Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1325/10.2BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:VITAL LOPES
Descritores:OPOSIÇÃO;
NOTIFICAÇÕES;
FORMALIDADES;
EXIGIBILIDADE.
Sumário:1. Os prints informáticos da AT per si não são bastantes à demonstração da realidade do que neles se deixou lavrado.
2. Não demonstrando a Fazenda Pública que as notificações das liquidações exequendas dirigidas à sociedade devedora originária chegaram à sua esfera de cognoscibilidade, procede o invocado fundamento de inexigibilidade da dívida.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


1 – RELATÓRIO

A Exma. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a oposição deduzida por F…… à execução fiscal n.º3654200201038… e apensos, contra si revertida e originariamente instaurada contra a sociedade “C…… do N……, Decorações e Brindes de N…., Lda.” por dívidas de IVA, de 2001 a 2003, IRC de 2002 a 2005, e Coimas Fiscais de 2005 a 2008, tudo perfazendo o montante de 15.929,25 Euros.

O recurso foi admitido com subida imediata nos próprios autos e efeito devolutivo (fls.195).

A Recorrente conclui as alegações assim:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a douta decisão que julgou procedente a oposição deduzida pelo Oponente no processo supra identificado, e que logrou declarar extinta a execução fiscal.
II. Visa o presente recurso demonstrar o desacerto a que chegou a douta sentença recorrida relativamente ao modo como logrou concluir pela não notificação ou pela inválida notificação das liquidações de IVA de 2003 e de IRC de 2002 e 2003 à sociedade “C...... do N....., Decorações e Brindes de N....., Lda”, devedora originária, cujas dívidas reverteram contra o ora oponente, o qual com o devido respeito, deriva não só da incorrecta percepção e valoração da prova.
III. A Fazenda Pública não concorda, nem se conforma com esta decisão pois não se pode concluir, como concluiu o Tribunal a quo que a sociedade devedora originária não foi notificada das liquidações oficiosas de IVA de 2003 e de IRC de 2002 e 2003 em causa nos autos.
IV. O Tribunal a quo considera que não tendo a AT juntado aos autos o print do registo de pesquisa obtido pelo site dos CTT, comprovativo do envio das liquidações tendo como destinatária a sociedade devedora originária, limitando-se a juntar os registos informáticos que na sua óptica constituem documentos por si internamente elaborados não provam a remessa da liquidação nem o seu recebimento, concluindo pela ineficácia de tal acto, nos termos do art. 39º, nº 1, do CPPT afirmando, ademais, que o ónus da prova relativamente aos factos por esta alegados, previsto no art. 74º, nº 1, da LGT, não se cumpriu – merecendo a presente Oposição ser declarada procedente.
V. A pesquisa de objectos dos CTT é um serviço on-line (disponível na internet) colocado à disposição de todo e qualquer cliente dos CORREIOS de Portugal (não é uma prerrogativa da AT) que tendo apresentado uma encomenda registada (seja ela uma carta ou mercadoria à qual foi atribuído um número/referência de registo) a fim de ser enviada a um qualquer destinatário, permite ao remetente saber se a mesma logrou ter sido entregue/recebida, ou não, se foi reencaminhada, a data da aceitação (pelos CTT), a data do recebimento, ou do não recebimento.
VI. O registo postal, com ou sem aviso de recepção, apenas se justifica por uma questão de segurança probatória. É uma formalidade que a lei prevê para melhor garantir a certeza jurídica da cognoscibilidade do acto notificado, evitando o risco de se invocar a falta de notificação. E resulta claramente do artigo 28.º do Regulamento do Serviço público de Correios que a finalidade tida em vista ao se exigir o recibo foi apenas a de obter prova segura acerca do registo e não qualquer outra finalidade. Assim sendo, e
aplicando o critério do n.º 2 do artigo 364.º do Código Civil, deve considerar-se o recibo do registo da carta como uma formalidade simplesmente probatória ou «ad probationem», cuja falta pode ser substituída por outros meios de prova.
VII. A Fazenda Pública juntou aos autos documentos extraídos do sistema electrónico de citações e notificações comprovativos do envio das referidas notificações à sociedade devedora originária, através dos quais se pode comprovar os números de registo postal de cada uma das notificações remetidas e a indicação da data em que se presumem recebidas.
VIII. A douta sentença, ao dar como não provada a notificação das liquidações à sociedade devedora originária referentes a IVA de 2003 e de IRC de 2002 e 2003, por não estar legível a assinatura constante do aviso de recepção, nem estar indicada a identificação da pessoa que terá recebido a mesma, nos campos “nome legível, “data”, “identificação”, não levou em consideração o disposto nos n.º 5 e 6 do art.º 39.º CPPT.
IX. As notificações das liquidações de IRC de 2002 e 2003, remetidas à sociedade devedora originária para a morada constante do cadastro da AT, foram devolvidas tendo sido enviadas segundas notificações, as quais por sua vez, vieram, também, devolvidas, razão pela qual os avisos de recepção juntos aos autos não se encontram assinados.
X. A douta sentença ao concluir que a sociedade devedora originária não foi notificada das liquidações oficiosas de IVA de 2003 e de IRC de 2002 e 2003, incorreu em erro de julgamento da matéria de facto, em violação do disposto nos n.º 5 e 6 do art.º 39.º CPPT.
XI. Não resulta dos autos que a presunção de notificação haja sido ilidida, porquanto não foi indicado qualquer justo impedimento para receber as notificações nem a sociedade devedora originária comunicou ou alterou o seu domicílio fiscal.
XII. Não foi ilidida a presunção de notificação prevista no n.º 6 do art.º 39.º do CPPT, cujo ónus recaía sobre o impugnante, violando assim o disposto no art.º 74.º da LGT.
XIII. Entende, pois, a Fazenda Pública que não tendo a douta sentença recorrida sufragado semelhante entendimento perante os factos que deu por provados e por via da má apreciação da prova, incorreu em erro de julgamento violando o disposto nos arts. 36º, nºs 1, 5 e 6 do CPPT e 74º da LGT impondo-se a sua revogação por acórdão que dando por provada a efectivação da notificação das liquidações de IVA de 2003 e de IRC de 2002 e 2003, determine a improcedência da presente Oposição e bem assim da extinção do processo de execução fiscal subjacente
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que determine a improcedência da presente Oposição e bem assim da extinção do processo de execução fiscal subjacente.».
O Recorrido não apresentou contra-alegações.

