Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:28/19.7BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:11/11/2021
Relator:LUÍSA SOARES
Descritores:CONTRA-ORDENAÇÃO; NULIDADE INSUPRÍVEL; DESCRIÇÃO SUMÁRIA DOS FACTOS
Sumário:O requisito da decisão administrativa de aplicação de coima “descrição sumária dos factos” (cfr. art. 79.º, n.º 1, alínea b), primeira parte, do RGIT) tem de ser interpretado em correlação necessária com o tipo legal no qual se prevê e pune a infracção imputada ao arguido, pelo que os factos que importa descrever sumariamente na decisão de aplicação da coima não são senão os factos essenciais que integram o tipo de ilícito em causa.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I – RELATÓRIO


Vem a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, que julgou procedente o recurso de contra-ordenação e anulou, por nulidade insuprível, a decisão de aplicação de coima a A. M. F. M. no valor de € 83,86.

A Recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

“I) Decidiu o Meritíssimo Juiz a quo que o identificado processo de contraordenação era nulo, ao abrigo da alínea d) nº1 do art. 63 do RGIT, uma vez que na decisão de aplicação da coima o requisito legal que obriga à descrição sumária dos factos previsto no art. 79 nº1 b) do RGIT não se encontrava adequadamente cumprido.
II) Pugna a Fazenda Pública pela não verificação da invocada nulidade insuprível uma vez que a decisão recorrida descreve os factos de forma sintética e simples, porque esta é a própria natureza dos factos tipificados.
III) Recebeu o recorrido a notificação da decisão de aplicação de coima, assim como a descrição dos factos, documentos que o próprio juntou aos autos.
IV) Os requisitos legais aplicáveis à decisão de aplicação de uma coima, assim como a sua notificação, destinam-se a permitir que o arguido exerça o seu direito de defesa em toda a sua extensão, o que no caso em apreço sucede.
V) É sugerida ao arguido a consulta do portal das finanças, o que se nos afigura ser um procedimento que, ao invés de constituir um ónus imposto ao arguido, antes permite uma densificação operacional do estatuído como direitos e garantias dos administrados no art. 236 do CRP.
VI) A posição da Fazenda Pública no presente caso coincide com a defendida pelo STA no proc. 644/19.9BEAVR, acórdão datado de 25/05/2018, que, em consequência, concedeu provimento ao recurso da Fazenda Pública e revogou a sentença recorrida.
Assim de harmonia com o exposto deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência revogada a douta sentença recorrida como é de inteira Justiça.”.
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O Recorrido não apresentou contra-alegações.
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O Ministério Público junto do tribunal recorrido apresentou resposta ao recurso jurisdicional na qual formula as seguintes conclusões:

