Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:214/05.7BELRS
Secção:CA
Data do Acordão:09/08/2022
Relator:FREDERICO MACEDO BRANCO
Descritores: LICENCIAMENTO DE CONSTRUÇÃO
OBJETO DO RECURSO
ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ATOS CONSEQUENTES DE ATOS NULOS
Sumário:I – O recurso jurisdicional deve incidir apenas sobre os erros que possam afetar a decisão recorrida, não se reportando a quaisquer eventuais vícios que possam incidir sobre a decisão administrativa objeto de impugnação.
Efetivamente, o objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação e alteração.
II - Tendo a operação urbanística imposto a realização de obras de urbanização como percursos pedonais, arruamentos e estacionamentos, zonas verdes, redes gerais de água, eletricidade, gás, telefone, drenagem de águas residuais domésticas, a ausência de Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor sempre tornaria obrigatório o cumprimento das condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural, estabelecidas no art.º 16.º do RPDMTV.
III - Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.
IV - A concreta ilegalidade que inquinou o ato administrativo e justificou a sua declaração de nulidade pode configurar-se desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por um licenciamento contrário ao ordenamento jurídico, veio a consolidar-se no mundo real, devendo a declaração de nulidade dar lugar aos atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a que seja restabelecida uma situação de legalidade, da forma menos lesiva para os vários interesses, públicos e privados, em presença.
O legislador, ainda que estabelecendo a ineficácia dos atos nulos, não esquece a situação de facto que esse ato pode ter gerado, abrindo a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito (cfr art 134º, nº 3 do CPA/91 – art 162º, nº 3 do CPA/2015).
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I Relatório
O Município de Torres Vedras e a S....., Lda. (Massa Insolvente), no âmbito da Ação Administrativa Especial intentada pelo Ministério Público, tendente à declaração de nulidade dos atos administrativos praticados no âmbito do Processo de Licenciamento de Construção n.º ….3/97, designadamente:
A “deliberação da Câmara Municipal de Torres Vedras, datada de 22.10.1999 que aprovou o projeto de arquitetura de condomínio habitacional requerido por “Construções E....., Lda.”,
Odespacho de deferimento da licença de construção proferido em 16.11.01” etodos os atos administrativos subsequentes”,
ODespacho proferido em 28.12.2001, pelo Sr. Presidente da Câmara de Torres Vedras, que ordenou a emissão do Alvará de Licença de Construção nº …../01”;
ODespacho de 1.10.2003, que declarou que a edificação possuía as condições exigidas por lei para ser considerada em regime de propriedade horizontal”,
O “Despacho de 23.09.2003, que aprovou o projeto de alterações”;
ODespacho de 12.11.2003, que emitiu o novo Alvará de construção com o número …./03”;
ODespacho que emitiu a licença de utilização para os 14 fogos, identificados pelas letras A a O, proferido em 10-02-2004, pelo Sr. Presidente da Câmara de Torres Vedras”, e
OEventual Despacho que tenha sido proferido, entretanto no sentido de emitir licença de utilização para os fogos restantes”, pedindo ainda queSe declarem, igualmente, nulos os títulos constitutivos da propriedade horizontal, bem como os negócios jurídicos de compra e venda celebrados com os contrainteressados supra identificados e outros que eventualmente tenham sido, entretanto celebrados, nos termos do estatuído nos preceitos combinados dos arts. 294º e 291º nº2 do Cod. Civil, bem como seja declarada a nulidade dos registos e cancelados os mesmos nos termos do estatuído no art. 17º nº1 e 8º do Cod. Reg. Predial.”, inconformados com a Sentença proferida em 26 de novembro de 2020 pelo TAC de Lisboa que julgou parcialmente procedente a ação, declarando a nulidade dos seguintes atos administrativos:
“a) Deliberação da Câmara Municipal de Torres Vedras, datada de 22.10.1999 que aprovou o projeto de arquitetura de condomínio habitacional requerido pela CI Construções E....., Lda.;
b) Despacho de deferimento da licença de construção proferido em 16.11.01;
c) Despacho proferido em 28.12.2001, pelo Sr. Presidente da Câmara de Torres Vedras, que ordenou a emissão do Alvará de Licença de Construção nº …../01; d) Despacho de 23.09.2003, que aprovou o projeto de alterações;
e) Despacho de 12.11.2003, que emitiu o novo Alvará de construção com o número 1649/03;
f) Despacho que emitiu a licença de utilização para os 14 fogos, identificados pelas letras A a O, proferido em 10-02-2004, pelo Sr. Presidente da Câmara de Torres Vedras e eventual despacho que tenha sido proferido, entretanto no sentido de emitir licença de utilização para os fogos restantes”, vieram, separadamente, recorrer para esta instância.

Assim, em 11 de janeiro de 2021, veio o Réu Município de Torres Vedras apresentar o seu Recurso, no qual concluiu:
I) O processo de elaboração do Plano Diretor Municipal de Torres Vedras decorreu na Vigência de regime jurídico anterior à redação inicial do Decreto-Lei n.º 380/99, de 22 de setembro, pelo que as suas normas traduzem as preocupações da época em que são produzidas e são tributárias dos conceitos ao tempo vigentes, e os seus aplicadores interpretaram-nas de acordo com o significado que lhes era atribuído à época.
II) Assim, quando os utilizadores destes diplomas, técnicos da administração central ou local, ou os que exerciam a sua atividade privada, fossem eles arquitetos, urbanistas, engenheiros ou juristas, utilizavam o conceito de urbanização pretendiam referir-se única e exclusivamente a loteamentos. Novas urbanizações significavam então para a doutrina, jurisprudência e para os aplicadores da lei novos loteamentos.
III) E tal distinção entre o conceito de urbanização e edificação era à data perfeitamente claro através da articulação entre os dois diplomas vigentes à data sobre a matéria em questão: o Decreto-Lei nº 445/91, de 20 de novembro e o Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de novembro, atendendo que o primeiro dispunha sobre o procedimento relativo a todas as obras de construção civil no âmbito das obras particulares (obras de edificação), designadamente novos edifícios e reconstrução, ampliação, alteração, reparação ou demolição de edificações e o segundo sobre o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos.
IV) Prova que à data o conceito de urbanização estava diretamente e exclusivamente relacionado com operações de loteamento, constando expressamente no preâmbulo do Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de novembro, quando refere “… as iniciativas dos particulares visando a urbanização do solo…”, diploma que, como já referido, aprovou o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos e que dispunha sobre operações de loteamento e obras de urbanização.
V) Tributário desta época, o RPDM no n.º 2 do seu artigo 8º quando dispõe a respeito das condições gerais de edificação a observar nos processos de licenciamento se distingue novas urbanizações e novos edifícios: novas urbanizações significa novas obras de urbanização, logo novos loteamentos, com ou sem obras de urbanização, e novos edifícios o que o próprio nome indica.
VI) Ao sobredito acresce, como se disse, que também nesta época o instituto jurídico da propriedade horizontal era ainda essencialmente pensado - e de facto as normas civilísticas anteriores à revisão operada ao Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de outubro, confirmam-no - em função da ideia de frações autónomas em andares sobrepostos, pelo que não respondia a situações de facto que se vieram a viver após esta alteração ao Código Civil. Ora, precisamente por ocorrerem situações como esta, para as quais não havia previsão legislativa que tornasse possível a exigência do cumprimento das regras previstas para os loteamentos, que o legislador no Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro veio dispor acerca do procedimento a seguir em tais situações (cf. artigo 57º, n.º 5).
VII) No que concerne ao novamente alegado incumprimento dos parâmetros urbanísticos fixados no RPDM, não se cansará o Recorrente de repetir: o artigo 8º, n.º 2 do RPDM opera e consagra uma clara distinção entre novas urbanizações e novos edifícios, pelo que os Índices constantes dos artigos 16º apenas são aplicáveis nas novas urbanizações, ou seja, repete-se, nos novos loteamentos.
VIII) Refira-se que do próprio relatório de peritagem retira-se a possibilidade de licenciar edifício de habitação coletiva sem recorrer ao Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos (Decreto-Lei nº 448/91, de 29 de novembro) que dispunha sobre operações de loteamento e obras de urbanização, entenda-se, novas urbanizações.
IX) Logo, não sendo obrigatório recorrer à urbanização, também não existia fundamento para apreciar o pedido ao abrigo do artigo 16º do RPDM.
X) De facto, os parâmetros urbanísticos a respeitar no projeto e licenciamento aqui em crise, são os definidos no n.º 2 do artigo 8º do RPDM: as características da envolvente mais próxima, quer no que respeita ao número de pisos, utilização dominante dos edifícios e as restantes referidas nesta disposição legal.
XI) Se a Câmara Municipal de Torres Vedras, entendia solicitar aos serviços técnicos de gestão Urbanística que indicassem a título comparativo os limites máximos dos índices previstos no PDM para a mesma área caso se tratasse de uma operação de loteamento, fazia por ter precisamente noção e preocupação pelo facto de não existir qualquer norma legal ou regulamentar que lhe possibilitasse fazer exigências em termos daquelas condições especificas de edificação, em casos deste tipo, semelhantes às que se faziam nas operações de loteamento, até porque tal realidade Urbanística, e a impotência municipal para a ela obstar era, por assim dizer, uma “espinha na garganta”.
XII) Sendo o entendimento preconizado à data, este foi reforçado na primeira alteração do Regulamento do PDMTV (Resolução de Conselho de Ministros nº 144/2007 e publicada no Diário da Republica nº 186/2007, Série I de 26 de setembro de 2007), por já existirem conceitos definidos sobre a matéria, tratando de modo distinto as condições gerais de edificação em Área Urbanas (artigo 16º, n.º 2), estabelecendo que nas operações urbanísticas (de edificação e de urbanização, entenda-se, loteamentos) …deve respeitar-se a moda dos indicadores patentes na envolvente mais próxima, designadamente no que respeita … , condições essas aplicáveis à edificação e à urbanização, enquanto que nas disposições seguintes (artigos 17º a 20º) se estabelece que as condições especificas de edificação aplicáveis aos diversos níveis de aglomerado urbano, os quais incluem índices de edificabilidade, são aplicáveis apenas a operações de loteamento, ou seja, a urbanizações.
XIII) Assim, reitera-se que a edificação estava sujeita ao cumprimento no n.º 2 do artigo 8º do RPDM, concretamente no que respeita à utilização dominante dos edifícios, número de pisos, tipologia, índice de implantação, índice de construção e densidade populacional dominantes.
XIV) E, ao contrário do alegado na douta sentença, o recorrente cumpriu na análise do projeto, os parâmetros definidos n.º 2 do artigo 8º do RPDM, importando o conhecimento do local, suas caraterísticas, a aproximação paisagística e relação visual e funcional direta com os aglomerados próximos, assim como ponderou a natural evolução urbana, sob pena de se perpetuar a estagnação e desenvolvimento urbanístico.
XV) De facto, embora não esteja explicito nos pareceres técnicos, a abordagem na apreciação do projeto teve em consideração as vertentes já referidas, ou seja: o local não dispunha de uma identidade própria em termos urbanos, vivendo da relação direta visual e funcional com o aglomerado urbano de P..., localizado no limite sul deste, onde predominam edifícios com cérceas variáveis entre os 2 e 3 pisos, com utilização dominante de habitação unifamiliar e coletiva, comércio e alguns serviços. Ora, da inexistência de referências no local, conforme referido no ponto 3.1. do parecer técnico a fls. 98 do processo administrativo instrutor, foi o valor modal visual da zona urbana diretamente mais próxima que sustentou a análise do projeto.
XVI) Assim, houve o cuidado de não aprovar a solução inicialmente preconizada pelo promotor de uma cércea de 3 pisos mais sótão por se considerar que estando o local no limite do continuo urbano da P..., e por efetuar a transição entre a paisagem urbana e a paisagem rural, a cércea deveria ser reduzida para os valores habituais para os edifícios de habituação unifamiliar de 2 pisos e sótão, solução que veio a ser aprovada.
XVII) Também, neste principio, se considerou uma adequada solução urbanística a desmaterialização da habitação coletiva em 3 volumes, de modo a atenuar o seu impacto na paisagem. Assegurou-se, contudo, a dependência construtiva e funcional do conjunto imobiliário para que fossem cumpridos os requisitos da propriedade horizontal, sendo indiscutível no local que a edificação não é dissonante da envolvente e ainda o menos será quando o perímetro urbano estiver edificado na sua plenitude.
XVIII) Sobre os valores modais ou de respeito pelas caraterísticas da envolvente, consideramos que não podem ser vistos de um modo cego, mas sim de um modo dinâmico e ponderado, dando como exemplo que se um aglomerado urbano for caraterizado por habitações unifamiliares, com um piso, implantadas em logradouros próprios, em propriedade plena, contruídos antes da vigência do RGEU, de arquitetura popular ou vernácula, nunca se permitirão edificações com 2 pisos? Se o aglomerado for caracterizado por habitação, nunca se permitirão outros usos como o comércio, serviços ou turismo? De facto, se olharmos para as caraterísticas da envolvente mais próxima de modo cego, estar-se-á a impedir a racional e natural evolução dos aglomerados urbanos e do tecido económico.
XIX) Nestes termos, e face ao exposto, dúvidas não restam que o Recorrente aplicou corretamente os parâmetros urbanísticos definidos no n.º 2 do artigo 8º do RPDM, sendo certo, por outro lado, que in casu se mostra demonstrada a inaplicabilidade das condições especificas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural estatuídas no artigo 16.º.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, revogada a, aliás douta sentença, substituindo-se esta por outra que considere os todos os atos praticados pelo Recorrido como válidos, com os fundamentos supra invocados fazendo-se assim, a tão costumada justiça deste tribunal”.

