Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11482/14
Secção:CA - 2º. JUÍZO
Data do Acordão:12/04/2014
Relator:CONCEIÇÃO SILVESTRE
Descritores:PROVIDÊNCIA CAUTELAR; REAPRECIAÇÃO DA PROVA GRAVADA; PRAZO DAS CONTRA-ALEGAÇÕES; NULIDADE DA SENTENÇA POR FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO; PERICULUM IN MORA
Sumário:I. Nos processos urgentes os prazos para interposição de recurso e para o recorrido alegar seguem a regra prevista no artigo 147º do CPTA.
II. Assim, são reduzidos a metade todos os prazos a observar para a prática de actos processuais, e designadamente os prazos previstos nos artigos 145º, n.º 1 do CPTA e 638º, n.º 7 do CPC, sendo o primeiro reduzido para 15 dias e o segundo para 5 dias.
III. A nulidade da sentença prevista no artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC, abrange a falta de discriminação dos factos e a falta do exame crítico das provas.
IV. Só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista naquele preceito.
V. A decisão proferida pelo Tribunal a quo sobre a matéria de facto só deve ser alterada com base na reapreciação da prova testemunhal se da mesma resultar, de forma clara e sem dúvidas, que os depoimentos das testemunhas foram erradamente apreciados e valorados.
VI. O requisito do periculum in mora mostra-se preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
VII. A prova do “fundado receio” deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumada ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO ADMINISTRATIVA DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL:


RELATÓRIO

1. O MUNICÍPIO DE OEIRAS interpôs recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra em 29/04/2014 que, deferindo parcialmente a providência cautelar interposta por S….., LDA contra o mesmo e contra a C……, suspendeu a eficácia “do acto administrativo do Município de Oeiras que determinou a execução da garantia bancária n.º ……, emitida pela 2ª requerida, bem como do que determinou a aplicação da sanção contratual” e intimou a “C…… a não proceder ao pagamento da aludida garantia bancária”.

Concluiu, assim, as suas alegações:
“I. A douta sentença recorrida está ferida de nulidade por força do preceituado no artigo 607.º, n.º 2 e n.º 3 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, atendendo a que a mesma não satisfaz, em sede de especificação da matéria de facto relevante, as exigências vertidas nas aludidas disposições, violando, assim, frontalmente tais disposições;
II. Conclusão que decorre do facto de a fundamentação expressa em relação aos factos considerados provados (ponto III.1) consistir tão só na identificação dos meios de prova produzidos e por ser também evidente que os factos tidos como provados o foram sem que se tenha procedido a um exame crítico da prova produzida, porquanto é manifesto que ao longo da indicação da matéria de facto o Tribunal a quo omite totalmente os motivos que conduziram à decisão quanto aos factos dados como provados e não provados.
III. Errou ainda a dita sentença ao dar como provado que “O seu nome pode ficar também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados” (cfr. alínea v) do ponto III.1).
IV. Com efeito, dos excertos transcritos nos artigos 20.º e 22.º das presentes alegações decorre que deveria ter sido dado como provado na sentença em crise, concretamente, na alínea v) do ponto III.1, que “O seu nome fica também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados”.
V. E, nessa medida, importa alterar o probatório fixado na 1ª instância através da alteração acima mencionada à alínea v) da matéria de facto, o que desde já se requer.
VI. De igual modo se requer que seja corrigida a alínea u) do probatório, em face das declarações da testemunha S…… referidas supra no artigo 26.º, já que esta, em sede de inquirição de testemunhas, referiu que obviamente que a insolvência tem uma ponderação maior para a degradação no mercado e no bom nome da empresa, e do probatório consta que a declaração de insolvência também influi na dificuldade de acesso a novas garantias por parte das instituições bancárias, como se fosse esta a causa principal da degradação do bom nome da empresa e não a situação de insolvência em que a mesma se encontra.
VII. A sentença sub judice incorreu igualmente num manifesto erro de interpretação e aplicação do direito, na medida em que fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
VIII. E isto, porquanto é ponto assente que os critérios de decisão enunciados no artigo 120.º do CPTA devem ser densificados com factos concretos e não com meras abstrações ou conclusões. E, quer as alegações vertidas no r.i., quer os depoimentos produzidos nos autos (e, em particular, o da testemunha S……), para além de vagos e genéricos, não encontram correspondência documental nos autos, já que ficou por demonstrar em que medida é que a execução do ato suspendendo lhe era assim tão prejudicial, de modo a dificultar de forma sensível a atividade comercial a que se dedica.
IX. Como tal, não sendo minimamente evidente a procedência da pretensão deduzida pela Recorrida na ação principal, e tendo ficado por demonstrar, ainda que indiciariamente, a existência de prejuízos de difícil reparação ou a criação de uma situação de impossibilidade de reintegração específica da sua esfera jurídica no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente, conclui-se que a sentença recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA, devendo, assim, ser revogada.”

Termina pedindo a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que indefira as providências cautelares requeridas.

A recorrida apresentou contra-alegações.