“I- A questão a decidir é a de saber se a sentença de 30/12/2019 enferma de erro de julgamento por considerar que a decisão proferida no Processo de Contra-Ordenação nº 11042018060000075096 não contém a descrição sumária dos factos exigida pelo art. 79º nº 1 al. b) RGIT.
II- A descrição sumária dos factos imputados ao Arguido na decisão que aplicou a coima de € 83,86 limita-se pouco mais que a remeter para elementos constantes de Auto de Notícia, podendo ser consultados no Portal das Finanças.
III- Tal remissão, feita de forma tão lacónica não integra qualquer descrição factual e não permite, de todo, alcançar quais são os concretos factos típicos, ilícitos e culposos imputados ao Arguido, impedindo-o de se defender adequadamente.
IV- Não pode admitir-se, do nosso ponto de vista, que se se vá descortinar a descrição da factualidade em falta em locais alheios ou externos à decisão (cfr. acs. TCA Sul de 06/04/201, P. 09633/16 e de 14/02/2019, P. 0368/17.0BELLE), sob pena de flagrante violação das normas constitucionais constantes dos arts. 268º nº 3 e 32º nº 10 da Lei Fundamental.
V- Ainda assim dir-se-á que “Em qualquer tipo de ilícito objectivo é possível identificar os seguintes conjuntos de elementos: os que dizem respeito ao autor; os relativos à conduta; e os relativos ao bem jurídico” (Prof. Jorge Figueiredo Dias in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, pág. 278 e 287, Coimbra Editora 2004);
VI- No ilícito contra-ordenacional em causa os elementos típicos do autor estão previstos no art. 10º da Lei 25/2006, 30/06; os elementos respeitantes à conduta susceptível de consubstanciar o ilícito contraordenacional encontram-se no art. 5º da mesma Lei; e a punição ou coima aplicável é determinada de acordo com as regras constantes do art. 7º do mesmo diploma legal;
VII- Autor da conduta qualificada como contra-ordenação no art. 5º da Lei 25/2006, 30/06, tanto poderá ser o condutor do veículo, como o seu proprietário, o adquirente com reserva de propriedade, o usufrutuário, o locatário em regime de locação financeira ou o detentor do veículo;
VIII- A qualidade do agente é pois, quanto a nós, um elemento essencial do tipo.
IX- Tudo depende do prévio e correcto cumprimento, por parte das concessionárias, as subconcessionárias, as entidades de cobrança das taxas de portagem ou as entidades gestoras de sistemas electrónicos de cobrança de portagens, consoante os casos, da notificação prevista no nº 1 do art. 10º da Lei 25/2006, 30/06;
X- Todavia tal notificação não integra a decisão que aplica a coima, constituindo uma fonte externa do acto de decisão (cfr. ac. TCA Sul 14/02/2019, P. 368/17.0BELLE).
XI- No caso dos autos o arguido não foi identificado no momento da prática da contra-ordenação (art. 10º nº 1 da Lei 25/2006, 30/06), nomeadamente porque a detecção da prática da contra-ordenação foi feita através de equipamentos adequados que registam imagem ou detetam o dispositivo electrónico do veículo (art. 8º da Lei 25/2006, 30/06);
XII- A decisão que aplicou a coima é totalmente omissa quanto à identificação do agente da infracção, isto é, não contém uma referência ainda que sumária relativa aos elementos típicos do autor da prática da contra-ordenação tal como vem estabelecido no art. 10º nº 3 da Lei 25/2006, 30/06 e que constitui pressuposto da punição.
XIII- A decisão baseia-se na presunção de que o arguido é o responsável pela prática das contra-ordenações mas omite os factos que fundamentam tal presunção.
XIV- Perante a inexistência de elementos factuais relativos à conduta humana que integrem o elemento objectivo das infracções cuja prática lhe é atribuída o arguido não pode conhecer a que título lhe foi aplicada a coima e vê-se impedido de exercer cabalmente o seu direito de defesa, direito esse consagrado no art. 32º nº 10 CRP, já que não defender-se simultaneamente e de forma adequada na qualidade de condutor, de proprietário do veículo, de adquirente com reserva de propriedade, de usufrutuário, de locatário em regime de locação financeira ou de detentor do veículo.
XV- A decisão que aplicou a coima carece por isso dos factos que fundamentam a aplicação de uma coima face aos elementos objectivos dos tipos de ilícitos contraordenacionais em causa, em flagrante violação da al. b) do nº 1 do art. 79º RGIT.
XVI- Quanto à contradição da sentença recorrida com a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo em 25/05/2018 no proc. nº 0644/19.9BEAVR, do nosso ponto de vista não se mostram reunidos os fundamentos do recurso previsto no art. 73º nº 2 RGCO.
XVII- Não indica o Recorrente quais as diferenças dificilmente suportáveis pela jurisprudência que a sentença recorrida consagra relativamente àquelas que foram proferidas pelo Tribunais Superiores,
XVIII- Nem especifica quais os erros cometidos pela sentença recorrida que constituem uma afronta ao direito e que repugne manter na ordem jurídica.
Pelos motivos expostos entende-se que a sentença recorrida aplicou correctamente o direito aos factos e deve ser confirmada.
Todavia, Vªs Excias decidirão e farão a costumada JUSTIÇA.”.
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O Exmo. Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal, pronunciou-se no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
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Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.
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II- OBJECTO DO RECURSO

A questão invocada pela Recorrente nas conclusões das suas alegações de recurso, que delimitam o objecto do mesmo, e que cumpre apreciar e decidir, assenta no alegado erro de julgamento quanto à nulidade insuprível da decisão de aplicação da coima decorrente da descrição sumária dos factos.
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III – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“Compulsados os autos e analisada a prova produzida, consideram-se provados os seguintes factos, relevantes para a decisão da causa:
A) Em 26-10-2018, foi autuado no Serviço de Finanças de Olhão, contra A. M. F. M., o processo de Contra-ordenação n.º 11042018060000075096, por infracção ao artigo 5.º, n.º 2, da Lei n.º 25/06, de 30 de Junho (falta de pagamento de taxa de portagem), punida pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal (cfr. fls. 3 dos autos no SITAF, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
B) Em 25-11-2018, foi proferido pelo Chefe do Serviço de Finanças de Olhão, no âmbito do processo de Contra-ordenação referido na alínea A), decisão de aplicação de coima ao arguido, ora Recorrente, no montante de €83,86, acrescida de €76,50 de custas processuais com o seguinte teor: “(…)
Imagem original nos autos

