Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:380/15.3BEALM
Secção:CA
Data do Acordão:01/16/2020
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:ESTATUTO DA APOSENTAÇÃO; ART. 43.º - ACÓRDÃO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL N.º 134/2019, DIÁRIO DA REPÚBLICA N.º 66/2019, SÉRIE I DE 2019-04-03;
LEI N.º 66-B/2012, 31.12.
Sumário:i) Por decisão tirada no acórdão n.º 134/2019, o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do segmento do artigo 43º, nº 1 do Estatuto da Aposentação (EA), na redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31.12., que determinava que a aposentação voluntária se regia pela lei em vigor no momento em que fosse proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, com fundamento nos art.s 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

ii) A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral impõe-se a todos os casos em que esteja em causa a aplicação do citado segmento do artigo 43.º, n.º 1, do EA, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12.

iii) A norma do art. 43.º, n.º 1 do EA, na redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31.12, aplicada no caso em apreço pela Recorrente, não mais vigora no ordenamento jurídico português, por força do disposto no art. 282º, nº 1 da CRP.

iv) Deste regime - da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - decorre ainda que são repristinadas as normas que tenham sido por esta revogadas – cfr. art. 282.º, n.º 1, da CRP -, pelo que, tal como foi decidido na sentença recorrida, embora com fundamentação totalmente distinta, a pensão de aposentação do A., ora Recorrido, deverá ser calculada de acordo com o regime vigente antes da entrada em vigor da citada Lei n.º 66-B/2012, de 31.12.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Caixa Geral de Aposentações (CGA), não se conformando com a sentença do TAF de Almada que, nos autos de ação administrativa especial proposta por R….., julgou a ação procedente, condenando-a calcular a pensão do A. de acordo com as regras vigentes antes da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31.12., veio da mesma interpor recurso para este tribunal central.

As alegações de recurso que apresentou, culminam com as seguintes conclusões:

«(…)

1) Salvo o devido respeito, a sentença recorrida não interpreta nem aplica corretamente o disposto no artigo 43° do Estatuto da Aposentação.

2) O pedido de aposentação do Autor deu entrada nos serviços da CGA, por via eletrónica, no dia 30 de maio de 2013, data em que vigorava já o artigo 43°, n°1, do Estatuto da Aposentação, com a redação introduzida pelo artigo 79° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro.

3) Pelo que a pensão de aposentação do Autor apenas pode ser fixada com base na situação existente a essa data, com aplicação do regime previsto no artigo 5°, n°s 1 a 3, da Lei n° 60/2005, de 29 de dezembro, alterado pela Lei n° 52/2007, de 31 de agosto, e com a redação introduzida pelo artigo 30° da Lei n° 3-B/2010, de 28 de abril, e da Lei n° 11/2014, de 6 de março. 

4) A lei não atribui, nem nunca atribuiu, qualquer relevância jurídica à data da entrada dos requerimentos de aposentação nos serviços administrativos das entidades empregadoras, pelo que a data da entrada do requerimento do Autor no Centro de Saúde se Álcacer do Sal (2012-12-28) é irrelevante na fixação do regime de aposentação.

5) Note-se que, no curto período de tempo em que o artigo 43° do Estatuto da Aposentação conferiu relevância à data do requerimento de aposentação para efeitos de fixação do regime legal de aposentação, o legislador foi sempre muito claro de que se tratava da data da receção do requerimento pela CGA e não pelas entidades empregadoras.

6) Veja-se o artigo 43°, n°1, na redação da Lei n° 52/2007, de 31 de agosto, bem como na redação introduzida pelo Decreto-Lei n° 238/2009, de 16 de setembro:

7) Uma vez que o pedido de aposentação do Autor não foi recebido pela CGA até ao termo do ano de 2012, a pensão de aposentação do Autor foi fixada de acordo com o artigo 43°, na redação introduzida pelo artigo 79° da Lei n° 66-B/2012, de 31 de dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, ou seja, com base na lei em vigor e na situação existente à data do despacho (negrito e sublinhados nossos).

