Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2040/17.1BELSB
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES -Relator por vencimento
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS
LIBERDADES E GARANTIAS
ESPECIAL URGÊNCIA
CONVOLAÇÃO
ENFERMEIRO ESPECIALISTA
Sumário:i) Apenas quando se afigurar ser manifesta ou evidente a falta dos pressupostos processuais, onde se inclui a propriedade ou adequação do meio processual, se imporá ao juiz decidir sobre a matéria na fase do controlo liminar, pois caso contrário apenas no momento em que o processo já reúne todos os elementos estará o julgador apto a decidir.
ii) Neste mesmo sentido estabelece o legislador, no n.º 1 do artigo 590.º do CPC, no tocante ao despacho liminar, ao prever que a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (caso em que beneficiará do regime previsto no artigo 560.º do CPC).
iii) Não tendo o julgador expressamente emitido pronúncia, e assim decidido, sobre a matéria da subsidiariedade do meio processual no despacho de admissão liminar, não se pode falar sequer em decisão que produza os efeitos de caso julgado.
iv) O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem.
v) Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja protecção seja urgente.
vi) Não se verificando a situação de especial urgência subjacente à necessidade da referida intimação, ónus de demonstração que impende sobre o requerente da intimação, falta um seu pressuposto de admissibilidade o que, de acordo com o novo artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, não determina a absolvição da instância mas antes impõe ao tribunal que convite o autor a substituir o pedido, para o efeito de requerer a adopção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.
Votação:COM VOTO DE VENCIDO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A Ordem dos Enfermeiros e Ana ....., e a Interveniente, Lisete ....., vieram interpor recursos jurisdicionais da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, datada de 28.11.2017 que, no âmbito do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, movido contra o Ministério da Saúde, julgou procedente a excepção dilatória inominada de falta de subsidiariedade do presente meio processual e absolveu a Entidade Requerida da instância.

No recurso interposto pela Ordem dos Enfermeiros e Ana ..... formularam as aqui Recorrentes nas respectivas alegações, as seguintes conclusões que se reproduzem:

A) Nos termos do artigo 110.º/1 do CPTA, no âmbito de uma intimação para proteção de direitos, liberdades ou garantias, “uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximos de 48 horas, no qual, sendo a petição admitida, é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias”;

B) A presente intimação foi intentada em 14.09.2017, tendo sido concluso a 15.09.2017 e merecido despacho a 18.09.2017, nos termos do qual “admite- se liminarmente a presente intimação. Cite a entidade demandada para, querendo contestar, no prazo de 7 dias (cf. artigo 110.º, n.º 1 do CPTA)”.

C) Ou seja, o Tribunal a quo perante o a petição inicial, entendeu que se verificavam as circunstâncias do caso de molde a justificar o decretamento de uma intimação, considerando não haver fundamento para, nos termos do artigo 110.ºA/1 do CPTA “o juiz, no despacho liminar fixa o prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar”;

D) O despacho liminar proferido em 18.09.2017, mediante o qual reconheceu que se verificavam as circunstâncias do caso de molde a justificar o decretamento de uma intimação, admitindo a intimação e determinando a citação do Ministério da Saúde transitou em julgado, assumindo valor de caso julgado formal, não podendo agora ser posto em causa;

E) Nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha “esse despacho constitui, pois, caso julgado formal quando conclua que não há obstáculo a que o processo seja tramitado como intimação. E nesse caso, já não será possível, na fase de decisão, rejeitar a petição ou promover a sua substituição por um pedido de adoção de providência cautelar, cabendo ao juiz unicamente proferir decisão de mérito”.

F) Estando o Tribunal a quo obrigado a uma decisão de mérito, não poderia ter exarado Sentença sem proceder à discriminação dos factos que considera provados e não provados, e sem se pronunciar sobre as questões que constituem objeto do litígio, pelo que, tendo-o feito, a sentença é nula por violação do disposto no artigo 607.º/2 a 4, em conjugação com o disposto no artigo 615.º/1 b) e d), todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA;

G) Sem conceder, mesmo que o Tribuna a quo pudesse, a final, aferir da verificação dos pressupostos prévios ao decretamento da intimação, não obstante o disposto no artigo 110.º/1 do CPTA, a Sentença recorrida padece de erro na aplicação do direito, ao não reconhecer a violação dos direitos fundamentais das Recorrentes já verificada, bem como a subsidiariedade da presente intimação face aos restantes meios processuais disponíveis;

H) E isto porque, ficou provado – ainda que não conhecido pelo Tribunal a quo – que, a ambas as Autoras Enfermeiras foram abertos processos disciplinares e aplicadas faltas injustificadas, não obstante nos dias em causa tivessem exercido as funções para as quais estão contratadas e pelas quais são remuneradas;

I) Ou seja, os direitos fundamentais das Autoras Enfermeiras de exercerem as funções para as quais foram contratadas e pelas quais são remuneradas – como de muitos outros Enfermeiros nas mesmas condições – já foram, efetivamente, lesados;

J) Para além disso, e estando em causa o reconhecimento de um direito fundamental, que já se encontra a ser lesado, não existe mais nenhum meio processual que permita a defesa daquele, sem diminuição da sua tutela;

K) E isto porque, todos os meios principais são demasiado morosos e não garantem o efeito útil das suas decisões; enquanto que os processos cautelares estão dependentes de uma análise meramente perfunctória do direito, e de pressupostos que não permitem a tutela dos direitos aqui em causa;

L) Mesmo que se antecipasse a possibilidade de suspender a eficácia do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, em face da sua ilegalidade e da probabilidade de procedência da ação principal, tal suspensão não seria suficiente para garantir a tutela dos direitos fundamentais das Autoras Enfermeiras e dos restantes Enfermeiros;

M) A única decisão que garante a tutela dos direitos fundamentais das Autoras Enfermeiras e dos restantes Enfermeiros, é o reconhecimento do direito ao exercício das funções para as quais foram contratados e pelas quais são remunerados, e uma tal decisão não é possível através de um processo, cujo conhecimento do direito é meramente perfunctório e apenas com vista à verificação da probabilidade de que a pretensão a formular no processo venha a ser julgada procedente;

N) Para além disso, não se concebe que um direito fundamental como o aqui em causa – de exercer as funções para as quais foi contratado e pelas quais é remunerado – possa ser avaliado em termos comparativos em face dos prejuízos que o decretamento de uma providência cautelar possa trazer para o interesse público, em cumprimento do disposto no artigo 120.º/2 do CPTA;

O) O que os Enfermeiros pretendem é que lhes seja reconhecido o seu direito fundamental de apenas exercerem as funções para as quais foram contratados, e pelas quais são remunerados, distinguindo-se o conteúdo funcional do Enfermeiro, relativamente ao conteúdo funcional do Enfermeiro Especialista, e isto não é possível através de um processo cautelar.

P) Em consonância, veja-se o Acórdão do Venerando Supremo Tribunal Administrativo invocado pelo Tribunal a quo na Sentença recorrida, de acordo com o qual a intimação responde a uma necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo, não sendo suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar – sendo esse exatamente o caso dos autos, atento facto do direito fundamental dos Enfermeiros já estar a ser violado, apenas se evitando essa lesão se for reconhecido definitivamente.

Q) Sem conceder, mesmo que se viesse a considerar que em sede de decisão final o Tribunal a quo poderia aferir da verificação dos pressupostos iniciais, e mesmo que se considerasse que a subsidiariedade não estaria verificada, o que também já vimos que não se verifica, ainda assim, e em respeito pelo princípio pro actione previsto no artigo 7.º do CPTA, deveria o Tribunal a quo determinar a convolação e apreciar os pressupostos para o decretamento provisório da providência cautelar que considerasse adequada, pelo que não o tendo feito, incorre em erro na aplicação do direito.

A Interveniente, Lisete ....., no recurso que interpôs, concluiu do seguinte modo:

1.º Nos presentes autos, nos quais a Recorrente figura como Interveniente Principal, foi exarada sentença que julgou procedente a excepção inominada de falta de subsidiariedade da intimação oportunamente apresentada a juízo, para protecção de direitos, liberdades e garantias;

2.º Decidiu-se ainda o Tribunal “a quo” pela não convolação da acima citada intimação num procedimento cautelar, com base num juízo de que estaria precludida a sua competência para tal acto, em virtude do processo já ter ultrapassado a fase do despacho liminar;

3.º Sucede que, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, tal interpretação é ilegal, e acima de tudo inconstitucional por violação do plasmado no artigo 20.º, da CRP;

4.º O douto despacho liminar produzido em 15.09.2017, que se decidiu pela admissão liminar da intimação, e ordenou a citação da entidade demandada para, querendo, contestar no prazo de 7 dias, faz caso julgado formal sobre a questão que lhe foi colocada da admissibilidade ou não de tal procedimento adoptado;

5.º Outro entendimento que não o ora vertido perverteria toda a sistematização a que obedece o CPTA, esvaziando de conteúdo o artigo 110.º-A do CPTA, criando decisões surpresa como a vertente, e afastando as partes da justa composição dos litígios que fazem chegar aos Tribunais;

6.º Face à posição tomada pelo Tribunal “a quo” naquele despacho liminar, não lhe restaria outra solução que não a de tramitar o processo até final, decidindo de mérito sobre a questão que lhe é levada ao conhecimento;

7.º Ao não o fazer, e sempre com o devido respeito por opinião diversa, o Tribunal “a quo” errou, decidiu mal e, assim sendo, urge reparar tal ilegalidade;

8.º Pelo que, não se vislumbra outra opção que não a deste Venerando Tribunal revogar tal despacho por se tratar de uma acto nulo, fazendo baixar o processo novamente à primeira instância para que decida de mérito a questão;

9.º Sempre se saliente, que estando o Tribunal “a quo” vinculado à prolação de uma decisão de mérito da causa, e não o fazendo, incorre numa nulidade, de acordo e para os efeitos do plasmado nos artigos 607.º n.ºs 2 e 4 e 615.º. 1, b), ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA;

10.º Nulidade essa que desde já se sindica para os devidos e legais efeitos, e cuja cominação implicará a remessa dos autos à primeira instância para que o processo seja decidido de mérito a final;

11.º Não sendo este o douto entendimento deste Venerando Tribunal, mas sempre sem conceder, e apenas por mera cautela de patrocínio, sempre se dirá que a sentença exarada pelo Tribunal “a quo” padece de erro na aplicação do direito, ao não reconhecer a violação dos direitos da aqui Recorrente, bem como da subsidiariedade da presente intimação, que constitui a última linha de que a mesma dispõe para se resguardar da agressão que tem sido alvo nos seus direitos mais fundamentais;

12.º A este respeito, note-se que o Recorrido Ministério da Saúde quando confrontado quer com o teor da Intervenção Principal Espontânea produzida produzido pela Recorrente, quer com a documentação de suporte ao mesmo, ou até com um documento que comprova o ataque que a mesma tem sido alvo – junto com a Resposta – optou por nada dizer e nada fazer!;

13.º Isto é, confessou por acordo – nos termos da lei – que a Recorrida está a ser alvo de um ataque actual aos seus direitos fundamentais, reconhecendo que está a ser alvo de um processo disciplinar ilegal e que tem acarretado para si prejuízos económicos, na justa medida em que lhe estão a ser subtraídos valores no seu vencimento;

14.º Ou seja, os direitos fundamentais da Recorrente de exercer as funções para as quais foi contratada e pelas quais é remunerada já estão a ser lesados na actualidade;

15.º Se assim não se entendesse, dificilmente a figura da intimação seria aplicável para qualquer outro tipo de processo, sendo que a figura jurídica existente ficaria esvaziada de conteúdo e aplicabilidade prática – o que não se entenderia;

16.º E isto, claro está, porque as outras figuras existentes no nosso ordenamento jurídico para além da morosidade que têm ínsitas, não iriam garantir em tempo útil o efeito das suas decisões – note-se a este respeito que a Recorrente já tem sobre si um procedimento disciplinar e vários meses de descontos salariais;

17.º É pacífico entre a doutrina e a jurisprudência entre nós reinantes que só faz sentido o recurso aos meios jurisdicionais se os mesmos servirem para acautelar condignamente os direitos das partes envolvidas no litígio;

18.º Caso a presente intimação não fosse admitida por requisitos de falta de subsidiariedade, resulta vítreo que os direitos da Recorrente não ficariam condignamente assegurados pela tutela efectiva do direito entre nós vigente;

19.º No entanto, sempre sem conceder, e apenas por mero exercício académico, caso este Venerando Tribunal considere que nenhuma das duas invocadas situações deverão ser julgadas procedentes, deverá o processo ser remetido novamente a primeira instância, para que o Tribunal “a quo” decrete a convolação da intimação numa providência cautelar, em respeito pelo princípio pro actione previsto no artigo 7.º, do CPTA, pois não o tendo efectuado, incorreu em erro na aplicação do direito.