2. Por despacho de 7/07/2014 foi ordenado o desentranhamento das contra-alegações apresentadas pela recorrida, em virtude de as mesmas serem extemporâneas.
Desse despacho foi interposto recurso jurisdicional pela requerente, S……, LDA, no qual foram apresentadas as seguintes conclusões:
“a) A ora Recorrente foi notificada, através se ofício de fls., datado de 30/05/2014, para apresentar contra-alegações, nos termos do art. 145º do CPTA;
b) A notificação deste ofício foi efectivada no dia 03/06/2014, conforme doc. 1 que se junta;
c) Nos processos urgentes (como é dos autos, sendo certo que estamos perante um procedimento cautelar), os recursos são interpostos no prazo de 15 dias, como igualmente bem se refere no despacho recorrido;
d) No entanto, tendo em conta o disposto no n.º 7 do art. 638º (aplicável em sede administrativa ex vi art. 1º CPTA), do CPC, caso o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 (dez) dias (neste sentido, cita-se a título de exemplo, o douto Acórdão deste Tribunal Superior de 17/05/2012, Proc. 08176/11);
e) Da análise das alegações de recurso e das contra-alegações em consideração, conclui-se que aquelas têm por objecto a reapreciação da prova gravada;
f) Motivo pelo qual, a Recorrida beneficia do acréscimo de prazo de 10 (dez) dias, previsto no n.º 7 do art. 638º do CPC.
g)Tendo a Recorrida sido notificada do despacho que admitiu o recurso e para contra-alegar, em 03/06/2014, o prazo para a interposição do presente recurso, de 25 dias por o recurso ter por objecto a reapreciação da prova gravada, contado continuamente, terminava em 28/06/2014, sábado e, assim, em dia que os tribunais se encontram encerrados, transferindo-se, nos termos do n.º 2 do art. 138º do CPC, para o primeiro dia útil seguinte, neste caso, dia 30/06/2014, segunda-feira;
h) Data em que, efectivamente, deram entrada as contra-alegações em apreço, sendo as mesmas tempestivas.”

O recorrido não apresentou contra-alegações.

Por despacho de 25/08/2014 foi mantido o anterior despacho de 7/07/2014 que considerou as contra-alegações extemporâneas, embora com outra fundamentação.
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O Ministério Público, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º do CPTA, não se pronunciou sobre o mérito dos recursos.
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As questões a decidir – delimitadas pelas conclusões das alegações [cfr. artigos 635º, n.ºs 3 e 4 do CPC ex vi artigo 140º do CPTA] – consistem em saber:
- Se o despacho de 7/07/2014 errou ao considerar extemporâneas as contra-alegações apresentadas pela recorrida;
- Se a sentença recorrida padece de (i) nulidade por violação do disposto no artigo 607º, n.ºs 2 e 3 do CPC, (ii) erro de julgamento de facto e (iii) erro de julgamento de direito na apreciação dos critérios de decisão plasmados no artigo 120º, n.º 1, als. b) e c) do CPTA.
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Sem vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

1. Matéria de facto

1.1. O Tribunal a quo deu como assente a seguinte matéria de facto:
a. A Requerente é uma sociedade comercial que se dedica à actividade comercial de construção e obras públicas – acordo e acesso certidão permanente comercial;
b. Entre a Requerente e a Câmara Municipal de Oeiras, foi outorgado em 21.09.2009, o contrato de empreitada de obras públicas, que teve por objecto a obra denominada “Conservação e Reparação de Pavimentos nas Freguesias de Barcarena e Queijas – 049/DOM/DIM/09, constando da cláusula quarta “Garantia” que “Para garantia do exacto e pontual cumprimento das obrigações que assume com o presente contrato, será feita retenção de 10% do valor dos pagamentos a efectuar, podendo, a mesma ser substituída por conhecimento de depósito, seguro-caução ou garantia bancária do mesmo valor – cf. doc. 1 junto ao requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
c. A 2ª Requerida, C……, emitiu em nome e a pedido da Requerente, garantia bancária tendo por objecto a empreitada designada por “CONSERVAÇÃO E REPARAÇÃO DE PAVIMENTOS NA FREGUESIAS DE BARCARENA E QUEIJAS – 049/DOM/DIM/09 (à qual foi atribuído o nº 168-43.01.0091-2), à primeira solicitação, até ao montante máximo de € 7.700,00, destacando-se o seguinte:
“(…) A C……, obriga-se a pagar aquela quantia à primeira solicitação do MUNICÍPIO DE OEIRAS, sem que este tenha de justificar o pedido e sem que a primeira possa invocar em seu benefício quaisquer meios de defesa relacionados com o contrato atrás identificado ou com o cumprimento das obrigações que a Sociedade com a firma S……, Lda. assume com a celebração do presente contrato.
A C…… deve pagar aquela quantia no dia seguinte, findo o qual, sem que o pagamento seja realizado, contar-se-ão juros de moratórios à taxa mais elevada praticada pela C……. para as operações activas, sem prejuízo da execução imediata da dívida assumida por esta.”
– acordo e cf. doc. 2 junto ao requerimento inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
d. Sobre a garantia bancária precedente foi celebrado entre a C…….- e a Requerente, o Contrato de emissão de garantia bancária, junto como doc. 2 ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido, destacando-se as seguintes cláusulas:

“(…) CLÁUSULA 1ª
No âmbito do presente contrato a C….. acorda em emitir, em nome e a pedido da sociedade outorgante, uma garantia bancária até ao montante máximo de € 7.700 (…) a favor do MUNICÍPIO DE OEIRAS destinada a garantir o cumprimento e a boa execução dos trabalhos realizados na empreitada designada de “CONSERVAÇÃO E REPARAÇÃO DE PAVIMENTOS NAS FREGUESIAS DE BARCARENA E QUEIJAS – 049/DOM/DIM/09 emergentes do contrato celebrado entre a SOCIEDADE OUTORGANTE e a BENEFICIÁRIA.
CLÁUSULA 2ª
A garantia bancária é válida a contar da data da sua emissão e até que a BENEFICIÁRIA comunique à C… o respectivo cancelamento.
CLÁUSULA 3ª
(…)
CLÁUSULA 4ª
No âmbito da garantia emitida a BENEFICIÁRIA poderá accioná-la através de um simples pedido formulado por escrito e dirigido à C…., sem que caiba à C…… saber do fundamento ou legitimidade de tal pretensão.
(…)”.
e. Com data de 19.04.2011, a Divisão de Infraestruturas Municipais, da CM Oeiras, enviou à ora Requerente o fax com o Assunto: “049/DOM/DIM/09 - CONSERVAÇÃO E REPARAÇÃO DE PAVIMENTOS NAS FREGUESIAS DE BARCARENA E QUEIJAS”, onde refere designadamente:
“Após a conclusão de parte dos trabalhos já solicitados no passado dia 22 de Março, foi elaborado e encontra-se concluído o respectivo auto de medição.
Deverá o gerente da empresa, Sr. A……., deslocar-se ao Edifício dos Serviços Técnicos da Câmara Municipal de Oeiras, (…) para proceder à assinatura do referido auto de vistoria e medição.
Mais se reitera o referido no mail no passado 23 de Março (…) mantendo -se por executar as rectificações indicadas.
Caso estas não sejam efectuadas num prazo de 4 semanas a terminar a 27 de Maio próximo, serão activadas as respectivas garantias bancárias” (…) – cf. fls. 79 e 80 do processo administrativo apenso (2º Vol);
f. Em 27.05.2011, procedeu-se, com a presença do delegado da 1ª Requerida e representante da requerente, à vistoria para efeitos de recepção provisória, tendo-se verificado que as obras estavam em condições de ser recebidas, considerou -se efectuada a recepção provisória da obra, tendo sido elaborado o auto de medição nº 13/11 – acordo e doc. 3 junto ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido ;
g. Através de carta datada de 01.07.2011, a Câmara Municipal de Oeiras, veio comunicar à Requerente sobre o assunto: 0049/DOM/DIM/09 – Conservação e reparação de pavimentos nas freguesias de Barcarena e Queijas, que “ (…) foi autorizada a aplicação de sanção contratual por violação dos prazos de empreitada, no montante de €15.400,00, nos termos do art. 403º do CCP (…), cujo montante resulta do atraso na execução da obra em 115 dias, atendendo que a data conclusão contratual teria de ocorrer em 01/02/11, quando a sua conclusão efectiva apenas se verificou em 25/05/11.
Mais comunico que V. Exª dispõe do prazo de 5 dias úteis, contados da data da recepção do presente ofício, para se pronunciar, de conformidade com a disposição legal atrás citada” – cf. doc. 4 junto ao r.i
h. O prazo para conclusão dos trabalhos referente à empreitada em apreço, foi ultrapassado pela Requerente – acordo;
i. A Requerente respondeu à carta indicada em g. através de carta datada de 12.07.2011, onde manifesta a sua discordância e que não consegue entender a sua fundamentação – cf. doc. 5 junto ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido
j. A Câmara Municipal de Oeiras comunicou à Requerente, através de fax datado de 09/08/2011 que mantinha a sua intenção de aplicar sanção contratual por violação do prazo de empreitada – cf. doc. 6 junto ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido
k. A Requerente respondeu através de fax datado de 11.08.2011, a solicitar reunião com carácter de urgência para esclarecimento da situação em apreço – cf. doc. 11 junto ao r.i.;
l. Após as comunicações indicadas em g. e j. a 1ª Requerida, Câmara Municipal de Oeiras, efectuou pagamentos de diversas facturas à Requerente – em 31.05.2011, 21.03.2012 e 04.03.2012 - em montante superior ao da sanção contratual – acordo e doc. 13 a 16 juntos ao r.i.;
m. No âmbito do Processo de Insolvência de Pessoa Colectiva nº 183/11.4TBVZL, que corre termos na Secção única do Trabalho, foi proferida sentença, em 05.08.2011, na qual a Requerente foi declarada insolvente, conforme doc. 17. junto ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
n. A Câmara Municipal de Oeiras tomou conhecimento da sentença precedente (publicada em DR nº 165, II Série, de 20.08.2011, através de anúncio nº 12392/2011), não reclamou no processo precedente o valor que pretende obter pelo accionamento da garantia indicado em c. – acordo e doc. 9 do III Vol do processo administrativo apenso;
o. A Requerente solicitou, através de carta datada de 15.11.2012, registada sob o nº 0……/11, a marcação de data para efeitos de realização de vistoria aos trabalhos da empreitada, com vista à libertação faseada das cauções prestadas, o que fez ao abrigo do disposto no artigo 3º do Decreto-Lei nº 190/12, de 22 de Agosto – cf. fls. 7 do Vol. II do processo administrativo apenso;
p. Na sequência do pedido precedente foram elaboradas pela 1ª Requerida, a Informação nº 429/DIM/12, em que foi solicitado a emissão de parecer jurídico, que foi emitido na Informação nº 0001/GTGC/2013, 4 de Janeiro de 2013, do qual se destaca o seguinte: “(…) Estando o pedido em conformidade, o dono da obra dispõe do prazo de 30 dias para marcar vistoria a todos os trabalhos da empreitada, para determinar se parte da caução poderia ou não ser libertada (note-se que a libertação da caução, está sempre dependente da inexistência de deficiências). Contudo, este prazo já expirou, pelo que assiste ao empreiteiro, nos termos do nº 5 do citado art. 4º [DL 190/12], a libertação da 1ª fase, posto que se considera tacitamente autorizada a liberação pelo dono da obra. (…) Deste modo, e ainda que estejam pendentes o pagamento da multa e a correcção de defeitos, em boa verdade o dono da obra deixou escapar o prazo que tinha para recusar a liberação da primeira tranche.
Considerando que 30% da caução prestada será devolvida ao empreiteiro (nos termos do nº 6, basta a exibição do requerimento pelo empreiteiro ao banco), o que se propõe é accionar as cauções remanescentes. (….) – cf. fls. 1 a 4 do II Vol, do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
q. Sobre a Informação precedente foi proferido em 15.01.2013, pelo Director Municipal de Obras e Ambiente, despacho de concordância com a proposta do Chefe de Divisão de “Relativamente a esta empreitada e face ao exposto, julgo ser de accionar o valor remanescente – 70%- da caução com vista ao ressarcimento de parte da dívida” - cf. fls. 1 do II Vol. do processo administrativo apenso;
r. A Requerente tomou conhecimento, que a Câmara Municipal de Oeiras, através de carta datada de 01.03.2013, interpelou a 2ª Requerida, C……., na qualidade de garante da garantia bancária indicada em c. para que esta lhe pagasse o valor de crédito garantido por aquela no montante de € 5.390.00 – cf. doc. 10 junto ao r.i., cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
s. A prática comercial na banca é que com o accionamento de uma garantia bancária, o garantido (requerente) fica com o seu nome denegrido no sistema financeiro – testemunha S…….;
t. O banco pode restringir o acesso a outras garantias e os custos / comissões inerentes às mesmas aumentado ou às que já dispõe – cf. testemunha S……..;
u. A declaração de insolvência da Requerente influi também na dificuldade de acesso a novas garantias por parte das instituições bancárias – cf. testemunha S…….;
v. O seu nome fica também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados – S…….;
w. A Requerente não tem capacidade financeira (liquidez) para prestar depósito-caução em novos concursos para celebração de contratos de empreitadas de obras públicas – S…….;
x. Deixando de prestar garantias bancárias para garantir a boa execução dos trabalhos deixarão de lhe serem adjudicadas novas empreitadas – S……;
y. A principal actividade da Requerente é a realização de empreitadas de obras públicas – S………;
z. A Requerente tem ao seu serviço cerca de 30 trabalhadores – S……..;
aa. Desde 2011, não foram accionadas garantias bancárias em nome da Requerente – S……..