O Recorrido contra-alegou, concluindo, como se segue:

«(…)

A) De acordo com o disposto no art.° 43°, n.° 1, al. b) do Estatuto da Aposentação na redacção da Lei n.° 238/2009, de 16 de Setembro (i.e. na redacção anterior à LOE/2013, aprovada pela Lei n.° 66-B/2012, de 31/12), à data aplicável, o regime de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade, fixa-se com base “na lei em vigor à data em que seja recebido o pedido de aposentação pela CGA”, pelo que

B) Tendo o A. submetido o seu pedido de aposentação antecipada por meio de requerimento entrado no seu serviço de origem (CS Alcácer do Sal) no dia 28/12/2012 é irrelevante, para os efeitos previstos nesta disposição, que o pedido em questão apenas tenha vindo a dar entrada efectiva na CGA no dia 30/05/[2013];

C) sendo que, o regime que lhe é aplicável deveria ter sido fixado com base na lei em vigor nessa data (28/12/2012) e não em qualquer data posterior;

D) Ao decidir como decidiu a Decisão da CGA de 4/09/2014 padecia de erro sobre os respectivos pressupostos de facto, além do que, ao fazer uma errada interpretação e aplicação do disposto no art.° 43° do EA, padecia ainda do vício de violação de lei, pelo que bem andou a Sentença Recorrida ao decidir como decidiu, julgando procedente a presente acção e anulando a mencionada Decisão da CGA, devendo esta decisão ser mantida incólume (…)»


O DMMP junto deste tribunal, pronunciou-se pelo não provimento do recurso.

I.1. Questões a apreciar e a decidir

O objeto do recurso é delimitado, em princípio, pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de questões de conhecimento oficioso ainda não decididas com trânsito em julgado – cfr. art.s 635.º, 639.º e 608.º, n.º 2, 2ª parte, todos do CPC. E dizemos em princípio, porque o art. 636.º permite a ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, situação que não se coloca nos autos.

No caso em apreço, cumpre, assim, aferir do erro decisório imputado à sentença recorrida, ao ter condenado a Recorrente a calcular a pensão de aposentação do A. de acordo com as regras vigentes antes da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2012, de 31.12.

III. Fundamentação

III.1. De Facto

A matéria de facto pertinente é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663º, nº 6, do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.

III.2. De Direito

i) Do erro de julgamento quanto à definição do momento relevante para a definição do regime aplicável ao cálculo da pensão de aposentação ao abrigo do art. 43.º do Estatuto da Aposentação.

Na sentença recorrida, considerou-se, quanto a este aspeto, o seguinte:

«(…) Com a entrada em vigor da Lei n° 66-B/2012, de 31 de Dezembro, que aprovou o Orçamento do Estado para 2013, aquele artigo 43° passou a ter a redacção introduzida pelo artigo 79° daquela Lei, que retomou o critério da versão original do Estatuto da Aposentação, pelo que o regime de aposentação voluntária que não dependa de verificação de incapacidade passou novamente a fixar-se com base na lei em vigor e na situação existente na data em que se profira despacho a reconhecer o direito à aposentação.

Todavia, o artigo 79° n°2 da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro dispõe que as alterações introduzidas ao Estatuto de Aposentação aplicam-se aos pedidos e prestações apresentados após a entrada em vigor da presente lei.

Ora, da factualidade apurada denota-se que o pedido de aposentação foi apresentado antes da entrada em vigor da Lei 66-B/2012 de 31 de Dezembro (facto provado n.° 1), resultando assim claro da lei que ao pedido de aposentação do Autor deveria ter sido aplicado o regime vigente antes da entrada em vigor da referida Lei. (…)»

A sentença proferida nos autos foi proferida a 11.12.2016.

Por decisão tirada no acórdão n.º 134/2019 (1), o Tribunal Constitucional declarou a inconstitucionalidade, com força obrigatória geral, da norma do segmento do artigo 43º, nº 1 do Estatuto da Aposentação, na redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31 de dezembro, que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação, com fundamento nos art.s 2º e 13º da Constituição da República Portuguesa (CRP).

E fê-lo pelos fundamentos seguintes:

«9 — A diversidade entre a norma apreciada no Acórdão n.º 186/2009 e a que constitui o objeto do presente processo prende -se com o critério de determinação da lei aplicável ao cálculo da pensão: num caso, o momento em que é proferido o despacho que reconhece o direito à aposentação; no outro, o momento em que o processo de aposentação é enviado à CGA. Em ambos os casos, porém, coloca-se a questão de saber se é constitucionalmente admissível um critério de determinação do regime aplicável que desconsidere a salvaguarda dos direitos adquiridos em matéria de cálculo da pensão.

Com efeito, o artigo 43º, nº 1, do EA, na parte aqui em apreciação, aparentando ser uma norma de direito transitório formal neutra, determina a aplicação da lei nova a situações jurídicas já constituídas, nomeadamente o direito à fixação da pensão de acordo com a lei vigente no momento em que é apresentado o pedido de aposentação, caso o interessado reúna já nesse momento todos os requisitos legais para a aposentação. Tal direito integra a sua esfera jurídica com a natureza jurídica de verdadeiro direito subjetivo e, quanto ao mesmo, o reconhecimento do direito à aposentação possui uma eficácia declarativa.

