova dos factos alegados a propósito da devolução de facturas” - cf. fls. 15/16 e 17 a 157 da RG apensa.

G) Em 13.07.2012 foi elaborado o projeto de indeferimento da reclamação graciosa mencionada acima mencionada, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, e de onde resulta, além do mais, o seguinte:

“[...] // II - ANÁLISE DA RECLAMAÇÃO GRACIOSA // [...] importa agora traçar o direito "in cau" aplicável, que na nossa modesta opinião, passa pela conjugação dos artigos 74º da LGT, 69º do CPPT, 19º nº 2, 36º nº 5 e 78º nº 5 todos do CIVA. De uma leitura atenta a estes preceitos legais, pode retirar-se, respetivamente que, quem invoca o direito impende sobre si o ónus de o provar, sendo certo que no caso "sub judice", a nosso ver e, contrariamente ao pretendido pela Reclamante, não se aplica a inversão do ónus da prova previsto no nº 2 do citado artigo 74º da LGT, atento o objeto do presente procedimento e o probatório que o mesmo exige, procedimento este que a lei exige que seja simples nos seus termos e breve nas suas resoluções, razão pela qual se limita no mesmo, os meios probatórios à forma documental e aos elementos oficiais de que os serviços disponham. // Por outro lado, atento à natureza específica do próprio Tributo em si, a dedução do IVA só é permitida, não só quando suportada em faturas ou documentos equivalentes que sejam originais, e não em 2as vias [...]. Ademais, por exigência legal, as regularizações só podem ser efectuadas após o Sujeito Passivo ter na sua posse, prova que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, conhecimento este que, caso se trate de sociedades, terá de ser feito por quem a represente (a gerência ou a administração conforme o tipo de sociedade), o que pressupõe, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, que os documentos em causa sejam devidamente carimbados com o carimbo da gerência/administração, datados e assinados por quem a represente, pois só assim se considera que o adquirente tomou conhecimento.

Ora, subsumindo os factos supra descritos na previsão dos preceitos legais antes referidos, verifica-se, inequivocamente, [...] que não assiste qualquer razão à Reclamante, nos fundamentos invocados, porquanto, os documentos carreados para o presente procedimento, com algumas nuances, são os mesmos que juntou ao procedimento inspetivo [...];

Pelo que se ao tempo foram as citadas regularizações consideradas indevidas, daí as liquidações adicionais de IVA postas ora em crise, também agora, deverão continuar a ser consideradas como tal, pois a nosso ver, não foi carreado para os presentes autos probatório julgado idóneo, que ponha em crise o entendimento preconizado pela Administração Fiscal (AF), quanto às referidas regularizações. Sendo mesmo [...] totalmente despiciendo, a junção dos elementos que constituem o doc. nº 4 e constantes de fls. 28 a 54, não só porque são enviados extratos de contas de fornecedores de 2007/2008, quando a(s) fatura(s) foi(ram) emitida(s) em 2006, mas também porque, os extrato de conta de fornecedor apresentados com relação aos vários meses do ano de 2006, para além de se referir ao mesmo fornecedor, ou seja, a ora Reclamante, sem razão aparente, pensamos nós, apresenta identificação diferente (numas aparece o fornecedor identificado com X196 e noutras com R913), registos/movimentos também diferentes;

[.] o que mais releva é o facto de, apesar de existir um lapso de tempo considerável (em alguns casos mais de dois meses) entre a emissão da fatura e a sua anulação/correção, não se verifica nos referidos extratos registados esses dados/movimentos, quando a nosso ver, devia a contabilidade espelhar tais movimentos que, por serem contrários, anular-se-iam (totalmente ou parcialmente consoante a situação), pois só assim a mesma poderia ser considerada fidedigna e idónea, para todos os efeitos legais, o que não se verifica no caso em análise, como tudo leva a crer;

[...] entendemos que as razões de facto e de direito aduzidas pela ora Reclamante não podem colher [...] porque destituídos de qualquer fundamento legal, daí entendermos que a presente Reclamação Graciosa deve ser indeferida totalmente. [...]” - cf. fls. 178/180 da RG apensa.

