Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:267/19.0BELLE
Secção:CT
Data do Acordão:10/22/2020
Relator:SUSANA BARRETO
Descritores:IMPUGNAÇÃO
ERRO NA FORMA DO PROCESSO
INTERESSE EM AGIR
Sumário:I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
II - No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência.
III - O interesse em agir é um requisito que tem de ser verificado no momento do exercício do direito de ação e cuja ausência impede o órgão jurisdicional de admitir a ação.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.a subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:


I – Relatório

J..., com os sinais dos autos, notificado do projeto do despacho de reversão, veio deduzir impugnação judicial na qual termina pedindo a procedência da mesma e, a final, a declaração de extinção do processo de execução fiscal, com fundamento no artigo 204/1.b) do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT).

O Tribunal Administrativo e Fiscal de Loulé, rejeitou liminarmente a impugnação, por erro insuprível na forma do processo. Inconformado com esta decisão dela veio recorrer formulando as seguintes conclusões nas alegações de recurso:

1. Por sentença datada de 20-06-2019 o tribunal “a quo” declarou a nulidade por erro na forma do processo e rejeitou a presente impugnação.
2. O ora Recorrente não se conforma com a sentença recorrida desde logo porquanto se entende que estamos perante uma decisão-surpresa, isto é não foi dada oportunidade ao Impugnante para se pronunciar sobre o erro na forma do processo ou de alguma forma de exercer o contraditório nos termos do disposto no artigo 3. °, n.º 3 do Código de Processo Civil.
3. Ao que acresce que andou mal o tribunal a quo" ao não convolar os presentes autos em oposição à execução.
4. Sendo possível tal convolação desde logo porquanto e contrariamente à sentença recorrida o ora Recorrente a citação já foi realizada, o Recorrente foi citado da reversão e consta da própria folha de rosto da citação que o citado pode deduzir impugnação judicial ou oposição à penhora.
5. A sentença recorrida viola assim o disposto nos artigos 98.°, n.° 4 do Código de Procedimento e Processo Tributário e o artigo 97º, n ° 3 da LGT.
6. Bem como os princípios da tutela jurisdicional efetiva e da justiça, constitucionalmente previsto no artigo 20." e no artigo 268°, n.º 4 da CRP e no artigo 6.” da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
7. O artigo 20° da Constituição da República Portuguesa prevê o princípio da tutela jurisdicional efetiva, que a nossa doutrina, quer a nossa jurisprudência têm sido unânimes ao considerar que a tutela jurisdicional efetiva é um direito fundamental e necessário para a manutenção de um listado de Direito.
8. É consensual que a consagração, no n.º 1 do artigo 20°, do direito de acesso ao Direito constituiu um relevante avanço para a construção der nosso Estado democrático na medida em que a efetivação do direito de acesso a Tribunais para defesa e reconhecimento de direitos e interesses depende desse direito.
9. O direito de acesso aos Tribunais está intimamente ligado à tutela jurisdicional efetiva e, consequentemente, à defesa do direito ou interesse legalmente protegido. Este direito verdadeiramente fundamental possui uma natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, pelo que está sujeito aos efeitos previstos nos artigos 17° e 18° da Constituição.
10. A norma do 268.” n°. 4 da Constituição ao garantir aos administrados o acesso à justiça administrativa para tutela dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos, visa assegurar um principio de plenitude de garantia jurisdicional administrativa que se destina a evitar que o particular fique desprovido de um meio processual adequado perante uma qualquer lesão ou risco de lesão de direitos ou interesses legítimos.
11. A sentença recorrida encontra-se assim ferida de inconstitucionalidade a qual se invoca desde já para efeitos de eventual e futuro recurso para o Tribunal Constitucional
12. Termos em que deverá o presente recurso ser julgado procedente e em consequência deverá o tribunal “ad quem" revogar a sentença recorrida, seguindo os autos os seus termos ulteriores até decisão final da causa.

Nestes termos e nos melhores de direito deverá V. Exa. dar provimento ao presente recurso e revogar a douta sentença recorrida, seguindo os autos os seus ulteriores termos, assim se fazendo Justiça!

A Fazenda Pública não contra-alegou.

O Ministério Público emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.


II – Fundamentação

a) Questão a decidir: é a de saber se a decisão recorrida que rejeitou liminarmente a impugnação, declarando a nulidade por erro na forma do processo deve, ou não, ser revogada por não ter procedido à convolação da impugnação judicial em oposição à execução.