A Exma. Senhora Procuradora-Geral-Adjunta emitiu mui douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

2 – DO OBJECTO DO RECURSO

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões da alegação do Recorrente (cf. artigos 634.º, n.º4 e 639.º, n.º1 do CPC), a questão controvertida consiste em determinar se as dívidas em cobrança coerciva são exigíveis e se as liquidações foram validamente notificadas à sociedade devedora originária.

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Em sede factual, deixou-se consignado na sentença recorrida:
«
3.1. – DE FACTO
Com base na documentação junta aos autos e na posição das Partes, consideram-se provados os seguintes factos:

A. Corre termos no Serviço de Finanças de Oeiras – 2 (P…. de A….), em nome da sociedade “C...... do N....., Decorações e Brindes de N....., Lda.”, o processo de execução fiscal n.º 3654200201038.... e apensos, para cobrança coerciva de dívidas de IVA, de 2001 e 2003, IRC, de 2002 a 2005, e coimas fiscais, de 2005 a 2008, no valor total de € 15.929,25 – cfr. fls. 37, 74 e 75 dos autos, que se dão por reproduzidas;

B. O Oponente, F......., foi nomeado gerente da sociedade referida na alínea antecedente, juntamente com A......., na data de constituição da sociedade referida na alínea antecedente, em 28.12.2000 (cfr. certidão permanente, a fls. 137 do PEF apenso);

C. Em 20.04.2010, foi elaborada “Informação”, no Serviço de Finanças de Oeiras – 2, na qual se afirma, na parte relevante, o seguinte:

 “(…) Foi efectuada através do SIPA, a penhora de um veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 53-…-...;

Compulsados os sistemas disponíveis verifica-se que se encontra ainda em nome da executada. No entanto, a última evidência de pagamento de Imposto de Circulação reporta-se a 2004 (…),

Os factos enumerados no ponto anterior são demonstrativos da não existência ou não circulação do veículo em causa;

Não são conhecidos outros bens penhoráveis em nome da executada.