H) Em sede de direito de audição, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, a impugnante defendeu, além do mais, que o “projecto de decisão refugia-se em argumentação de carácter formal sem cuidar da apreciação da materialidade das operações em causa e da veracidade que esteve subjacente às deduções efectuadas”; que não está em causa no requerimento de prova constante da reclamação graciosa “a inversão do ónus da prova, mas antes que a instrução do presente procedimento se realize tendo em conta os princípios que a devem reger, designadamente o princípio do inquisitório”; que apresentou documentos idóneos a demonstrar a materialidade das operações realizadas” e que o entendimento que a AT faz, no sentido de que a prova do conhecimento da retificação pelo adquirente “só pode ser feita por documento assinado pelo representante legal da sociedade [...] não encontra suporte legal, nem é consentâneo com a prática e quotidiano das grandes empresas adquirentes”, como é o caso do P........ e C........, sendo o cruzamento de dados requerido indispensável à descoberta da verdade, acrescentando ainda que o projeto de decisão “não conheceu de todos os fundamentos da reclamação, designadamente sobre as deduções decorrentes das certidões de sentenças de falência” e os factos referidos nos pontos 15. e 22. do direito de audição - cf. fls. 184 a 196 da RG apensa.

I) Por despacho de 11.09.2012 a reclamação graciosa foi indeferida, com os fundamentos constantes da informação dos serviços de 06.09.2012, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, que manteve todos os fundamentos constantes da projetada decisão de indeferimento, mais referindo, quanto ao direito de audição, além do mais, que não ocorre a invocada omissão do dever de decisão quanto às questões suscitadas, e que:

“[...] se ao tempo os referidos documentos foram desconsiderados por padecerem dos vícios que constam do relatório que nos vem ocupando, não é o decurso do tempo que vai fazer com que os citados vícios fiquem sanados, uma vez que, tal como já fizemos alusão, os documentos que se encontram juntos aos presentes autos, com algumas nuances, são os mesmos que foram analisados pela fiscalização que ao tempo não os considerou como idóneos para justificar tais regularizações, sendo certo que os documentos agora juntos, considerados como "novos", pelas razões constantes da informação que suporta o projeto de despacho não vieram acrescentar nada de novo aos factos antes conhecidos, daí a AF manter a mesma posição antes já adotada.

Por último, não podemos deixar de referir que, na nossa modesta opinião, mas sempre com respeito por melhor e mais esclarecido entendimento, a AF, ao longo de todo este procedimento, não violou qualquer princípio de natureza constitucional ou outra, muito menos os constantes do item 41, isto porque, se por um lado é inquestionável que, na sua atuação teve (e tem) sempre presente o princípio da procura da verdade material, por outro, a mesma só não lançou mão dos demais meios que tem à sua disposição, maxime o plasmado no artigo 58º da LGT, porque ab initio, nunca teve dúvidas quanto às alterações levadas a efeito aquando da ação de fiscalização, face ao probatório disponível, alterações essas que levou á emissão das LA's, que são o objeto dos presentes autos, porquanto, a Reclamante, quer ao tempo quer agora, não carreou probatório que, de alguma forma, tenha posto em causa essa sua posição.

Ademais, se a AF estivesse subordinada à iniciativa do autor do pedido, no que concerne ao tipo de meios de prova a utilizar no âmbito do presente procedimento (o que não está tal como prescreve o preceito legal antes referido "in fine"), não só o prazo para a sua conclusão não teria, nos termos do artigo 57º da LGT, diminuído (passando de seis para quatro meses), mas sim alargado, como também, as regras fundamentais do procedimento de reclamação graciosa, previstas no artigo 69º do CPPT, nomeadamente as constantes nas suas als. a) e b), teriam que ser totalmente repensadas e profundamente alteradas, o que estamos em crer que, face às mais recentes alterações legislativas neste campo, a tendência do legislador é cada vez mais simplificar/agilizar mais este tipo de procedimento e não o contrário.