II.1- A decisão recorrida tem o seguinte teor:

J..., com o número de identificação fiscal 1... e residência no C..., caixa postal n.º 1…, em Santa Catarina da Fonte do Bispo, “notificado do projeto de reversão, vem nos termos dos artigos 99.º, 102.º e ao abrigo do artigo 204.º, n.º 1, alínea b) ambos do Código de Processo e Procedimento Tributário, apresentar Impugnação Judicial”, pedindo que “a presente Impugnação [seja] recebida, julgada procedente, por provada, e, a final, extinta a execução com base no disposto na al. b) do n.º 1 do art. 204.º do CPPT”.
*
QUANTO AO OBJECTO DA IMPUGNAÇÃO:
A Petição Inicial faz referência a dois meios processuais autónomos e totalmente distintos: a Impugnação Judicial que se encontra regulada nos artigos 99.º e 102.º do CPPT; e a Oposição à Execução Fiscal, cujos fundamentos admissíveis constam do artigo 204.º.
Por outro lado, vem pedida a extinção da execução – que será o Processo Executivo n.º 1139-2018/01010662 identificado no cabeçalho do articulado inicial -, com fundamento em a devedora originária possuir “créditos por liquidar” e também em que “o ora Impugnante, aquando da sua gerência, nunca efetuou qualquer ato de administração que se possa considerar ruinosa”.
Está, pois, em crise, o “projeto de reversão” que foi notificado ao Impugnante.
Todavia, a Impugnação Judicial é o meio processual adequado para obter a declaração de nulidade ou a anulação de atos de liquidação de tributos – artigo 99.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
O ato em crise nos autos não é um ato de liquidação, mas um projeto de ato de reversão praticado no processo de execução fiscal.
Ora, o meio processual adequado para obter a declaração de nulidade ou a anulação do despacho da decisão relativa à reversão da execução fiscal é a Oposição à Execução, com o fundamento previsto na alínea b) do artigo 204.º, n.º 1, do CPPT se em causa estiverem os pressupostos da responsabilidade subsidiária (cfr., também, o artigo 151.º, n.º 1, do mesmo diploma), ou com o fundamento previsto na alínea i), se em causa estiverem vícios do próprio despacho.
Há, pois, erro na forma do processo.
*
Dispõem os artigos 98.º, n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, e 97.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, que se ordenará a correção do processo quando o meio usado não for o adequado segundo a lei.
Como referem LEITE DE CAMPOS E OUTROS, Lei Geral Tributária anotada, nota 3 ao artigo 97.º, “o n.º 3 do preceito visa obstar a que, por via de uma errada eleição da forma de processo, o tribunal deixe de se pronunciar sobre o mérito da causa. Trata-se de uma injunção ao próprio juiz. Este só estará desonerado da obrigação de ordenar a correção da forma de processo quando ela se mostre de todo inviável”, sendo que – nota 4 – “a solução da „convolação‟ do processo tem sido várias vezes aflorada e decidida no contencioso tributário, tendo-se a jurisprudência firmado no sentido da sua admissibilidade desde que o pedido formulado e a causa de pedir invocada se ajustem à forma adequada de processo e a „ação judicial‟ não esteja caducada”, atento o princípio da proibição da prática de atos inúteis no processo, previsto no artigo 130.º do Código de Processo Civil.
*
Ora, como se disse, o pedido de extinção da instância executiva, é compatível com o meio processual da Oposição à Execução.
E o mesmo se diga quanto às causas de pedir – ilegitimidade do Revertido e suficiência dos bens da devedora originária.
Todavia, ainda não foi praticado qualquer ato lesivo: a execução ainda não reverteu contra o Impugnante nem este foi ainda citado para o processo executivo, estando em crise mero “projeto de reversão”, como vem alegado na Petição Inicial pelo próprio Impugnante.
Mas não sendo o Impugnante executado, carece de interesse em agir e de legitimidade para deduzir Oposição à Execução que “deve ser deduzida no prazo de 30 dias a contar da citação pessoal” – artigo 203.º, n.º 1, alínea a), do CPPT -, citação que não terá sido ainda realizada.
Pelo que não é possível a convolação do processo.
II.
Termos em que, declarando a nulidade por erro na forma do processo, se rejeita a Impugnação.
Custas pelo Impugnante, sem prejuízo do apoio judiciário.


II.2- Do Direito

Notificado do projeto de despacho de reversão contra si da execução fiscal instaurada para cobrança coerciva de dívidas da sociedade, na qualidade de responsável subsidiário, o ora Recorrente deduziu impugnação judicial, na qual termina pedindo a extinção da execução com base na alínea b), do nº 1 do artigo 204º do CPPT.

Após considerar que quer o pedido, quer a causa de pedir são compatíveis com outra forma processual, no caso a oposição à execução fiscal, a impugnação foi liminarmente rejeitada por erro na forma do processo, por a convolação não ser possível por o Impugnante carecer de interesse em agir e de legitimidade para a deduzir, por não ter sido ainda citado para os termos da execução, mas tão só notificado do projeto de decisão de reversão.

O Recorrente não se conforma com a rejeição liminar da impugnação e a sua não convolação em oposição judicial, desde logo, por não ter sido previamente ouvido sobre o tema e por, entretanto, sido já citado para os termos da execução.

Alega o Recorrente que o indeferimento liminar constituiu uma decisão-surpresa, não lhe tendo sido dada oportunidade para se pronunciar sobre o erro na forma do processo ou de alguma forma de exercer o contraditório, como impõe o artigo 3/3 do CCPC.