A Contrainteressada S....., Lda. (Massa Insolvente) veio apresentar as suas alegações de Recurso em 11 de janeiro de 2021, no qual concluiu:
“1- Salvo melhor juízo e opinião, todo o processo de licenciamento aqui em questão foi, como não poderia deixar de ser tramitado à luz da legislação então vigente.
2- À data da elaboração do PDM de Torres Vedras in casu aplicável, coexistiam os regimes jurídicos de licenciamento de obras particulares previstos no D.L. N.º 445/91, de 20 de novembro, donde constam os conceitos de edificação ou edifício,
3- E o regime jurídico dos loteamentos urbanos, previsto no D.L. N.º 448/91, de 29 de novembro, donde consta o conceito de urbanização
4- A nosso ver, era clara a distinção entre os conceitos de urbanização e edificação, reportando-se o primeiro apenas para quando em causa estavam operações de loteamento: novas urbanizações eram entendidas como novos loteamentos.
5- Também o RPDM de Torres Vedras fazia tal distinção, sendo disso exemplo o n.º 2 do seu artigo 8º, que aludia ao licenciamento “quer de novas urbanizações”, entendidas como novos loteamentos, “quer de novos edifícios”.
6- O processo de licenciamento em crise nos autos foi tramitado partindo desta distinção, como entendemos que deveria ter sido.
7- Assim, ao caso não eram nem poderiam ser aplicáveis os normativos direcionados para as operações de loteamento: o caso dos autos não é nem pode ser configurado como operação de loteamento.
8- Aliás, atente-se que resulta do próprio relatório de peritagem que se mostra junto aos autos que, à data, era possível licenciar edifício de habitação coletiva sem recorrer ao Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos (DL n.º 448/91),
9- Portanto, sem que estivéssemos perante o que é passível de ser configurado como nova urbanização.
10- O artigo 16º do RPDM de Torres Vedras apenas era aplicável a novas urbanizações, entendidas como novo loteamento.
11- Na situação em discussão nos autos foi licenciada a construção de um conjunto de edifícios contíguos, funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns afetas ao uso comum de todas as frações, dependendo o uso de cada fração da fruição dessas partes comuns, de que são exemplos as redes de distribuição de água, gás, eletricidade e telecomunicações, a estrutura que suporta o estacionamento subterrâneo e o acesso ao estacionamento subterrâneo e à superfície, aos espaços verdes, às arrecadações, à sala do condomínio, e à entrada das próprias frações.
12- Não estamos, de modo algum, perante uma operação de loteamento.
13- Como tal, não é nem concebemos como possa ser aplicável ao caso o artigo 16º do RPDM de Torres Vedras, que visa regular operação distinta da que foi licenciada.
14- Em nosso humilde entendimento, competia à Câmara Municipal analisar o projeto à luz dos parâmetros definidos no n.º 2 do artigo 8º do RPDM de Torres Vedras, o que nos parece que esta fez correta e adequadamente.
15- Como nos parece que resulta dos autos, o projeto de licenciamento propôs “um conjunto arquitetónico equilibrado, com bastante qualidade espacial, nomeadamente no que respeita à qualidade da arquitetura, à organização interna dos fogos, relação entre as construções, espaços exteriores e relação com a envolvente rural”.
16- O condomínio edificado não é dissonante da envolvente, sendo de realçar que, à data, o local não dispunha de identidade própria em termos urbanos.
17- De referir, porém, que os valores modais e as características da envolvente não podem nem devem ser analisados de modo estático, mas antes dinâmico, querendo-se com isto significar que não é nem pode ser pelo facto de a dada altura poderem predominar na envolvente habitações unifamiliares de 1 piso, que não se deve admitir edificações com 2 pisos ou 2 pisos e sótão: os aglomerados urbanos evoluem.
18- Pelo exposto, não vislumbramos no processo de licenciamento aqui em questão quaisquer vícios que possam afetar a sua validade, dado que, como se disse, a Câmara Municipal de Torres Vedras aplicou corretamente os parâmetros urbanísticos definidos no artigo 8º do RPDM de Torres Vedras,
19- Sendo, para nós, evidente que ao caso não eram nem poderiam ser aplicáveis as condições específicas de edificação previstas no artigo 16º do mesmo RPDM de Torres Vedras, dado que, repete-se, estas destinam-se, exclusivamente, a novas operações de loteamento.
20- Ao decidir como decidiu, o distinto Tribunal recorrido violou o sentido interpretativo que deve ser dado aos artigos 8º e 16º do RPDM de Torres Vedras, na versão em vigor à data dos atos impugnados nos autos, constante em anexo à Resolução do Conselho de Ministros n.º 159/95, publicada no Diário da República, I Série-B, n.º 277, de 30 de novembro de 1995,
21- Bem como, por maioria de razão, o artigo 52º, n.º 1, al.ª b) do D. L. N.º 445/91, de 20 de novembro.
22- Impõe-se a revogação da douta Sentença recorrida, que deverá alterar-se por douto aresto que julgue a ação totalmente improcedente.
Nestes termos em que e nos melhores de direito, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas., deve a decisão recorrida ser revogada em conformidade com o humildemente exposto neste articulado recursivo, com as devidas e legais consequências, o que permitirá que se faça sã, serena e objectiva JUSTIÇA! “