Assim, por tudo quanto temos vindo de expender, e porque a ora Reclamante, a nosso ver: não carreou probatório que tenha posto em crise, em momento algum, a posição defendida pela AF, nem tão pouco a questão se pode resumir, como aquela pretende, a que das referidas regularizações não resultou qualquer prejuízo para o Estado (e não para a AT como referido no item 5), questão essa que aqui não se coloca mas tão só, a que a situação em análise, resume-se apenas ao facto de, aquela, aquando das regularizações de IVA a seu favor, que nos termos da lei, para além de serem facultativas, só as podia ter efetuado depois de ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da retificação ou de que foi reembolsado do imposto, situação esta que "in casu" não se verificou, uma vez que a Reclamante, nem aquando da ação inspetiva, nem até ao presente, no nosso modesto entendimento, carreou probatório que tenha demonstrado muito menos provado de que, à data de tais regularizações, cumpria o pressuposto por lei exigido e acima mencionado, o que acarreta que sejam consideradas indevidas as respetivas deduções, pelo que entendemos, que o sentido de decisão emanado do projeto de despacho, se deve manter.

[...]” - cf. fls. 198 a 203 da RG apensa.

J) Em 17.09.2012 a impugnante foi notificada da decisão que antecede - cf. fls. 204 a 206 da RG apensa.

K) A impugnante tem por clientes grandes cadeias de super e hipermercados como a “C........, S.A.”, “P........, Lda” e “P........, S.A.” - facto não controvertido e depoimento da testemunha C.........

L) No procedimento de anulação das faturas emitidas pela impugnante, os clientes mencionados na alínea que antecede procediam à devolução das faturas originais, normalmente, sem nenhuma comunicação adicional sobre o conhecimento do procedimento, sendo os mesmos anexados à nota interna - depoimento da testemunha C.........

M) Algumas faturas anuladas resultaram da respetiva devolução pelos clientes da impugnante, nuns casos por recusa de pagamento de assistências técnicas que consideravam estar a coberto da garantia dos equipamentos de frio e noutros por necessidade do cliente em ter faturas diferenciadas por centros de imputação de custos, em função da localização geográfica das lojas ao invés de uma única fatura, ou, como sucedeu no caso de três encomendas efetuadas pela “C........, S.A.”, para fazer coincidir cada fatura com a respetiva nota de encomenda, ao invés de uma única fatura para a totalidade dos bens - cf. doc. 12 junto com a RG e depoimento da testemunha C.........

N) A Impugnante emitiu a Nota de Lançamento n.º 7000073, no valor de € 81,11, destinada ao reembolso de IVA, justificando-a com “desconto de pronto pagamento na factura” com o n.º 23348, emitida à sua cliente P........, Lda. - cf. doc. n.º 2 junto com a RG.

O) A Impugnante emitiu a Nota de Lançamento n.º 6000715, no valor de € 1.902,60, correspondente ao lançamento interno n.º 2007.02.90.033 efetuado para regularizar o IVA decorrente da anulação da fatura n.º 22.631, devolvida pela C........, S.A. - cf. doc. n.º 3 junto com a RG.

P) A C........, S.A. facultou à Impugnante o extrato de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007 onde não consta a fatura n.º 22.631, a que se faz referência na alínea que antecede - cf. doc. n.º 4 junto com a RG.

Q) A Impugnante, fundando-se nas certidões judiciais de insolvências e falências fez, em fevereiro de 2007, os lançamentos internos n.º 2007.02.90.018 e n.º 2007.02.90.019, nos valores de € 2.694,79 e € 19,74, o primeiro, e de € 42.314,98, o segundo - cf. docs. n.ºs 5 e 6 juntos com a RG.

R) No preenchimento do documento informatizado que deu origem às Notas de Lançamento ficou inscrita a data de 2006, devido a ter sido elaborado sobre um modelo que tinha aposta aquela data, em vez de 2007, erro de impressão corrigido e aposto de forma manuscrita - cf. docs. n.ºs 5 e 6 juntos com a RG e depoimento da testemunha C.........

S) A Impugnante emitiu lançamento interno n.º 2007.03.90.026 - 38029, no valor de € 0.60, para dedução do IVA que justifica como emergente de uma 2.a via da fatura n.º 38029, do fornecedor T........ Lda. - cf. doc. n.º 8 junto com a RG.

T) A Impugnante emitiu a nota de lançamento n.º 2007.03.30.156, no valor de € 48,62, para regularizar o IVA decorrente da anulação da fatura n.º 23422, devolvida pela P........ Lda. - cf. doc. n.º 9 junto com a RG.

U) A Impugnante emitiu o lançamento interno n.º  2007.07.30.186, correspondente à nota de lançamento n.º 7000272, com valor de IVA de € 14,92, por referência à devolução pela cliente F........ da fatura em causa onde se encontra apostos o carimbo e assinatura da cliente - cf. doc. n.º 11 junto com a RG.