(cfr. fls. 10 a 11 dos autos no SITAF, idem);
C) Com data de 29-11-2018 foi enviado, ao ora Recorrente, notificação da decisão de aplicação da coima, identificada em B) supra, com o seguinte teor:
Imagem no original
(cfr. fls. 12 dos autos no SITAF, ibidem);
D) Em data não determinada, o ora Recorrente recebeu uma carta do Serviço de Finanças de Olhão, com o seguinte teor:
Imagem no original
(cfr. fls. 22 dos autos no SITAF, ibidem);
***
Factos Não Provados
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
Motivação da decisão de facto
Quanto aos factos provados a convicção do Tribunal fundou-se no teor dos documentos constantes dos autos, que não foram impugnados pelas partes, nem existem indícios que ponham em causa a sua genuinidade.”.
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IV- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Por despacho proferido pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé foi anulada a decisão de aplicação a A. M. F. M. da coima no montante de € 83,86 por nulidade insuprível prevista no art. 63º, nºs 1, alínea d), e nº 3 do RGIT quanto à descrição sumária dos factos a que alude a alínea b) do nº 1 do art. 79º do RGIT.

O Tribunal a quo atendeu, em sede factual, à instauração do processo de contra-ordenação contra o arguido por falta de pagamento de taxa de portagem, no qual foi aplicada a coima no valor de € 83,86, pela prática de infracções previstas e puníveis nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5º, nº 2 e 7º da Lei nº 25/2006, de 30 de Junho, bem como ao teor da notificação da decisão de aplicação da coima (cfr. alíneas A) a C) do probatório). E, com base nessa factualidade, conclui pela existência de nulidade insuprível com a seguinte fundamentação:
Na situação em discussão nos presentes autos, e em conformidade com a matéria de facto dada como assente, verifica-se que em nome da Recorrente foi instaurado procedimento contra-ordenacional, com fundamento em infracção ao artigo 5.º, n.º 1, alínea a), da Lei n.º 25/2006, de 30 de Junho, punida pelo artigo 7.º do mesmo diploma legal (cfr. alínea A) do probatório).
Da decisão de aplicação de coima enviada ao Arguido (cfr. alínea C) do probatório), resulta que os factos apurados, bem como as normas punitivas, podem ser consultados [pelo Arguido] no endereço electrónico http.//www.portaldasfinancas.gov.pt.
E o mesmo se diga da notificação enviada ao Recorrente, identificada na alínea D) do probatório.
Ou seja, nada é comunicado ao Arguido/Recorrrente, na decisão de aplicação de coima que lhe foi transmitida, que preencha, ainda que remotamente, a necessária descrição sumária dos factos, como impõe a alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º do Regime Geral das Infracções Tributárias.
O que traduz, inapelavelmente, uma compressão inaceitável dos direitos da Arguida, num procedimento de cariz sancionatório, impondo-lhe, caso queira saber quais os factos que consubstanciam infracções que lhe são imputados -, que diligencie nesse sentido.
A decisão recorrida, nos moldes em que foi levada ao conhecimento da Recorrente, não descreve absolutamente nada, nenhum facto, para preenchimento do requisito legal da decisão de aplicação de coima no que à descrição dos factos se refere, impondo-lhe ao invés, à Arguida, caso queira, porventura, tomar conhecimento dos factos que sustentam a coima aplicada, que assuma uma atitude “pró-activa”, para tal.
Assim, e porque com tal “descrição” a Arguida, ora Recorrente, não foi, de todo, informada da conduta que lhe é imputada, não pode ter-se por preenchido o requisito essencial da decisão de aplicação da coima relativo, precisamente, à descrição sumária dos factos.
Face ao exposto, não pode ter-se como adequadamente cumprido, na decisão de aplicação da coima recorrida, o requisito da descrição sumária dos factos, a que alude a alínea b), do nº 1, do art. 79ç do RGIT, enfermando a mesma, assim, da nulidade insuprível prevista na alínea d), do nº1, do artigo 63º, do mesmo diploma legal.
E por ser nula a decisão recorrida, devem também anular-se os termos subsequentes do processo, nos termos do nº 3 do artigo 63º do RGIT”.