Assim, face ao que antecede, penso que se poderá considerar nula a penhora do veículo. (…)”.(cfr. informação, a fls. 63 dos autos, que se dá por reproduzida);

D. Na mesma data, o Chefe do Serviço de Finanças de Oeiras - 2 proferiu, em nome do Oponente, “DESPACHO PARA AUDIÇÃO (REVERSÃO), nos seguintes termos:

Face às diligências de fls, que antecedem, determino a preparação do processo para efeitos de reversão das execução(ões) contra F....... (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
(…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo art. 24º/n.º 1/b) LGT.
A responsabilidade subsidiária pela falta de pagamento das coimas opera-se ao abrigo do artigo 8º do R.G.I.T. (…)”.
– cfr. despacho, a fls. 66 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido;

E. Em 19.05.2010, o Chefe do Serviço de Finanças elaborou, no âmbito do PEF referido em A., “DESPACHO (REVERSÃO)”, nos seguintes termos:

DESPACHO
Face às diligências de fls. que antecedem, e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra F....... (…), na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.
(…)
FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo art. 24º/n.º 1/b) LGT.
A responsabilidade subsidiária pela falta de pagamento das coimas opera-se ao abrigo do artigo 8º do R.G.I.T. (…)”.
– cfr. despacho, a fls. 74 dos autos, que se dá por reproduzido;

F. Através do ofício da mesma data, recebido a 26.05.2010, o Oponente foi, no âmbito do PEF referido em A., citado por reversão, constando da respectiva citação o seguinte:

Pelo presente fica citado(a) de que é EXECUTADO(A) POR REVERSÃO nos termos do artigo 160º do C.P.P.T., na qualidade de Responsável Subsidiário para, no prazo de 30 (trinta) dias a contar desta citação, pagar a quantia exequenda de 15.929,25 EUR de que era devedor(a) o(a) executado(a) infra indicado(a) (…).

FUNDAMENTOS DA REVERSÃO
Inexistência ou insuficiência dos bens penhoráveis do devedor principal e responsáveis solidários, sem prejuízo do benefício da excussão (art.º 23º/n. 2 da LGT):
Dos administradores, directores, ou gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração ou gestão em pessoas colectivas e entidades fiscalmente equiparadas, por não terem provado não lhes ser imputável a falta de pagamento da dívida, quando o prazo legal de pagamento/entrega da mesma terminou no período de exercício do cargo art. 24º/n.º 1/b) LGT.
A responsabilidade subsidiária pela falta de pagamento das coimas opera-se ao abrigo do artigo 8º do R.G.I.T.

– cfr. ofício e aviso de recepção, a fls. 78 a 80 dos autos, que se dão por reproduzidos.

G. O processo executivo n.º 365420020038….. tem subjacente a liquidação de IVA n.º 02174…., relativa ao período de 01…T, que resultou da apresentação pela executada originária da respectiva declaração periódica de IVA, sem meio de pagamento (cfr. informação oficial, a fls. 24 dos autos).


FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que:
 A sociedade devedora originária foi notificada em 08.03.2005, da liquidação oficiosa de IVA n.º 05053…., relativa ao ano de 2003, que está na origem do processo de execução n.º 3654200501064……;

 A sociedade devedora originária foi notificada em 31.08.2005, das liquidações de IRC, de 2002, n.º 2005702…, e de 2003, n.º 2005747…, que estão na origem dos processos de execução n.º 3654200501079…. e 3654200501079…., respectivamente;

 A sociedade devedora originária foi notificada das liquidações de IRC referentes aos exercícios de 2004 e 2005.


MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos juntos aos autos e ao PEF apenso, não impugnados, conforme referido em cada uma das alíneas do probatório.
Quanto à matéria de factos não provada: o Tribunal não deu como provada a notificação das liquidações à sociedade devedora originária referentes ao IRC de 2002 e 2003, por não estar legível a assinatura constante do aviso de recepção, nem estar indicada a identificação da pessoa que terá recebido a mesma, nos campos “nome legível”, “data”, “identificação”, nos termos previstos no art. 236.º, n.º 3 do CPC, em vigor à data, aplicável ex vi art. 38.º, n.º 6 do CPPT. Para este efeito, e tratando-se de dívidas que não resultaram de imposto autoliquidado, a Administração Tributária teria de comprovar a efectivação da notificação, complementando a informação obtida através do print extraído do seu sistema informático, onde consta que a notificação foi efectuada a 08.03.2005 e 31.08.2005, respectivamente, com comprovativos obtidos através do site dos CTT, do qual resultasse que a correspondência foi efectivamente recepcionada, naquelas datas. Não dispondo a AT dessa informação, a falta de prova tem de ser valorada contra si, por não poder funcionar a presunção de notificação prevista na parte final do art. 39.º, n.º 3 do CPPT. Relativamente à dívida de IVA de 2003, por apenas ter sido junto a informação obtida do sistema informático da AT (cfr. fls. 31 dos autos), não havendo qualquer comprovativo que a notificação foi efectuada por carta registada com aviso de recepção, e, relativamente, as dívidas de IRC de 2004 e 2005, por não ter sido junto qualquer comprovativo da notificação à sociedade».