V) O lançamento interno n.º 2007.07.30.160, com valor de IVA de € 3.627,96 foi efetuado pela Impugnante para regularizar o imposto em face da anulação da fatura n.º 23970, devolvida pela C........, S.A., cujo original se encontra na contabilidade da Impugnante - cf. doc. n.º 12 junto com a RG.

W) A fatura mencionada na alínea que antecede não foi contabilizada pela C........, S.A. - cf. doc. n.º 4 junto com a RG.

X) A fatura referida em V) foi substituída pelas faturas n.ºs 24253, 24254 e 24255, com data de 26.07.2007, as quais foram contabilizadas pela C........, S.A. - facto não controvertido e cf. doc. n.º 12 junto com a RG.

Y) As Notas de Lançamento n.º 7000527, no valor de € 16,66, n.º 7000528, no valor de € 32,08, e n.º 7000529, no valor de € 18,95, que deram origem aos lançamentos internos, n.ºs 2007.10.30.101/2/3, respetivamente, foram elaborados para regularizar o IVA decorrente da anulação das faturas n.ºs 24368, 24341 e 24376, respetivamente, devolvidas pelo cliente P........ S.A. e que se encontram anexas às respetivas notas de lançamento - cf. docs. n.ºs 14 a 16 juntos com a RG.

Z) As faturas mencionadas na alínea que antecede não foram contabilizadas pelo cliente P........ S.A. — cf. doc. n.º 17 junto com a RG.

AA) A Impugnante emitiu a Nota de Lançamento n.º 7000577, no valor de € 8,19, correspondente ao lançamento interno n.º 2007.11.30.82 efetuado para regularizar o IVA decorrente da anulação da fatura n.º 24349, cujo original foi devolvido pela P........ Lda. à ora impugnante — cf. doc. n.ºs 19 junto com a RG.

BB) As divergências identificadas pela impugnante no quadro abaixo respeitam a regularizações que foram aceites pelos serviços de inspeção tributária após o exercício do direito de audição prévia, conforme quadro de págs. 6 a 12 do RIT:





— cf. págs. 6 a 12 RIT a fls. 164 a 176 do PAT.

CC) Em 13.03.2012 a ora impugnante apresentou, no processo de execução fiscal n.º ........, instaurado no Serviço de Finanças de Sintra 1 para cobrança coerciva das liquidações identificadas em D), a garantia bancária n.º ........, prestada pelo B......., no valor de € 80.067,76 - cf. doc. 1 junto à p.i.

DD) A presente impugnação judicial deu entrada na DF de Lisboa em 03.10.2012 - cf. fls. 3 dos autos.

Não resultam dos autos outros factos, com relevo para a decisão do mérito da causa, que importe julgar não provados.

Fundamentação da matéria de facto: // O julgamento de facto assentou nos documentos referidos em cada uma das alíneas, que não foram impugnados pelas partes, no que aos factos provados respeita, e não há indícios que ponham em causa a sua genuinidade material, bem como na prova testemunhal produzida em audiência, tendo a testemunha inquirida - contabilista certificado e diretor financeiro da impugnante - esclarecido o tribunal sobre o procedimento interno adotado pela impugnante no que se refere a regularizações de IVA, mais esclarecendo ser usual as grandes cadeias de distribuição alimentar como é o caso da C........, S.A., de devolverem faturas relacionadas com a prestação de assistência técnica por entenderem não ser a mesma devida, utilizando o seu poder de “grande cliente” para estabelecer regras em relação aos seus prestadores de serviços, quer recusando o pagamento de serviços que entendem não ser devidos quer exigindo a emissão de faturação em conformidade com as suas próprias regras de organização contabilística, designadamente no que se refere à imputação a centros de custos, com correspondência direta na organização geográfica nacional das diferentes lojas de cada cadeia de distribuição alimentar. O depoimento da testemunha foi valorizado pelo tribunal por se mostrar claro isento e prestado por quem tem conhecimento direto dos factos.»

2.2. Direito

2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento no enquadramento jurídico da causa.