1.2. A fim de apreciar a primeira questão acima referida – saber se o despacho de 7/07/2014 errou ao considerar extemporâneas as contra-alegações apresentadas pela recorrida – importa atentar nos seguintes factos:
A) Em 20/05/2014 o recorrente apresentou requerimento de interposição de recurso jurisdicional acompanhado das respectivas alegações, nos termos que constam de fls. 396 a 408, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
B) Por carta registada datada de 30/05/2014, foi a recorrida S……., Lda notificada “da admissão do recurso e para contra-alegar querendo” (cfr. fls. 418 dos autos).
C) A recorrida apresentou as suas contra-alegações através dos meios electrónicos em 30/06/2014.

2. Do Direito

Identificadas que foram as questões objecto dos recursos interpostos, passamos à sua apreciação.

2.1. Despacho de 7/07/2014 – erro de julgamento

Por despacho de 7/07/2014 foi ordenado o desentranhamento das contra-alegações apresentadas pela recorrida, em virtude de ter sido entendido que as mesmas são extemporâneas.
É o seguinte o teor desse despacho:
“A ora Recorrida foi notificada, através de ofício datado de 30.05.2014, fls…, para apresentar contra-alegações nos termos do art. 145º do CPTA.
O que deveria ter feito no prazo de 15 (quinze) dias, nos termos do disposto nos artigos 145º, n.º 1 e 147º, n.º 2, ambos do CPTA.
Donde, as contra-alegações por si apresentadas em 30.06.2014, são extemporâneas, pelo que se ordena o seu desentranhamento.”
A recorrida interpôs recurso jurisdicional desse despacho, alegando, em síntese, que o mesmo errou ao não considerar o disposto no n.º 7 do artigo 638º do CPC, nos termos do qual, “caso o recurso tenha por objecto a reapreciação da prova gravada, ao prazo de interposição e de resposta acrescem 10 (dez) dias”.
Tendo em consideração, por um lado, que é essa a situação dos autos e, por outro, que foi notificada do despacho que admitiu o recurso e para contra-alegar em 3/06/2014, conclui a recorrida que o prazo em causa – de 25 dias – terminou no dia 28/06/2014, sábado, pelo que se transferiu para o primeiro dia útil seguinte, 30/06/2014, dia em que entregou as suas contra-alegações, as quais são, pois, tempestivas.
Apreciando.
A regra geral em matérias de prazos para o recorrido apresentar alegações encontra-se plasmada no artigo 145º, n.º 1 do CPTA, dispondo o mesmo de 30 dias para o fazer.
Por outro lado, nos termos do disposto no n.º 7 do artigo 638º do CPC, se o recurso tiver por objecto a reapreciação da prova gravada – como é o caso dos autos – a esse prazo acrescem 10 dias.
Acontece que, estamos perante um processo urgente (cfr. artigo 36º, n.º 1, al. e) do CPTA), pelo que os prazos para interposição de recurso e para o recorrido alegar seguem a regra prevista no artigo 147º do CPTA.
Prescreve o n.º 1 deste preceito que nos processos urgentes os recursos são interpostos no prazo de 15 dias; e o n.º 2 determina que, nesses processos, os prazos a observar durante o recurso são reduzidos a metade.
Assim, por aplicação deste preceito, ficam reduzidos a metade todos os prazos a observar para a prática de actos processuais, e designadamente os prazos acima referidos previstos nos artigos 145º, n.º 1 do CPTA e 638º, n.º 7 do CPC, sendo o primeiro reduzido para 15 dias e o segundo para 5 dias.
A recorrida dispunha, assim, do prazo de 20 dias para alegar.
Isto posto e tendo presente que a mesma foi notificada por carta registada datada de 30/05/2014 “da admissão do recurso e para contra-alegar querendo” (cfr. ponto B) do probatório) e que apresentou as suas contra-alegações através dos meios electrónicos em 30/06/2014 (cfr. ponto C) do probatório), forçoso é concluir que as mesmas foram apresentadas fora de prazo, pois que nessa data mostrava-se já esgotado o aludido prazo de 20 dias.
Improcede, assim, o recurso jurisdicional apresentado pela requerente com referência ao despacho de 7/07/2014.