4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Antes de mais, importa assentar que embora a sentença recorrida tenha declarado prescrita a dívida de IVA/2001 e julgado o oponente parte ilegítima na execução por coimas fiscais, por falta de prova dos pressupostos da responsabilidade subsidiária, tais segmentos decisórios não foram impugnados no recurso da Fazenda Pública, considerando-se a sentença transitada nessa parte (cf. art.º635/5, do CPC).

Delimitado objectivamente o objecto do recurso pelas conclusões da alegação, a questão controvertida, como referimos já, consiste em determinar se a dívida é exigível e se a sociedade devedora originária (SDO) foi validamente notificada das liquidações exequendas.

Em causa, estão notificações de liquidações oficiosas de IVA, relativo ao ano de 2003 e de IRC dos exercícios de 2002, 2003, 2004 e 2005.

Diz-se notificação o acto pelo qual se leva um facto ao conhecimento de uma pessoa ou se chama alguém a juízo (art.º35/1 do CPPT).

As notificações são efectuadas obrigatoriamente por carta registada com aviso de recepção, sempre que tenham por objecto actos ou decisões susceptíveis de alterarem a situação tributária dos contribuintes ou a convocação para estes assistirem ou participarem em actos ou diligências (art.º38/1 CPPT).

Ao tempo das notificações (2005), dispunha o art.º41.º do CPPT, no segmento pertinente:
«1 - As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
2 - Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.».

Com pertinência para os autos, deixou-se consignado no Acórdão do STA (Pleno da Secção do CT), de 05/07/2017, exarado no proc.º01271/15:

«A norma contida no artigo 41º do CPTT dispunha, na redacção vigente à data, que «As pessoas colectivas e sociedades serão citadas ou notificadas na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem» (nº 1), e que «Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade» (nº 2).

Donde resulta, de forma inequívoca, que as sociedades devem, por princípio e como regra geral, ser notificadas na pessoa física dos seus representantes legais, notificação que pode ocorrer tanto na sede da sociedade, como na residência destes, como em qualquer outro lugar onde se encontrem, à semelhança, aliás, do que se previa no Código de Processo Civil perante o preceito então vigente – cfr. art. 237º.

Regra que se se aplica tanto à notificação pessoal como à notificação por carta registada, como bem frisa JORGE LOPES DE SOUSA em anotação ao preceito no “Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado”.

E porque não é ao distribuidor do serviço postal que compete, quando se dirige à sede da sociedade para entregar carta registada com A/R, adivinhar quem será o seu legal representante, ou, sequer, encetar diligências para apurar quem ele é – sabido que tal aviso deve ser assinado por esse representante legal e só no caso de este «não ser encontrado» pode ser assinado por empregado, capaz de transmitir os termos do acto, «que se encontre o local onde normalmente funcione a administração da sociedade», estando o distribuidor postal obrigado a proceder à anotação do documento oficial identificador de quem assina o A/R –, essa carta deve ser endereçada a determinada pessoa física com a expressa menção dessa específica qualidade de legal representante da sociedade.

Todavia, o facto de a carta registada com A/R não ter sido endereçada ao legal representante da sociedade não afectará a validade da notificação da sociedade desde que ela acabe por ser concretizada, de forma directa ou mesmo indirecta (através de “empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funciona a administração”) nesse legal representante. Concretização que pode ocorrer não só no local do endereço como na estação do serviço de correios onde a carta pode ser reclamada e levantada desde que naquele local tenha sido deixado aviso para o efeito.

