Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09846/16
Secção:CT
Data do Acordão:09/29/2016
Relator:JORGE CORTÊS
Descritores:INTIMAÇÃO PARA ABSTENÇÃO DA PRÁTICA DE ACTOS DE EXECUÇÃO. MEIO PROCESSUAL ADEQUADO.
Sumário:1) Estando em causa o pedido de intimação do órgão de execução fiscal para a suspensão dos autos de execução fiscal e consequente abstenção de realização de qualquer diligência de penhora, o meio processual adequado para fazer valer a pretensão in judicio é a reclamação judicial (artigos 276.º do CPPT) e não o processo cautelar.
2) Existe, pois, impropriedade ou inadequação do meio processual escolhido, o que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso, cuja procedência determina a absolvição da ré, Fazenda Pública, da instância (artigos 576.º/2, 577.º e 578.º do CPC).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO

I. Relatório
A Fazenda Pública interpõe o presente recurso jurisdicional contra a sentença proferida nos autos (1) , que julgou procedente o presente processo cautelar interposto por P..., Lda. e decidiu intimar o Chefe de Finanças do Serviço de Finanças de ... a:
i) abster-se de executar os efeitos decorrentes do acto reclamado consubstanciado no indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia a que se refere o despacho do Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, proferido em 29.12.2015;
ii) abster-se de praticar quaisquer outros actos com vista à cobrança coerciva nas referidas execuções fiscais, enquanto não transitar em julgado a decisão que venha a recair sobre a reclamação judicial n.º .../16.9BELRS.
Nas alegações de recurso, a recorrente formula as conclusões seguintes:
a) A medida cautelar constante do artigo 147.º, n.º 6, do CPPT, destina-se a evitar que o tardio julgamento do processo principal possa determinar a inutilidade da decisão nesta proferida.
b) Onde o meio processual adequado no processo de execução fiscal para aferição de decisões do órgão de execução fiscal é a reclamação judicial constante do artigo 276.º do CPPT.
c) O que já de per si implica uma tramitação célere e urgente de acordo com o artigo 278.º, n.º 5, do CPPT. “A reclamação referida no presente artigo segue as regras dos processos urgentes, tendo a sua apreciação prioridade sobre quaisquer processos que devam ser apreciados no tribunal que não tenham esse carácter” e visa salvaguardar a legalidade das decisões praticadas pelo órgão de execução fiscal e eventuais actos conexos com a execução;
d) Determinando que não só as decisões passem ex ante pelo órgão de execução (que poderá revogar o acto) mas também que possam os autos subir de forma imediata atendendo ao eventual prejuízo irreparável;
e) Entendimento aliás corroborado, entre outros, nos Acórdãos n.º 669/12, de 11.07.2012, n.º 392/13, de 03.04.2013, do Supremo Tribunal Administrativo.
f) Não estando em causa a tutela jurisdicional efectiva consagrada no artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa, na medida em que o executado tem sempre ao seu dispor não só a reclamação do artigo 276.º do CPPT, mas também o meio de intimação a um comportamento constante do artigo 147.º, n.º 1, do CPPT, que poderá impor à Administração a “subida” da reclamação judicial para o Tribunal Tributário.
g) Vejamos que, ao admitir-se medidas cautelares na execução fiscal, estar-se-á a abrir a porta a que os tribunais que sempre tiveram uma posição de “tutela” da execução fiscal pela via da reclamação judicial, assumem a veste de órgão de execução fiscal, julgando actos que não passaram pelo órgão a quem cabe tramitar a execução.
h) Parece-nos claro que tal realidade irá paralisar e dificultar o processo judicial tributário, com o acometimento de meios humanos e materiais dos Tribunais, no julgamento de actos que o legislador quis prever a revogabilidade numa fase apriorística pelo órgão de execução fiscal, (vide artigo 277.º n.º 2 do CPPT).
i) Deste modo, salvo melhor opinião, errou o douto Tribunal ao admitir a medida cautelar tendo em vista a suspensão da execução fiscal, sob a capa da abstenção da prática de qualquer acto coercivo na execução fiscal.
j) Ademais, carece de provisoriedade e instrumentalidade a medida cautelar porquanto estando subjacente como acção principal, uma reclamação judicial do artigo 276.º do CPPT, do despacho de indeferimento de um pedido de dispensa de garantia, o efeito pretendido com esta acção, que é a suspensão da execução fiscal sem a prestação de garantia, está alcançado com a abstenção da prática de actos na execução, tal como decidido pelo Tribunal " a quo ", retirando efeito útil à acção principal com a adopção da medida cautelar.
k) Já no que concerne ao prejuízo irreparável nas palavras de Jorge Lopes de Sousa em CPPT anotado e comentado, 6a edição, 2011 Áreas Editoras, pág. 595 refere que: "No direito tributário estão em causa, normalmente, meros interesses patrimoniais, pelo que os prejuízos deste tipo que se podem considerar como irreparáveis serão aqueles que não sejam susceptíveis de quantificação pecuniária minimamente precisa."
l) No caso concreto e atendendo ao probatório, nem sequer estão caracterizados factos integradores da ocorrência de lesões na esfera da Recorrida.
m) Pelo que a hipotética consumação de um facto não é por si só suficiente para ser considerado um prejuízo, e que este seja irreparável.
n) Deste modo, atendendo ao supra exposto, incorre num claro erro de julgamento, a sentença proferida pelo Tribunal " a quo " que salvo melhor opinião, carece de suporte legal que a sustenha.