2.2. Nulidade da sentença recorrida

Sustenta o recorrente que a sentença recorrida é nula pois “não satisfaz, em sede de especificação da matéria de facto relevante, as exigências vertidas” no artigo 607º, n.ºs 2 e 3 do CPC, o que “decorre do facto de a fundamentação expressa em relação aos factos considerados provados (ponto III.1) consistir tão só na identificação dos meios de prova produzidos e por ser também evidente que os factos tidos como provados o foram sem que se tenha procedido a um exame crítico da prova produzida, porquanto é manifesto que ao longo da indicação da matéria de facto o Tribunal a quo omite totalmente os motivos que conduziram à decisão quanto aos factos dados como provados e não provados”.
Este vício, a verificar-se, determina a nulidade da sentença prevista no artigo 615º, n.º 1, al. b) do CPC, o qual prescreve que “ É nula a sentença quando: b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”.
Esta nulidade abrange a falta de discriminação dos factos e a falta do exame crítico das provas. É que, nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 607º do CPC, “Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção”.
O juiz deve, assim, proceder à indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, com especificação dos meios de prova e das razões ou motivos substanciais por que relevaram ou obtiveram credibilidade (Lopes do Rego, Comentários ao Código de Processo Civil, pág. 434).
Em suma, o julgador não se deve limitar a uma simples e genérica indicação dos meios de prova produzidos, impondo-se-lhe que os analise criticamente.
Contudo, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do citado artigo 615º do CPC. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade (cfr. Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 139/140 e Antunes Varela, Manual de Processo Civil, pág. 669).
No caso dos autos, a fundamentação da matéria de facto foi feita em dois momentos; assim, relativamente a cada um dos factos considerados provados foi referido o respectivo meio de prova e a final foi enunciada a “motivação da matéria de facto”.
Desde logo, a Senhora Juíza a quo indicou, com referência a cada um dos 27 factos discriminados no probatório, o motivo que a levou a concluir pela sua prova, a qual resultou do acordo das partes, dos documentos juntos aos autos (os quais foram identificados) e do depoimento da testemunha S……..
Por outro lado, e relativamente à prova testemunhal produzida, foi enunciada a seguinte motivação: “O Tribunal relevou sobretudo o depoimento da testemunha S……., que revelou conhecer directa e em pormenor a situação financeira da empresa, onde ocupa cargo de chefia, no Departamento financeiro. As demais testemunhas da Requerente, incidiram sobretudo quanto às condições de obra e de eventuais razões para o atraso (chuva e colocação de “tapete betuminoso”, quer da Entidade Requerida, de defeitos das obras (testemunha da Entidade Requerida) que não estão em causa nesta providência cautelar, tanto mais que a requerente aceitou que houve atrasos”.
Concluímos, assim, que o Tribunal a quo fundamentou a decisão de facto, indicando os concretos meios de prova que julgou relevantes, não se verificando que tenha omitido a análise crítica de tais meios de prova, pelo que não ocorre a invocada nulidade da sentença recorrida.
O recurso improcede, pois, nesta parte.