2.2.2. O recurso tem por objecto o segmento decisório relativo às regularizações que têm como documentos de suporte os originais das facturas emitidas pela impugnante às suas clientes. Está em causa a rectificação do imposto liquidado, ao abrigo do disposto no artigo 71.º, n.º 5, do CIVA. A sentença julgou procedente a impugnação, assentando na argumentação seguinte.
«[R]esultou cabalmente esclarecido da prova testemunhal produzida em audiência, que os clientes da impugnante, na sua maioria grandes cadeias de super e hipermercados, procediam à devolução das faturas originais, normalmente, sem nenhuma comunicação adicional sobre o conhecimento do procedimento de anulação da fatura, resultando muitas dessas devoluções de recusa de pagamento de assistências técnicas que consideravam estar a coberto da garantia dos equipamentos de frio e noutros por necessidade do cliente em ter faturas diferenciadas por centros de imputação de custos, em função da localização geográfica das lojas, valendo-se, muitas vezes, do seu poder na relação comercial para definir as regras relacionadas com a faturação dos serviços prestados e bens vendidos - cf. als. K), L) e M) dos factos provados. // Assim sendo, tendo sido devolvidas as faturas originais, tal facto, não questionado pela AT no caso em apreço, como se refere no acórdão do TCA Sul de 14.11.2019, proc. n.º 49/10.5BESNT, referente a situação semelhante à dos presentes autos, disponível para consulta em www.dgsi.pt, “implica que os clientes não contabilizaram, nem podiam contabilizar, nem efetuaram a dedução de imposto, nem podiam deduzir, resultando, por isso, demonstrada a inexistência de risco de perda de receita fiscal”. // Mais resulta do referido aresto, tal como daquele que se mencionou acima, que “[é] certo que o IVA, pelas especiais características que tem, implica exigências acrescidas do ponto de vista documental, mas estas sempre terão de ser interpretadas com referência ao respeito pelo princípio da neutralidade, o qual resulta assegurado, neste caso”. // Pelo exposto, e sem necessidade de considerações acrescidas, no que se refere às regularizações que se encontram documentadas com os originais das faturas emitidas pela ora impugnante às sociedades suas clientes e por estas devolvidas, ainda que não devidamente carimbados com o carimbo da gerência/administração, datados e assinados por quem a represente, como exige a AT, procede a alegação da impugnante, padecendo as respetivas liquidações adicionais de IVA de vício de violação de lei por errónea quantificação, decorrente de incorreta interpretação do n.º 5 do art.º 71.º do Código do IVA (atual art.º 78.º)».

2.2.3. A recorrente assaca à sentença sob recurso erro de julgamento quanto ao enquadramento jurídico da causa. Invoca, em síntese, que: «Não pode o Tribunal a quo afirmar que a ora Recorrida emitiu as notas de lançamento após quer a devolução das faturas, quer o conhecimento de que as mesmas não foram contabilizadas quando desconhece o momento a partir do qual a ora Recorrida teve acesso aos extratos de conta corrente das transações comerciais efetuadas no ano de 2006 e 2007, assim como desconhece quando é que os clientes devolveram as faturas em causa nos autos. // A exigência da lei de que o sujeito passivo tenha na sua posse prova “que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto" justifica-se pelo fim visado pelo legislador na referida disposição legal, o controlo da evasão e fraude fiscal pela AT».

Apreciação.

Determinava o artigo 71.º, n.º 5, do CIVA (vigente à data[1]) que «[q]uando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução».