20.º Só a revogação da sentença recorrida que ofende os princípios do Estado de Direito Democrático permitirá a reposição da paz social e o reequilíbrio da justiça, obstando a que verifique uma impossibilidade de obtenção de tutela efectiva do Direito à Recorrente.

O ora Recorrido, Ministério da Saúde, notificado, apresentou contra-alegações, tendo assim concluído:

1) As Recorrentes pedem a que a sentença recorrida seja declarada nula, nos termos do artigo 607.º, n.ºs 2 a 4, do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, ou que, em alternativa, a mesma seja revogada por erro na aplicação do direito;

2) Sucede que a sentença recorrida não padece de qualquer erro de direito ou de erro na sua fundamentação jurídica, devendo por conseguinte ser mantida a decisão que concluiu pela procedência da exceção dilatória inominada invocada pelo Réu Ministério da Saúde, com a consequente absolvição da instância, nos termos bem fundamentados pelo Tribunal a quo;

3) Por ser manifesto que as Recorrentes, segundo o Tribunal, “não logram, efetivamente, preencher os referidos requisitos a que a admissibilidade do presente meio processual se encontra adstrita”;

4) E não concretizam “de forma bastante, qualquer situação de indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de fundo tendo em vista a proteção de um direito, liberdade ou garantia”;

5) Do alegado não resulta sequer uma situação de urgência (muito menos de urgência qualificada), tanto mais que as Recorrentes abstêm-se de alegar “de forma minimamente substanciada, uma qualquer situação concreta de lesão” que justificasse o recurso ao meio processual escolhido, o qual, “não se coaduna com a mera invocação de um receio fundado em situações hipotéticas e abstratas, sem qualquer conexão com uma situação especifica (...)”;

6) O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, em razão da impossibilidade ou insuficiência, a proteção jurídica que os demais meios urgentes conferem;

7) Por conseguinte, apenas é legítimo recorrer a este meio quando esteja em causa a lesão de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja proteção seja reforçadamente urgente;

8) Para além dos meros juízos de prognose quanto às putativas “iminentes lesões” dos seus “direitos fundamentais”, e das aludidas “ameaças de processos disciplinares”, As Recorrentes não concretizam quaisquer situações das quais resulte a indispensabilidade da intervenção do Tribunal por via de uma decisão de mérito urgente e definitiva que houvesse de ser proferida no presente processo;

9) Não está demonstrada a imprescindibilidade do recurso ao meio processual escolhido, e nem provado, para além da simples alegação, que não seria possível, em tempo útil, o recurso alternativo à ação administrativa, com ou sem intervenção cautelar;

10) As Requerentes não alegam um único facto concreto que permitisse concluir que os invocados direitos e, bem assim, a reação à hipotética instauração de processos disciplinares, ficariam sem tutela jurisdicional ou amputados de utilidade prática, caso se enveredasse pelo recurso aos meios “normais” de tutela jurisdicional, urgente ou não urgente, por estes serem supostamente insuficientes para assegurar o exercício em tempo útil dos direitos e interesses invocados;

11) Assim sendo, não se verifica o segundo pressuposto de aplicação do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA, consubstanciado na impossibilidade ou na insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de eventual ação administrativa a intentar;

12) O processo de intimação usado pelas Requerentes tem natureza subsidiária e está vocacionado para intervir como válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas nas situações - e apenas nessas - em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelam aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias;

13) Nos autos não se divisa qualquer risco de lesão iminente e irreversível de um direito fundamental (não está preenchido o pressuposto da urgência), nem qualquer direito ameaçado que não pudesse ser acautelado através dos meios processuais comuns, acompanhados ou não de um processo cautelar (o meio escolhido não é indispensável à obtenção do fim em vista);

14) Como a sentença recorrida bem reconheceu, não se verifica o pressuposto da impossibilidade ou insuficiência do decretamento provisório de uma providência cautelar, instrumental de uma ação administrativa;

15) Importa que lei não deixa as Requerentes desprovidas de solução que acautele a tutela jurisdicional efetiva dos seus interesses, pois disponibiliza um conjunto de meios processuais a utilizar antes da instauração de eventuais procedimentos disciplinares (por via de ação administrativa com acoplagem de processo cautelar antecipatório, se necessário e conveniente), ou depois da efetiva verificação do “temido” resultado, por via da ação administrativa de anulação de eventual pena disciplinar, também neste caso apensada de uma providência cautelar;

16) No artigo 110.º-A, do CPTA, é regulada a possibilidade da convolação dos processos de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em processos cautelares, quando não se preencham os exigentes pressupostos de que depende a admissibilidade dos primeiros;

17) Não se tendo pronunciado, aquando do despacho liminar, no sentido da convolação da intimação em processo cautelar, podendo tê-lo feito ao abrigo do n.º 1 do artigo 110.º-A, do CPTA, resulta claro que o Tribunal a quo entendeu que não estariam reunidos os pressupostos para a tutela urgente da questão que lhe foi presente, o que, aliás, é coerente com a fundamentação da sentença;

18) Na sentença recorrida volta-se a referir a questão da convolação, para dizer que a mesma estaria ultrapassada, tanto mais que, a justificar-se - o que não considerou em sede de despacho liminar -, a mesma teria que ter ocorrido no momento do despacho liminar, referindo agora que a ela não haveria lugar, tanto mais que tal colocaria em causa os princípios da estabilidade da instância e da economia processual;

19) O processo de intimação não constituiria, pois, o meio adequado a evitar a alegada lesão, estando ao dispor das Recorrentes a alternativa de intentar ação administrativa não urgente, conjugada ou não com a interposição de uma providência cautelar, visto não estar verificada in casu uma situação de qualificada urgência;

20) Como considerou a sentença recorrida, não existindo fundamento para a concessão de uma providência cautelar (os pedidos formulados “poderão ser prosseguidos através a instauração da(s) competente(s) ação(ões) administrativa(s), (...) sem que daí resulte uma qualquer diminuição de tutela dos seus direitos”) e, por conseguinte, para a prolação do despacho previsto no artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA;

21) Pode o efeito útil pretendido ser atingido por via do recurso à tutela não urgente subjacente à ação administrativa, com ou sem os instrumentais meios de tutela cautelar;

22) Não se estando em presença de uma situação concreta a carecer de tutela urgente não há fundamento para o decretamento de uma providência cautelar e, portanto, para a prolação de despacho ao abrigo do artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA;

23) O artigo 110.º-A do CPTA, só deve ser utilizado quando se constate a existência de uma situação de urgência em que é possível e suficiente o decretamento de uma providência cautelar no âmbito de uma ação administrativa;

24) Na falta da referida situação de urgência, não havendo lugar à prolação do despacho a que alude o artigo 110.-A, n.º 1, do CPTA;

25) A consequência só poderia ser a absolvição do Réu da instância por procedência da exceção dilatória inominada consistente na inidoneidade do meio processual utilizado (falta de subsidiariedade), que, ademais, é insuprível (vide Acs. do STA, de 09.11.2012 (Proc. n.º 0738/12); do TCA Norte, de 20.03.2015 (Proc. n.º 02062/13.1BEPRT); do TCA Sul, 11.06.2015 (Proc. n.º 12156/15); e do TCA Norte, de 06.11.2015 (Proc. n.º 00701/15.9BEVIS);

26) Assim, Tribunal a quo aplicou e interpretou correta e adequadamente o disposto nos artigos 109.º e 110.º-A do CPTA, não tendo incorrido em qualquer violação do artigo 607.º, n.ºs 2 a 4, conjugado com o artigo 615.º n.º 1, alíneas b) e d), do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA.



Neste Tribunal Central Administrativo, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.


Vem o processo agora à conferência para decisão.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelos Recorrentes, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar:

I.1.1 A. Recurso da Ordem dos Enfermeiros e Ana .....:

1. Nulidade da sentença, por violação do caso julgado formal;

2. Nulidade da sentença por falta de fundamentação e omissão de pronúncia, nos termos do artigo 607.º, n.ºs 2 a 4, conjugado com o artigo 615.º, n.º 1, b) e d) do CPC;

3. Erro de julgamento de direito quanto à questão da subsidiariedade da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias;

4. Erro de julgamento por não convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar.

I.1.2. Recurso de Lisete .....:

1. Nulidade da sentença, por violação do caso julgado formal;

2 Nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto, nos termos dos artigos 607.º, n.ºs 2 e 4, e 615.º, n.º 1, al. b) do CPC;

3. Erro de julgamento no tocante à questão da subsidiariedade da presente intimação;

4. Erro de julgamento por não convolação da intimação em providência cautelar e a remessa dos autos ao Tribunal recorrido.



A matéria de facto pertinente, ainda que não venha destacada na sentença recorrida em capítulo autónomo, é a constante da sentença recorrida, a qual se dá aqui por reproduzida, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 663.º, n.º 6, do CPC ex vi do art. 1.º e 140.º, n.º 3, do CPTA.


II.2. De direito

Vem questionada no recurso a sentença do Mmo. Juiz do TAC de Lisboa que, entendendo que o meio era o impróprio, rejeitou a presente intimação nos termos do artigo 110.º, n.º 1 do CPTA.

Começam as Recorrentes por suscitar a nulidade da sentença por violação de caso julgado formal. Alegam que: “o Tribunal a quo perante o a petição inicial, entendeu que se verificavam as circunstâncias do caso de molde a justificar o decretamento de uma intimação, considerando não haver fundamento para, nos termos do artigo 110.ºA/1 do CPTA “o juiz, no despacho liminar fixa o prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar”; // D) O despacho liminar proferido em 18.09.2017, mediante o qual reconheceu que se verificavam as circunstâncias do caso de molde a justificar o decretamento de uma intimação, admitindo a intimação e determinando a citação do Ministério da Saúde transitou em julgado, assumindo valor de caso julgado formal, não podendo agora ser posto em causa; // E) Nas palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha “esse despacho constitui, pois, caso julgado formal quando conclua que não há obstáculo a que o processo seja tramitado como intimação. E nesse caso, já não será possível, na fase de decisão, rejeitar a petição ou promover a sua substituição por um pedido de adoção de providência cautelar, cabendo ao juiz unicamente proferir decisão de mérito”.

Ou seja, haveria violação do caso julgado formal, decorrente de ter sido proferido despacho de admissão liminar da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias e posteriormente ter sido proferida decisão de absolvição da Entidade Demandada da instância, por falta de subsidiariedade da presente intimação.

Vejamos.

No regime anterior à reforma do CPTA, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 2 de Outubro, é abundante a jurisprudência dos Tribunais Administrativos a admitir a decisão de absolvição da instância, por procedência da excepção de inidoneidade do meio processual da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias ou da sua falta de subsidiariedade, depois de ter sido proferido despacho de admissão liminar da intimação, de ter sido citada a Entidade Demandada e de esta ter apresentado contestação (v. i.a. os acórdãos deste TCAS, cfr. Processo n.º 532/17.1BELSB, de 05/07/2017; Processo n.º 710/16.0BELSB, de 12/01/2017; Processo n.º 1668/16.1.BELSB, de 15/12/2016; Processo n.º 12516/15, de 15/10/2015; Processo n.º 12156/15, de 11/06/2015; Processo n.º 12002/15, de 16/04/2015; Processo n.º 12003/15, de 16/04/2015; Processo n.º 11748/15, 12/02/2015; Processo n.º 11579/14 de 04/12/2014).

O novo artigo 110.º-A do CPTA, no âmbito do qual se prevê a substituição da petição e o decretamento provisório de providência cautelar, consagra que quando se verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, designadamente, por se bastarem com a adopção de uma providência cautelar, o juiz no despacho liminar fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a providência cautelar.

Como decorre do disposto no n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, o legislador pretendeu concentrar na fase inicial do processo, ou seja, no momento do despacho liminar, a possibilidade de convolação do processo de intimação, em processo cautelar, definindo ser esse o momento processual adequado.

Nesta fase de controlo liminar, é cometido ao juiz o dever de verificação dos pressupostos processuais e das demais questões obstativas do prosseguimento da instância e do conhecimento do mérito da causa, que sejam evidentes ou manifestas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 590.º do CPC.

Dispõe aquele preceito que: “1- Nos casos em que, por determinação legal ou do juiz, seja apresentada a despacho liminar, a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, aplicando-se o disposto no artigo 560.º.

Dúvida não há, pois, em como o novo regime do CPTA prevê a apresentação da petição inicial da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias a despacho do juiz, sendo esse o momento processual próprio - o da admissão liminar -, em que deve ocorrer o controlo da legalidade da instância.