Por conseguinte, caso não seja encontrado, no citado endereço, a pessoa do legal representante da sociedade ou qualquer empregado desta que possa receber a carta e assinar o A/R, designadamente porque as instalações se encontravam encerradas, e o distribuidor postal procede à sua devolução sem ali deixar aviso que permitisse reclamá-la na estação do serviço de correios, impõe-se à Administração Tributária proceder à notificação da sociedade através de carta registada com A/R enviada para a residência do representante legal, ou, até, para local onde saiba que ele se encontra (v.g. outras instalações da sociedade), em conformidade com o disposto no art.º 41.º do CPPT.

Tal posição mereceu já acolhimento pelo Supremo Tribunal Administrativo no acórdão proferido em 8/05/2002, no recurso nº 26683, em que se adoptou a doutrina plasmada no seguinte sumário: «1. Devolvida carta registada e com A/R expedida para a sede de empresa industrial, com a indicação de “desconhecido”, impunha-se à Administração Fiscal tentar a notificação de liquidação de IVA novamente através de tal meio, agora em carta dirigida para a residência de um dos administradores ou gerentes, nos termos do artigo 68º, 1, do CPT. // 2. Como assim, mostra-se indevido o uso da notificação edital, ineficaz, pois, para efeitos do disposto no artigo 64º, 1, do mesmo compêndio adjectivo».

Bem como no acórdão, proferido no âmbito da vigência do Código de Processo Tributário, em 8/05/1996, no recurso nº 020010, que acolheu a seguinte doutrina: «1 - As vias ou formas (pessoal, não pessoal e por funcionário ou pelo correio) pelas quais deve ser feita a notificação das sociedades e das pessoas colectivas são as indicadas no art. 65º do CPT. // 2 - O art. 68º do CPT apenas define, no tocante à notificação dessas pessoas morais, os aspectos que contendem com saber em que pessoas físicas deve ser efectuada a notificação postal ou por funcionário daquelas pessoas morais e o lugar em que as pessoas físicas podem ser contactadas para o efeito. (...)» (Fim de citação).

Pois bem, regressando aos autos, constata-se que no seguimento de diligências oficiosas do tribunal, foram juntos pela Fazenda Pública para prova das notificações das liquidações, com relação ao IVA/2003 e ao IRC de 2002 e 2003, “prints informáticos de consulta às liquidações”, de que consta o número do registo da expedição das notificações (fls. 31) e da respectiva data, no caso do IRC de 2002 e 2003 (fls. 32 a 35).

Ora, como bem assinala a sentença, trata-se de elementos internos da Administração tributária, insusceptíveis per si de fazerem prova suficiente de que a correspondência chegou ao conhecimento, ou cognoscibilidade, da sociedade destinatária e de que foram observadas as formalidades prescritas por lei e, nomeadamente, as referidas no citado Acórdão do STA, ou seja, que a correspondência foi endereçada ao legal representante da sociedade, ou, não o tendo sido, se concretizou na pessoa de um empregado, ou se foi deixado aviso para levantamento da correspondência na estação dos CTT.

E note-se que o ónus dessa prova é da Fazenda Pública, não invertendo esse ónus de prova a possibilidade que o oponente tem de, mediante o que consta daqueles prints informáticos da AT, diligenciar ele próprio pelo destino da correspondência junto dos CTT.

Por outro lado, os talões de aviso de recepção relativos às notificações das liquidações de IRC de 2002 e 2003 dirigidos à SDO – e não ao legal representante dela, como formalmente exigido – elementos juntos já depois do douto parecer do Ministério Público na 1.ª instância (fls.182 a 183v.), não contêm qualquer assinatura, alegadamente por a correspondência ter sido devolvida ao remetente (Conclusão IX), desconhecendo-se, porém, o motivo e se foi deixado aviso ao destinatário.
Relativamente à notificação das liquidações de IRC de 2004 e 2005, nenhum elemento de prova, interno ou externo foi junto aos autos, pelo que estas liquidações exequendas não podem ter-se por notificadas à SDO, como, de resto, parece conformar-se a própria Recorrente (cf. Conclusão III).

Tudo visto, acompanha-se a sentença recorrida quando conclui pela inexigibilidade da liquidação da dívida em cobrança coerciva por não ter sido feita prova do seu conhecimento pela SDO, ou de que chegou à sua esfera de cognoscibilidade.

A sentença recorrida não merece reparo, sendo de confirmar e de negar provimento ao recurso.

5 – DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas a cargo da Recorrente, em ambas as instâncias.

Lisboa, 30 de Setembro de 2019


Vital Lopes


Anabela Russo


Tânia Meireles da Cunha