2.3. Erro de julgamento de facto

Considera o recorrente que a sentença recorrida errou “ao dar como provado que “O seu nome fica também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados” (cfr. alínea v) do ponto III.1)”, já que, tendo presente o depoimento da testemunha S……… “deveria ter sido dado como provado na sentença em crise, concretamente, na alínea v) do ponto III.1, que “O seu nome pode ficar também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados”.
O recorrente requer, assim, que seja alterado “o probatório fixado na 1ª instância através da alteração acima mencionada à alínea v) da matéria de facto”.
Requer ainda “que seja corrigida a alínea u) do probatório, em face das declarações da testemunha S…….. (…) já que esta, em sede de inquirição de testemunhas, referiu que obviamente que a insolvência tem uma ponderação maior para a degradação no mercado e no bom nome da empresa, e do probatório consta que a declaração de insolvência também influi na dificuldade de acesso a novas garantias por parte das instituições bancárias, como se fosse esta a causa principal da degradação do bom nome da empresa e não a situação de insolvência em que a mesma se encontra”.
Vejamos.
A decisão proferida sobre a matéria de facto deve ser modificada, nos termos do artigo 662º, n.º 1 do CPC, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Impõe-se, pois, que o tribunal de recurso proceda a uma reapreciação dos meios de prova indicados pelas partes, bem como dos demais meios de prova que constem do processo, independentemente da sua proveniência (cfr. artigo 413º do CPC), devendo, a partir deles, formar a sua própria convicção, com total autonomia.
Significa isto que o tribunal de recurso funciona como um verdadeiro tribunal de instância, devendo proceder à valoração da prova seguindo as regras que vigoram para os tribunais de 1ª instância, naturalmente com as restrições que resultam da falta de imediação da prova.
E se, no exercício dessas competências, “conseguir formar, relativamente aos concretos pontos impugnados, a convicção acerca da existência de erro deve proceder à correspondente modificação da decisão. Esta tem sido a jurisprudência reiterada expressa em numerosos acórdãos do Supremo, afirmando (em face da norma anterior, ainda assim, menos incisiva) que o exercício dos poderes da Relação no que respeita à decisão da matéria de facto não pode limitar-se à enunciação de argumentos marginais de pendor abstracto, impondo sempre a reapreciação dos meios de prova oralmente produzidos, desde que o recorrente tenha cumprido o ónus de alegação agora regulado nos termos do art. 640º” (in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2014, 2ª edição, António Santos Abrantes Geraldes, págs. 245/246).
Contudo, a garantia de duplo grau de jurisdição no que concerne à matéria de facto deve harmonizar-se com o artigo 607º, n.º 5, 1ª parte do CPC, que atribui ao juiz o poder de “aprecia[r] livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”.
E porque assim é, o n.º 1 do artigo 662º do CPC atribui ao Tribunal de recurso o poder-dever de alterar aquela decisão, nos casos em que os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem uma decisão diversa. Isto é, a alteração da decisão de facto da 1ª instância só deve ocorrer quando, dos meios de prova indicados pelo recorrente para sustentar a sua posição, resultar de forma clara e inequívoca uma decisão diversa daquela.
No que concerne em particular à prova testemunhal, importa ter presente que o Tribunal de recurso se encontra de alguma forma limitado na tarefa de proceder à sua reapreciação, na medida em que não lhe é permitido percepcionar e apropriar-se de determinados circunstancialismos que só a imediação e a oralidade possibilitam.
Deste modo, a decisão do tribunal de 1ª instância só deve ser alterada com base na reapreciação da prova testemunhal se da mesma resultar, de forma clara e sem dúvidas, que os depoimentos das testemunhas foram erradamente apreciados e valorados.
A este respeito, decidiu o STA, no acórdão de 19/10/2005, proc. n.º 394/05, que “A garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis”, de tal modo que a função do Tribunal da segunda instância deverá circunscrever-se a “apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1° grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos”.
Isto posto e reapreciando o depoimento da testemunha S……., concluímos que o Tribunal a quo não efectuou uma errada apreciação e valoração do mesmo quando deu como provados os factos constantes dos pontos v) e u) do probatório.
Com efeito, a referida testemunha foi peremptória em afirmar que quando é accionada uma garantia bancária a empresa fica com o seu nome denegrido, quer junto do sistema financeiro, quer junto dos seus clientes e fornecedores, tanto mais que que essa situação revela que a empresa não efectuou os trabalhos em condições.
Por outro lado, tendo sido questionada se considerava que o banco teria menos dificuldade em conceder uma garantia bancária à primeira solicitação no caso de se tratar de uma empresa insolvente ou no caso de se tratar de uma empresa que tivesse uma garantia que tivesse sido accionada, a testemunha respondeu que têm as duas ponderação e que o risco acaba por ser igual, a empresa fica em risco, tanto duma forma como doutra.
Assim sendo, concluímos que o Tribunal a quo não fez uma errada a valoração e apreciação do depoimento desta testemunha quando deu como provado que “A declaração de insolvência da Requerente influi também na dificuldade de acesso a novas garantias por parte das instituições bancárias” e que “O seu nome fica também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados”, pois é justamente isso que resulta do seu depoimento.
Improcede, assim, o recurso nesta parte.