O aqui Recorrido/Ministério Público veio apresentar contra-alegações de Recurso com ampliação do âmbito do recurso em 3 de março de 2021, sendo que por despacho de 6 de dezembro de 2021, a requerida ampliação foi convolada em recurso subordinado, onde concluiu:
“1. Tendo a operação urbanística imposto a realização de obras de urbanização como percursos pedonais, arruamentos e estacionamentos, zonas verdes, redes gerais de água, electricidade, gás, telefone, drenagem de águas residuais domésticas, a ausência de Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor tornou obrigatório o cumprimento das condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural, estabelecidas no art.º 16.º do RPDMTV;
2. E, estando os parâmetros urbanísticos aplicáveis definidos como valores máximos, não podem ser entendidos como parâmetros urbanísticos comparativos;
3. Pelo que, a sentença recorrida não merece, quanto a esta matéria, qualquer censura.
4. Sem conceder e por mera cautela, ao abrigo do disposto no art.º 636.º do Código de Processo Civil, deve a ação ser considerada totalmente procedente, com fundamento em que: a operação urbanística foi aprovada como se tratasse de uma propriedade horizontal, quando na realidade constituía uma verdadeira operação de loteamento e, situando-se em área em espaço urbano de nível rural, em zona de reserva, não houve qualquer deliberação da CMTV quanto à sua ocupação, deliberação obrigatória nos termos do estatuído no art.º 8.º, n°5 do RPDMTV;
5. Tendo o Tribunal considerado provado que os três corpos construídos estão ligados funcionalmente pela existência de partes comuns, importa alterar o probatório não considerando tal matéria provada, dado que a ligação funcional terá de aferir-se da caracterização da situação quanto à existência de partes comuns e relação das mesmas com cada edifício privativo;
6. Deve, também, ser alterada a matéria de facto assente, dando como provada a matéria alegada nos artigos 29.º, 30.º e 34.º, da p.i.: A operação urbanística situava-se em zona de reserva, não existindo qualquer deliberação da CMTV que justificasse a sua ocupação, nos termos do estatuído no art.º 8º, n°5 do RPDMTV.
7. Com efeito, resultando da planta constante do Vol.I, fls. 24 e 25 do Processo Instrutor e que constitui o Doc.n.º 19° da PI, que o prédio onde se situa a urbanização referida nos autos, é um espaço urbanizável de reserva, não programado ( art.5º nº2 do RPDM), sendo os mapas juntos pela A. os constantes do processo instrutor, o que não acontece com os mapas do R. Município, para além de tal facto ter sido aceite pela contra interessada, no art.º120.º da sua Contestação, não poderia ser dado como provado que a propriedade da requerente se situava em “Espaços Urbanizáveis” na categoria operativa de “Zona de Expansão: sector programado”;
8. Sendo que, do relatório pericial consta não se ter acedido às sucessivas versões da Planta de Ordenamento, sendo apenas possível concluir, tendo por base a interpretação da Planta de Ordenamento que: “a localização dos terrenos em causa situava-se maioritariamente em “Espaços Urbanizáveis” e minoritariamente em “Espaços Agrícolas-áreas agrícolas.”;
9. Para caracterizar uma situação como propriedade horizontal impõe-se verificar a existência de elementos comuns, de unidade funcional entre as partes comuns e cada edifício, bem como a afetação dos edifícios à mesma finalidade, pois, quando se verificar a autonomia de cada edifício, haverá que proceder-se a loteamento;
10. Da matéria provada resulta que o conjunto imobiliário contém três corpos distintos, cada um com diversos fogos paralelos uns aos outros e não sobrepostos, tendo cada fogo dois pisos e um sótão com entradas independentes, pelo que podemos concluir que estamos perante as chamadas moradias geminadas;
11. As partes comuns de estacionamento, garagens e alojamento de equipamento, instalações gerais, zona verde e de recreio, cuja presença o Autor sempre admitiu, não podem servir para qualificar a situação como propriedade horizontal;
12. Sobre a questão da interdependência entre os elementos comuns e os edifícios, impõe-se realçar que da Memória Descritiva (Doc. 10), que acompanhou a p.i. consta que “1.02-A área de circulação de emergência observa um traçado diferenciado em relação aos dois anteriores projetos, de modo a não pisar a área de uso agrícola. Continuando, contudo, parte da mesma, a ser realizada com grelhas de enrelvamento, a restante circulação é realizada em calçada à portuguesa uma vez que se situa sobre o piso de estacionamento de veículos automóveis.”;
13. A estrutura arquitetónica do empreendimento urbanístico sugere que estamos perante um verdadeiro loteamento e não perante uma situação de propriedade horizontal, o que conduz à nulidade da referida operação urbanística;
14. Em face de do exposto, o pedido de licenciamento a que respeitou a operação urbanística em causa nos presentes autos, porque corporizou um loteamento, atento o disposto no art.º 56.º do DL448/91, deveria ter sido precedido de consultas das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigidos [pelo menos, com vista “a assegurar (o interesse público de) um correto ordenamento do território e a verificar da articulação com planos e projetos de interesse regional, intermunicipal ou supramunicipal e do cumprimento das disposições legais e regulamentares vigentes”, do parecer da CCR Centro, todos cfr. art.s 12º, 42º e 43º do Decreto-Lei n.º 448/91], pelo que não o tendo sido, o ato impugnado que de tal prescindiu, incorreu em nulidade, em violação de tais preceitos legais, assim como os atos subsequentes identificados na petição inicial que com esse licenciamento tenham conexão;
15. Com efeito, se estamos perante uma operação de loteamento e não perante uma situação de propriedade horizontal, esta não pode ser constituída;
16. O ato registral da propriedade horizontal, sendo um ato administrativo, porque praticado por um agente do Estado e em sua representação encontra-se inquinado, pois que, sendo o ato anterior, em que este se baseou nulo, nulos serão todos os atos consequentes;
17. Sendo certo que a declaração de nulidade da constituição de propriedade horizontal, bem como dos consequentes negócios jurídicos celebrados nesse pressuposto, não prejudicam terceiros de boa-fé, uma vez que estes têm direito à repetição do indevido,
18. Sempre o despacho de 2.10.2003 que declarou que a edificação possuía as condições exigidas por lei para ser considerada propriedade horizontal, terá que ser declarado nulo, com vista à propositura da competente ação registral, caso não se proceda à correção oficiosa dos registos;
19. Deverão ser considerados procedentes os pedidos de declaração de nulidade dos atos consequentes da vistoria e da constituição da propriedade horizontal, bem como dos negócios jurídicos de compra e venda que se lhe seguiram;
20. O prédio onde se situa a urbanização referida nos autos, é um espaço urbano de nível rural, urbanizável de reserva, isto é, não programado ( art.5 º nº2 do RPDM);
21. Nos termos do art.15.º, do PDM, o espaço urbano de nível rural é urbanizável, mas localizado em sector de reserva;
22. Sendo que, devem ser prioritariamente ocupadas as áreas de sectores programados e para se poderem ocupar os sectores de reserva é necessária deliberação camarária onde se justifique tal ocupação (art.º 8º, n5 do RPDM);
23. Ora, não existiu qualquer deliberação camarária que justificasse a ocupação do sector de reserva, através de monitorização do plano de onde resultasse que é do interesse público a ocupação urbana dos referidos terrenos, nomeadamente devido a questões demográficas ou socioeconómicas e por se terem esgotado os terrenos programados;
24. Deverá, por isso, ser julgado procedente que a operação urbanística se encontra implantada em zona de reserva e como tal ser declarada a nulidade da aprovação urbanística, por ausência de deliberação prévia da Câmara Municipal a justificar a necessidade de ocupação de tal terreno, nos termos do estatuído no art.º, 8.º n°5 do RPDMTV.
Nestes termos, devem os recursos interpostos ser julgados improcedentes, e, em consequência, ser confirmada a Sentença recorrida. Caso assim não se entenda, o que não se concede, deverá ser atendida a ampliação do recurso, devendo o douto Tribunal ad quem declarar procedentes os pedidos de declaração de nulidade. Porém vossas excelências farão Justiça.”

O Recorrente/Município de Torres Vedras veio apresentar as suas contra-alegações do Recurso subordinado, em 20 de junho de 2022, no qual concluiu:
“I- Retira-se plenamente da sentença que a convicção formada quanto à existência de propriedade horizontal resultou da conjugação do teor dos vários documentos juntos aos autos e do relatório pericial, dos quais, de forma explicita, se vislumbra o tipo de operação urbanística realizada.
II- Andou bem a douta sentença quanto ao considerar provado, após apreciação da prova documental, que os três corpos construídos estão ligados funcionalmente pela existência de partes comuns, designadamente o piso construído na cave, comum a todos os corpos e destinado ao estacionamento das viaturas de todos os condóminos, com acesso e saída comuns e que contempla arrumos para cada uma das frações dos três corpos e uma sala de reunião de condóminos e ainda espaços para armazenamento de equipamento.
III- A área onde está implantado o condomínio licenciado e em causa no presente processo tem a classificação de espaço urbanizável, zona de expansão, sector programado - pelo que esta área se situa num dos sectores a ocupar prioritariamente - nos termos do n.º 5 do artigo 8º do Regulamento do PDM, e sobre o qual não se verificava, nem se verifica a necessidade da existência de qualquer deliberação adicional do órgão executivo na matéria.
IV- Também aqui a convicção do tribunal se formou tendo em conta prova documental junta, cfr. docs. 1 e 2, juntos aos autos com a contestação do Réu, Planta de Ordenamento que constitui a peça desenhada n.º 12 do PDMTV e Base de Ordenamento que constitui a peça desenhada n.º 21 do PDMTV e o próprio relatório pericial.
V- O condomínio dos autos foi pensado, concebido e projetado para constituir um espaço privado, isolado, inacessível à generalidade das pessoas, virado para si próprio, perfeitamente delimitado fisicamente, obrigando os condomínios a partilhar o uso, de facto e de direito dos espaços comuns para poderem satisfazer as necessidades próprias da sua habitação
VI- Efetivamente, o condomínio dos autos foi pensado, concebido e projetado para constituir um espaço privado, isolado, inacessível à generalidade das pessoas, virado para si próprio, perfeitamente delimitado fisicamente, obrigando os condomínios a partilhar o uso, de facto e de direito dos espaços comuns para poderem satisfazer as necessidades próprias da sua habitação
VII- No presente caso possível não é nem será jamais possível a constituição de lotes que originem novos prédios urbanos, lotes esses que funcionem como unidades autónomas, perfeitamente individualizadas, já que o uso de cada fração está dependente da fruição de partes comuns, como por exemplo das redes de distribuição de água, gás, eletricidade e telecomunicações, instaladas no subsolo, ou o acesso aos espaços verdes, às arrecadações, ao estacionamento subterrâneo, à sala de condomínio, ao estacionamento à superfície ou até à entrada das próprias frações.
VIII- De facto, no caso dos autos nem sequer existe uma estrutura construtiva independente, já que toda a estrutura suporta o estacionamento subterrâneo e os corpos central e nascente são perfeitamente comum. Logo, se se tratasse de um loteamento nada disto seria impossível e cada lote não dependeria dos outros para funcionar por si só.
IX- Conforme sempre alegou o Município de Torres vedras, à data do licenciamento, o instituto jurídico da propriedade horizontal era ainda essencialmente pensado - e de facto as normas civilísticas anteriores à revisão operada ao Código Civil pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de outubro, confirmam-no - em função da ideia de frações autónomas em andares sobrepostos, pelo que não respondia a situações de facto que se vieram a viver após esta alteração ao Código Civil.
X- Ora, precisamente por ocorrerem situações como esta, para as quais não havia previsão legislativa que tornasse possível a exigência do cumprimento das regras previstas para os loteamentos, que o legislador no Decreto-lei n.º 555/99, de 16 de dezembro veio dispor acerca do procedimento a seguir em tais situações {cf. artigo 57°, n.º 5).
XI- Pois, na verdade para que ao presente caso pudesse existir um loteamento subsumível à previsão normativa do n° 3, do artigo 150° do Decreto-lei n° 448/91 tornava- se necessário que logo pelo desenho pudesse ser possível a constituição de lotes que originassem novos prédios urbanos, lotes esses que funcionassem como unidades autónomas, perfeitamente individualizadas, por forma a que o uso de cada um deles não fosse dependente da fruição de partes comuns.
XII- Adere-se ao entendimento da douta sentença ao considerar que os atos de constituição da propriedade horizontal não podem considerar-se consequentes no sentido de a respetiva validade estar incindivelmente ligada ao ato de licenciamento declarado nulo.
XIII- Ademais, mesmo quanto aos atos declarados nulos, a lei ressalva expressamente que a ausência de efeitos dos atos nulos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito (cfr. artigo 134º, nº3, do CPA), impondo atentar-se devidamente à antiguidade dos factos que ora são julgados. O legislador, ao mesmo tempo que estabelece a ineficácia total dos nulos, não esquece a situação de facto que esse ato pode ter gerado, abrindo a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito.
XIV- Andou bem o tribunal ao considerar que que o território em que foi implantado o condomínio fechado está enquadrado no PDMTV como “Espaços Urbanizáveis”, na categoria operativa de “Zona de Expansão: sector programado”, de acordo com a Planta de Ordenamento e Base de Ordenamento constantes das peças desenhadas n.º 12 e 21 do PDMTV - cfr. nº4 da matéria de facto provada. Pelo que, não se exige a referida resolução a fundamentar a utilização do espaço, conforme decorreria se fosse previsto como setor de reserva.
XV- Efetivamente, tal é facilmente verificável pelo extrato da Base de Ordenamento e legenda junta como Doc. 1 da Contestação onde se encontra a propriedade em causa, e o Doc. 2, outro extrato, relativo a um outro local, onde se pode ver claramente a diferença entre a malha utilizada para distinguir entre os sectores programados e os não programados ou de reserva.
XVI - Como pode ver-se nas legendas a malha dos sectores programados é dada por um quadriculado mais pequeno do que a dos sectores de reserva não programada, e o espaço urbanizável nos autos em causa encontra-se num sector programado, verificável por se encontrar preenchido por um quadriculado mais pequeno ou de malha mais apertada.
XVII - Estamos perante um condomínio que se situa num espaço urbanizável, sector programado, pelo que, sendo estes os sectores a ocupar prioritariamente nos termos do n° 5 do artigo 8o do Regulamento do PDM, não se verificava a necessidade da existência de qualquer deliberação adicional fundamentante do órgão executivo na matéria.
Face ao exposto, deve o presente Recurso subordinado ser julgado improcedente, e, em consequência, manter-se a douta decisão na parte agora recorrida.
Assim se fará a tão acostumada justiça neste Tribunal!”