Mas será que a previsão do despacho liminar no caso do meio processual da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias tem o significado de a lei pretender fixar o momento em que o julgador deve decidir a matéria de excepção, sob pena de não o poder fazer mais tarde.

Não cremos que assim seja.

Por um lado, por recurso à interpretação sistemática quando o legislador assim o pretendeu, disse-o expressamente, como resulta claro do disposto no art. 88.º a propósito do despacho saneador.

Por outro lado, decidindo o juiz da causa pela admissibilidade liminar do requerimento de intimação, está apenas a decidir que aquela instância reúne as condições para prosseguir e ser julgada, nos termos requeridos em juízo, sem que subsista qualquer ilegalidade ou irregularidade nos termos em que o autor veio a juízo, segundo o que resulta alegado e peticionado na petição inicial. Ou seja, o juiz é confrontado com a p.i. e nesta fase preliminar verifica da admissibilidade do processo em juízo, ainda sem ter sido promovido o contraditório processual.

Acresce que o caso julgado formal exige que a questão decidida tenha carácter ou natureza processual, incidindo apenas sobre uma questão processual e só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida. Sobre o alcance do caso julgado, prevê o artigo 621.º do CPC que a decisão constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga. Ora, certo é que caso presente, não existe ofensa ao caso julgado formal, pois não se identifica qualquer decisão judicial expressa no processo, transitada em julgado, por referência à propriedade do meio, que tivesse sido alterada pelo juiz.

Donde, não está o juiz impedido de conhecer de questão que seja suscitada na contestação, designadamente da excepção de impropriedade do meio processual em uso; como no caso sucedeu.

E também não ocorre violação do princípio da preclusão.

Embora a lei não preveja as causas ou os fundamentos para a rejeição liminar da petição inicial da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – como ocorre em relação ao processo cautelar, no n.º 2 do artigo 116.º do CPTA –, deve entender-se que apenas em casos de manifesta ou de evidente ausência dos pressupostos processuais ou da falta dos requisitos legais para o prosseguimento da instância, poderá ser proferido despacho de rejeição liminar. Tal como se prevê em relação aos fundamentos de rejeição liminar do requerimento inicial do processo cautelar, apenas quando for manifesta ou evidente a falta dos requisitos legais de admissibilidade da instância de intimação, em face do alegado na petição inicial ou aferível em face dos documentos apresentados, deverá o juiz pôr termo ao processo, pois quando assim não for, deverá proferir despacho de admissão liminar e relegar para uma fase posterior, assegurado o contraditório, a decisão sobre a matéria de excepção que haja sido invocada.

Só em face da falta evidente ou manifesta dos pressupostos processuais se compreende que possa ser tomada uma decisão de conteúdo desfavorável para a parte, sem que antes tivesse sido assegurado o exercício do princípio do contraditório, enquanto trave mestra que enforma todo o direito processual, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA.

Assim, para além de nem todos os casos permitirem verificar, mediante a simples leitura da petição inicial, a falta de preenchimento dos pressupostos processuais ou dos requisitos próprios da intimação, como é a própria lei a prever que apenas nos casos de ser manifesta ou evidente a falha dos pressupostos processuais o juiz pode rejeitar a petição de intimação.

E tendo sido a falta de subsidiariedade da intimação suscitada na contestação, caso em que existe o dever legal de conhecer dessa questão, sobre ela teria o tribunal necessariamente que se pronunciar.

Pelo exposto, carece de fundamento a alegada violação do caso julgado formal, não se verificando a suscitada nulidade, improcedendo os recursos nesta parte.

Continuando, entendem as Recorrentes que a sentença é nula por falta de fundamentação e por omissão de pronúncia.

Neste capítulo concluem:

F) Estando o Tribunal a quo obrigado a uma decisão de mérito, não poderia ter exarado Sentença sem proceder à discriminação dos factos que considera provados e não provados, e sem se pronunciar sobre as questões que constituem objeto do litígio, pelo que, tendo-o feito, a sentença é nula por violação do disposto no artigo 607.º/2 a 4, em conjugação com o disposto no artigo 615.º/1 b) e d), todos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA;

E

9.º Sempre se saliente, que estando o Tribunal “a quo” vinculado à prolação de uma decisão de mérito da causa, e não o fazendo, incorre numa nulidade, de acordo e para os efeitos do plasmado nos artigos 607.º n.ºs 2 e 4 e 615.º. 1, b), ambos do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 1.º do CPTA;

10.º Nulidade essa que desde já se sindica para os devidos e legais efeitos, e cuja cominação implicará a remessa dos autos à primeira instância para que o processo seja decidido de mérito a final;

Se bem se percebe da alegação das Recorrentes nesta parte, o que estas vêm afirmar é que o tribunal deveria ter proferido decisão de mérito e que a decisão a final proferida não condenou nem absolveu a ora Recorrida dos pedidos, devendo tê-lo feito, pelo que para a decisão de mérito a proferir falta a fixação da factualidade pertinente, bem como a discussão dos aspectos jurídicos da causa e sua decisão. Daí as nulidades invocadas: haveria falta de fundamentação acerca dos factos relevantes para a decisão de mérito a proferir e a falta de consideração das questões jurídicas para tanto alegadas, bem como omissão de pronúncia acerca dos pedidos formulados.

Como bem se alcança, estas nulidades não se verificam, uma vez que o tribunal a quo ao absolver o ora Recorrido da instância, por ter concluído pela inverificação da propriedade do meio com fundamento na falta de subsidiariedade do mesmo, necessariamente teve por prejudicadas as demais questões alegadas, designadamente factuais e substanciais. O julgamento destas ficou prejudicado.

Mas se a imputação das nulidades é feita à própria sentença, também a arguição dos vícios não procede.

O Mmo. Juiz a quo fixou a factualidade relevante para conhecer da excepção em causa, ainda que não o tenha feito de modo sistematicamente correcto, mas podendo retirar-se tal factualidade do teor do texto da fundamentação da sentença (e tendo sempre presente que a decisão proferida tem como objecto a apreciação de excepção atinente à propriedade do meio):

- A 2.ª A. exerce funções de enfermeiro especialista recebendo menos do que aqueles que, até à entrada em vigor do diploma que regula a respectiva carreira, estavam integrados na categoria de Enfermeiro Especialista (entretanto extinta) e o mesmo que aqueles enfermeiros que prestam cuidados de enfermagem gerais;

- A 2.ª A. veio, entretanto, requerer junto da 1.ª A. a suspensão do seu título de enfermeira especialista, pedido esse que foi deferido;

- O parecer n.º 18/2017 da PGR, homologado pelo Secretário de Estado da Saúde, sob a referência: “Recusa de exercício de funções, que integram o conteúdo funcional estabelecido legalmente, por parte de enfermeiros com a categoria de enfermeiro e com o título de especialista, no respetivo posto de trabalho”.

E a fundamentação jurídica é abundante, com a pertinente identificação do quadro normativo de referência e invocação da doutrina e jurisprudência aplicável à questão elegida a decidir, como demonstra a mera leitura da sentença recorrida (v. infra).

Improcede, assim, também o recurso nesta parte.

Vejamos agora o erro de julgamento acerca da questão da subsidiariedade da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

No tribunal a quo foi exarou o seguinte discurso fundamentador:

“(…)

Em paralelo com o que antecede, vem o R. invocar a inadequação do presente meio processual porquanto, alega, os requisitos de aplicação de que o mesmo depende não se encontrariam observados.

Sindica, deste modo, o R. que as AA. não logram demonstrar a impossibilidade de utilização de meio não urgente para atingir o fim prosseguido nos presentes autos, não alegando um único facto que permita concluir que os direitos fundamentais invocados e a reacção aos hipotéticos processos disciplinares a instaurar ficariam desprovidos de tutela jurisdicional ou de utilidade prática dessa mesma tutela, não resultando, como tal, provado o carácter subsidiário do mesmo.

Contra esta afirmação se insurgem as AAA., as quais sustentam que a lesão de direito fundamental decorre logo directamente da homologação do parecer em apreço, na medida em que impede as 2.ª (e 3.ª) AA. de exercer o direito a que aqui se arrogam, e por outro, a considerar-se a presente intimação como meio inidóneo, tal significaria que as 2.ª (e 3.ª) AA. teriam de ser obrigadas a deixar de exercer tal direito até que as impugnações das penas disciplinares entretanto aplicadas fossem decididas ou continuando a exercer esse mesmo direito, com a consequente aplicação da processos disciplinares e perda de remuneração.

Cumpre apreciar.

O n.º 1 do artigo 109.º do CPTA estabelece que “A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.

Ora, tal como é reconhecido, de forma consensual, pela jurisprudência e doutrina:

“Os pressupostos do pedido de intimação são os seguintes:

- a necessidade de emissão urgente de uma decisão de fundo do processo que seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia;

- que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, no âmbito de um acção administrativa normal, seja comum ou especial” (neste sentido, vide, a título exemplificativo, o aresto prolatado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 18.11.2004, no âmbito do processo n.º 0978/04).

Conforme, a este respeito, é expendido por Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha, de forma particularmente impressiva, in “Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, Almedina, 2017, 4.ª edição, páginas 882 e 883:

“Trata-se […] de um processo dirigido a proteger direitos, liberdades e garantias. O n.º 1 faz depender a concessão da intimação do preenchimento de requisitos formulados em termos intencionalmente restritivos e o primeiro deles diz respeito à qualificação das situações jurídicas que são passíveis de ser tuteladas através da intimação: de acordo com o sentido literal do preceito, para que a intimação possa ser utilizada, é necessário que esteja em causa o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia e que a adoção da conduta pretendida seja apta a assegurar esse exercício.

À partida, o preenchimento deste requisito pressupõe que o requerente concretize na petição os seguintes aspetos: a existência de uma situação jurídica individualizada que caracterize um direito, liberdade e garantia, cujo conteúdo normativo se encontre suficientemente concretizado na CRP ou na lei para ser jurisdicionalmente exigível por esta via processual; e a ocorrência de uma situação, no caso concreto, de ameaça do direito, liberdade e garantia em causa, que só possa ser evitada através do processo urgente de intimação. Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia: impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a intimar a Administração, através de um processo célere e expedito, a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício em tempo útil desse direito” (sublinhado nosso) – entendimento que aqui se subscreve na íntegra.

Por seu turno, e no que tange ao segundo requisito enunciado supra, explanam os referidos Autores (op. cit., páginas 886 e 887) que:

-A imposição deste requisito é da maior importância, pois, através dela, o Código assume que, ao contrário do que se poderia pensar, o processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias não é a v ia normal de reação a utilizar em situações de lesão ou ameaça de lesão de direitos, liberdades e garantias. A v ia normal de reação é a da propositura de uma ação não urgente, associada à dedução do pedido de decretamento de uma providência cautelar, destinada a assegurar a utilidade da sentença que, a seu tempo, vier a ser proferida no âmbito dessa ação. Só quando, no caso concreto, se v erifique que a utilização das v ias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia é que deve entrar em cena o processo de intimação.

O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas - em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efetiva de direitos, liberdades e garantias”.

Em termos idênticos se pronuncia Carla Amado Gomes, considerando que “a sua subsidiariedade relativamente ao decretamento provisório de qualquer providência cautelar possível nos termos do CPTA (além da natural subsidiariedade em face de outros processos especiais de defesa de direitos, liberdades e garantias) reduz muitíssimo o seu âmbito de aplicação, fazendo dela quase um remédio de ultima ratio” (cf. “Pretexto, contexto e texto da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias”, página 27, disponível em https://www.icjp.pt/sites/default/files/media/291- 135.pdf).

Significa isto, assim, que ao requerente de dada intimação caberá alegar e demonstrar, por um lado, a urgência e a indispensabilidade subjacentes à pretensão que vem reclamar a juízo e, por outro, a subsidiariedade do presente meio processual, no sentido de que a tutela peticionada não se compadece com o recurso a qualquer outro tipo de acção de que possa lançar mão, juntamente (ou não) com o competente processo cautelar.

Ora, sem prejuízo das diferentes posições que as três AAA. assumem perante o quadro jusfactual carreado aos autos, entende este Tribunal que aquelas não logram, efectivamente, preencher os referidos requisitos a que a admissibilidade do presente meio processual se encontra adstrita.

Assim, e desde logo, há que realçar que nem a 1.ª A. nem a 2.ª A. concretizam, de forma bastante, uma qualquer situação de indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de fundo tendo em vista a protecção de um direito, liberdade ou garantia.

Na verdade, aquelas limitam-se a arguir um pretenso temor de que os direitos fundamentais da 2.ª A., consistentes no exercício pleno das funções para as quais foi contratada e de decidir suspender o seu título de enfermeiro especialista – e, bem assim, dos enfermeiros que se encontrem em situação idêntica – venham a ser lesados na sequência do acto homologatório visado nos presentes autos, através da instauração de processos disciplinares e marcação de faltas injustificadas.