Insurgindo-se contra o assim decidido veio a AT-Autoridade Tributária e Aduaneira interpor o presente recurso defendendo ter sido cumprido o disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 79.º do RGIT. Alega para o efeito que a decisão recorrida descreve os factos de forma sintética e simples atenta a natureza dos factos tipificados, tendo sido cumpridos os requisitos legais que permitem que o arguido exerça o seu direito de defesa (cfr. conclusões II a V das alegações de recurso).

Em abono da sua tese a Recorrente apoiou-se em jurisprudência do STA para sustentar que no caso em apreço, a descrição sumária dos factos permite ao arguido perceber que não pagou as taxas de portagem devidas pela utilização de estruturas rodoviárias, com a discriminação do local, período e viatura utilizada e, ainda, que a decisão contém todos os elementos exigidos pelo artigo 27º do RGIT para a fixação da coima, pelo que pede a anulação da decisão recorrida, mantendo válida a decisão de aplicação da coima.

Por seu turno o Ministério Público junto do tribunal recorrido na respectiva resposta defende que se verifica a nulidade insuprível quanto à descrição sumária dos factos, designadamente quanto à qualidade do agente (elemento essencial do tipo) dado não se encontrar identificado o autor da infracção, se condutor do veículo, proprietário, adquirente com reserva de propriedade, usufrutuário, locatário ou detentor do veículo.

Pese embora o valor da acção seja de € 83,86, valor que não permitiria a admissibilidade da interposição do recurso face ao valor da alçada dos tribunais tributários, no entanto, importa salientar que, para além dos casos previstos no artigo 83.º do RGIT, é admissível em casos justificados o recurso em processo de contra-ordenação tributário com base em fundamentos previstos no artigo 73.º da Lei-Quadro das Contra-Ordenações, aplicável ex vi da alínea b) do artigo 3.º do RGIT, designadamente “quando tal se afigure manifestamente necessário à melhoria da aplicação do direito ou à promoção da uniformidade da jurisprudência” (cfr. o n.º 2 do artigo 73.º). Ora é no âmbito desta disposição legal expressamente invocada pela Recorrente, que é apresentado o presente recurso, o qual se admite.

Assim, a questão a decidir é a de saber se o tribunal a quo fez correcto julgamento ao anular a decisão administrativa de aplicação da coima pela nulidade insuprível prevista no art. 63.º, n.ºs 1, alínea d), 3 e 5, do RGIT («falta dos requisitos legais da decisão de aplicação das coimas», a determinar «a anulação dos termos subsequentes do processo que deles dependam absolutamente»), por violação do disposto na alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do mesmo Regime por desrespeito da exigência da «descrição sumária dos factos».

Tem sido entendido em diversos Acórdãos do STA que “A «descrição sumária dos factos» imposta pela alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT e, bem assim, os demais requisitos da decisão de aplicação da coima enumerados nesse número «devem ser entendidos como visando assegurar ao arguido a possibilidade de exercício efectivo dos seus direitos de defesa, que só poderá existir com um conhecimento perfeito dos factos que lhe são imputados, das normas legais em que se enquadram e condições em que pode impugnar judicialmente aquela decisão» (JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, Áreas Editora, 2010, 4.ª edição, anotação 1 ao art. 79.º, pág. 517. ). Por isso, essas exigências «deverão considerar-se satisfeitas quando as indicações contidas na decisão sejam suficientes para permitir ao arguido o exercício desses direitos» (Ibidem.), assim assegurando o direito de defesa ao arguido [cfr. art. 32.º, n.º 10, da Constituição da República Portuguesa].

Quanto à descrição sumária dos factos na decisão administrativa, disse GERMANO MARQUES DA SILVA, em intervenção no Centro de Estudos Judiciários: «em resposta à questão de «qual o limite para a descrição sumária dos factos enquanto garantia de defesa» a minha resposta é também sumária: deve descrever o facto nos seus elementos essenciais para que o destinatário possa saber o que lhe é imputado e de que é que tem de se defender sem necessidade de consultar outros elementos em posse da administração» ( Cfr. Contra-ordenações Tributárias 2016 [Em linha], Centro de Estudos Judiciários, 2016, pág. 20, (…) bastando-se a lei como uma descrição sumária dos factos, afigura-se-nos que esta exigência se há-de considerar satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo – a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infra-estruturas rodoviárias, designadamente auto-estradas e pontes – está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contra-ordenação, o que não seria suficiente, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respectiva matrícula e com referência aos trajectos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infracções e aos montantes das respectivas taxas.