2.4. Erro de julgamento de direito

Sustenta, por fim, o recorrente que “A sentença sub judice incorreu igualmente num manifesto erro de interpretação e aplicação do direito, na medida em que fez uma errónea interpretação e aplicação do disposto nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 120.º do CPTA”, já que “ficou por demonstrar em que medida é que a execução do ato suspendendo (…) era assim tão prejudicial [para a recorrida], de modo a dificultar de forma sensível a atividade comercial a que se dedica”, ou seja, não resultou provada “a existência de prejuízos de difícil reparação ou a criação de uma situação de impossibilidade de reintegração específica da sua esfera jurídica no caso de o processo principal vir a ser julgado procedente”.
Vejamos.
Estando em causa uma providência conservatória – como é a suspensão de eficácia de um acto – a lei exige para o seu decretamento que “haja fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo prinicipal” (cfr. artigo 120º, n.º 1, al. b) do CPTA).
A finalidade própria das providências cautelares é assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal. É que, a demora na tomada da decisão final pode acarretar a inutilidade da mesma, em virtude de se ter, entretanto, criado uma situação de facto consumada com ela incompatível, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar.
Em suma, e citando Vieira de Andrade, diremos que a função própria da tutela cautelar é a “prevenção contra a demora” (A Justiça Administrativa (Lições), 4ª edição, pág. 295).
O requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio que, quando o processo principal termine, a sentença aí proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque, essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis.
A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumada ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada.
O recorrente entende que o Tribunal a quo errou ao considerar demonstrado o requisito do periculum in mora, uma vez que “quer as alegações vertidas no r.i., quer os depoimentos produzidos nos autos (e, em particular, o da testemunha S…….), para além de vagos e genéricos, não encontram correspondência documental nos autos”.
Acontece que, no âmbito deste processo foi já proferido Acórdão por este TCA Sul – na sequência do recurso interposto pela requerente da providência cautelar da sentença proferida em 9/07/2013 – o qual se pronunciou sobre tais questões, considerando, por um lado, que a requerente cautelar alegou factos concretos susceptíveis de integrar o periculum in mora e, por outro, que tais factos são susceptíveis de ser provados através de prova testemunhal.
Na verdade, entendeu-se no dito Acórdão que “ (…) ao contrário do entendido na sentença sob recurso, a alegação da Requerente mostra-se suficiente concretizada, quer de facto, quer de Direito, no tocante aos requisitos do fumus boni iuris, do periculum in mora e da ponderação de interesses. Assim, tal alegação é de molde ao preenchimento dos requisitos de adopção da providência cautelar, desde que a Requerente proceda à demonstração dos respectivos requisitos, designadamente, no que respeita ao requisito do periculum in mora.
Donde, dever permitir-se que sobre os factos alegados possam recair meios de prova, destinados à comprovação do alegado.
A decisão proferida mostra-se, pois, incorrecta, já que no caso concreto, em face da alegação da Requerente não é possível concluir pela dispensabilidade ou pela desnecessidade da produção da prova testemunhal requerida.
Senão vejamos, no que respeita à alegação da Requerente referente às circunstâncias de facto atinentes ao periculum in mora.
Mostra-se alegado pela Requerente, de entre o mais, o seguinte:
- a prática comercial da Banca é a de que, existindo o risco de as garantias bancárias serem accionadas, tais garantias serem recusadas ou então serem concedidas com valores de comissão muito superiores aos comumente praticados;
- a Requerente encontra-se na eminência de as garantias bancárias deste género lhe serem recusadas ou de suportar um custo muito mais elevado;
- as garantias são essenciais à prossecução da sua actividade comercial, pelo que, sendo recusada a emissão de garantias, será posta em causa a própria subsistência da Requerente;
- deixando se prestar garantias, deixará de lhe ver adjudicadas mais empreitadas e com isso, não pode prosseguir o seu objecto social, com o risco de colocar no desemprego dezenas de trabalhadores que tem a seu serviço;
- a Requerente não dispõe de meios para prestar garantias por outros meios;
- a Requerente atravessa período de enormes dificuldades económico-financeiras, tanto mais que se apresentou à insolvência, a qual foi declarada judicialmente;
- a Requerente enfrenta inúmeras dificuldades de tesouraria, não tendo capacidade, por falta de liquidez para prestar caução através de depósito em dinheiro;
- a execução da garantia irá afectar o prestigio e o bom nome da Requerente;
- com consequências ao nível da obtenção de crédito;
- a Requerente necessita do apoio por parte das instituições financeiras para o prosseguimento da sua actividade comercial;
- se for executada a garantia bancária, a instituição bancária poderá executar a Recorrente, com a correspondente penhora dos bens que lhe são indispensáveis para a sua actividade comercial;
- podendo vir a estar impossibilitada de prosseguir a sua actividade comercial;
- a cessação da actividade comercial provoca a perda de clientela, o desemprego e outros prejuízos de difícil reparação.
Embora concedendo que muitos desses factos pudessem ser provados por prova documental, não está a Requerente impedida de, querendo, proceder à sua demonstração através de prova testemunhal.
Não pode é o Tribunal a quo prescindir da prova testemunhal e julgar não verificado o requisito do periculum in mora com base no facto de o mesmo resultar não provado.
Por este motivo, assiste razão à Recorrente quanto a esta questão, pois tendo alegado factos suficientemente concretizadores da verificação do requisito do periculum in mora, não pode o Tribunal concluir pela sua não verificação, sem antes permitir a sua demonstração pela Requerente.
Existindo essa alegação, não pode recusar-se a produção de prova e depois concluir-se pela falta de demonstração dos requisitos do pedido cautelar.
Aliás, é a falta de verificação do pressuposto do periculum in mora que compromete irremediavelmente o pedido cautelar deduzido, pelo que, a dilucidação dos factos relativos a esse requisito apresenta-se essencial para aferir da correcta decisão de Direito a proferir.
Sem antes se esclarecer a factualidade relevante quanto a esse pressuposto, não poderá recair a solução de Direito.
Assim, denota-se que tal como alegado pela Requerente, a dispensa da prova testemunhal influiu na boa decisão da causa, incorrendo a sentença recorrida na violação do disposto no nº 3, do artº 118º do CPTA, porquanto, no caso concreto, a mesma reveste-se essencial e necessária a aferir dos requisitos de decretamento do pedido cautelar, máxime, do periculum in mora.