No entanto, nenhuma delas alega, de forma minimamente substanciada, uma qualquer situação concreta de lesão que justifique, nos termos que atrás se fizeram alusão, o recurso ao presente meio processual, sendo certo que a teleologia que lhe subjaz não se coaduna com a mera invocação de um receio fundado em situações hipotéticas e abstractas, sem qualquer conexão com uma situação específica – entendimento que resulta ainda mais evidente no caso da 1.ª A., atento o distanciamento que, por força da sua própria natureza, apresenta relativamente à situação sub judice. [sublinhado nosso]

No entanto, e ainda que assim não fosse, sempre seria de concluir que que as AAA. não traçam, na douta p.i. apresentada, uma qualquer situação de facto que demonstre a subsidiariedade que necessariamente inere à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Na verdade, atendendo:

(i) Aos pedidos formulados por aquelas, consistentes na revogação da homologação do parecer 18/2017 do Conselho Consultivo da PGR e no reconhecimento do direito fundamental das 2.ª e 3.ª AA. (e dos restantes enfermeiros na mesma situação) de exercerem as funções para as quais foram contratadas e pelas quais são remuneradas, bem como o direito de suspender o seu título de enfermeiro especialista ; e

(ii) À circunstância que, em sua perspectiva, dá corpo à putativa lesão de direitos que justificaria o recurso ao presente meio processual (possibilidade de instauração de processos disciplinares ou marcação de faltas injustificadas pelas respectivas entidades patronais),

facilmente se conclui que tais desideratos poderão ser prosseguidos através da instauração da(s) competente(s) acção(ões) administrativa(s) – impugnando o acto homologatório ora em crise e / ou as conclusões do parecer sobre o qual incide e solicitando o reconhecimento judicial dos direitos aqui invocados, bem como reagindo contra uma qualquer conduta disciplinar concreta da Administração que as partes reputem de ilegal, acompanhada(s) ou não da dedução de meios cautelares, através dos quais se busquem obter medidas interinas que salvaguardem tais pretensões –, sem que daí resulte uma qualquer diminuição de tutela dos seus direitos.

É que, como denotam Aroso de Almeida e Carlos Cadilha, “normal e desejável é que os processos se desenrolem nos moldes considerados mais adequados ao cabal esclarecimento das questões, o que exige tempo, o tempo necessário à produção da prova e ao exercício do contraditório entre as partes. Não é, por isso, aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, não devem ser postergados. Afigura-se, por isso, justificado recorrer, por norma, aos processos não urgentes, devidamente complementados por um sistema eficaz de atribuição de providências cautelares, efectivamente apto a evitar a constituição de situações irreversíveis ou a emergência de danos de difícil reparação (sobre os processos cautelares, cfr. artigos 112.º e segs), e reservar os processos urgentes para situações de verdadeira urgência na obtenção de urna decisão sobre o mérito da causa, que são aquelas para as quais, na verdade, não é possível ou suficiente a utilização de um processo não urgente, ainda que complementado pelo decretamento provisório - se as circunstâncias o justificarem- de providências cautelares” (op. cit., páginas 888 e 889) – orientação que aqui se sufraga integralmente.

Do argumentário expendido pelas AAA. é possível extrair que a instauração da presente intimação lhes é, de certo modo, conveniente, mas aquelas não logram arguir, por qualquer forma, a impossibilidade ou a insuficiência da abrangente panóplia de meios processuais existentes na lei processual administrativa para salvaguardar, de forma cabal, as pretensões que aqui reclamam em juízo, as quais, como se viu, facilmente poderão ser obtidas através do recurso a meios processuais de tutela não urgente e urgente (caso assim o entendam necessário). [sublinhado nosso]

Conforme afirma, com propriedade, o R., a falta de subsidiariedade da intimação para prestação de direitos, liberdades e garantias consubstancia uma excepção dilatória inominada, cuja procedência obsta ao conhecimento do mérito da causa e impõe a absolvição da entidade demandada da instância (neste sentido, vide, a titulo exemplificativo, o acórdão prolatado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, em 04.03.2016, no âmbito do processo n.º 02931/15.4BEPRT, cujo entendimento aqui se acolhe sem reservas).

(…)”.

E o decidido, nesta parte, é de manter.

O meio processual em uso consubstancia um processo principal, em que o tribunal é chamado a apreciar e decidir um litígio em definitivo. É este o sentido do artigo 109.º, n.º 1, do CPTA: “1 - A intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias pode ser requerida quando a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º”.

A lei estabelece dois pressupostos para utilização deste meio processual; a saber: i) que a emissão urgente de uma decisão de fundo seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia; ii) que não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar no âmbito de uma acção administrativa, comum ou especial.

Ora, tratando-se de um meio processual urgente e principal, o legislador delimitou-o para um elenco de situações mais ou menos restrito. Ou seja, estão em causa situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem. Como refere Mário Aroso de Almeida, com este meio pretende-se obter, em tempo útil, uma decisão definitiva sobre a questão de fundo, sob pena de haver denegação de justiça (cfr. O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 2003, p. 238). Como refere o Autor citado no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos: “o processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é, assim, instituído como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações – e apenas nessas – em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a protecção efectiva de direitos, liberdades e garantias”(cfr. ob. cit, Coimbra, 2005, p. 538).

Nessa medida, esta intimação veio concretizar o comando normativo contido no n.º 5 do artigo 20.º da CRP, destinando-se, em primeira linha, a assegurar a defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais. Mas ainda que se entenda que o artigo 109.º do CPTA ampliou o seu alcance para além da protecção dos direitos pessoais, não deixa de reconduzir-se sempre ao conjunto dos direitos, liberdades e garantias tipificados no Título II da Constituição e, no limite, aos direitos fundamentais de natureza análoga àqueles. Como salienta Vieira de Andrade, “esta protecção acrescida justifica-se, na sua substância, pela especial ligação destes direitos à dignidade da pessoa humana e, na sua oportunidade, pela consciência do risco acrescido da respectiva lesão (cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 7.ª ed., Coimbra, 2005, p. 261; na jurisprudência, o acórdão do STA 6.12.2006, proc. n.º 885/06).

Em suma, o meio processual previsto no artigo 109.º do CPTA tem por escopo garantir uma tutela jurisdicional efectiva e célere quando estão em causa direitos, liberdades e garantias fundamentais, de natureza pessoal, ou de direitos de natureza análoga, na medida em que o regime dos direitos liberdades e garantias também se aplica aos direitos fundamentais de natureza análoga, como decorre do artigo 17.º da CRP, e justifica-se quando seja necessária a célere emissão de uma decisão de mérito que imponha à Administração a adopção de uma conduta positiva ou negativa que se revele indispensável para assegurar o exercício, em tempo útil, desse direito, liberdade ou garantia, ou direito de natureza análoga, por não ser possível ou suficiente, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar (cfr. o recentíssimo ac. deste TCAS de 16.04.2015, proc. n.º 12003/15).

No caso em apreço, de resto, os pedidos formulados - as Requerentes pediram ao Tribunal: i) a revogação do despacho de homologação, proferido pelo Ministro da Saúde em 20.07.2017, do Parecer nº 18/2017 do Conselho Consultivo da PGR, ii) o reconhecimento do direito da enfermeira requerente ao exercício da profissão nas condições para que foi contratada e assim ser remunerada, iii) bem como o direito a suspender o seu título de enfermeiro especialista – não se mostram admissíveis face à previsão do art. 109.º, n.º 1, do CPTA. O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser utilizado em ordem à adopção, por parte da Administração, de uma conduta positiva ou negativa, a qual pode consistir na adopção ou na abstenção de operações materiais, como na emissão ou não emissão de actos administrativos.

Acresce que não se concebe sequer o pedido na parte do reconhecimento do direito de as enfermeiras Autoras e de todos os enfermeiros nas mesmas condições, poderem suspender junto da Ordem dos Enfermeiros o título de Enfermeiro Especialista. É à Ordem dos Enfermeiros, afinal Autora e Recorrente, que nos termos do previsto no artigo 6.º do seu Estatuto cabe a inscrição dos enfermeiros e o reconhecimento das competências para a atribuição do título de enfermeiro especialista (art. 8.º). E as consequências daí advenientes terão que ser aferidas no âmbito da execução dos contratos de trabalho celebrados, o que também não poderia ser conhecido nesta intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Mas mesmo a entender-se que os pedidos formulados, ou parte deles, ainda seriam possíveis de integrar as situações jurídicas tuteladas naquele preceito legal, sempre se considera que não estamos perante uma situação de especial urgência. Dos autos não resulta evidenciado, nem as Requerentes e ora Recorrentes demonstram essa imprescindibilidade – nenhum facto concreto vem alegado -, que a regulação jurídica pretendida e que se consubstancia numa decisão de mérito da causa, careça absolutamente da utilização deste meio processual.

Donde, mesmo transferindo a discussão para a imprescindibilidade do uso do meio processual, certo é que o ponto da discussão está na existência de uma situação de urgência, sua exigência e respectiva qualificação adjectiva.

Na verdade, importava a concretização quanto ao requisito da ocorrência de uma situação, no caso concreto, de grave ameaça ou violação do direito, liberdade e garantia em causa, que só pudesse – possa – ser reparada através do processo urgente de intimação (cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3.ª ed., Coimbra, 2010, p. 723). Como ensinam aqueles Autores: “Não releva, por isso, a mera invocação genérica de um direito, liberdade ou garantia que tenha assento constitucional; impõe-se a descrição de uma situação factual de ofensa ou preterição do direito fundamental que possa justificar, à partida, ao menos numa análise perfunctória de aparência do direito, que o tribunal venha a condenar a Administração (através de um processo célere e expedito) a adoptar uma conduta (positiva ou negativa) que permita assegurar o exercício desse direito (idem) – neste exacto sentido o recentíssimo acórdão deste TCAS de 16.12.2016, proc. n.º 1453/16.0BELSB, por nós relatado.

De resto o STA decidiu já no ac. de 30.10.2008, proc. no 878/08 que: “O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias é um processo principal e não de um processo cautelar a que só é legitimo recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia cuja protecção seja urgente e que esta não seja possível ou não seja suficiente através da propositura de uma acção administrativa especial associada a um pedido de decretamento da correspondente providência cautelar” [sublinhado e carregado nosso]. Tal como aí se disse em posição que importa evidenciar: “(…) sem a urgência e sem a indispensabilidade desta decisão, o meio mais adequado para os referidos efeitos será a propositura de uma acção administrativa, comum ou especial, visto ela ser o meio normal de defesa contra os actos administrativos ilegais”.

Ou seja, só quando, no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela judiciária não se mostra possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia invocado é que deve entrar em cena o processo de intimação.

Como salienta Vieira de Andrade a propósito do requisito da parte final do n.º 1 do artigo 109.º do CPTA (cfr. A Justiça Administrativa (Lições), 7.ª ed., Coimbra, 2005, p. 263): “em rigor, a expressão legal quer mostrar o carácter excepcional da intimação, confirmando a remissão para a acção normal (não urgente) daqueles casos em que, estando embora em causa o exercício de um direito, liberdade e garantia, a decisão de fundo não seja urgente – pois que eventuais perigos de lesão, mesmo que de lesões imediatas e irreversíveis, podem ser resolvidos nesses processos normais através de providências cautelares”[sublinhado nosso].

Neste capítulo, o trecho supra transcrito da sentença recorrida basta para afastar a urgência alegada.

Como afirmado pelo Recorrido: “8) Para além dos meros juízos de prognose quanto às putativas “iminentes lesões” dos seus “direitos fundamentais”, e das aludidas “ameaças de processos disciplinares”, As Recorrentes não concretizam quaisquer situações das quais resulte a indispensabilidade da intervenção do Tribunal por via de uma decisão de mérito urgente e definitiva que houvesse de ser proferida no presente processo; // 9) Não está demonstrada a imprescindibilidade do recurso ao meio processual escolhido, e nem provado, para além da simples alegação, que não seria possível, em tempo útil, o recurso alternativo à ação administrativa, com ou sem intervenção cautelar; // 10) As Requerentes não alegam um único facto concreto que permitisse concluir que os invocados direitos e, bem assim, a reação à hipotética instauração de processos disciplinares, ficariam sem tutela jurisdicional ou amputados de utilidade prática, caso se enveredasse pelo recurso aos meios “normais” de tutela jurisdicional, urgente ou não urgente, por estes serem supostamente insuficientes para assegurar o exercício em tempo útil dos direitos e interesses invocados”.

Razão pela qual o tribunal a quo ajuizou devidamente acerca da falta da demonstração da indispensabilidade da emissão urgente de uma decisão de fundo tendo em vista a protecção de um direito, liberdade ou garantia, negaria provimento ao recurso nessa parte.