(…).

Ou seja, desde que se verifiquem os pressupostos legais da aposentação voluntária, incluindo o respetivo pedido, o conteúdo da situação jurídica de aposentado encontra-se fixado ope legis, passando a gozar a partir desse momento da tutela própria dos direitos adquiridos. Isto sem prejuízo das faculdades previstas nos nºs 4, 5 e 6 do artigo 39.º do EA e, bem assim, do dever de a CGA considerar a situação do requerente à data em que é proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação (artigo 43.º, nº 1).

O principal fundamento invocado pelo Tribunal para a declaração de inconstitucionalidade da norma apreciada no Acórdão n.º 186/2009 foi o princípio da proteção da confiança, que respeita a expectativas quanto à continuidade e estabilidade da ordem jurídica e à permanência e regularidade das situações e relações jurídicas constituídas.

A jurisprudência constitucional densificou-o através da definição dos respetivos pressupostos essenciais (Acórdão n.º 287/90) e da tradução destes numa sequência de requisitos ou testes (Acórdão n.º 128/2009). A síntese dessa jurisprudência, regularmente reiterada nas decisões que aferem da violação do princípio da proteção da confiança, encontra -se nas seguintes palavras do Acórdão n.º 128/2009:

«Para que [a confiança] seja tutelada é necessário que se reúnam dois pressupostos essenciais:

a) A afetação de expectativas, em sentido desfavorável, será inadmissível, quando constitua uma mutação da ordem jurídica com que, razoavelmente, os destinatários das normas dela constantes não possam contar; e ainda

b) Quando não for ditada pela necessidade de salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos que devam considerar-se prevalecentes (deve recorrer-se, aqui, ao princípio da proporcionalidade, explicitamente consagrado, a propósito dos direitos, liberdades e garantias, no n.º 2 do artigo 18.º da Constituição).

Os dois critérios enunciados (e que são igualmente expressos noutra jurisprudência do Tribunal) são, no fundo, reconduzíveis a quatro diferentes requisitos ou ‘testes’. Para que haja lugar à tutela jurídico -constitucional da ‘confiança’ é necessário, em primeiro lugar, que o Estado (mormente o legislador) tenha encetado comportamentos capazes de gerar nos privados ‘expectativas’ de continuidade; depois, devem tais expectativas ser legítimas, justificadas e fundadas em boas razões; em terceiro lugar, devem os privados ter feito planos de vida tendo em conta a perspetiva de continuidade do ‘comportamento’ estadual; por último, é ainda necessário que não ocorram razões de interesse público que justifiquem, em ponderação, a não continuidade do comportamento que gerou a situação de expectativa.»

Os três primeiros requisitos respeitam a uma situação de confiança imputável ao legislador e prima facie merecedora de tutela constitucional. Todos se encontram satisfeitos no caso vertente.

Em primeiro lugar, presume-se que o comportamento legislativo tenha gerado nos destinatários expectativas de continuidade. Com efeito, ao estabelecer os pressupostos da aposentação voluntária e fazer depender a sua efetivação de requerimento do interessado (artigo 39º, nº 1, do EA), o legislador fomenta nos destinatários a expectativa na aplicabilidade do regime determinável na data da apresentação do requerimento, e que não pode deixar de ser o que se extrai da legislação em vigor nesse momento. Como se afirmou no Acórdão n.º 130/2018:

«[Q]uando o cidadão requer a aposentação, no exercício do seu direito, naturalmente deverá conhecer quais serão as regras jurídicas que são aplicáveis à sua pensão. Só dessa forma pode prever em consciência as consequências jurídicas do seu ato — a ordem jurídica não lhe pode exigir a tomada desta decisão, tão importante para a sua vida futura, sem que exista ao menos a possibilidade de conhecer esse regime. No limite, o requerente confiará na aplicação do regime jurídico que se encontra em vigor, pois só esse é o conhecido e só ele pode ser tido em conta por si como fator determinante para a manifestação da sua vontade aquando da apresentação do requerimento.»

Em segundo lugar, não pode duvidar-se da legitimidade da expectativa do interessado em que se lhe aplique o regime que se extrai da legislação vigente no momento em que decide aposentar-se. O despacho da CGA que reconhece o direito à aposentação, como resulta da própria nomenclatura, limita-se a reconhecer uma situação jurídica subjetiva já existente, retirando da mesma todas as consequências em termos estatutários.