A Recorrente/Massa insolvente S....., Lda. veio apresentar as suas contra-alegações do Recurso subordinado, em 29 de junho de 2022, no qual concluiu:
“I- Somos do humilde entendimento que o recurso subordinado interposto pelo Ministério Público não deve merecer acolhimento e, em consequência, deve improceder na totalidade.
II- Com efeito, a matéria de facto impugnada foi bem decidida pelo tribunal recorrido, com recurso aos elementos probatórios que o tribunal apreciou livremente e que indicou na douta decisão que proferiu. Inexistem razões para que se altere o julgamento quanto à factualidade colocada em crise pelo Ministério Público.
II- Sem prejuízo do entendimento que manifestamos nas Alegações e Conclusões de Recurso por nós oportunamente apresentadas e que consideramos que devem proceder, com as consequências a tal inerentes, também não descortinamos na decisão recorrida os erros de julgamento de direito que a Digníssima Magistrada do Ministério Público aponta à decisão recorrida, pelo que os seus pedidos sempre devem improceder. Em todo o caso, V. Exas. farão, seguramente, inteira Justiça!”

Os Recursos Jurisdicionais apresentados vieram a ser admitidos por Despacho de 8 de março de 2021.

Prescindindo-se dos vistos legais, mas com envio prévio do projeto de Acórdão aos juízes Desembargadores Adjuntos, foi o processo submetido à conferência para julgamento.
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas nos Recursos Independentes e subordinado, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, importando aferir, nomeada e predominantemente, se se mostrará aplicável à situação urbanística controvertida, o n.º 2 do artigo 8º do RPDM ou o seu Artº 16º.