De modo a justificar a efectiva necessidade da tutela judicial usada para ver assegurado o seu direito, cabia às ora Recorrentes demonstrar que a sua situação carecia de protecção imediata e que não podia ser assegurada, devidamente, em tempo útil pelo recurso a um outro meio processual. O que não foi feito.

Pelo que, em síntese, não vindo demonstrada a apontada imprescindibilidade, terá que concluir-se que não pode dar-se por verificado que a situação em presença reivindique uma urgência tal que seja merecedora de uma tutela que imponha a necessidade da célere emissão de uma decisão de mérito e que o art. 109.º, n.º 1, do CPTA exige. O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, como já se disse anteriormente, não se basta com a circunstância de a tutela do direito fundamental exigir a prática de um acto administrativo ilegalmente recusado ou omitido, pois que terá que ser preenchido, para além de outros, o pressuposto da urgência de que depende a sua utilização.

Neste particular, salientamos as palavras de Mário Aroso de Almeida e Carlos Cadilha (ob. cit. p. 726): “Com efeito, importa ter presente que o normal e desejável é que os processos se desenrolem nos moldes considerados mais adequados ao cabal esclarecimento das questões, o que exige tempo, o tempo necessário à produção da prova e ao exercício do contraditório entre as partes. Não é, por isso, aconselhável abusar dos processos urgentes, em que a celeridade é necessariamente obtida através do sacrifício, em maior ou menor grau, de outros valores, que, quando ponderosas razões de urgência não o exijam, não devem ser postergados”.

E como já se concluiu neste TCAS em situações em que estava também em causa a discussão do pressuposto da urgência na tomada de uma decisão de mérito, a utilização da intimação para a protecção de direitos, liberdades e garantias só é admissível quando a emissão urgente de uma decisão de fundo do processo seja indispensável para a protecção de um direito, liberdade ou garantia, por não ser possível em tempo útil o recurso a um outro meio processual. Situação que os autos não permitem revelar.

Assim, há que aplicar a doutrina acolhida no acórdão deste TCAS de 27.05.2010, proc. n.º 6231/10. No citado aresto exarou-se, ao que aqui importa, o seguinte discurso fundamentador:

Como escreve Isabel Celeste M. Fonseca (in “Dos Novos Processos Urgentes no Contencioso Administrativo”, 2004, pág. 77), «a intimação será absolutamente necessária quando não puder ser dispensada, ou seja quando, para proteger direitos fundamentais, a intensidade da necessidade de protecção imediata impeça, por não ser possível em tempo útil, o recurso a um outro meio processual (por exemplo a acção administrativa comum) que seria o meio adequado ou o meio próprio para resolver definitivamente a questão existente».

Assim, a utilização deste meio processual só é admissível “quando a emissão urgente de uma decisão de fundo do processo seja indispensável para protecção de um direito, liberdade ou garantia e não seja possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar (art. 109º.), obviamente no âmbito de uma acção administrativa normal, seja comum ou especial” (cfr. J.C. Vieira de Andrade, ob. cit., pág. 259).

(…)

A falta do referido pressuposto de admissibilidade da intimação consubstancia, na nossa perspectiva, uma excepção dilatória inominada de inadequação do meio processual (cfr. Acórdão deste Tribunal de 16/2/2005, de que foi relator o mesmo dos presentes autos) que tem como consequência a absolvição da instância do ora recorrido.

No entanto, a actual redacção do CPTA, concretamente o seu art. 110.º-A, não consente o entendimento segundo o qual a procedência da excepção mencionada tem como consequência imediata a absolvição da instância do ora Recorrente.

Com efeito, estipula o novel artigo 110.º-A, sob a epígrafe “substituição da petição e decretamento provisório de providência cautelar”:

1 - Quando verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.

2 - Quando, na hipótese prevista no número anterior, seja de reconhecer que existe uma situação de especial urgência que o justifique, o juiz deve, no mesmo despacho liminar, e sem quaisquer outras formalidades ou diligências, decretar provisoriamente a providência cautelar que julgue adequada, sendo, nesse caso, aplicável o disposto no artigo 131.º

3 - Na hipótese prevista no número anterior, o decretamento provisório caduca se, no prazo de cinco dias, o autor não tiver requerido a adoção de providência cautelar, segundo o disposto no n.º 1.

Como referem João Caupers e Vera Eiró é agora conferido ao juiz o dever de “notificar o autor para alterar a apetição inicial, substituindo-a por um requerimento cautelar e de, em situações excepcionais, decretar provisoriamente a providência cautelar que considerar adequada ao caso” (cfr. Introdução ao Direito Administrativo, 12.ª ed., 2016, p. 495).

A este propósito ensina Mário Aroso de Almeida (cfr. Manual de Processo Administrativo, 2.ª ed., 2016, p. 142-143): “Já na hipótese de o juiz entender que não estava preenchido o pressuposto de que depende a utilização desta intimação porque, nas circunstâncias do caso, era suficiente a utilização de uma forma de processo não-urgente, acompanhada da adopção de uma providência cautelar, e nem se sequer se preenchiam os pressupostos de, nos termos do artigo 131.º, dependia o decretamento provisório das providências cautelares, o juiz não concederia, naturalmente esse decretamento provisório, mas não deveria deixar de promover a convolação do processo de intimação num processo cautelar, convidando, para o efeito, o autor a substituir o requerimento da intimação que tinha apresentado pelo requerimento cautelar necessário para desencadear um processo cautelar.

Ora, é este o regime que, na revisão de 2015, foi consagrado no novo artigo 110.º-A”.

Por outro lado a convolação a operar no caso, não deverá efectuar-se oficiosamente, desde logo por a mesma carecer de requisitos distintos relativamente ao meio processual em uso, para além de falecer, como se viu o referido pressuposto de urgência qualificada. Como refere Joana de Sousa Loureiro, em explicitação do novo regime, “o novo CPTA não procedeu à consagração da convolação «tout court» da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar, uma vez que, em bom rigor, o que a lei prevê é a substituição de pedidos e não (verdadeiramente) a convolação de processos (…). Com efeito, na situação contemplada no número 1 do art. 110.º-A, o juiz não determina oficiosamente a convolação do processo de intimação em providência cautelar, limitando-se a proferir despacho que fixe prazo para o autor reformular o seu pedido no sentido da adoção de uma providência cautelar. Já no n.º 2 do mesmo artigo prevê-se a convolação de forma oficiosa quando exista «uma situação de especial urgência que o justifique», todavia o n.º 3 volta a condicionar tal convolação à apresentação de requerimento de adoção de providência cautelar pelo autor, no prazo de cinco dias, findos os quais a convolação (leia-se, a providência) caducará´” (cfr. Processo de intimação …, in Comentários à Revisão do ETAF e do CPTA, coord. Carla Amado Gomes, Ana Fernanda Neves e Tiago Serrão, p. 529 e s., p. 553).

Neste ponto, portanto, não podemos concordar com a conclusão tirada na sentença recorrida acerca da impossibilidade de convolação. Esta deverá ser revogada, determinando-se a baixa do processo para ser promovida a convolação da intimação numa providência cautelar, considerando, designadamente, o pedido atinente ao exercício das funções próprias do conteúdo funcional de Enfermeiro, da categoria de Enfermeiro, excluindo os cuidados especializados de enfermagem para os quais deixam de estar habilitados.

De resto, essa convolação vem subsidiariamente peticionada no recurso interposto (conclusões Q) e 19.º dos recursos respectivos), sendo que o despacho liminar proferido a isso não obsta.

Nada mais cumpre apreciar, considerando as questões suscitadas no recursos interpostos e que delimitam o mesmo.

Razões pelas quais, na procedência das conclusões de recurso nesta parte, tem a sentença recorrida que ser revogada na parte correspondente. Para o que devem os autos baixar ao tribunal a quo a fim de ser dado cumprimento ao disposto no art. 110.º-A, n.º 1, do CPTA, proferindo o Mmo. Juiz a quo despacho em conformidade.



III. Conclusões

Sumariando:

i) Apenas quando se afigurar ser manifesta ou evidente a falta dos pressupostos processuais, onde se inclui a propriedade ou adequação do meio processual, se imporá ao juiz decidir sobre a matéria na fase do controlo liminar, pois caso contrário apenas no momento em que o processo já reúne todos os elementos estará o julgador apto a decidir.

ii) Neste mesmo sentido estabelece o legislador, no n.º 1 do artigo 590.º do CPC, no tocante ao despacho liminar, ao prever que a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, excepções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente (caso em que beneficiará do regime previsto no artigo 560.º do CPC).

iii) Não tendo o julgador expressamente emitido pronúncia, e assim decidido, sobre a matéria da subsidiariedade do meio processual no despacho de admissão liminar, não se pode falar sequer em decisão que produza os efeitos de caso julgado.

iv) O processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, previsto no artigo 109.º do CPTA, destina-se a cobrir situações que exigem um especial amparo jurisdicional, por não se mostrar adequada, por impossibilidade ou insuficiência, a protecção jurídica que os demais meios urgentes conferem.

v) Só é legítimo a ele recorrer quando esteja em causa a lesão, ou a ameaça de lesão, de um direito, liberdade ou garantia (ou de um direito fundamental de natureza análoga) cuja protecção seja urgente.

vi) Não se verificando a situação de especial urgência subjacente à necessidade da referida intimação, ónus de demonstração que impende sobre o requerente da intimação, falta um seu pressuposto de admissibilidade o que, de acordo com o novo artigo 110.º-A, n.º 1, do CPTA, não determina a absolvição da instância mas antes impõe ao tribunal que convite o autor a substituir o pedido, para o efeito de requerer a adopção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em conceder parcial provimento aos recursos e revogar a sentença recorrida na parte em que decidiu não ser possível a convolação dos presentes autos de intimação para uns de processo cautelar, determinando a baixa dos autos ao tribunal a quo a fim de ser proferido despacho nos termos e para efeitos do disposto no art. 110.º-A, n.º 1, do CPTA.

Sem custas (art. 4.º, n.º 2, al. b), do RCP).

Lisboa, 19 de Abril de 2018



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Pedro Marchão Marques (por vencimento)


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Ana Celeste Carvalho

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Maria Helena Canelas

VOTO DE VENCIDA



Com o devido respeito pela posição que obteve vencimento de causa, salvo a questão suscitada de violação do caso julgado, decidiria de forma substancialmente distinta as várias e diferenciadas questões objecto dos recursos interpostos, os quais têm por objecto, quer questões processuais, quer incidentes sobre o mérito das pretensões, nos termos em que se passará a explicitar.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, ora aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, recai sobre o Juiz decidir todas e cada uma das questões suscitadas em recurso, salvo aquelas cujo conhecimento fique prejudicado em face de decisão anterior.

Acresce não ser arbitrária a ordem de conhecimento das questões submetidas a recurso, devendo primeiro conhecer-se das nulidades, nos termos elencados nas várias alíneas do disposto no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA e só depois as demais questões suscitadas, relativas aos pressupostos processuais ou sobre o mérito da causa ou do recurso, conforme previsto no n.º 1 do artigo 608.º do CPC.

Em primeiro lugar, discordo que no presente caso se remeta para o disposto no n.º 6 do artigo 663.º do CPC no tocante à matéria de facto relevante para a decisão a proferir, porquanto nenhuma matéria de facto foi seleccionada na decisão sob recurso para que o Tribunal ad quem determine a aplicação do citado preceito legal, com isso visando remeter para matéria de facto que na verdade não existe, por não existir qualquer julgamento de facto.

Em segundo lugar, discordo da ordem de conhecimento das questões, pois tal como alegado pelos Recorrentes nas suas alegações de recurso, primeiro há que conhecer e decidir as nulidades decisórias, in casu, a nulidade por falta de fundamentos de facto, nos termos do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e, depois, a nulidade por omissão de pronúncia, segundo a alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC e, só depois conhecer dos demais fundamentos do recurso, de entre os quais a alegada nulidade da sentença por violação do caso julgado. Nesse mesmo sentido aponta o disposto no n.º 4 do artigo 89.º do CPTA ao enunciar as exceções dilatórias, em que o conhecimento das nulidades e dos pressupostos processuais da ilegitimidade das partes precede a questão do caso julgado (cfr. alíneas b), e) e l) do citado n.º 4 do artigo 89.º do CPTA).

Em terceiro lugar, discordo da decisão de improcedência de cada um dos fundamentos de nulidade invocados.