Desde já adiantaremos não ter razão o Recorrente quando alega violação do princípio do contraditório.

Como é Jurisprudência maioritária do Supre Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Administrativo, com a qual concordamos, da qual citamos o Ac. STA, 2ª Seção, de 2019.08.14, Proc. nº 0997/19.7BEBRG, no caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (mediante a prolação de um despacho preliminar), quer porque tal despacho seria contrário à teleologia do indeferimento liminar, quer porque o contraditório é assegurado, ainda que diferidamente, pela admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor [cfr. art. 629.º, n.º 3, alínea c), do CPC].
Assim, nos casos de indeferimento liminar para se considerar assegurado o contraditório, não é necessária a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento sendo bastante para o efeito que a lei preveja o contraditório diferido. E é este precisamente o caso dos autos, se se atendesse exclusivamente ao valor da presente ação esta não teria recurso.


Nas alegações o Recorrente não dirige qualquer censura à decisão recorrida quando julga verificado o erro na forma do processo.

Todavia, concluindo pelo erro na forma do processo, havia, depois, que verificar a viabilidade da convolação para a forma processual que seria adequada, visto o disposto nos artigos 97/3 LGT e artigo 98/4, do CPPT).

Ora, na sentença recorrida o Mmº Juiz a quo depois de considerar que quer o pedido de extinção da execução fiscal, quer a causa de pedir, eram consentâneos com a forma processual de oposição judicial à execução, concluiu pela insusceptibilidade de convolação.

O Mmº Juiz a quo considerou que o Impugnante carece de interesse em agir e de legitimidade para deduzir Oposição à Execução por ter sido deduzida antes de ter sido citado para a execução fiscal.

É contra esta decisão de não convolação e de indeferimento liminar que também se insurge o Recorrente, até porque foi já citado para os termos da execução.

Todavia, o interesse em agir é um requisito que tem de ser verificado no momento do exercício do direito de ação e cuja ausência impede o órgão jurisdicional de admitir a ação e consequentemente de examinar o mérito da questão levando à pronúncia de uma absolvição da instância.

Vejamos o que nos diz o artigo 209º CPPT, com a epígrafe Rejeição Liminar da oposição:
1 – Recebido o processo, o juiz rejeitará logo a oposição por um dos seguintes fundamentos:
a) Ter sido deduzida fora do prazo;
b) Não ter sido alegado algum dos fundamentos admitidos no nº 1 do artigo 204º;
c) Ser manifesta a improcedência;
2 – (…)

A indicação dos motivos de rejeição de oposição feita nesta norma especial, não afasta os fundamentos gerais de indeferimento liminar, no quais se inclui a ilegitimidade processual do oponente quando a oposição foi deduzida por quem não foi citado como executado (artigo 31º do Código de Processo Civil) (Vide, neste sentido Alfredo José de Sousa e José da Silva Paixão, Código de Procedimento e de Processo Tributário Comentado, Almedina, pag. 511 e Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e Processo Tributário, Áreas Editora, 6ª edição, Volume III , pág. 553).

E é esse precisamente o caso em análise, e consta da pi que à data em que foi deduzida não tinha sido proferido despacho de reversão, nem o Impugnante citado para os termos da mesma.

Em suma a recorrente não era titular de qualquer interesse direto que lhe conferisse legitimidade passiva para intervenção no processo de execução fiscal (cf. artigos 153º e seguintes. do CPPT), pelo que o despacho recorrido não merece a censura que lhe foi dirigida.

Por último se dirá que não se vislumbra qualquer violação do direito de acesso aos Tribunais e ao princípio da tutela jurisdicional efetiva. Com efeito, notificado da rejeição liminar podia o autor apresentar nova petição nos 10 dias subsequentes à notificação da decisão ou interpor recurso da mesma, o que fez.

Sem necessidade de mais amplas ponderações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.


Sumário/Conclusões:

I - O erro na forma do processo, nulidade decorrente do uso de um meio processual inadequado à pretensão de tutela jurídica formulada em juízo, afere-se pelo pedido.
II - No caso de indeferimento liminar da petição inicial, o princípio do contraditório não impõe a audição prévia do autor sobre o motivo do indeferimento (despacho preliminar), além do mais porque a lei prevê o contraditório diferido, dada ampla admissibilidade legal de recurso, independentemente do valor e da sucumbência.
III - O interesse em agir é um requisito que tem de ser verificado no momento do exercício do direito de ação e cuja ausência impede o órgão jurisdicional de admitir a ação.


III - Decisão

Termos em que, face ao exposto, acordam em conferência os juízes da 2ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso.

Custas pelo Recorrente, que decaiu.

[A relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15-A do DL nº 10-A/2020, de 13 de março, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Excelentíssimos Senhores Juízes Desembargadores Vital Lopes e Luísa Soares].


Lisboa, 22 de outubro de 2020

(Susana Barreto)