III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade como Provada.
“1. A CI Construções E....., Lda. apresentou um pedido de licenciamento de construção à Câmara Municipal de Torres Vedras, de ora em diante, CMTV, que originou o Proc. Camarário nº OP/6053/97 (cfr. processo administrativo instrutor e admissão por acordo);
2. Os fogos previstos seriam construídos num lote de terreno sito na P..., na Freguesia de A…, concelho de Torres Vedras, descrito na Conservatória do Registo Predial de Torres Vedras sob o nº …..0123, resultante da anexação dos terrenos descritos naquela Conservatória sob os nºs …4, …4 e …5, propriedade da requerente (doc. n.º 21, junto aos autos com a petição inicial);
3. O referido prédio tem frente para a Estrada Nacional n.º … (cfr. plantas de localização juntas aos autos e constantes do processo administrativo instrutor);
4. A propriedade da requerente situava-se em “Espaços Urbanizáveis” na categoria operativa de “Zona de Expansão: sector programado” – cfr. docs. 1 e 2, juntos aos autos com a contestação do Réu, Planta de Ordenamento que constitui a peça desenhada n.º 12 do PDMTV e Base de Ordenamento que constitui a peça desenhada n.º 21 do PDMTV e relatório pericial;
5. Na memória descritiva junta a fls.14 a 19 do I – Volume, apresentada pelo promotor com vista à aprovação de projeto de arquitetura com vista à construção de 24 fogos, refere-se: “Todo o projeto de arquitetura foi desenvolvido de modo a cumprir o espírito do Regulamento Municipal, o articulado exposto no Plano Diretor Municipal e no REGEU. (...) resignando-nos a uma otimização da área a construir sem sequer nos aproximarmos do limite máximo do índice de implantação para uma operação de loteamento e atribuídos para um aglomerado deste nível” ( Doc.1);
6. Foi elaborado parecer técnico pelos serviços do R. Município de Torres Vedras, do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“1 -LOCALIZAÇÃO
• O terreno em causa encontra-se no limite da área urbanizável do aglomerado da Póvoa do Além, Nível Rural, definido na Base de ordenamento e Regulamento do PDM para Torres Vedras, ratificado por Resolução do Conselho de Ministros nº159/95 de 30.11. (figura 1)
• As condições de edificação dentro destas áreas para as novas urbanizações, são as definidas no art. 15º do referido regulamento:
Índice de implantação:0,30
Índice de construção: 0,50
Densidade populacional: 60 hab./ha
Número de pisos: 2
% Comercial: 10%
2-PROPOSTA
2.1 O Terreno apresenta uma área total de 7.200 m2, dos quais 5450m2 são urbanizáveis (…).
3-ANÁLISE
3.1 A organização espacial mostra um cuidado particular e uma procura em transformar um espaço exíguo e sem referências num espaço urbano. Contudo, propõe-se um condomínio fechado, no qual está implícita uma vivência de privacidade e tranquilidade.
(…)
3.2 Na presente proposta o espaço comum permite usufruir do conforto e lazer, a que nos referimos no ponto anterior, é remetido para a área de terreno definida com agrícola, na parte posterior da propriedade. Deste modo a localização deste espaço não é o mais correto (…).
• Deverá a Câmara Municipal pronunciar-se relativamente à ocupação da área para espaço agrícola de lazer e recreação, comum, de apoio ao condomínio.
3.3 Face à estrutura e dimensão do condomínio serão úteis, como instrumento de comparação, os índices constantes no art.15º do regulamento do PDMTV. Quer seja entendida esta obra como uma nova urbanização ou a título de comparação, aplicando os índices do título referido, conclui-se que a presente proposta apresenta uma volumetria excessiva relativamente ao terreno onde se implanta (quadro1)
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
Nota: para contabilização dos índices do PDM, do quadro 1, considerou-se 5450m2 de área ocupada e áreas líquidas de implantação e construção.
(…) o corpo central (…) poderá causar impacto negativo no espaço rural.
(…) No local onde se propõe efetuar o acesso automóvel de emergência existe atualmente um caminho.
Deverá a Junta emitir um parecer relativamente à interrupção do referido caminho. Deverá superiormente deliberar-se quanto à ocupação da área agrícola com um acesso automóvel de emergência, tendo em conta que o pavimento é permeável (§ 3.5) e o art. 23º do P.D.M. apenas autoriza a ocupação destas áreas para o apoio da atividade agrícola ou para habitação do proprietário (…)
CONCLUSÃO
1ª Na proposta, o espaço verde comum de lazer situa-se fora do perímetro urbano, na parte da propriedade situada em área agrícola (…)
2ª O condomínio que se propõe construir ultrapassa os índices de referência utilizados para novas urbanizações (ponto 3.3)
3ª O corpo central do condomínio poderá causar, pela sua dimensão, cércea e volumetria uma desqualificação do espaço pelo seu impacto. (ponto 3.4)
(…) a utilização do terreno agrícola (na extrema nascente) para área de recreação e lazer, de apoio ao empreendimento, transforma a área urbana num espaço densamente construído.”
” (cfr. fls. 94 a 99 do Vol. I do processo administrativo instrutor e doc. nº 2, junto aos autos com a petição inicial);
7. Na reunião ordinária de 10 de março de 1998, a Câmara Municipal de Torres Vedras, tendo em conta o teor da informação que antecede, indeferiu o pedido de licenciamento, nos termos do art. 63º, nº1, al. a) do Dec-Lei nº 445/91 de 20 de novembro - ou seja por haver desconformidade do projeto com os instrumentos de gestão territorial (cfr. fls. 103 do vol. I do processo administrativo instrutor e ata n.º 6 constante do doc. n.º 3 junto com a petição inicial);
8. Em 9.07.98, o requerente veio requerer a reapreciação do processo nº 6053/97, juntando novos desenhos para reavaliação de novos espaços a construir, assim como do espaço livre onde se pretendia intervir, diminuindo o número de fogos para 20 (cfr. fls. 105 do Vol. I do processo administrativo instrutor e doc. n.º 4, junto aos autos com a petição inicial);
9. O Promotor apresentou, então, uma nova memória descritiva, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde chama a atenção para o facto dos arquitetos da Câmara Municipal terem tratado este processo como se fosse uma operação de loteamento quando o que se tinha solicitado era um licenciamento de construção em propriedade horizontal (cfr. fls. 115 a 117 do Vol. I do processo administrativo instrutor e doc. n.º 5, junto aos autos com a petição inicial);
10. No dia 28.10.98, foi elaborado novo parecer técnico pelos arquitetos da CMTV, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e do qual consta, entre o mais “face à dimensão do condomínio e a título meramente comparativo serão úteis os índices previstos para as novas urbanizações constantes no art. 15º do Regulamento do Plano Diretor Municipal de Torres Vedras
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
A partir do quadro 1, constata-se que relativamente à densidade populacional e índices de construção, os valores previstos, neste caso como referência, são ultrapassados. No entanto, deve referir-se que estes valores foram calculados com base na parte urbanizável do terreno, não incluindo a área agrícola proposta para espaço de lazer. Assim, se for contabilizada a área total pertencente ao requerente, os índices estarão em conformidade com o previsto no PDM para novas urbanizações” (cfr. fls. 162 do Vol. I do processo administrativo instrutor e doc. n.º 6, junto aos autos com a petição inicial);
11. Mais se referiu no citado parecer técnico que a cércea já se mostrava adequada à envolvente rural. Porém, mantém-se a previsão de ocupação de terreno definido no PDM como área agrícola (cfr. doc. n.º 6, junto aos autos com a petição inicial);
12. O requerimento de reapreciação foi de novo indeferido por deliberação da Câmara Municipal de 17 de novembro de 1998, com os mesmos fundamentos da deliberação anterior, ou seja, por haver desconformidade do projeto com os instrumentos de gestão territorial (cfr. fls. 164 e 165 do Vol. I do processo administrativo instrutor e doc. n.º 7, junto aos autos com a petição inicial);
13. Em 15.12.1998, o promotor, CI nestes autos, apresentou um novo requerimento de reapreciação do projeto (cfr. processo administrativo instrutor e admissão por acordo);
14. Em 7.01.1999, renovou-se o parecer técnico anterior já que nada havia sido alterado em relação à apreciação anterior mencionando-se a “parcela que se encontra classificada como agrícola (…) não conta para efeitos de índices do PDM, nem para ser ocupada como área de lazer do condomínio fechado” (cfr. fls.174 do Vol. Ido processo administrativo instrutor e doc. n.º 8, junto aos autos com a petição inicial);
15. Na reunião camarária de 26.01.1999, foi de novo indeferido o pedido de reapreciação por não se considerar de interesse municipal a ocupação da área agrícola, devendo o requerente apresentar um desenho urbano do condomínio, em conformidade com a área definida como urbana no Plano Diretor Municipal (cfr. doc. fls.177 do vol. I do processo administrativo instrutor e doc. n.º 9, junto aos autos com a petição inicial);
16. Em 7.05.1999, deu entrada na CMTV um novo pedido de licenciamento de projeto de arquitetura, cuja memória descritiva se dá aqui por integralmente reproduzida, referente agora a 19 fogos e tendo sido retirada a piscina (cfr. fls. 179 e 196 a 200 do Vol. II do processo administrativo instrutor e doc. n.º 10, junto aos autos com a petição inicial);
17. Em 21.10.1999, é elaborado parecer técnico pelos arquitetos da CMTV, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, e do qual consta, entre o mais, o seguinte:
“2. Proposta.
2.1. Propõe-se a diminuição da área de construção e número de fogos,
de modo a todo o condomínio restringir-se à área urbana.
3. Análise
3.1. O projeto em análise sofre uma ligeira redução do número de fogos (menos 1 fogo), com consequente diminuição da área de implantação e de construção. Esta atitude permite que todo o condomínio se implante em espaço urbano, existindo ainda espaço para implantação de uma pequena área lúdica infantil.
3.2. Como é hábito neste tipo de empreendimento, no Quadro 1, a título meramente comparativo, apresentamos os índices previstos para as novas urbanizações constantes do art. 15º do Regulamento do PDMTV e os propostos no condomínio. Embora sejam ultrapassados o índice de construção e a densidade habitacional, julga-se pertinente acrescentar que se propõe um conjunto arquitetónico equilibrado, com bastante qualidade espacial, nomeadamente no que respeita à qualidade da arquitetura, à organização interna dos fogos, relação entre as construções e o espaço exterior e com a envolvente rural.
(Dá-se por reproduzido Documento fac-similado constante da decisão de 1ª Instância – Artº 663º nº 6 CPC)
“(cfr. fls. 251 e 252, do Vol. II do processo administrativo instrutor e doc. n.º 11, junto aos autos com a petição inicial):
18. Em 22.10.1999, em reunião camarária foi deferido o projeto de arquitetura, por deliberação da qual consta, entre o mais, o seguinte:
“(…) O presente processo foi submetido a reunião de Câmara, datada de vinte seis de Janeiro de mil novecentos e noventa e nove, que manteve o indeferimento do mesmo (deliberações de dez de Março e dezassete de Novembro de mil novecentos e noventa e oito com base nos seguintes pontos: a) Não considerou de interesse municipal a ocupação da área agrícola para implantar equipamentos de apoio ao condomínio (piscina); b) Concluiu que deverá apresentar uma alteração ao desenho urbano do condomínio, em conformidade com a área definida como urbana no Plano Diretor Municipal. Propõe-se a diminuição da área de construção e do número de fogos, de modo a todo o condomínio se restringir à área urbana. O projeto de arquitetura agora apresentado dá resposta à deliberação da Câmara, de vinte e seis de janeiro do ano em curso, uma vez que o condomínio passou apenas a ocupar espaço urbano, libertando área agrícola de qualquer tipo de ocupação, restringindo-se esta a um complemento do espaço exterior comum. Embora sejam ultrapassados o índice de construção e a densidade habitacional previstos no Plano Diretor Municipal de Torres Vedras para novas urbanizações (aqui apenas referidos como indicadores comparativos) julga-se pertinente acrescentar que se propõe um conjunto arquitetónico equilibrado, com bastante qualidade espacial, nomeadamente no que respeita à qualidade da arquitetura, à organização interna dos fogos, relação entre as construções, espaços exteriores e relação com a envolvente rural. A Câmara, tudo visto, deliberou deferir o processo em título” (cfr. fls. 254 do Vol. II do processo administrativo instrutor e doc. n.º 12, junto aos autos com a petição inicial);
19. Seguidamente foram juntos e aprovados os respetivos projetos de especialidades e aprovado o licenciamento por despacho de 16.11.01, com assinatura ilegível e no uso de subdelegação de poderes de 3.02.2000 (cfr. doc. fls. 904 do vol. V do processo administrativo instrutor em apenso e doc. n.º 13, junto aos autos com a petição inicial);
20. Em 28 de Dezembro de 2001, foi emitido o Alvará de Construção nº …./01 (cfr. docs. fls. 915 do V volume do processo administrativo instrutor e doc. n.º 14 junto com a petição inicial);
21. Em 12.02.03 deu entrada na CMTV um pedido de alterações ao projeto inicialmente aprovado, cuja memória descritiva se dá por aqui integralmente reproduzida (cfr. doc. fls. 35 do Volume em apenso identificado como alteração e doc. n.º 15, junto aos autos com a petição inicial);
22. Em 13.05.2003, é elaborado parecer técnico pelos arquitetos da CMTV, no qual se refere que as alterações são referentes à reorganização pontual do logradouro ou do interior das frações, que não há aumento da área de implantação, do número de pisos ou número de fogos e que o pedido merece parecer favorável (cfr. doc. fls. 80 do Volume em apenso identificado como alteração e doc. n.º 16, junto aos autos com a petição inicial);
23. Por despacho de 15.05.2003, foi aprovado o novo projeto de arquitetura ao abrigo do disposto no Decreto-Lei n.º 555/99, de 16.12, na redação então vigente (cfr. fls.81 e 82 do Volume em apenso identificado como alteração e doc. n.º 17, junto aos autos com a petição inicial);
24. Foram juntos os projetos de especialidade, e uma vez aprovados os mesmos, foi aprovado o licenciamento da construção por despacho de 23.09.2003 (cfr. fls.141 do Volume em apenso identificado como alteração e doc. n.º 18, junto aos autos com a petição inicial);
25. Em 2.10.2003, foi proferido despacho pelo Sr. Vice-Presidente a deferir o pedido de passagem de certidão para efeitos de constituição de propriedade horizontal, tendo sido emitida a referida certidão em 6.10. 2003 (cfr. fls. do processo administrativo instrutor e admissão por acordo);
26. Em 25.11.2003, foi outorgada a escritura pública de constituição da propriedade horizontal de um edifício composto por três corpos em altura, com dezanove apartamentos e logradouro, área coberta de 2149,78 m2 e área descoberta de 5050,22 m2 (cfr. doc. nº 1, junto aos autos com a contestação da CI);
27. Em 10.12.2003, pela apresentação 08/20031210 foi averbada no registo predial a constituição da propriedade horizontal de um “edifício composto por três blocos: Poente – Central – Nascente – com dezanove apartamentos – logradouro – a.c. 2149,78 m2; a.d. 5050,22 m2 – omisso – VV 175 000,00 Euros – Frações: - A; B; C; D; E; F; G; H; I; J; L; M; N; O; P; Q; R; S; T” (cfr. doc. 21, junto aos autos com a petição inicial);
28. Em 12.11.2003, foi emitido o novo alvará de construção nº …../03, válido até 28.02.2004 (cfr. fls. do processo administrativo instrutor e admissão por acordo);
29. Em 19.12.2003, segundo o livro de obra, a obra encontra-se concluída de acordo com os projetos aprovados (cfr. fls. do processo administrativo instrutor e admissão por acordo);
30. Em 10.02.2004, foi emitido Alvará de utilização para catorze frações (cfr. fls. do processo administrativo instrutor e admissão por acordo);
31. Os três corpos construídos no conjunto imobiliário estão ligados funcionalmente pela existência de partes comuns, designadamente o piso construído na cave, comum a todos os corpos e destinado ao estacionamento das viaturas de todos os condóminos, com acesso e saída comuns e que contempla arrumos para cada uma das frações dos três corpos e uma sala de reunião de condóminos e ainda espaços para armazenamento de equipamento (cfr. docs. 2 e 3, juntos aos autos com a contestação da CI, e relatório pericial);
32. O conjunto dispõe de outras partes de uso comum a todos os proprietários das frações, como logradouro, zonas verdes que ladeiam todo o condomínio, percursos pedonais e arruamentos para circulação de viaturas e estacionamento ao ar livre localizado no interior do espaço do conjunto (cfr. docs. 4 a 22, juntos aos autos com a contestação da CI e relatório pericial);
33. Existem também no conjunto instalações gerais comuns de água e de eletricidade para abastecimento de cada fração e das partes comuns (cfr. relatório pericial e admissão por acordo);
34. O conjunto integra uma casa do gás e dos contadores, construída confrontando com o arruamento público, considerada parte comum, e que permite a leitura dos dados sem entrada no espaço comum (cfr. docs. 1 e 4, juntos aos autos com a contestação da CI);
35. Os recetáculos postais são todos localizados na parede exterior que confina com a EN …, permitindo que os serviços postais não entrem no espaço comum (cfr. doc. 4, junto aos autos com a contestação da CI);
36. O conjunto apresenta-se confinado por muros de altura variável, com portões de acesso pedonal e por viatura, mas também com acesso livre por meio de circulações pedonais e escadas (cfr. docs. 4 a 7, 10 e 11, 13 e 17, juntos aos autos com a contestação da CI);
37. No conjunto imobiliário existem partes comuns de lazer e de recreio, como parque infantil, estacionamento à superfície e subterrâneo e sala de condomínio (admissão por acordo);
38. O conjunto imobiliário contém três corpos distintos, cada um com diversos fogos paralelos uns aos outros (não sobrepostos), tendo cada fogo dois pisos e sótão, com entradas independentes (cfr. processo instrutor, nomeadamente plantas do projeto de arquitetura, implantação, cortes e alçados do projeto de arquitetura e auto de vistoria para a constituição da propriedade horizontal);
39. Na envolvente da urbanização em causa, predominam as edificações unifamiliares, inseridas em propriedades com logradouro privado permeável, em regime de propriedade plena e não de compropriedade, marginadas e servidas por espaços e infraestruturas públicas, tradicionalmente apenas com um único piso e mais recentemente com dois pisos (cfr. relatório pericial).

IV – Do Direito
Decidiu-se em 1ª Instância julgar a presente ação parcialmente procedente e, nessa medida foi declarada a nulidade:
A) da Deliberação da Câmara Municipal de Torres Vedras, datada de 22.10.1999 que aprovou o projeto de arquitetura de condomínio habitacional requerido pela CI Construções E....., Lda.;
B) do Despacho de deferimento da licença de construção proferido em 16.11.01;
C) do Despacho proferido em 28.12.2001, pelo Senhor Presidente da Câmara de Torres Vedras, que ordenou a emissão do Alvará de Licença de Construção n.º …./01;
D) do Despacho de 23.09.2003, que aprovou o projeto de alterações;
E) do Despacho proferido em 12.11.2003, que ordenou a emissão do novo Alvará de Construção com o n.º …/03 e
F) do Despacho que emitiu a licença de utilização para os 14 fogos, identificados pelas letras A a O, proferido em 10.02.2004 pelo Senhor Presidente da Câmara de Torres Vedras e eventual despacho que tenha sido proferido, entretanto no sentido de emitir licença de utilização para os fogos restantes.

Foi ainda decidido, (ii) julgar improcedente o pedido de declaração de nulidade dos atos de constituição de propriedade horizontal e dos negócios jurídicos de compra e venda celebrados relativamente às frações autónomas.