Em ambos os recursos interpostos mostra-se invocada a nulidade por falta de fundamentos de facto, por a decisão de recurso ter omitido esse julgamento, o que se considera que não pode deixar de se integrar no âmbito do disposto na alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, conduzindo à nulidade da sentença, como infra se explicitará. Em consequência, impõe-se ao Tribunal de recurso, nos termos do disposto no artigo 149.º do CPTA, em substituição, proceder a esse julgamento de facto, procedendo à selecção da matéria de facto sobre que recairá o julgamento de direito. Por isso, se procedeu a esse julgamento, fixando os factos relevantes para a decisão da causa.

Do mesmo modo, divergindo quanto à ordem de conhecimento dos fundamentos dos recursos, conhecendo primeiro das nulidades e só depois das demais causas de invalidade da sentença, julgaria procedente a nulidade, por omissão de pronúncia, pois tendo sido suscitadas várias exceções dilatórias na contestação, não só não existiu o seu conhecimento, como o seu conhecimento pelo Tribunal não é arbitrário, antes obedece a uma ordem lógica e de precedência de conhecimento. Não poderia, por isso, o Tribunal seleccionar as exceções que conhece em primeiro lugar, com isso deixando de conhecer algumas das questões suscitadas, sob pena de omitir o conhecimento de questões sobre que lhe recai o dever de decidir. De resto, a matéria de exceção suscitada na contestação, não tendo sido decidida na sentença sob recurso, escapa também a decisão neste Tribunal de recurso, nos termos do acórdão que faz vencimento, sendo indubitável que essa matéria precede o conhecimento de questões sobre as quais vem a decidir.

Por isso, discordo em toda a linha do julgamento do acórdão que faz vencimento, quer sobre o enquadramento das nulidades da sentença, quer da decisão proferida sobre tais nulidades.

Em consequência, em quarto lugar, conheceria da matéria de exceção invocada na contestação cujo conhecimento foi omitido na sentença recorrida pelo Tribunal a quo, a saber: (i) a ilegitimidade ativa da Autoras Enfermeiras, (ii) a ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros e (iii) a ilegitimidade passiva do Ministério da Saúde.

Só depois de decididas tais exceções dilatórias a respeito da legitimidade das partes, passaria a conhecer da questão relativa à violação do caso julgado e, depois, da propriedade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias. De resto, se assim não fosse, não poderia o Tribunal a quo e ad quem, conhecer de tais questões.

Em quinto lugar, divirjo da posição que fez vencimento no tocante à questão da propriedade ou adequação do meio processual da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, julgando tal meio processual próprio para tutelar os direitos concretamente invocados em juízo, com os fundamentos que infra são apresentados. Por isso, decidiria do mérito do litígio, conhecendo e decidindo sobre cada uma das pretensões deduzidas em juízo.

Tal determina que, em consequência, em sexto lugar, igualmente se divirja quanto ao decidido em relação à convolação da presente intimação em providência cautelar e à baixa dos autos ao Tribunal recorrido, para julgar a causa como se de uma providência cautelar, nada obstando que o Tribunal de recurso conheça do mérito do pedido.

Assim, a única questão sobre a qual o acórdão que faz vencimento acolhe aquela que é a nossa posição, respeita à questão de saber se após a prolação de despacho de admissão liminar da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, pode o juiz vir a proferir decisão de absolvição da instância, por procedência da exceção de impropriedade do meio processual e se essa posterior decisão viola o caso julgado formal formado pelo despacho liminar, a qual, pela sua novidade, não tendo sido antes objecto de pronúncia pelos Tribunais Superiores e pela sua importância, foi por nós extensamente analisada, como de resto resulta do ponto 5 do projecto de acórdão, que infra se reproduz e para o qual se remete.

Nestes termos, de forma a melhor fundamentar as posições que ora se assumem no presente voto de vencida e do que havia sido assumido no projecto de acórdão submetido a discussão, passo a reproduzir o entendimento sobre cada um dos fundamentos dos recursos jurisdicionais interpostos.

Termos em que, se reproduz o nosso projecto de acordão, na parte considerada relevante:




II. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR

Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pelas Recorrentes, sendo certo que o objeto dos recursos se acha delimitado pelas conclusões das respetivas alegações, nos termos dos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, 2 e 3, todos do CPC ex vi artigo 140.º do CPTA, não sendo lícito ao Tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso.

As questões suscitadas resumem-se, em suma, em decidir se a decisão judicial recorrida enferma dos seguintes vícios, em relação a cada um dos recursos:

A. Recurso da Ordem dos Enfermeiros e Ana .....:

1. Nulidade da sentença, por violação do caso julgado formal, falta de fundamentação de facto e falta de pronúncia sobre questões que deveria ter apreciado, nos termos do artigo 607.º, n.ºs 2 a 4, conjugado com o artigo 615.º, n.º 1, b) e d) do CPC;

2. Erro de julgamento de direito quanto à questão da subsidiariedade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias;

3. Erro de julgamento por não convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar.

B. Recurso de Lisete .....:

1. Inconstitucionalidade, por violação do artigo 20.º da Constituição;

2. Nulidade da sentença, por violação do caso julgado formal e falta de fundamentação de facto, nos termos dos artigos 607.º, n.ºs 2 e 4 e 615.º, n.º 1, b) do CPC;

3. Erro de julgamento no tocante à questão da subsidiariedade da presente intimação;

4. Erro de julgamento por não convolação da intimação em providência cautelar e a remessa dos autos ao Tribunal recorrido.

Oficiosamente, suscita este Tribunal ad quem novo fundamento para a nulidade da sentença, nos termos da alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC.

III. FUNDAMENTOS

DE FACTO

O Tribunal a quo não fixou quaisquer factos.

DE DIREITO

Importa entrar na análise dos fundamentos dos recursos jurisdicionais interpostos pelas Recorrentes, os quais serão analisados em conjunto, sempre que coincidam entre si.

Antes, porém, considerando a ausência de fundamentos de facto da sentença recorrida, impõe-se proceder a um enquadramento fáctico-jurídico do litígio em presença, segundo a configuração que dele é feita pelas Autoras.

Nos presentes autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, instaurada pela Ordem dos Enfermeiros e a Autora, Enfermeira, sendo Interveniente outra Enfermeira, contra o Ministério da Saúde, é pedido: (i) a revogação da homologação do Parecer n.º 18/2017, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e (ii) o reconhecimento da Enfermeira Autora e de todos os restantes Enfermeiros nas mesmas condições, a exercer as funções para os quais foram contratados e pelas quais são remunerados, e o direito a suspender o seu título de Enfermeiro Especialista.

Alegam, em súmula, que a carreira de enfermagem era regulada pelo D.L. n.º 437/91, de 08/11, que previa na respectiva carreira a categoria de Enfermeiro Especialista, à qual estava associado o respectivo escalão e índice remuneratórios.

Com a entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27/01, foi criada a carreira especial de enfermagem, através do D.L. n.º 248/2009, de 22/09, que se estrutura numa dupla categoria, mas mantendo uma dualidade de conteúdos funcionais, alguns dos quais previstos caber aos enfermeiros detentores do título de Enfermeiro Especialista – cfr. n.º 2 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009.

Porém, alegam que essa diferenciação não foi refletida na remuneração.

Invocam que a Ordem dos Enfermeiros, a quem legalmente cabe regular o acesso e o exercício da profissão, atribuiu e reconhece diversos títulos de Enfermeiro Especialista, mantendo-se em vigor diversos Regulamentos, publicados em Diário da República, sobre as competências dos Enfermeiros Especialistas.

A solicitação da Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, o Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros aprovou o Parecer CJ 54/2017, sobre o “Exercício Profissional dos Enfermeiros Especialistas”.

Posteriormente, veio a ocorrer uma audiência com o Ministro da Saúde sobre a falta de reconhecimento em termos de carreira e de remuneração dos cuidados de enfermagem prestados por enfermeiros com o título de Enfermeiro Especialista.

Depois de os enfermeiros alertarem os Conselhos de Administração dos Centros Hospitalares em que exercem funções e o Ministro da Saúde, assim como pedirem a regularização da situação em causa, não obtendo resposta, informaram que a partir do final do mês de julho de 2017 passariam a desempenhar apenas cuidados de enfermagem gerais, de acordo com o conteúdo contratual estabelecido no contrato de trabalho.

Nesse sentido, foram remetidos inúmeros ofícios para os diversos Centros Hospitalares do país, mas sem que tivessem sido obtidas respostas.

Em face desta tomada de posição pelos Enfermeiros Especialistas o Ministério da Saúde solicitou um Parecer à Procuradoria-Geral da República (PGR), o qual foi votado no Conselho Consultivo da PGR, em 19/07/2017, e homologado pelo Secretário de Estado da Saúde, em 20/07/2017.

Não concordando com o teor do citado Parecer da PGR, designadamente, com a possibilidade de responsabilidade disciplinar dos enfermeiros com o título de especialista que se recusem no posto de trabalho a exercer as funções incluídas no conteúdo funcional, vêm as ora Recorrentes pedir a revogação do despacho de homologação desse parecer.

Todos os enfermeiros anunciaram que iriam apenas exercer as funções para as quais haviam sido contratados e são remunerados, prestando apenas cuidados de enfermagem gerais, tendo começado a ser ameaçados com a instauração de processos disciplinares.

No caso da Enfermeira Autora, requereu junto do Conselho Diretivo Regional da Secção Regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros a suspensão do seu título de Enfermeira Especialista, o que foi deferido, pelo que a partir de 12/09/2017 não pode mais prestar cuidados de enfermagem especializados.

Sustentam que na sequência da homologação do parecer da PGR, a Enfermeira Autora teme pela iminente lesão dos seus direitos fundamentais de apenas exercer plenamente as funções para as quais foi contratada e pelas quais é remunerada, prestando cuidados de enfermagem gerais, e de decidir suspender o seu título de Enfermeiro Especialista, em cumprimento do princípio constitucional de “a trabalho igual salário igual”, previsto no artigo 59.º da Constituição e do artigo 23.º, n.º 1 do Código do Trabalho.

Também a Ordem dos Enfermeiros teme pela lesão dos direitos fundamentais de todos os enfermeiros que se encontram em situações semelhantes à da Enfermeira Autora, atentas as ameaças de processos disciplinares caso os mesmos decidam suspender o título de enfermeiro especialista e caso decidam exercer plenamente as funções para os quais foram contratados e pelos quais são remunerados, prestando cuidados de enfermagem gerais.

Invocam a ameaça de lesão ao direito da Enfermeira Autora e de todos os enfermeiros que se encontram na mesma situação, de exercerem a sua profissão, de acordo com a regulação aprovada pela respetiva Ordem profissional.

A Enfermeira Autora está a defender o seu direito fundamental e a Ordem dos Enfermeiros está a defender o direito fundamental dos seus membros, de exercerem as suas funções de acordo com a regulação da sua profissão, sem serem sujeitos a processos disciplinares ou a faltas justificadas.

Alegam a ameaça de lesão do direito fundamental da Enfermeira Autora e dos enfermeiros, no âmbito do seu exercício profissional, atenta a ameaça de abertura de processos disciplinares, cuja protecção é urgente e para a qual é indispensável a emissão de uma decisão de mérito que imponha ao Ministério da Saúde a adoção de uma conduta positiva para assegurar o exercício daquele direito.

Sustentam que o que está em causa não é uma diferenciação remuneratória apenas porque se detém o título de Enfermeiro Especialista, mas porque se exercem funções para as quais, nos termos da lei, é condição a detenção de um título de enfermeiro especialista, ocorrendo uma situação de trabalho de valor desigual.

Assim, invocam a iminente lesão do seu direito fundamental de apenas exercerem as funções para os quais foram contratados e pelos quais são remunerados, em igualdade com os restantes enfermeiros e em respeito pelo princípio “a trabalho igual, salário igual”, sendo a presente intimação indispensável para assegurar o exercício em tempo útil desse direito fundamental, não sendo possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, estando o exercício do seu direito posto em causa pelas faltas injustificadas e pela abertura de processos disciplinares.

Efetuado o enquadramento fáctico-jurídico do litígio em presença, nos termos que resultam da alegação constante da petição inicial da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, importa atender à tramitação da causa que foi seguida no Tribunal a quo, o que se afigura relevante para decidir dos fundamentos dos recursos.

Tendo sido proferido despacho de admissão liminar e citada a Entidade Demandada, que deduziu contestação, assim como admitida a Interveniente nos autos, veio a ser proferida sentença, que julgou procedente a exceção de falta de subsidiariedade da presente intimação, absolvendo a Entidade Demandada da instância, mais julgando ter sido ultrapassado o momento processual para a convolação da presente intimação em processo cautelar.

Importa decidir.