A recorrida proferiu contra-alegações, pugnando pela manutenção do julgado.

Formula as conclusões seguintes:

A. Conforme resulta da sentença ora recorrida, o Tribunal a quo julgou procedente o pedido formulado nos autos pela Recorrida, no sentido da intimação do Serviço de Finanças ... na abstenção de qualquer diligência de penhora na pendência do processo de reclamação judicial do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia nos autos de execução fiscal aqui sindicados.
B. Contudo, vem a Recorrente invocar nas suas alegações que o presente meio não é adequado, pois o meio processual típico na execução fiscal é a reclamação judicial do artigo 276.º do CPPT e "existem mecanismos legais céleres e urgentes que tutelam jurisdicionalmente o executado, não estando colocada em causa a tutela jurisdicional efectiva ".
C. A sentença recorrida não merece qualquer censura, requerendo-se a sua confirmação por parte deste Venerando Tribunal, o que motivará a improcedência do presente recurso.
D. Através do presente meio processual, a Recorrida pretende obter a tutela provisória dos seus legítimos interesses, consubstanciada na abstenção e extinção de quaisquer atos de penhora sobre o seu património até efetiva decisão da ação principal - processo de reclamação ao abrigo do artigo 276º do CPPT - e da ação arbitral para anulação dos atos tributários que estão na origem da dívida exequenda e melhor identificados em
l.
a instância.
E. A não adopção de tais condutas até ao desfecho da ação principal poderá retirar qualquer efeito útil ao processo principal, colocando, ainda, em risco a sobrevivência da ora Recorrida, assim se justificando o receio de prejuízo irreparável ou de difícil reparação, como bem notou o Tribunal a quo.
F. No passado dia 20 de junho de 2016, foi proferida decisão no processo arbitral apresentado pela ora Recorrida, no qual se concluiu pela ilegalidade dos atos tributários subjacentes aos autos de execução fiscal aqui sindicados, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
G. A ora Recorrida requereu em sede judicial a revogação do despacho da DFL, concluindo-se pela verificação dos pressupostos para a dispensa da prestação de garantia no caso sub judice, tudo com as demais consequências legais, sendo que, adicionalmente foi requerida a subida imediata da reclamação ao Tribunal Tributário de Lisboa, por integral verificação dos pressupostos legais previstos no artigo 278.º do CPPT.
H. Ora, no passado dia 27 de maio de 2016, a ora Recorrida já foi notificada da decisão do Douto Tribunal a quo que anulou o despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia, com base nos argumentos invocados na sua petição inicial, o que se invoca para os devidos efeitos legais.
I. A Autoridade Tributária - não obstante o regime de subida imediata - tem por prática o prosseguimento do processo de execução fiscal enquanto está pendente o processo de reclamação judicial.
J. Em concreto, no caso em apreço, a ora Recorrida foi alvo de penhoras de contas bancárias, no decurso do prazo legal de 10 dias para apresentação da reclamação, conforme prova documental produzida em l .a instância, sendo precisamente neste ponto que assenta a necessidade do presente procedimento cautelar.
K. O STA já defendeu expressamente no acórdão proferido no processo n.º 0799/04, de 01-09-2004, a admissibilidade da cumulação da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT com a adoção de providências cautelares, nos termos e condições previstas no artigo 147.º do CPPT.
L. Considerando que a referida ação judicial poderá demorar vários meses até ser objecto de decisão final transitada em julgado e que o órgão de execução fiscal realizou diligências de penhoras sobre os bens da ora Recorrida na pendência do referido processo, a não suspensão do processo de execução fiscal durante o período de pendência da reclamação causará, com toda a probabilidade, uma situação de facto consumado e provocará prejuízos irreparáveis ou de difícil reparação para os interesses que a Recorrida visa assegurar naquela ação.