No que aqui releva, infra se transcreve o essencial do discurso fundamentador da decisão recorrida:
“À data da decisão que deferiu o licenciamento pedido, isto é, 22 de outubro de 1999 (cfr. nº 18 da matéria de facto provada), vigoravam o Regime Jurídico das Obras Particulares, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 445/91, de 20 de novembro, e o Regime Jurídico dos Loteamentos Urbanos, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 448/91, de 29 de novembro.
(…)
Bem assim, como se salienta no parecer junto aos autos pelo Réu (cfr. doc. 3 da contestação), através da introdução do artigo 1438º-A no Código Civil, operada pelo Decreto-Lei n.º 267/94, de 25 de outubro, passou a admitir-se a constituição da propriedade horizontal para “ ...conjuntos de edifícios contíguos funcionalmente ligados entre si pela existência de partes comuns... ”.
Entende-se que passou, assim, a admitir-se que a construção de prédios num mesmo terreno (que até aí só podia, em princípio, ser concretizada através de uma operação de loteamento sujeita a licenciamento municipal), fosse sujeita a propriedade horizontal, dispensando-se aquela licença (e os encargos que lhe são inerentes) já que nesta última decisão o que se pretende, precisamente, é manter uma unidade predial e não a sua divisão.
(…)
Como considerado no douto acórdão proferido nestes autos em 21.09.2007, a jurisprudência administrativa tem abordado a questão salientando que o essencial do conceito de loteamento, tendo em vista o disposto na alínea a) do art. 3º do DL 448/91, de 29 de novembro, traduz-se na divisão de um ou vários prédios em lotes destinados a construção urbana, apenas devendo excluir-se de tal conceito normativo e, bem assim, do regime dos loteamentos urbanos todas as situações em que, fundamentalmente, não há lugar à formação de unidades autónomas.
Pelo que, de acordo, designadamente, com o julgado no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27.02.2007, proc. 01038/06, consubstancia operação de loteamento e, portanto, está sujeita ao seu regime o procedimento que, relativamente a um terreno rústico levou à sua divisão em unidades habitacionais autónomas, concretamente em oito moradias inteiramente individualizados de rés-do-chão e andar, pese embora a verificação de alguma comunhão no que tange, v.g., a rede de esgotos e gás, de terreno de logradouro e de acesso às garagens.
Assim sendo, entendeu o STA que uma tal operação, face ao disposto no art. 56.º do DL 448/91, deveria ter sido precedida de consultas das entidades cujos pareceres, autorizações ou aprovações sejam legalmente exigidos (seja o parecer da CCR, seja o das entidades a que se refere o artigo, 42º do Dec. Lei nº 448/91), pelo que não tendo assim procedido o ato que de tal prescindiu, e nos termos do mesmo normativo, incorreu em nulidade.
Destaca o aresto que, de harmonia com o disposto na alínea a) do art. 3º do DL 448/91, entende-se por “operações de loteamento - todas as ações que tenham por objeto ou por efeito a divisão em lotes, qualquer que seja a sua dimensão, de um ou vários prédios, desde que pelo menos um dos lotes se destine imediata ou subsequentemente a construção urbana”,
(…)
Pelo que, apenas deve excluir-se de tal conceito normativo e bem assim do regime dos loteamentos urbanos, todas as situações em que, fundamentalmente, não há lugar à formação de unidades autónomas.
(…)
É que tese do Réu e da CI assenta na qualificação do conjunto imobiliário licenciado como propriedade horizontal e não como loteamento, o que resultaria da interdependência funcional entre as várias componentes.
(…)
Tendo sido decidido recorrer a perito singular e constando o resultado do respetivo trabalho do relatório pericial junto aos autos, temos que a matéria sob análise foi por este enunciada nos seguintes termos:
“i. Falta de deliberação da Câmara Municipal de Torres Vedras para que fosse possível a construção em zona urbanizável de reserva;
ii. Errada instrução procedimental, uma vez que se trata de uma nova urbanização, o processo deveria ter seguido ao abrigo do regime jurídico dos loteamentos urbanos e não do regime jurídico das obras particulares (em complemento com o Código Civil);
iii. Pelo facto de não haver Plano de Urbanização ou de Pormenor eficaz houve o incumprimento dos parâmetros urbanísticos fixados supletivamente no Regulamento do PDM de TV;
iv. Tratar-se factualmente de uma operação de loteamento e não do licenciamento de um condomínio privado em regime de propriedade horizontal.
(…)
In casu, a recolha de factos relevantes para a decisão pelo perito nomeado revela-se idónea e credível, pela compreensão das realidades em causa e pelos conhecimentos técnicos evidenciados, sendo sempre certo que ao tribunal incumbe aferir do direito aplicável.
A tese defendida pelo Réu e pela CI nestes autos assenta num salto lógico que não dispõe de apoio nem na letra nem no espírito das normas aplicáveis: não é o facto de o conjunto imobiliário ser qualificado como sujeito ao regime da propriedade horizontal – o qual, como refere o referenciado aresto do STA, visa regular as relações entre condóminos – que permite ter a decisão de licenciamento como livre de todos e quaisquer constrangimentos, legais ou regulamentares, pois neste procedimento incumbe às entidades administrativas aferir da conformidade do projeto com a disciplina do uso do solo, do ordenamento do território, proteção do ambiente, etc.
Isto é, a circunstância de se tratar de um comummente designado condomínio fechado, se permitir afastar a aplicabilidade do regime jurídico dos loteamentos urbanos, pela falta do pressuposto do fracionamento em lotes e autonomia das construções, certamente não justifica afastar as normas demais aplicáveis ao licenciamento, mormente as resultantes dos instrumentos de gestão territorial aplicáveis.
(…)
Por outro lado, o território em que foi implantado o condomínio fechado está enquadrado no PDMTV como “Espaços Urbanizáveis”, na categoria operativa de “Zona de Expansão: sector programado”, de acordo com a Planta de Ordenamento e Base de Ordenamento constantes das peças desenhadas n.º 12 e 21 do PDMTV - cfr. nº 4 da matéria de facto provada.
Pelo que, não se exige a referida resolução a fundamentar a utilização do espaço, conforme decorreria se fosse previsto como setor de reserva.
No entanto, a razão está com o Autor quanto a boa parte do demais argumentado.
Na verdade, o aproveitamento urbanístico passível de licenciamento decorre naturalmente do estabelecido no Regulamento do Plano Diretor Municipal, dada a ausência de plano de pormenor ou plano de urbanização aprovados para a área, e isto seja ao nível dos usos, dos parâmetros e indicadores urbanísticos ou outros parâmetros da decisão de licenciamento.
(…)
Pelo que, face à matéria dada como provada acabada de referir, a decisão de deferir o pedido de licenciamento é de, pelo menos, muito duvidosa compatibilidade com o referido art. 8º do RPDMTV.
(…)
Todavia, na ausência de Plano de Urbanização e/ou Plano de Pormenor, aquele art. 16.º estabelece as condições específicas de edificação para “aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural”, pelo que o seu cumprimento é obrigatório em todas as situações de novas urbanizações e não apenas naquelas em que houvesse o fracionamento da propriedade, por via do recurso à figura do loteamento.
(…)
Ademais, verifica-se que a operação urbanística implicou, de facto, a realização física de obras de urbanização, nas áreas comuns do condomínio, tais como os percursos pedonais integrados em espaços verdes e a zona lúdica infantil, assim como arruamentos e estacionamentos, evidenciando-se que o promotor, ora CI, terá querido majorar a área disponível para implantar edifícios (cfr. relatório pericial).
Assim, ainda que a operação urbanística não tivesse de ser tratada como operação de loteamento, tal não implica a não aplicabilidade do disposto no Regulamento do PDMTV para “novas urbanizações”.
De facto, a matéria de facto dada como provada deve ser considerada como objetivamente implicando a realização de obras de urbanização, seja por via da construção de logradouro e de zonas verdes comuns, parque infantil, percursos pedonais e para viaturas, vários arruamentos e espaços para estacionamento ao ar livre, além das redes gerais comuns de água e de eletricidade enterradas no subsolo que servem as partes comuns, e ainda, outras redes gerais comuns de água, drenagem de águas residuais domésticas, gás, eletricidade e telefone que servem as diversas frações autónomas habitacionais - cfr. nº 31 a 38 dos factos provados.
A prova destas circunstâncias, deve ter-se como impositiva da aplicabilidade dos requisitos das novas urbanizações e não apenas dos previstos para os novos edifícios, independentemente da forma jurídica escolhida pela requerente do licenciamento, aqui CI.
De facto, em função da natureza, tipologia e dimensão, a situação de facto deve ser qualificada como implicando a realização de “obras de urbanização”, pelo que deveria ter sido aplicada na decisão a regulamentação estabelecida no regulamento no PDMTV para tais situações.
(…)
Efetivamente, a interpretação propugnada pelo Réu e pela CI resultaria num verdadeiro vazio normativo, isto é, caso o promotor apresentasse um projeto de condomínio fechado sem fracionamento da propriedade em lotes, como sucedeu no caso sub juditio, inexistiria limite ou restrição ao licenciamento por decisão da Câmara Municipal.
Ora, tal interpretação é inaceitável, mais a mais em casos, como o dos autos, em que se operou uma significativa alteração da paisagem e da realidade urbanística.
Deve igualmente ser tido em conta que o procedimento de elaboração de Plano de Urbanização, no caso de exceder os índices e parâmetros urbanísticos estabelecidos no Regulamento do PDMTV, estaria sujeito a ratificação governamental.
Assim, o art. 16.º define parâmetros máximos aplicáveis às novas urbanizações – o que deve ter-se por verificado in casu - e que igualmente vinculariam, ex vi art. 39.º do Regulamento do PDMTV, a elaboração de outros Planos Municipais de Ordenamento do Território previstos pelo PDMTV, isto é, Planos de Urbanização e/ou Plano de Pormenor, cuja elaboração está sujeita ao acompanhamento e supervisão de outras entidades públicas.
(…)
Em suma, a operação urbanística em causa nos autos, mesmo não tendo sido requerida e instruída como uma operação de loteamento (dado que, de facto, não originou lotes autónomos), não podia ser subtraída ao cumprimento das condições gerais de edificação previstas no n.º 2 do art. 8.º do Regulamento do PMDTV, assim como não pode ser considerada isenta do cumprimento das condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural estatuídas no art. 16.º do Regulamento do PDMTV.
A decisão impugnada admite expressamente que o projeto excede o número de pisos predominante na envolvente e ainda os índices de construção e de densidade populacional previstos naquele art.16º - cfr. nº 17 e 18 da matéria de facto provada.
Ora, como se julgou no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1-04-2003, proc. 02034/02, estabelecendo um PDM a densidade populacional para determinada parcela do território, é nulo o ato camarário que licencie um prédio com violação da densidade populacional estabelecida no respetivo PDM, de acordo com o disposto no art. 52.º, n.º 1, alínea b) do DL n.º 445/91, de 20 de novembro, na redação do DL n.º 250/94, de 15 de outubro.
(…)
(A) decisão de deferimento do pedido de licenciamento menciona: “Embora sejam ultrapassados o índice de construção e a densidade habitacional previstos no Plano Diretor Municipal de Torres Vedras para novas urbanizações (aqui apenas referidos como indicadores comparativos) julga-se pertinente acrescentar que se propõe um conjunto arquitetónico equilibrado, com bastante qualidade espacial, nomeadamente no que respeita à qualidade da arquitetura, à organização interna dos fogos, relação entre as construções, espaços exteriores e relação com a envolvente rural. A Câmara, tudo visto, deliberou deferir o processo em título”– cfr. nº 17 e 18 da matéria de facto provada
Pelo que, forçoso é concluir que a construção em causa viola os parâmetros estabelecidos no Regulamento do PDM.
E, assim sendo, a decisão de licenciar a construção violou o disposto no Regulamento do PDMTV, sendo nula, nos termos do disposto no art. 52.º, n.º 1, alínea b), do DL 445/91, de 20 de novembro.
O autor pede ainda na presente ação a nulidade dos atos consequentes que identifica, entendendo que abrangem os títulos constitutivos da propriedade horizontal e ainda negócios de compra e venda das frações autónomas.
Quanto a esta última pretensão, a ação tem de ser julgada improcedente.
De facto, cumpre aqui reiterar o doutamente julgado no acórdão de 21.09.2007, no sentido de que os atos que têm que ver com a constituição da propriedade horizontal (designadamente, os títulos constitutivos da propriedade horizontal, bem como os negócios jurídicos de compra e venda celebrados com os demais CI identificados nos autos e outros que eventualmente tenham sido entretanto celebrados), não são atos administrativos consequentes dos agora declarados nulos, convocando-se a doutrina exposta por Mário Esteves de Oliveira, Pedro Costa Gonçalves e J. Pacheco Amorim, in Código do Procedimento Administrativo Comentado, Ed. Almedina, 2.ª edição, anot. XVI ao art. 133º, pg. 650).
Bem assim, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 29-03-2006, proc. 01149/05, explicita que “ato consequente é aquele cuja prática e conteúdo dependem da existência de um ato anterior que lhe serve de causa, base ou pressuposto, a sua manutenção na ordem jurídica está intimamente relacionada com a validade desse ato anterior.”
Como aí se ensina, o ato nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração da sua nulidade, nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 134.º do CPA, na redação aplicável em razão da data dos factos, sendo certo que esta é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer Tribunal (cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo).
Deste modo, a deliberação que aprovou o licenciamento em desconformidade com os parâmetros do PDMTV é nula, portanto insuscetível de produzir quaisquer efeitos. Por outro lado, e pese embora o n.º 2, alínea i) do art.º 133.º do CPA refira apenas que são nulos os atos consequentes de atos anulados ou revogados, como bem refere Vieira de Andrade, “num quadro lógico dedutivo pode concluir-se, por maioria de razão, que hão-se ser nulos os atos consequentes de atos nulos – até porque estes, ao contrário dos atos posteriormente anulados, nunca produziram quaisquer efeitos.” – Vd. CJA, n.º 43, pg. 48.
(…)
No caso sub judice, os atos administrativos identificados pelo Autor decorrem e são consequência da deliberação que licenciou o condomínio em causa nos autos.
Porém, não se verifica o mesmo quanto aos atos constitutivos da propriedade horizontal e menos ainda quanto aos negócios jurídicos de compra e venda, cujo conteúdo é diverso e não coincidente quanto aos requisitos da sua validade, ademais envolvendo terceiros de boa-fé (…).
De facto, como se menciona no relatório pericial, o projeto em causa nos autos cumpre objetivamente as condições necessárias exigidas para ser considerado um “conjunto imobiliário", porque assim foi concebido e instruído, no âmbito do quadro legal então vigente, sem necessidade de proceder a um loteamento, considerando-se que o mesmo cumpria as exigências relativas ao regime da propriedade horizontal, designadamente para efeitos de registo.
(…)
Ademais, mesmo quanto aos atos declarados nulos, a lei ressalva expressamente que a ausência de efeitos dos atos nulos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito (cfr. art. 134º, nº 3, do CPA), impondo atentar-se devidamente à antiguidade dos factos que ora são julgados.
O legislador, ao mesmo tempo que estabelece a ineficácia total dos nulos, não esquece a situação de facto que esse ato pode ter gerado, abrindo a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito.
(…)
A concreta ilegalidade que inquinou o ato administrativo e justificou a sua declaração de nulidade pode configurar-se inclusivamente desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por um licenciamento contrário ao ordenamento jurídico, veio a consolidar-se no mundo real, devendo a declaração de nulidade dar lugar aos atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a que seja restabelecida uma situação de legalidade, da forma menos lesiva para os vários interesses, públicos e privados, em presença – cfr., neste sentido, o acórdão do TCAN de 6-09-2007, proc. 00422-A/96 e jurisprudência aí citada.”