É certo que a “Falta de pagamento da taxa de portagem” não está referida na parte da decisão administrativa que tem como epígrafe “Descrição Sumária dos Factos”, mas na parte intitulada “Normas Infringidas e Punitivas”, sob a indicação das dessas normas. Mas essa menção, apesar de fora do lugar adequado na decisão administrativa condenatória, constitui uma efectiva descrição da factualidade que integra o tipo contra-ordenacional (Vide o comentário de JORGE LOPES DE SOUSA e MANUEL SIMAS SANTOS, ob. cit, na nota de rodapé com o n.º 153, pág. 425, a propósito de uma situação paralela, objecto do acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de Junho de 2007, proferido no processo n.º 353/07, (…) e, conjugada com a demais, aduzida no lugar próprio, não deixa à Arguida qualquer dúvida sobre a factualidade que lhe foi imputada. Essa factualidade, conjugada com a indicação das normas que prevêem e punem a infracção, permite à Arguida exercer plenamente o seu direito de defesa relativamente à decisão de aplicação da coima.

Como, lapidarmente, ficou dito no acórdão de 7 de Outubro de 2015 desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 218/15, «O requisito da decisão administrativa de aplicação da coima “descrição sumária dos factos”, constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do artigo 79.º, do RGIT, há-de interpretar-se em correlação necessária com o tipo legal de infracção no qual se prevê e pune a contra-ordenação imputada à arguida, pois que os factos que importa descrever, embora sumariamente, na decisão de aplicação da coima não são outros senão os factos tipicamente ilícitos declarados puníveis pela norma fiscal punitiva aplicada” (cfr. entre outros o Acórdão do STA de 17/10/2018 no processo nº 1004/17.0BEPRT, de 16/09/2020 - proc 470/18.0BEALM, de 14/10/2020 – proc. 0645/17.0BELLE e de 28/10/2020 -proc. 1959/17.4BEBRG).

O despacho recorrido considerou que a decisão administrativa que aplicou a coima não respeitou a exigência quanto à descrição sumária dos factos como acima transcrito. Desde já se afirma que não sufragamos tal entendimento porquanto , bastando-se a lei com uma descrição sumária dos factos, afigura-se-nos que esta exigência se há-de considerar satisfeita quando, como no caso sub judice, o elemento essencial do tipo – a falta de pagamento da taxa de portagem pela circulação de veículo automóvel em infra-estruturas rodoviárias, designadamente auto-estradas e pontes – está descrito na decisão administrativa; e está, não apenas por referência à norma que prevê a contra-ordenação, mas mediante a descrição detalhada do comportamento: falta de pagamento de taxas de portagem referente ao veículo identificado pela respectiva matrícula e com referência aos trajectos expressamente indicados, com indicação dos locais, datas e horas a que se verificaram as infracções e aos montantes das respectivas taxas.

Em suma, a descrição sumária da factualidade constante da decisão administrativa que aplicou a coima permite ao arguido o exercício cabal do seu direito de defesa, não subsistindo dúvida alguma quanto aos factos que lhe são imputados, motivo por que não concordamos com a sentença quando considera que essa decisão enferma de nulidade por inobservância do requisito constante da primeira parte da alínea b) do n.º 1 do art. 79.º do RGIT.

Por outro lado ressalta-se o entendimento vertido na jurisprudência do STA no sentido que “O regime constante do artº.10, nºs.1 e 3, da Lei 25/2006, de 30/06, tem por pressuposto de aplicação a não possibilidade de identificação do condutor do veículo no momento da prática da contra-ordenação (cfr.previsão do nº.1 do preceito)” (cfr. Acórdão do STA de 06/05/2020 – proc. nº 01070/18.0BEALM) improcedendo assim o fundamento invocado pelo Ministério Público na sua resposta quanto à falta de falta de identificação do agente que praticou a infracção.

Atento o entendimento jurisprudencial acima transcrito, conclui-se não existir nulidade insuprível na decisão de aplicação da coima ora recorrida, pelo que julga-se procedente o recurso e em consequência revoga-se a decisão recorrida, mantendo-se a decisão administrativa de aplicação da coima.

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V- DECISÃO

Nos termos expostos, acordam os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul conceder provimento ao recurso e em consequência revoga-se a decisão recorrida, mantendo-se assim a decisão administrativa de aplicação da coima.


Sem custas.
Lisboa, 11 de Novembro de 2021
Luisa Soares
Vital Lopes
Susana Barreto