M. Conforme resulta do disposto no número 6 do artigo 147.º do CPPT, em sede das providências cautelares a favor do contribuinte, deve a Recorrida invocar e provar o fundado receio de uma lesão irreparável a causar pela atuação da administração tributária e a providência requerida, sendo que, conforme resulta da prova produzida em l .a instância, a não adoção da providência cautelar acima referida poderá implicar o condicionamento irremediável da atividade comercial da ora Recorrida e, com elevado grau de probabilidade, a sua extinção, conforme melhor explicado e documentalmente demonstrado em l .a instância.
N. Por outro lado, é também evidente, ao contrário do que sustenta a Recorrente, que este meio cautelar é o mais adequado para assegurar a tutela plena face à prática consolidada dos órgãos de execução fiscal - como já se verificou no caso em apreço - de realização de diligências de penhora na pendência da reclamação.
O. No caso concreto, se o órgão de execução fiscal não for intimado a abster-se da realização de diligências de penhoras, tal significará muito provavelmente que quando a reclamação judicial for decidida, perderá todo o seu efeito útil, pois até lá as contas bancárias e os valores a receber dos seus clientes necessários para a manutenção da sua atividade e cumprimento dos seus compromissos terão sido todos afectos à satisfação da dívida nos presentes processos de execução fiscal, implicando a cessação da sua atividade comercial, mostrando desprovida de qualquer efeito a decisão sobre o seu direito à dispensa da garantia.
P. Contudo, invoca a Recorrente, tal como já havia sucedido em l.a instância, que o meio adequado para reagir contra os atos em execução fiscal é a reclamação judicial do artigo 276.º do CPPT, no qual se discute a suspensão ou não do processo de execução fiscal, não estando justificado o presente meio cautelar à luz do princípio da tutela jurisdicional efetiva.
Q. Como assegurar a tutela efetiva dos particulares se a Autoridade Tributária apesar de reconhecer o efeito suspensivo da reclamação efetua penhoras na pendência do prazo de interposição do meio processual, não levanta as penhoras apesar de reconhecer que o processo deveria estar legalmente suspenso e nem se digna remeter o processo no prazo consignado por lei???
R. Sejamos claros: só existiu recurso a este meio processual porquanto: Apesar de reconhecerem o efeito suspensivo do processo de reclamação, o Serviço de Finanças avançou com penhoras das contas bancárias, criando o risco efetivo de paralisia da atividade comercial da Recorrida no decurso do prazo legal de reclamação.
S. Sejamos claros: não há qualquer risco de banalização deste meio processual como via aberta para uma moratória no pagamento de tributos em execução, mas sim o recurso em última instância a um meio processual para obstar que os atos ilegais da Recorrente conduzam à paralisação e encerramento da Requerida!
T. De novo, importa referir que a probabilidade da Fazenda Pública vir a arrecadar a dívida exequenda nos presentes autos é extremamente baixa, uma vez que a Recorrida apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral junto do CAAD, e os Tribunais Arbitrais têm-se pronunciado de forma consistente e sem exceção no sentido propugnado pela ora Recorrida, sendo que já existe decisão arbitral no caso em apreço, a qual decidiu pela procedência do pedido formulado pela Recorrida (estando neste momento a correr o prazo para apresentação de recurso extraordinário por parte da Fazenda Pública).
U. Por outro lado, a tutela cautelar requerida consiste na intimação do órgão de execução fiscal à suspensão dos presentes autos de execução fiscal e à abstenção de realização de quaisquer diligências para cobrança coerciva da dívida exequenda, até decisão transitada em julgado na ação principal, ou seja, não é uma diligência requerida sitie die e destina-se apenas e tão só a assegurar o efetivo direito da Recorrida a ver apreciado judicialmente o seu direito à dispensa de garantia.
V. Face ao prejuízo irreparável descrito nos presentes autos, a ora Recorrida requereu junto do Tribunal a quo que mediante o decretamento da presente providência, a Autoridade Tributária fosse legalmente impelida a abster-se da realização de quaisquer diligências para cobrança da dívida exequenda enquanto estiver pendente a ação principal.