Vejamos:
Os Recursos independentes apresentados limitam-se a retomar a argumentação que haviam esgrimido em 1ª instância, não se centrando na decisão recorrida, mas antes sobre os atos objeto de impugnação e que vieram a ser declarados nulos, retomando o seu entendimento de acordo com o qual os mesmos se mostrarão válidos.

Como se sumariou no Acórdão do TCAN nº 481/13.2BECBR, de 19-02-2021, “O recurso jurisdicional deve incidir apenas sobre os erros que possam afetar a decisão recorrida, não se reportando a quaisquer eventuais vícios que possam incidir sobre a decisão administrativa objeto de impugnação.
Efetivamente, o objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto daquela sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação e alteração.”

No mesmo sentido se sumariou no Acórdão do TCAN de 13.12.2019, proferido no Proc.º nº 2809/15.1BEBRG que “O objeto do recurso jurisdicional é a sentença recorrida e não o ato administrativo sobre que esta se pronunciou, o que obriga o Recorrente a demonstrar nas alegações e conclusões do recurso o desacerto da sentença, indicando as razões que o levam a concluir pela sua anulação ou alteração. Se o não fizer, e se se limitar a repetir os argumentos que o levaram a impugnar o ato recorrido, o recurso terá de improceder.”

Em qualquer caso, e para que não possam subsistir quaisquer duvidas, sempre se dirá que o objeto dos recursos se prende singelamente com a questão da aplicação dos parâmetros urbanísticos definidos no n.º2, do artigo 8.º, do RPDM ou das condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural estatuídos no art.º16.º do mesmo RPDM.
Com efeito, reafirmam os Recorrentes que os parâmetros urbanísticos a respeitar no projeto e licenciamento em apreço são os constantes do art.º 8.º, n.º2, do RPDM, as características da envolvente mais próxima, quer no que respeita ao número de pisos, utilização dominante dos edifícios, número de pisos, tipologia, índice de implantação, índice de construção e densidade populacional dominantes, que não devem ser analisados de modo estático, mas dinâmico, concluindo que a edificação não é dissonante da envolvente.

Em qualquer caso, não foi esse o entendimento da Sentença proferida em 1ª Instância, o que aqui se ratifica, no sentido de considerar que o controvertido conjunto edificativo, determinou uma significativa alteração da paisagem e da realidade urbanística, mais tendo concluído que o mesmo não poderia ter sido dispensado do cumprimento das condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural previstas no art.º 16.º do RPDMTV.

Como se refere na Sentença recorrida “…em função da natureza, tipologia e dimensão, a situação de facto deve ser qualificada como implicando a realização de “obras de urbanização”, pelo que deveria ter sido aplicada na decisão a regulamentação estabelecida no regulamento no PDMTV para tais situações.
(…) a tese apresentada na contestação do Réu no sentido de que as regras aplicáveis a novas urbanizações eram, à época, univocamente entendidas como reportando apenas a novos loteamentos resulta infirmada pelas próprias informações técnicas elaboradas pelos serviços do Réu em suporte das primeiras decisões, de indeferimento do pedido.”.

Efetivamente e como resulta igualmente explanado na Sentença Recorrida, tendo a operação urbanística imposto a realização de obras de urbanização como percursos pedonais, arruamentos e estacionamentos, zonas verdes, redes gerais de água, electricidade, gás, telefone, drenagem de águas residuais domésticas, a ausência de Plano de Urbanização ou Plano de Pormenor sempre tornaria obrigatório o cumprimento das condições específicas de edificação para aglomerados urbanos e espaços urbanos de nível rural, estabelecidas no art.º 16.º do RPDMTV.

Por outro lado, o Relatório Pericial é particularmente esclarecedor, constituído, só por si, um elemento que contraria as pretensões dos Recorrentes independentes, mormente quando afirma que ”… independentemente desta Pretensão Urbanística ter sido (ou não) instruída como uma operação de loteamento (que dependeu da iniciativa voluntária e legítima da Requerente), pela sua dimensão, natureza, condições e implicações materiais estava subsidiariamente sujeita ao cumprimento do disposto no Artigo 16.º do Regulamento do PDMTV, referente às condições específicas de edificação aplicáveis a novas urbanizações (que é o caso) e também por serem esses parâmetros que o Plano de Urbanização, previsto a ser elaborado para UOPG U8/L6, teria que respeitar para não estar sujeito a Ratificação, logo adquirindo, por esta razão, um carácter supletivo na ausência do referido Plano.
Acresce que, do ponto de vista da técnica do Ordenamento do Território e tendo por base entendimento normativo, não faz sentido entender esses parâmetros urbanísticos como comparativos, quando os mesmos são claramente definidos e apresentados como valores máximos.”

Assim e até pela insuficiência argumentativa decorrente dos Recursos intentados, que no essencial e como já afirmado, se limitaram a reafirmar a argumentação anteriormente esgrimida, não imputando vícios próprio à Sentença Recorrida, e sem necessidade de acrescida argumentação, não merece censura o sentido da decisão proferida.

DO RECURSO SUBORDINADO
Sempre se diria que a apreciação do Recurso Subordinado, originariamente apresentado como Ampliação do Recurso, estaria prejudicada, uma vez que o Ministério Público, enquanto Recorrente, logo terminou as suas Contra-alegações de Recurso, afirmando que “devem os recursos interpostos ser julgados improcedentes, e, em consequência, ser confirmada a Sentença recorrida. Caso assim não se entenda, o que não se concede, deverá ser atendida a ampliação do recurso, devendo o douto Tribunal ad quem declarar procedentes os pedidos de declaração de nulidade.”
Resulta do transcrito que a sua “Ampliação do Recurso”, convalidada em “Recurso Subordinado”, teria natureza meramente supletiva, perante a eventual procedência dos Recursos Independentes apresentados, como decorre da expressão “Caso assim não se entenda …”, que parece condicionar o objetivo do mesmo àquela circunstância (Procedência dos Recursos independentes).

Em qualquer caso, igualmente aqui, para que não possam subsistir quaisquer duvidas, analisemos, à cautela, o referido Recurso Subordinado.

Erro de julgamento da matéria de facto:
Quanto as propostas alterações à matéria de facto, as mesmas têm carater excecional, não se reconhecendo que o sugerido tivesse a virtualidade de alterar qualquer dos segmentos decisórios adotados.

Como sumariado no Acórdão do TCAN nº 676/15.4BEVIS, de 19-02-2021, “Em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.
A alteração da matéria de facto por instância superior, sempre deverá ser considerada uma intervenção excecional.”

Como se sumariou igualmente no acórdão deste TCAN nº 01466/10.6BEPRT, de 04.11.2016, “À instância recursiva apenas caberá sindicar e modificar o decidido quanto à factualidade dada como provada e não provada, caso verifique a ocorrência de erro de apreciação, suscetível de determinar a viciação da decisão final, mormente enquanto erro de julgamento, patente, ostensivo palmar ou manifesto.”