Em consequência, em face de todo o exposto assiste razão à Recorrente quanto dirige censura à sentença recorrida, quanto à dispensa da prova testemunhal, em violação do disposto no nº 3 do artº 118º do CPTA, o que acarreta a revogação da sentença e a baixa dos autos para que seja produzida prova sobre os factos controvertidos alegados nos respectivos articulados, que sejam essenciais para a decisão a proferir”.
Dando cumprimento a este Acórdão, o Tribunal a quo procedeu à inquirição das testemunhas indicadas pelas partes e, ponderando toda a prova produzida, incluindo a testemunhal, deu como provados os factos vertidos no probatório, em face dos quais considerou demonstrado o requisito do periculum in mora.
Será este juízo acertado? É o que passamos a apreciar.
São os seguintes os factos provados relevantes para a apreciação do requisito em análise:
- s. A prática comercial na banca é que com o accionamento de uma garantia bancária, o garantido (requerente) fica com o seu nome denegrido no sistema financeiro;
- t. O banco pode restringir o acesso a outras garantias e os custos / comissões inerentes às mesmas aumentado ou às que já dispõe;
- u. A declaração de insolvência da Requerente influi também na dificuldade de acesso a novas garantias por parte das instituições bancárias;
- v. O seu nome fica também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados;
- w. A Requerente não tem capacidade financeira (liquidez) para prestar depósito-caução em novos concursos para celebração de contratos de empreitadas de obras públicas;
- x. Deixando de prestar garantias bancárias para garantir a boa execução dos trabalhos deixarão de lhe serem adjudicadas novas empreitadas;
- y. A principal actividade da Requerente é a realização de empreitadas de obras públicas;
- z. A Requerente tem ao seu serviço cerca de 30 trabalhadores;
- aa. Desde 2011, não foram accionadas garantias bancárias em nome da Requerente.
Ponderando estes factos, entendemos não estar preenchido o requisito do periculum in mora, quer na vertente de facto consumado, quer na de produção de prejuízos de difícil reparação.
Desde logo, a situação não é de todo em todo irreversível, na medida em que, caso a recorrida obtenha vencimento na acção principal, a recorrente é obrigada a reconstituir a situação que existiria caso o acto suspendendo não tivesse sido praticado e o valor da caução que entretanto tiver sido accionada será restituído àquela.
Entendeu, porém, o Tribunal a quo “que está verificada a situação de periculum in mora, no tocante à situação de prejuízos de difícil reparação, como seja o de o [nome da requerente] enquanto empresa ficar afectado, ainda mais do que já está, com o accionamento da garantia bancária, afectando igualmente o desenvolvimento normal da sua actividade”.
Para tal ponderou o Tribunal que “o accionamento da garantia bancária tem repercussões quer ao nível do bom nome da empresa no mercado onde opera (obras públicas) quer a nível do sistema financeiro/bancário. Repercussões essas sentidas também ao nível dos próprios custos da Requerente, com o eventual aumento de comissões de novas garantias ou das presentes. (…) foi demonstrado que a Requerente não tem capacidade financeira (liquidez), para prestar depósito-caução em novos contratos de empreitadas e que sem a prestação de garantias por parte dos bancos ficará impedida de continuar a exercer a sua actividade principal que é a realização de obras públicas”.
Foi, assim, ponderado, por um lado, a repercussão que o accionamento da garantia tem para o bom nome da empresa e, por outro, a falta de capacidade financeira que a mesma apresenta, bem como as consequências da não prestação de garantias ao nível da sua actividade.
Ora, não está demonstrado nos autos que a recorrida esteja impossibilitada de prestar garantias bancárias pelo facto de ver executada a garantia bancária n.º ……., emitida pela 2ª requerida e, assim, de ficar impedida de continuar a exercer a sua actividade.
Não nos podemos esquecer que está em causa nos autos a suspensão da eficácia “do acto administrativo do Município de Oeiras que determinou a execução da garantia bancária n.º …….., emitida pela 2ª requerida, bem como do que determinou a aplicação da sanção contratual”. Não é certamente (só) pelo facto de ser accionada esta garantia que a recorrida não logrará obter junto da banca a prestação de outras garantias, tanto mais que se tratou de uma situação pontual, pois desde 2011 não foram accionadas garantias bancárias em seu nome (cfr. ponto aa. do probatório).
Aliás, o que resultou provado é que o banco pode restringir o acesso a outras garantias e os custos/comissões inerentes às mesmas (cfr. ponto t. do probatório). Estamos perante um facto incerto e eventual, uma mera possibilidade de assim suceder e não de uma certeza. Ora, os prejuízos a considerar hão-de ser reais e efectivos e não hipotéticos e eventuais.
Por outro lado, importa ter presente que a recorrida foi declarada insolvente, situação que influi também na dificuldade de acesso a novas garantias por parte das instituições bancárias (cfr. ponto u. do probatório).
No que respeita ao bom nome da recorrida apenas resultou provado que o mesmo fica também denegrido enquanto empresa junto de outras instituições bancárias, assim como perante o mercado face à ideia de a garantia bancária é accionada porque os trabalhos não foram devidamente executados (cfr. ponto v. do probatório). Não cremos que se trate de um prejuízo de difícil reparação; o accionamento de garantias bancárias por atraso na conclusão dos trabalhos, como é o caso dos autos, é uma situação que ocorre com alguma frequência no âmbito dos contratos de empreitada de obras públicas e quem trabalha nesse ramo de actividade sabe disso. Além disso, ficou por demonstrar que prejuízo concreto advém para a recorrida dessa situação, nomeadamente ao nível da sua actividade, tendo presente que a mesma foi já declarada insolvente.
Concluímos, assim, que a recorrida não logrou demonstrar, conforme era seu ónus fazer, a verificação do requisito do periculum in mora.
Tendo presente que os requisitos de que depende o decretamento de uma providência cautelar são de verificação cumulativa, a inexistência de um desses requisitos tem como consequência o indeferimento da mesma.

DECISÃO

Nestes termos, acordam, em conferência, os juízes deste Tribunal em:
a) Negar provimento ao recurso interposto do despacho de 7/07/2014, que se mantém;
b) Conceder provimento ao recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos, revogar a mesma e indeferir a concessão da providência cautelar requerida pela ora recorrida.
Custas pela recorrida.


Lisboa, 4 de Dezembro de 2014


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(Conceição Silvestre)


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(Cristina dos Santos)

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(Paulo Gouveia)