X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando por que se conceda provimento ao recurso.
X
II. Fundamentação
2.1. De Facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (numeração aditada):
A) Na sequência de ação de inspeção, foram emitidas em 22.07.2015, em nome da Impugnante, 20 liquidações adicionais de IVA para os exercícios de 2011 a 2013, no montante total de 481.166,50€, incluindo juros compensatórios (cfr. fls. 67 a 123 dos autos - numeração do SITAF).
B) O IVA considerado em falta resultou, na sua maior parte, da discordância da A.T. quanto à taxa de IVA considerada pela Requerente nas vendas de implantes dentários, considerando aquela ser devido IVA à taxa de 23%, quando a Requerente procedeu à liquidação à taxa reduzida de 6% (acordo).
C) A Autora impugnou as liquidações referidas na alínea antecedente através de pedido de constituição de Tribunal Arbitral junto do CAAD (cfr. fls. 124 e ss. dos autos - numeração SITAF).
D) Citada para os processos de execução fiscal instaurados para cobrança do imposto constante das liquidações mencionadas em A), a Autora apresentou em 17.11.2015, junto do Serviço de Finanças de ..., pedido de dispensa de prestação de garantia para efeitos de suspensão das execuções fiscais (cfr. doc. 4 junto com a p.i.).
E) Sobre o pedido referido na alínea antecedente foi proferido em 29.12.2015 despacho de indeferimento, o qual foi notificado à Autora em 11.01.2016, por ofício registado em 08.01.2016 (cfr. doc. 5 junto com a p.i.).
F) Por comunicação de 15.01.2016, o ... comunicou à Autora que as suas contas bancárias detidas naquela instituição se encontravam penhoradas pelo Serviço de Finanças de ... no âmbito do PEF nº ..., e que, sendo o valor da dívida penhorável de 404.336,67€, quaisquer valores entrados naquelas contas seriam igualmente penhorados (cfr. fls. 285 dos autos - numeração do SITAF).
G) A Autora apresentou em 21.01.2016 reclamação dirigida ao Tribunal Tributário de Lisboa, nos termos do artigo 276º do CPPT, contra o despacho mencionado em D) (cfr. doc. nº 6 junto com a p.i.).
H) A Autora possuía em 30.09.2015 ativo imobilizado no valor de 13.722,23€ (cfr. fls. 228 dos autos).
I) A Autora apurou no exercício de 2014 um lucro tributável no montante de 15.841,76€ (cfr. doe. nº 5 junto com a p.i.).
J) A Autora declarou na Declaração IES do exercício de 2014 o total de 8.224,76€ de caixa e depósitos bancários (cfr. doc. nº 4 junto com a p.i.).
K) A Autora possuía em 02.11.2015 responsabilidades de crédito perante diversas instituições financeiras num montante global superior a 400.000,00€, em situação regular (cfr. doc. nº 6 junto com a p.i.).
L) Encontra-se a correr termos neste Tribunal a Reclamação de Atos do Órgão da Execução fiscal nº .../16.9BELRS referida em D).
M) A Autora não apresentou qualquer garantia junto do órgão da execução fiscal no âmbito do processo de execução fiscal identificado em F) (acordo).
Em sede de fundamentação da decisão da matéria de facto, consignou-se:

«Os factos são considerados indiciariamente provados com base na análise dos documentos juntos aos autos e de consulta ao SITAF, e levando em consideração que a cognição do mérito da causa no âmbito da tutela cautelar se funda numa apreciação perfunctória e sumária da lide e em juízos de verosimilhança e probabilidade. // Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão».


X

2.2. De Direito
2.2.1. Vem sindicada a sentença proferida nos autos que julgou procedente o presente processo cautelar interposto por P..., Lda. e decidiu intimar o Chefe do Serviço de Finanças de ... a abster-se de praticar actos de cobrança coerciva da dívida exequenda, até ao trânsito em julgado da decisão judicial que aprecie o pedido de anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, formulado pela recorrida.
2.2.2. Para julgar procedente o presente pedido cautelar, a sentença estruturou, em síntese, a argumentação seguinte:
«(…) No caso em apreço, estamos perante uma providência cautelar de suspensão de eficácia de acto materialmente administrativo (ainda que inserido num processo de natureza judicial), prevista na alínea a) do n.º 2 do artigo 112.º do CPTA, sendo esta uma providência conservatória, o que significa que visa acautelar o efeito útil da ação principal, assegurando a permanência da situação existente quando se despoletou o litígio ou aquando da verificação da situação de "periculum in mora". (…) // (…) [A]o contrário do que a Entidade Requerida vem pugnar, a decisão da presente providência em nada colide com a decisão que venha a recair sobre a Reclamação prevista no artigo 276º do CPPT, verificando-se inelutavelmente os requisitos da instrumentalidade e da provisoriedade. Pretende-se, não que o Tribunal anule a decisão de indeferimento do pedido de dispensa de prestação de garantia, mas que o Tribunal determine o órgão da execução fiscal a se abster da prática ilegal de atos de cobrança coerciva, em especial de penhoras, até que transite em julgado a decisão que venha a ser proferida pelo Tribunal quanto à legalidade daquele despacho de indeferimento, sendo certo, como vimos supra, que é jurisprudência superior assente que ao órgão da execução fiscal está vedada a prática de atos de penhora enquanto não for caso decidido o pedido de dispensa de prestação de garantia.
// Com efeito, da matéria dada como assente resulta que o valor de dívida exequenda se mostra demasiado elevado para a estrutura financeira e patrimonial da Requerente, o que significa que a penhora de todos os seus bens coloca em causa de modo manifesto a continuação da sua atividade. E essa consequência não pode deixar de consubstanciar uma lesão irreparável na esfera da Requerente que deve ser atendida».
2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, porquanto, estando pendente reclamação judicial do acto que rejeitou o pedido de dispensa de garantia, não há lugar a instauração de outro processo urgente, por consumpção dos respectivos objectos, para além de que os requisitos das providências cautelares não se mostram preenchidos no caso. Mais refere que o processo cautelar não é adequado para obter a suspensão da execução fiscal. É que, continua, o meio processual adequado para aferir da legalidade das decisões do órgão de execução fiscal consiste na reclamação judicial dos actos do órgão de execução fiscal, prevista no preceito do artigo 276.º do CPPT.
2.2.4. Nos presentes autos, a autora, ora recorrida, formulou na petição inicial, o pedido seguinte:
«a intimação do Serviço de Finanças de ... para a suspensão dos presentes autos de execução fiscal e consequente abstenção de realização de qualquer diligência de penhora, enquanto estiver pendente reclamação judicial do despacho de indeferimento do pedido de dispensa de garantia formulado nos autos».