Efetivamente, em sede de recurso jurisdicional o tribunal de recurso, em princípio, só deve alterar a matéria de facto em que assenta a decisão recorrida se, após ter sido reapreciada, for evidente que ela, em termos de razoabilidade, foi mal julgada na instância recorrida.

Em qualquer caso, sem prejuízo do referido, o recorrente não demonstra que os factos que pretende alterar e/ou incluir na matéria dada como provada, influenciariam a decisão final a proferir, em face do que, só por si, sempre improcederia o pretendido.

De sublinhar ainda que alguma da factualidade que se pretende adicionar à matéria de facto dada como provada, comporta questões de direito, ou conclusivas, o que, igualmente por natureza, impede a sua inclusão na matéria dada como provada.

Não se vislumbra, pois, que mereça censura a decisão adotada relativamente à factualidade dada como provada, inverificando-se pois os suscitados vícios conexos com a matéria dada como provada.

Erro de julgamento de direito
Entende o Ministério Público que a operação urbanística foi aprovada como se tratasse de uma propriedade horizontal, quando na realidade constituía uma verdadeira operação de loteamento.

Correspondentemente, não obstante o Tribunal a quo ter declarado nulos os principais atos objeto de impugnação, não deixou de afirmar que “mesmo quanto aos atos declarados nulos, a lei ressalva expressamente que a ausência de efeitos dos atos nulos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito (cfr. art. 134º, nº 3, do CPA), impondo atentar-se devidamente à antiguidade dos factos que ora são julgados.
O legislador, ao mesmo tempo que estabelece a ineficácia total dos nulos, não esquece a situação de facto que esse ato pode ter gerado, abrindo a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito.
No plano da urbanização e edificação, a lei atende a situações de facto surgidas à sua margem, permitindo nomeadamente que a demolição de edificações clandestinas possa vir a ser evitada no caso de se mostrar possível o seu licenciamento, nomeadamente mediante a realização de trabalhos de correção ou de alteração – ver o artigo 167º do RGEU anteriormente vigente e o atual artigo 106º, nº2, do RJUE.
A concreta ilegalidade que inquinou o ato administrativo e justificou a sua declaração de nulidade pode configurar-se inclusivamente desproporcionada em face da situação de facto que, não obstante ser gerada por um licenciamento contrário ao ordenamento jurídico, veio a consolidar-se no mundo real, devendo a declaração de nulidade dar lugar aos atos e operações materiais necessários à reintegração da ordem jurídica violada, de molde a que seja restabelecida uma situação de legalidade, da forma menos lesiva para os vários interesses, públicos e privados, em presença – cfr., neste sentido, o acórdão do TCAN de 06.09.2007, proc. 00422-A/96 e jurisprudência aí citada.”

Na Ampliação do Recurso, convalidada em Recurso Subordinado, o Ministério Público, não obstante a Ação ter sido julgada parcialmente procedente, entende, em qualquer caso e ainda assim, que “deve a ação ser considerada totalmente procedente em função dos seguintes fundamentos:
a) A operação urbanística foi aprovada como se tratasse de uma propriedade horizontal, quando na realidade constituía uma verdadeira operação de loteamento.
b) A operação urbanística situa-se em área em espaço urbano de nível rural, em zona de reserva, não existindo qualquer deliberação da CMTV quanto à sua ocupação, deliberação esta obrigatória nos termos do estatuído no art.º 8.º, n°5 do RPDMTV.

Entende o Ministério Público, em síntese, que “A estrutura arquitetónica do empreendimento urbanístico sugere que estamos perante um verdadeiro loteamento e não perante uma situação de propriedade horizontal, o que conduz à nulidade da referida operação urbanística.”

Insiste e reitera o Ministério Público que “se estamos perante uma operação de loteamento e não perante uma situação de propriedade horizontal, esta não pode ser constituída. O ato registral da propriedade horizontal, sendo um ato administrativo, porque praticado por um agente do Estado e em sua representação encontra-se inquinado, pois que, sendo o ato anterior, em que este se baseou nulo, nulos serão todos os atos consequentes.”

No que concerne aos terceiros de boa-fé, mais entende o Ministério Público no novel Recurso Subordinado que “A declaração de nulidade da constituição de propriedade horizontal, bem como dos consequentes negócios jurídicos celebrados nesse pressuposto, não prejudicam terceiros de boa-fé, uma vez que estes têm direito à repetição do indevido” sendo que esta solução não se mostraria integralmente satisfatória para os mesmos.

Com vista a salvaguardar a situação dos terceiros de boa-fé, entendeu, em qualquer caso, a Sentença do Tribunal a quo que os atos de constituição da propriedade horizontal não podem considerar-se consequentes no sentido de a respetiva validade estar incindivelmente ligada ao ato de licenciamento declarado nulo, o que lhe permitiu excluir a mesma dos atos declarados nulos.
Julga-se que a solução adotada, sendo discutível, não deixa de corresponder ao objetivo constante do Artº 134º nº 3 do CPA, que ressalva que, não é prejudicada a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais do direito.

O legislador, ainda que estabelecendo a ineficácia dos atos nulos, não esquece a situação de facto que esse ato pode ter gerado, abrindo a possibilidade de atribuir a essa situação de facto alguma relevância jurídica, por força do simples decurso do tempo e de harmonia com os princípios gerais do direito.

Com esse objetivo, adota-se aqui o entendimento recentemente expresso no Acórdão deste TCAS nº 1491/10.7BELRA, de 17-03-2022, onde se sumariou que “A gravidade das consequências da nulidade de atos administrativos em matéria de urbanismo, que permitiram a constituição de situações de facto que perduram no tempo, como o estabelecimento de casas de morada de famílias, justifica que se mantenham os efeitos materiais desses atos nulos (cfr art 134º, nº 3 do CPA/91 – art 162º, nº 3 do CPA/2015).
Pois, de outro modo, a produção de todos os efeitos jurídicos associados à sanção da nulidade revela-se excessivamente lesiva da esfera jurídica dos administrados/proprietários das frações/terceiros de boa fé.

Efetivamente, de acordo com o art 134º, nº 3 do CPA/1991 (hoje art 162º, nº 3 do CPA/2015) a não produção de efeitos jurídicos pelos atos nulos não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de atos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.

Esta estatuição surge, assim, como uma salvaguarda das situações de facto que decorram de atos feridos de nulidade e persistam por um período prolongado de tempo, criando efeitos materiais que se consolidam, os denominados efeitos putativos.

Particularmente, os atos administrativos de gestão urbanística investem os particulares do poder de realizar operações urbanísticas, de construir a obra, de a transmitir, de a utilizar, criando situações de facto que se consolidam na vida real dos administrados.

Se é certo que a Sentença Recorrida procurou atingir estes objetivos através da consideração como “(…) improcedente o pedido de declaração de nulidade dos atos de constituição da propriedade horizontal e dos negócios jurídicos de compra e venda celebrados relativamente às frações autónomas”, o que é facto é que esse objetivo sempre poderia ter sido conseguido por via da aplicação do referido Artº 134º nº 3 do CPA então vigente.

Vinha peticionada, nomeadamente, que se considerassem “igualmente, nulos os títulos constitutivos da propriedade horizontal, bem como os negócios jurídicos de compra e venda celebrados com os contrainteressados supra identificados e outros que eventualmente tenham sido, entretanto celebrados, nos termos do estatuído nos preceitos combinados dos arts. 294º e 291º nº2 do Cod. Civil, bem como seja declarada a nulidade dos registos e cancelados os mesmos nos termos do estatuído no art. 17º nº1 e 8º do Cod. Reg. Predial”, pelo que a forma encontrada pelo Tribunal a quo de salvaguardar os interesses dos adquirentes de frações de boa-fé, foi não declarar a nulidade dos indicados atos, pelo que, ainda que à luz do referido nº 3 do Artº 134º do CPA, sempre seria de manter o referido segmento decisório,

Está, pois, em causa um licenciamento urbanístico com mais de 20 anos, cujos títulos constitutivos da propriedade horizontal, bem como os negócios jurídicos de compra e venda há muito foram constituídos e celebrados, sendo que os contrainteressados investiram a sua confiança na validade dos atos administrativos de aprovação e licenciamento camarário agora declarados nulos e ao abrigo dos quais constituíram situações de facto com interesses ponderosos, designadamente por se tratar de habitações/casas de morada de famílias adquiridas na construção licenciada, no sentido da manutenção dos efeitos materiais desses.

A produção de todos os efeitos jurídicos associados à sanção da nulidade urbanística revelar-se-ia excessivamente lesiva da esfera jurídica dos titulares das frações, pelo que sempre os contrainteressados teriam de considerar-se terceiros de boa fé.

Em face do que precede, e perante a Declaração de nulidade do Licenciamento, tal poderia determinar potencialmente a demolição do controvertido conjunto edificativo.

Estando em causa um incumprimento de normas de PDM de Torres Vedras, não se vislumbra que possa ser considerada a legalização dos atos declarados nulos, que sempre implicariam a alteração do PDM, o que determinaria uma intervenção de natureza excecional.

A par do princípio da legalidade e do princípio da prossecução do interesse público na atuação administrativa no domínio do urbanismo, temos de atender aqui também aos princípios da proporcionalidade e da proteção da confiança e atribuir efeitos jurídicos, denominados de putativos, às situações de facto que decorreram dos atos impugnados nos autos e cuja nulidade aqui declarámos.

Aqui chegados, entende-se que a decidida manutenção da “legalidade” “dos atos de constituição da propriedade horizontal e dos negócios jurídicos de compra e venda celebrados relativamente às frações autónomas”, se adequa ao fim estatuído no Artº 134º nº 3 do CPA, permitindo a atribuição de efeitos jurídicos a situações emergentes de atos anteriores declarados nulos, o que determinará a improcedência do Recurso Subordinado do Ministério Público também no aspeto vindo de analisar.

Efetivamente, os contrainteressados foram adquirentes das frações do edifício habitacional construído ou beneficiários de direitos reais de garantia constituídos sobre algumas dessas frações que nada tiveram que ver com o projeto de arquitetura aprovado, nem com o deferimento do licenciamento da construção constantes dos atos aqui impugnados.

Assim, de acordo com um juízo de proporcionalidade (hoje explicito no atual art 162º, nº 3 do CPA/2015), vertido no art 5º, nº 2 do CPA/1991, «é possível concluir que os prejuízos decorrentes da declaração de nulidade … são muito significativos e superam os benefícios para a Administração Pública e para a comunidade jurídica, da reintegração da legalidade violada» (Marco Caldeira, em «Revisitando as nulidades urbanísticas à luz do novo CPA», Revista da Fac. de Direito da Universidade de Lisboa, nº 2, 2016, LVII, pág 208).


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Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Administrativo do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento, quer aos Recursos independentes, quer ao Recurso Subordinado.

Custas pelos Recorrentes

Lisboa, 8 de setembro de 2022
Frederico de Frias Macedo Branco

Alda Nunes

Lina Costa