1. Nulidade da sentença, por violação do caso julgado formal, por falta de fundamentação de facto e por falta de pronúncia sobre questões que deveria ter apreciado, nos termos do artigo 607.º, n.ºs 2 a 4, conjugado com o artigo 615.º, n.º 1, b) e d) do CPC

Sustentam as Autoras, Ordem dos Enfermeiros, Ana ..... e a Interveniente Lisete ....., na sua alegação de recurso, a nulidade da decisão recorrida, nos termos dos artigos 607.º, n.ºs 2 a 4 e 615.º, n.º 1, b) e d), do CPC.

Defendem que a sentença recorrida (i) violou o caso julgado formal do despacho liminar proferido em 18/09/2017, mediante o qual se decidiu admitir a presente intimação, (ii) não discrimina os factos que considera provados e (iii) que ocorre a falta de pronúncia sobre questões que deveria ter apreciado.

Invocam que após a apresentação do requerimento de intimação, o Tribunal a quo proferiu despacho de admissão liminar da intimação e determinou a citação do Demandado para contestar, tendo tal despacho transitado em julgado, assumindo caso julgado formal, não podendo agora ser posto em causa pela conclusão de que a exceção invocada pelo Demandado é procedente.

Assim, tendo o Tribunal admitido a presente intimação, não poderia vir a determinar a absolvição da instância do Demandado com fundamento na “falta de subsidiariedade da presente intimação”, por violar o caso julgado.

Mas também alegam que não poderia o Tribunal ter proferido sentença sem proceder à discriminação dos factos que considera provados e não provados.

A que acresce a falta de conhecimento das questões que o próprio Tribunal enunciou como questões a decidir.

Concluem que a sentença violou o artigo 607.º, n.ºs 2 a 4, pois não discriminou os factos, além de não solucionar as questões que enunciou, incorrendo nas nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, als. b) e d) do CPC.

Vejamos.

A sentença, enquanto decisão judicial, pode padecer de vícios de duas ordens, os quais obstam à sua eficácia ou validade:

i) pode ter errado no julgamento dos factos e do direito, sendo a consequência a da sua revogação (erro de julgamento de facto ou de direito);

ii) como ato jurisdicional, pode ter violado as regras próprias da sua elaboração ou contra o conteúdo e limites do poder à sombra da qual é emanada, tornando-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615.º do CPC.

O n.º 1 do artigo 615.º do CPC, igualmente aplicável ao processo administrativo, prevê as causas de nulidade da sentença.

As Recorrentes reconduzem as nulidades invocadas ao disposto nas alíneas b) e d) do disposto no n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a que se associa o Tribunal ao suscitar novo fundamento para a causa de nulidade da sentença, nos termos da alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC.

Em causa está a falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão [alínea b)] e não ter tomado conhecimento de questões que devia tomar conhecimento [alínea d)], que importa conhecer.

1.1. Estabelece o disposto no artigo 607.º do CPC, aplicável ao processo administrativo por força do artigo 1.º do CPTA, a estrutura formal da sentença, prevendo os seus requisitos, no sentido de dever contemplar, de entre o mais, o julgamento da matéria de facto, “devendo o juiz discriminar os factos que considera provados” (n.º 3 do artigo 607.º do CPC) e declarar “quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas…” (n.º 4 do artigo 607.º do CPC).

Para que a sentença padeça do vício que consubstancia a nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC, é necessário que a falta de fundamentação seja absoluta, não bastando que a justificação da decisão se mostre deficiente, incompleta ou não convincente.

Por outras palavras, o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, tanto de facto, como de direito, pois que a simples insuficiência ou incompletude da motivação ou o erro de fundamentação é espécie diferente e podendo afetar o valor da sentença, mediante a sua revogação em recurso jurisdicional, não produz a sua nulidade.

Como decidido pelo STA, no Processo n.º 0237/14, de 10/09/2014, “Sendo a exigência da fundamentação justificada pela necessidade de permitir que as partes conheçam as razões em que se apoiou o veredicto do tribunal a fim de as poderem impugnar e para que o tribunal superior exerça sobre elas a censura que se impuser, só a falta absoluta de motivação é motivo de nulidade da sentença, pois uma exposição medíocre ou insuficiente dos respectivos fundamentos, permitindo descortinar os motivos que a ditaram, sujeita a decisão à possibilidade de ser revogada ou alterada em recurso (cf. Ac. do STA de 27-05-98, Proc. nº. 37068).”.

No caso em apreço ocorre essa total ausência de fundamentação no que respeita aos fundamentos de facto, pelo que não se cumprem os objectivos a que esta se destinava.

A decisão recorrida é totalmente omissa quanto ao julgamento de facto, por não ter procedido à apreciação e à valoração dos factos alegados pelas partes nos respetivos articulados, não tendo procedido à seleção da matéria relevante para a decisão da causa.

Por isso, não existe a selecção dos factos provados e não provados, não tendo sido levados ao probatório quaisquer factos destinados a fundamentar de facto a concreta decisão que veio a ser proferida, independentemente da questão da sua correcção ou do seu acerto.

O Tribunal a quo, para decidir como decidiu, teve de atender à configuração fáctico-jurídica do litígio, nos termos estruturados pelo pedido e pela causa de pedir, importando atender aos factos concretos, relevantes para fundamentar a decisão sob recurso, os quais não foram seleccionados.

Assim, ocorre a invocada omissão da fundamentação de facto da decisão recorrida, o que tem de ser entendido como gerador da sua nulidade.

Termos em que serão de julgar procedentes as conclusões de ambos os recursos, declarando-se a nulidade da decisão recorrida, nos termos da alínea b), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por falta do julgamento da matéria de facto.


*

Em consequência, em substituição do Tribunal a quo, nos termos do disposto no artigo 149.º do CPTA, procede este Tribunal ad quem ao julgamento da matéria de facto relevante para a decisão a proferir.

Com base na prova produzida e constante dos autos, dão-se como provados os seguintes factos:

1. Em 07/04/2007 a Autora, Ana ..... celebrou contrato de trabalho a termo certo com o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E., para o exercício de “funções inerente à categoria profissional de Enfermeiro” – doc. 1, junto com a p.i., a fls. 40 dos autos;

2. Por ofício do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E. dirigido à Autora, Ana ....., foi comunicada a conversão do contrato de trabalho a termo certo em contrato de trabalho por tempo indeterminado – cfr. fls. 42 verso;

3. Segundo o Registo da Ordem dos Enfermeiros, a Autora, Ana ....., exerce funções no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E., ao abrigo de contrato individual de trabalho, desde 17/04/2007, sendo a “Área de Actuação”, “Prestação de Cuidados Gerais” – doc. de fls. 43;

4. Segundo o Registo da Ordem dos Enfermeiros, a Autora, Ana ....., tem o “Título”, de “Enfermeiro” desde 20/07/2005 – doc. de fls. 44;

5. Segundo o Registo da Ordem dos Enfermeiros, a Autora, Ana ....., tem o “Título” de “Especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica” desde 09/11/2011 – doc. de fls. 47;

6. Segundo o “Talão de Vencimento”, emitido pelo Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E., referente à Autora, Ana ....., relativo a janeiro de 2012, a Autora é abonada pela “Categoria” de “Enfermeiro”, pelo “Centro Custo”, “1130101 Obstétricia Inter.” – doc. de fls. 46;

7. Segundo o “Talão de Vencimento”, emitido pelo Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, E.P.E., referente à Autora, Ana ....., relativo a agosto de 2017, a Autora é abonada pela “Categoria” de “Enfermeiro”, pelo “Centro Custo”, “1130101 Obstétricia Inter.” – doc. de fls. 48;

8. Em 06/01/2017 o Plenário do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros aprovou o Parecer CJ 54/2017, “Sobre: Exercício Profissional dos Enfermeiros Especialistas”, “Solicitado por: Bastonária, na sequência de pedido de membro devidamente identificado”, onde se pode ler, em súmula, o seguinte:

1. As questões colocadas:

Tem-se verificado, ao nível das entidades de saúde, que a equivalência remuneratória não corresponde à aquisição de competências adquiridas nem ao estatuto atribuído pela Ordem dos Enfermeiros. Que estas mesmas entidades se recusam em actualizar contratos de enfermeiro generalista para enfermeiro especialista, dado não existir na carreira de Enfermagem essa categoria. Alegam ainda que tendo a Ordem dos Enfermeiros atribuído o título de enfermeiro especialista, a entidade empregadora pode colocar esse enfermeiro a desempenhar essas funções. Tendo o enfermeiro título de especialista atribuído, existe obrigatoriedade de desempenhar funções enquanto enfermeiro especialista, quando o contrato ou a remuneração auferida não está equiparada/actualizada?

2. Fundamentação

As questões colocadas estão intimamente relacionadas com as alterações introduzidas na carreira especial de enfermagem publicadas nos Decretos-Lei n.º 247/2009 e 248/2009, ambos de 22 de Setembro, que a reduziu a apenas duas categorias, enfermeiro e enfermeiro principal.

(…)

A Ordem dos Enfermeiros atribui dois títulos profissionais, o de enfermeiro e o de enfermeiro especialista:

(…)

É competência da Ordem dos Enfermeiros:

- “Atribuir o título profissional de enfermeiro e enfermeiro especialista com emissão da inerente cédula profissional” (Alínea l), do n.º 3 do Artigo 3.º do EOE);

(…)

3. Conclusão

(…)

O enfermeiro, nas organizações de saúde, tem apenas a obrigatoriedade de desempenho de acordo com o conteúdo contratual estabelecido (na carreira de enfermagem e/ou no contrato de trabalho), não pode ser obrigado pela organização à prestação de cuidados de enfermagem especializados quando a sua contratação não é relativa a esse título, independentemente de ser titular de título de enfermeiro especialista reconhecido pela Ordem dos Enfermeiros.

(…)

Devido ao reconhecimento da necessidade de cuidados de enfermagem especializados, por parte das organizações de saúde, estas devem vincular os enfermeiros especialistas, com título atribuído pela Ordem dos Enfermeiros, devendo fazer corresponder a categoria profissional e o respectivo reconhecimento salarial, ao seu título.

O conteúdo funcional correspondente à categoria de Enfermeiro, integrando funções objectivamente diferentes em natureza e qualidade, e eventualmente quantidade viola o princípio constitucional a trabalho igual salário igual e o princípio da igualdade material. (…)” – doc. 7, a fls. 49 e segs. dos autos, para que se remete e se considera reproduzido;

9. O Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros aprovou o Parecer CJ 309/2011, “Sobre: Desempenho de funções de Enfermeira Especialista em ESMO”, “Solicitado por: Digníssima Bastonária, na sequência de pedido de membro …”, onde se pode ler, em súmula, o seguinte:

1. A questão colocada

É questionado sobre se “os enfermeiros que possuem o título de enfermeiro especialista (conferido pela OE) têm obrigatoriamente de desempenhar funções de especialista na sua instituição”.

(…)

3. Conclusão

Numa organização de saúde, o enfermeiro está obrigado ao desempenho conforme ao conteúdo funcional estabelecido – no contrato de trabalho ou na carreira de enfermagem – não podendo ser obrigado a prestar cuidados de enfermagem especializados quando a sua contratação não é relativa a esse título independentemente do facto de ser titular de título de enfermeiro especialista.” – doc. de fls. 52 verso, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

10. Em 06/07/2012 o Plenário do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros aprovou o Parecer CJ 19/2012, “Sobre: Desempenho de funções de Enfermeiro Especialista”, onde se pode ler, em súmula, o seguinte:

1. O problema conhecido

Temos sido questionados por muitos Enfermeiros sobre se “os enfermeiros que possuem o título de enfermeiro especialista, conferido pela Ordem dos Enfermeiros têm obrigatoriamente de desempenhar funções de especialista na sua instituição.

(…)

3. Conclusão

Numa organização de saúde, o enfermeiro está obrigado ao desempenho conforme ao conteúdo contratual estabelecido – no contrato de trabalho ou na carreira de enfermagem – não podendo ser obrigado a prestar cuidados de enfermagem especializados quando a sua contratação não é relativa a esse título, independentemente do facto de ser titular de enfermeiro especialista.

Quem assim não proceder estará em rota de colisão com o estipulado na alínea a) do n.º 2 do artigo 3.º do EOE e sendo membro tem direito a solicitar a intervenção da ordem, nos termos da alínea j) do n.º 2 do artigo 75.º.

Perante a necessidade de cuidados de enfermagem especializados, as organizações de saúde devem afetar os enfermeiros especialistas, com título emitido pela Ordem dos Enfermeiros, devendo fazer corresponder, ao seu contrato de trabalho ou carreira de enfermagem aplicável, o seu título profissional.” – cfr. doc. 53 verso e fls. 54 dos autos, que se considera integralmente reproduzido;

11. Em 06/11/2015 o Plenário do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros aprovou o Parecer CJ 330/2015, “Sobre: Exercício profissional dos enfermeiros com título de enfermeiro especialista – contratação e título profissional”, “Solicitado por: Bastonário…”, onde se pode ler, em súmula, o seguinte:

(…)

III – Conclusão

Perante o exposto, é este Órgão de parecer que o entendimento expresso nos anteriores pareceres emitidos pelo Conselho Jurisdicional quanto ao exercício profissional dos enfermeiros com título de enfermeiro especialista, no que se refere à contratação e título profissional, mantém a sua actualidade.