Em terceiro lugar, é natural que o requerente, exercendo o direito a aposentar-se, invista na confiança gerada pelo comportamento legislativo. A aposentação é uma decisão estruturante na vida de um cidadão, como o são a generalidade dos cidadãos, para o qual o trabalho remunerado é o principal fator de ocupação e fonte de rendimento no decurso da vida adulta. A hipótese da aposentação voluntária obriga-o a ponderar inúmeras vantagens e inconvenientes, materiais e intangíveis, e a planear a sua vida futura com base nessa ponderação. Acresce que a aposentação é irreversível, o que indicia um grau máximo de investimento na estabilidade das respetivas consequências jurídicas.

10 — Verificada uma situação de confiança imputável ao legislador, resta determinar se a frustração das expectativas legítimas dos requerentes na aplicabilidade do regime que se extrai da legislação vigente na data da apresentação do requerimento — ou, no caso previsto no artigo 39º, nº 4, do EA, na data em que se reúnam todos os requisitos da aposentação — se pode justificar por razões de interesse público ou por outras considerações constitucionais relevantes.

Trata -se de um juízo de proporcionalidade, em que se pondera a gravidade do sacrifício da confiança e o peso das razões desse sacrifício.

A lesão da confiança imputável ao legislador é de intensidade máxima. Como se escreveu no Acórdão n.º 195/2017:

«Por um lado, ao cindir o momento do exercício do direito à aposentação voluntária do momento determinante para efeitos de fixação do regime aplicável, a norma sindicada estabelece uma situação de incerteza sobre as consequências da decisão de o funcionário se aposentar, expondo-o à álea do devir legislativo em matéria de cálculo das pensões de aposentação. É certo que, nos termos do n.º 6 do artigo 39.º do EA, o requerente pode desistir do pedido de aposentação até à data em que seja proferido o despacho a reconhecer o respetivo direito, pelo que a sua decisão não é irreversível; mas nem essa reversibilidade neutraliza os efeitos negativos da incerteza, na medida em que esta persiste no momento em que é exercido o direito, nem ela é inteiramente controlável pelo requerente, porque a sua efetividade está condicionada pela álea administrativa do momento da prolação do despacho. Em suma, no momento em que decide aposentar-se, o funcionário não sabe com o que pode contar, nem mesmo sabe se é do seu interesse aposentar-se.

Por outro lado, ao fixar o regime aplicável à aposentação com base na lei em vigor, não no momento do requerimento, mas no momento em que é proferido o despacho, o Estado não apenas subtrai ao interessado o domínio sobre uma matéria com vastas implicações na sua vida, como se reserva a faculdade de, através da decisão discricionária quanto ao momento da prolação do despacho, assumir ele próprio controlo integral sobre a situação em benefício próprio. É imaginável, por exemplo, que, estando em preparação legislação destinada a alterar as fórmulas de cálculo das pensões de aposentação em sentido desfavorável aos interessados, e implicando semelhante alteração uma poupança significativa de recursos públicos, sejam dadas instruções para que os processos pendentes não sejam despachados até à entrada em vigor do novo regime. Semelhante possibilidade de manipulação, ainda que meramente teórica, constitui um fator adicional de insegurança para os destinatários, porque à imprevisibilidade das consequências das suas decisões soma-se o risco de o Estado poder intervir ad nutum, e no seu próprio interesse, no sentido de precipitar um cenário desfavorável.

Ao reservar-se tal faculdade arbitrária, pois, o Estado inspira a desconfiança dos cidadãos na sua integridade, agravando a insegurança jurídica.»

Este sacrifício grave da confiança legítima não pode ser justificado pelo interesse público resumívelmente subjacente à solução consagrada no segmento do nº 1 do artigo 43.º do EA escrutinado nos presentes autos, pelas razões aduzidas no Acórdão nº 130/2018:

«O Acórdão nº 158/2008, ponto 2.2, refere uma justificação possível para a norma: ‘Como anota António José Simões de Oliveira (Estatuto da Aposentação Anotado e Comentado, Coimbra, 1973, p. 119), esta norma — tendo por pressuposto a conveniência de uma verificação administrativa do direito de requerer a aposentação — visou acautelar as situações em que entre a data do requerimento e a da resolução do processo de aposentação decorra largo tempo, no decurso do qual o funcionário, em princípio, se manteve ao serviço, com mais tempo aproveitável para a aposentação e eventual superveniência de outras alterações relevantes, designadamente ao nível remuneratório, sendo manifestamente injusto, em tal quadro, calcular a pensão à data do requerimento [No sentido da inconstitucionalidade da referida norma se interpretada no sentido de aplicar alterações de regime desfavoráveis ao interessado surgidas após a data do requerimento — questão que não está em causa no presente recurso — cf. José Cândido de Pinho, Estatuto da Aposentação, Coimbra, 2003, p. 161]’ (Acórdão 158/2008, 2.ª Secção, ponto 2.2). No entanto, se o interesse público prosseguido for o de permitir a contagem do tempo de serviço entretanto decorrido, a questão escapa à presente análise, por esta apenas dizer respeito à determinação do regime legal aplicável a determinado pedido de aposentação e não à situação de facto a ser tida em conta. Se o interesse público justificativo for a possibilidade de aplicação de regime legal superveniente mais favorável ao requerente, então no caso presente tal não poderá prevalecer, pois da aplicação da norma em causa resulta uma situação mais lesiva para o cidadão.

Um outro interesse público que pode ser identificado é o da sustentabilidade do sistema de aposentações. De facto, pode ser argumentado que existe um interesse geral em que uma determinada alteração ao regime de pensões, fundada na garantia da sua sustentabilidade, vigore de forma mais abrangente possível. Esta é uma área em que deve ser assegurada uma grande margem de discricionariedade para o legislador, como o Tribunal Constitucional tem admitido.

No entanto, o sacrifício que é imposto ao cidadão por esta norma, mesmo à luz deste interesse público, revela-se excessivo. Ao requerer a aposentação, no momento em que está a exercer esse seu direito, o requerente não tem forma de antecipar, com o mínimo de certeza, qual o regime que lhe será aplicável — se o que se encontra em vigor, se um qualquer outro. Trata-se de uma situação de absoluta dependência da discricionariedade administrativa quanto ao momento em que o despacho de reconhecimento é proferido [...]»

Resta, assim, concluir que a norma do segmento nº 1 do artigo 43.º do EA que determina que a aposentação voluntária se rege pela lei em vigor no momento em que for proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação viola o princípio da proteção da confiança, ínsito no princípio do Estado de direito, consagrado no artigo 2º da Constituição. (…).

Porém, nada justifica que sejam tratados de modo diferente dois requerentes contemporâneos cujos processos são despachados no domínio da vigência de leis diversas. Nenhuma razão discernível se pode encontrar para semelhante distinção. Tratando-se de aposentação voluntária, as propriedades relevantes das situações são as carreiras contributivas dos requerentes e o momento do exercício do direito a aposentarem-se — nenhuma das quais tem qualquer relação com o momento em que é proferido o despacho da CGA [...]. A distinção legal é, pois, arbitrária.» (sublinhados nossos).

A declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral impõe-se a todos os casos em que esteja em causa a aplicação do citado segmento do artigo 43.º, n.º 1, do EA, na redação dada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31.12., que determinava que a aposentação voluntária se regia pela lei em vigor no momento em que tivesse sido proferido o despacho a reconhecer o direito à aposentação.

A norma do art. 43.º, n.º 1 do EA, na redação dada pela Lei nº 66-B/2012, de 31.12, aplicada no caso em apreço pela Recorrente, não mais vigora no ordenamento jurídico português (2), por força do disposto no art 282º, nº 1 da CRP.

Deste regime - da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral - decorre ainda que são repristinadas as normas que tenham sido por esta revogadas – cfr. art. 282.º, n.º 1, da CRP -, pelo que, tal como foi decidido na sentença recorrida, embora com fundamentação totalmente distinta, a pensão de aposentação do A., ora Recorrido, deverá ser calculada de acordo com o regime vigente antes da entrada em vigor da Lei n.º 66-B/2912, de 31.12.

No mesmo sentido, e em situações análogas à presente e cuja doutrina é aqui aplicável, já este TCA Sul se pronunciou, por acórdãos de 10.12.2019, processos n.º 21/15.9BEBJA e n.º 89/16.0BELLE.

Perante o que, e sem necessidade de mais amplas considerações, falece o erro de julgamento imputado à sentença recorrida quanto ao regime aplicável ao cálculo da pensão do A., ora Recorrido.

IV. Decisão

Nestes termos e face a todo o exposto, acordam os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e e manter a sentença recorrida, embora com distinta fundamentação.

Custas pela Recorrente em ambas as instâncias.

Lisboa, 16.01.2020.


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Dora Lucas Neto

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Pedro Nuno Figueiredo

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Cristina Lameira


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(1) Publicado em Diário da República n.º 66/2019, Série I de 2019-04-03.
(2) J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, volume II, 4.ª edição revista, Coimbra Editora, agosto, 2010, pg. 918.