A este propósito constitui jurisprudência fiscal assente a de que,
1. «Nas situações abrangidas pelo n.º 5 do art.º 71.º do CIVA é necessário demonstrar que está salvaguardado o risco de perda de receitas fiscais, devendo as exigências de prova ser temperadas com o respeito pelo princípio da neutralidade, basilar na mecânica do imposto em causa. // Se as faturas foram devolvidas à impugnante e não foram contabilizadas pelo cliente, e na sequência foram emitidas notas de crédito no mesmo valor com base nas quais regularizou o IVA a seu favor, mesmo admitindo que a situação se subsume ao n.º 5 do art.º 71º do CIVA (numeração vigente), devem considerar-se cumpridos os requisitos legais».[2]
2. «A regularização do IVA a favor do sujeito passivo, nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, depende de um pressuposto legal (n.º 5 do art. 71.º do CIVA), sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto; // A exigência legal justifica-se pelo fim que visa, controlo da evasão e fraude fiscal pela AT, pois o adquirente do bem ou do serviço ao ter conhecimento dessa comunicação fica constituído na obrigação de não deduzir o imposto regularizado pelo sujeito passivo, ou constituído na obrigação de entregar o imposto ao Estado caso já tenha deduzido o imposto»[3].
3. «Nos termos n.º 5 do art. 71.º do CIVA a regularização do IVA a favor do sujeito passivo nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, depende de um pressuposto legal, sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto; // A devolução das notas de crédito carimbadas e assinadas não poderá ser considerado o único meio idóneo para satisfação da prova exigida pelo n.º 5 do art. 71.º do CIVA, porém aquela prova deverá revestir natureza inequívoca, devendo estar devidamente evidenciada na contabilidade de modo a permitir à AT o controlo dos pressupostos do direito à dedução reportados ao momento em que o direito à dedução é exercido»[4].
4. «A regularização do IVA a favor do sujeito passivo nos casos em que o valor tributável da operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos depende de um pressuposto legal, sob pena de se considerar indevida a respectiva dedução do IVA: ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto (n.º 5 do art. 71.º do CIVA); // Trata-se de um requisito legal de natureza formal do qual depende o exercício do direito à dedução do IVA (regularização), e portanto, aquele requisito legal não depende do facto do imposto ter sido deduzido pelo cliente e da necessidade de proceder à regularização do imposto, não competindo à AT verificar se a outra parte efectuou a regularização do IVA»[5].

No caso em exame nos autos, a recorrente não impugna a matéria de facto assente.

Dos elementos coligidos nos autos resulta que está em causa a restituição do imposto determinada pela anulação de facturas que foram devolvidas pelos clientes da impugnante. Mais resulta do probatório o seguinte: «No procedimento de anulação das faturas emitidas pela impugnante, os clientes mencionados na alínea que antecede procediam à devolução das faturas originais, normalmente, sem nenhuma comunicação adicional sobre o conhecimento do procedimento, sendo os mesmos anexados à nota interna» (alínea L) // «Algumas faturas anuladas resultaram da respetiva devolução pelos clientes da impugnante, nuns casos por recusa de pagamento de assistências técnicas que consideravam estar a coberto da garantia dos equipamentos de frio e noutros por necessidade do cliente em ter faturas diferenciadas por centros de imputação de custos, em função da localização geográfica das lojas ao invés de uma única fatura, ou, como sucedeu no caso de três encomendas efetuadas pela “C........, S.A.”, para fazer coincidir cada fatura com a respetiva nota de encomenda, ao invés de uma única fatura para a totalidade dos bens».

Perante a prova de que as facturas anuladas, cuja rectificação justifica a dedução em causa, foram devolvidas pelos clientes da impugnante, não pode a AT exigir ulterior prova sobre o conhecimento por parte do adquirente dos serviços de que a operação foi anulada e o IVA, porque não liquidado a este último, não será dedutível. A prevenção da fraude e da evasão fiscal encontram-se asseguradas no caso. Pelo que a norma do artigo 71.º/5, do CIVA, é de aplicar ao caso em exame, garantindo à contribuinte o direito à regularização das facturas em apreço.

Mais se refere que no caso a impugnante requereu, aos serviços da recorrente, a circularização das facturas em causa[6], diligência que podia e devia ter sido realizada pela mesma, com vista a confirmar a materialidade da operação de anulação das facturas em presença. A veracidade de tal operação não é posta em causa pela recorrente. Pelo que as liquidações, por referência às regularizações em apreço, enfermam de erro de direito, não sendo de manter na ordem jurídica. Como se decidiu na sentença recorrida, a qual não merece reparo, devendo ser confirmada a ordem jurídica.

Motivo porque se julga improcedente a presente imputação.


DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe.

Notifique.

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso]


(Jorge Cortês)

___________________


[1] Actual artigo 78.º, n.º 5, do CIVA.

[2] Acórdão do TCAS, de 14/11/2019, P. 49/10.5BESNT

[3] Acórdão do TCAS, 19-11-2020, P. 599/07.0BELRS

[4] Acórdão do TCAS, de 03-03-2016, P. 06305/13.

[5] Acórdão do TCAS, de 14-04-2016, P. 06602/13.
[6] Alínea H), do probatório.