O tribunal recorrido decidiu deferir a providência requerida, determinando, em síntese, a suspensão da execução, enquanto não transitar em julgado a decisão que venha a recair sobre a reclamação judicial n.º .../16.9BELRS, relativa à anulação do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de garantia, para efeito da suspensão das execuções fiscais.
A recorrente censura o entendimento que fez vencimento na instância, porquanto o meio processual adequado para a autora/recorrida fazer valer a sua pretensão é a reclamação dos actos do órgão de execução fiscal, prevista no artigo 276.º do CPPT e não a presente providência cautelar.
Recordem-se os dados coligidos nos autos:
i) Em 21.01.2016, foi instaurado processo de reclamação judicial do despacho que indeferiu o pedido de dispensa de prestação de garantia, na execução para cobrança da quantia de €481.166,50, o qual se encontra pendente – alíneas G), e L) do probatório.
ii) Já antes, em 15.01.2016, a AF ordenou a penhora dos saldos bancários da recorrida até ao limite do montante da dívida exequenda – alínea F), do probatório.
iii) Os presentes autos deram entrada em 29.01.2016 – fls. 1.
Através do presente processo, a recorrida tem em vista obter a sustação da execução, incluindo o acto de penhora referido em ii).
Sobre a pretensão em exame, da jurisprudência extrai-se o seguinte:
«Em sede de execução fiscal, estando prevista a possibilidade de reclamação judicial de todos os actos lesivos e a subida imediata da reclamação a juízo quando tenha por fundamento prejuízo irreparável (cfr. arts. 276.º e 278.º, n.º 3, do CPPT), com o consequente efeito suspensivo da execução, não pode considerar-se que a tutela judicial efectiva exija a admissibilidade de providência cautelar em ordem à suspensão da execução fiscal» [Acórdão do STA, de 11.07.2012, P. 0669/12, no mesmo sentido, Acórdão do STA, de 03.04.2013, P. 0392/13].
A recorrida pretende obviar à penhora e outros actos de execução, que reputa ilegais, até ao trânsito em julgado da decisão relativa ao pedido de dispensa de prestação de garantia, com efeito suspensivo da execução. Antes de aferir do bem fundado da pretensão, importa aquilatar da propriedade do meio processual escolhido. É que a reclamação judicial constitui o meio próprio para reagir aos actos lesivos praticados pela AF na execução. É um meio de carácter urgente e de efeito suspensivo automático dos actos em crise. Estando em causa pedido de sustação da execução, então segue-se que a reclamação judicial é o meio processual adequado para fazer valer a pretensão in judicio (artigos 276.º, 277.º/1 e 2, 278.º/1/3 e 5, do CPPT). Existe, pois, impropriedade ou inadequação do meio processual escolhido, o que constitui excepção dilatória de conhecimento oficioso, cuja procedência determina a absolvição da ré, Fazenda Pública, da instância (artigos 576.º/2, 577.º e 578.º do CPC).
Ao julgar em sentido diferente do referido, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que julgue procedente a excepção dilatória da impropriedade do meio processual escolhido, com a consequente absolvição da ré/recorrente da instância.
Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.

DISPOSITIVO

Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida, julgar procedente a excepção dilatória da impropriedade do meio processual escolhido e consequente absolvição da ré/recorrente da instância.
Custas pela recorrida.
Registe.
Notifique.

(Jorge Cortês - Relator)




(Cristina Flora - 1º. Adjunto)




(Ana Pinhol - 2º. Adjunto)


(1) Processado não numerado.