Sobre essa questão, em síntese, este órgão é de entendimento que:

1. Os títulos profissionais atribuídos pela Ordem dos Enfermeiros… constituem os elementos qualificativos do reconhecimento das competências exigidas para o exercício da profissão de enfermeiro…

2. O desempenho de conteúdo funcional, contratual ou legalmente estabelecido para o exercício da profissão, está condicionado pelo título profissional que o enfermeiro obtenha junto da ordem dos Enfermeiros …;

3. Nos casos em que o conteúdo funcional previsto para determinada categoria profissional compreenda funções para cujo desempenho seja exigido, para determinadas funções, o título de enfermeiro, e quanto a outras, o título de enfermeiro especialista …, é essencial salvaguardar nos instrumentos, designadamente, contratuais da previsão do título profissional que o enfermeiro é detentor e cujas competências que o mesmo atesta são visadas no desempenho profissional.

4. Essa salvaguarda constitui requisito da concreta delimitação da extensão do conteúdo funcional que o enfermeiro pode desempenhar (os enfermeiros contratados como enfermeiros detentores do titulo de enfermeiro apenas podem desempenhar o conteúdo funcional previsto para os enfermeiros e os enfermeiros contratados como enfermeiros detentores do titulo de enfermeiro especialista apenas podem desempenhar o conteúdo funcional reservado a enfermeiros especialistas);

5. Apenas mediante essa salvaguarda são, igualmente, garantidas as condições para uma efetiva regulação do exercício da profissão com consequente segurança na defesa dos interesses dos cidadãos destinatários dos serviços de enfermagem, que à Ordem dos Enfermeiros cabe prosseguir;

6. Assim, nos casos em que as organizações de saúde visem o desenvolvimento de intervenções de enfermagem de determinado domínio de especialização por um enfermeiro, é essencial que sejam salvaguardadas a concretização e a previsão do conteúdo funcional para cujo desenvolvimento o enfermeiro é contratado e seja garantida a correspondência entre esse conteúdo funcional e o título atribuído pela Ordem dos Enfermeiros, que o mesmo seja detentor.” – cfr. doc. de fls. 55 e segs., que se considera integralmente reproduzido;

12. Em 10/04/2015 o Plenário do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros emitiu o Parecer CJ 208/2014, sobre a “Suspensão do Título de Especialista”, que concluiu no sentido de o enfermeiro ser livre de determinar a suspensão ou cancelamento da cédula profissional e que, tomada a decisão de suspender ou cancelar a sua inscrição, o enfermeiro não pode exercer a enfermagem, sendo livre de determinar a suspensão do seu título profissional e que, tomada a decisão de suspender o seu título profissional de enfermeiro não pode exercer na área da sua especialidade – cfr. doc. de fls. 121 verso e segs., para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

13. Em 02/06/2017 foi enviado email dirigido ao Diretor de Serviço de Obstetrícia Ginecologia do CHBV, ao Diretor de Enfermagem do CHBV e à Enfermeira Chefe de Serviço de Obstetrícia Ginecologia do CHBV, divulgando a carta enviada naquele dia para o Conselho de Administração do Centro Hospitalar do Baixo Vouga, ao Ministro da Saúde e à Bastonária da Ordem dos Enfermeiros – cfr. doc. de fls. 57 verso;

14. Na carta a que se refere o número anterior, assinada com 21 assinaturas, com o assunto “Exercício de Funções Especializadas”, pode ler-se o seguinte:

“(…) Os enfermeiros a exercer unções e a assumir responsabilidades na qualidade de Enfermeiros Especialistas de Saúde Materna e Obstétrica (EESMO) no Serviço de Obstetrícia vêm por este meio informar que:

1. Todos os requerentes, (…) prestam cuidados especializados nesta instituição;

(…)

7. (…) por estes motivos anteriormente descritos, iremos desempenhar apenas cuidados de saúde gerais, de acordo com o conteúdo contratual actualmente estabelecido no contrato de trabalho, a partir de 3 de julho de 2017 caso a esta situação não seja regularizada até à data estabelecida.” – cfr. doc. de fls. 58 verso e 59, que se considera integralmente reproduzido;

15. Por email expedido em 05/06/2017 endereçado à Ordem dos Enfermeiros Região Centro, foi dado conhecimento que a partir de 05/07/2017 os enfermeiros a exercer funções na qualidade de enfermeiros especialistas de saúde materna e obstétrica no Serviço de Obstetrícia da ULS Castelo Branco irão desempenhar apenas cuidados de saúde gerais de enfermagem, de acordo com o conteúdo contratual estabelecido no contrato de trabalho, anexando a carta enviada ao Conselho de Administração da ULS de Castelo Branco – doc. de fls. 60 dos autos;

16. A carta enviada ao Conselho de Administração da ULS de Castelo Branco, assinada com 3 assinaturas, informa que a partir de 05/07/2017 apenas serão prestados cuidados de saúde gerais pelos enfermeiros signatários – cfr. doc. de fls. 60 verso e 61;

17. Foram enviadas cartas idênticas às referidas nos números anteriores para a Diretora Executiva do ACES Cávado III – Barcelos/Esposende, em relação a enfermeiros com o título de especialista, em relação a várias especialidades de enfermagem, fixando como data relevante, o dia 03/07/2017 – cfr. docs. de fls. 61 verso e segs.;

18. O mesmo procedimento foi seguido pelos enfermeiros especialistas da Unidade Local de Saúde do Baixo Alentejo, EPE, fixando como data relevante o dia 05/07/2017 – doc. de fls. 66 e segs.;

19. Do mesmo modo agiram os enfermeiros especialistas do Centro Hospitalar do Oeste, fixando a data limite de 05/07/2017 – cfr. doc. de fls. 67 verso e segs.;

20. Também uma enfermeira especialista da ULS Guarda, EPE – Hospital Sousa Martins, aderiu à iniciativa, remetendo carta ao Conselho de Administração – doc. de fls. 69 dos autos;

21. O mesmo procedimento foi seguido pelos enfermeiros especialistas do ACES Alto Ave, fixando como data relevante o dia 03/07/2017 – doc. de fls. 71 e segs.;

22. Do mesmo modo agiram os enfermeiros especialistas do Hospital Sra. da Oliveira – Guimarães, EPE, fixando a data limite de 03/07/2017 – cfr. doc. de fls. 73 e segs.;

23. O mesmo procedimento foi seguido pelas enfermeiras especialistas da ULSAM – Unidade Local de Saúde do Alto Minho, a exercer funções no Hospital de Santa Luzia, em Viana do Castelo, fixando como data relevante o dia 06/07/2017 – doc. de fls. 75 e segs.;

24. Do mesmo modo agiram 15 dos 31 enfermeiros especialistas ESMO do CHLO – Hospital S. Francisco Xavier, fixando a data limite de 31/07/2017 – cfr. doc. de fls. 77 e segs.;

25. Assim mesmo agiram os enfermeiros do Centro Hospitalar Cova da Beira, fixando a data de 12/07/2017 – cfr. fls. 79 verso;

26. Do mesmo modo agiram os enfermeiros especialistas do Hospital de Braga, fixando a data relevante no dia 31/07/2017 – fls. 82 dos autos;

27. Os enfermeiros especialistas do Centro Hospitalar de Leiria, EPE remeteram a carta idêntica à dos números anteriores, fixando a data de 01/08/2017 – doc. de fls. 83;

28. Do mesmo modo agiram os enfermeiros especialistas do Hospital Garcia da Orta, fixando a data em 20/07/2017 – doc. de fls. 85 dos autos;

29. Os enfermeiros do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE agiram do mesmo modo dos colegas anteriores, expedindo carta ao Conselho de Administração, fixando como data relevante o dia 03/07/2017 – doc. de fls. 88 dos autos;

30. A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, em 23/06/2017 remeteu ofício ao Ministro da Saúde onde, de entre o mais, apela à busca de uma solução que permita a regularização da situação dos enfermeiros especialistas – doc. de fls. 91 dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

31. A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, em 03/07/2017 remeteu novo ofício ao Ministro da Saúde onde volta a apelar à busca de uma solução que permita a regularização da situação dos enfermeiros especialistas – doc. de fls. 92 verso dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

32. A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, em 04/07/2017 remeteu novo ofício ao Ministro da Saúde onde volta a apelar à busca de uma solução que permita a regularização da situação dos enfermeiros especialistas, relatando um conjunto de ocorrências que se estão a verificar em várias instituições do Serviço Nacional de Saúde, passadas mais de 24 horas sobre o início do protesto dos enfermeiros especialistas, geradoras de grande preocupação – doc. de fls. 92 verso dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

33. A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, em 07/07/2017 remeteu novo ofício ao Ministro da Saúde onde volta a apelar à busca de uma solução que permita a regularização da situação dos enfermeiros especialistas e denunciando a falta de segurança das pessoas dentro das instituições do SNS – doc. de fls. 95 verso dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

34. A Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, em 18/07/2017 remeteu novo ofício ao Ministro da Saúde onde volta a apelar à busca de uma solução que permita a regularização da situação dos enfermeiros especialistas, relatando novos casos de encerramento de serviços e que estão a ser postos em causa os níveis de segurança na prestação dos cuidados de saúde – doc. de fls. 97 verso dos autos, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

35. A Presidente do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., em final de junho de 2017, emitiu o Ofício Circular 01/2017/URJ/ACSS, dirigido a “Todas as entidades EPE e SPA do SNS”, sobre “Exercício de Funções Especializadas – carreira especial de enfermagem e carreira de enfermagem dos estabelecimentos de saúde integrados no sector empresarial do Estado”, com o seguinte teor, que se extrai, em súmula:

“(…) Apesar desta redução do número de categorias, designadamente a não previsão de uma categoria que se designe, concretamente, de enfermeiro especialista, nem por isso do estatuto legal da carreira especial de enfermagem decorre que o legislador tenha deixado de reconhecer a relevância das competências adquiridas pelos enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista.

Com efeito, se atentarmos ao conteúdo funcional da categoria de enfermeiro, facilmente se poderá concluir que existe uma conjunto de funções, correspondentes à categoria de enfermeiro, cujo desenvolvimento está condicionado à posse do título de enfermeiro especialista. (…)

Por último, no que respeita à posição manifestada pelos enfermeiros que desenvolvem funções especializadas que, (…), manifestam a sua indisponibilidade para continuar a desenvolver essas funções especializadas, convirá realçar que não se compreende em que termos é que tal decisão tem suporte legal.

Com efeito, estando os mesmos integrados numa determinada carreira e detendo, neste caso, a categoria de enfermeiro, compete-lhes em nosso entender desenvolver todo o conteúdo funcional da mencionada categoria, desde que, naturalmente, se encontrem devidamente habilitados para o efeito.

Assim, a indisponibilidade para exercerem a funções especializadas para as quais estão devidamente habilitados, representa, em nosso entender, uma violação da norma jurídica que define, para o que importa, o conteúdo funcional da categoria de enfermeiro, podendo, no limite, representar uma ação que, lesando os interesses de doentes/utentes, tenha de ser, essa sim, apreciada pelo Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, ao qual compete, entre outras “Exercer o poder disciplinar relativamente a todos os membros da ordem”.” – doc. de fls. 98 verso e segs., que se considera integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais;

36. Em sequência da Circular anterior, a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, remeteu um Ofício sob refª SAI-OE/2017/6226, datado de 30/06/2017, sobre “Esclarecimento aos enfermeiros na sequência do Ofício Circular 01/2017/URJ/ACSS”, dirigido aos Enfermeiros, onde de entre o demais, manifesta que “(…) estará ao lado de todos os Enfermeiros na defesa dos seus direitos e atenta a quaisquer eventuais pressões ilegítimas…” – cfr. doc. de fls. 101 verso, para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

37. Em 29/06/2017 o Gabinete do Secretário de Estado da Saúde emitiu uma “Nota à Comunicação Social”, sobre “Enfermeiros/Blocos de Partos”, “Tendo presentes as diversas exposições apresentadas por enfermeiros que exercem funções especializadas em estabelecimentos do Serviço Nacional de Saúde, recusando manter essa prestação a partir do próximo dia 3 de julho (…)” – cfr. fls. 103 dos autos, que se considera integralmente reproduzido;

38. Em 14/08/2017 foi publicado no Diário da república 2.ª Série, n.º 156, o Parecer n.º 18/2017 da Procuradoria-Geral da República, votado na sessão do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de 19/07/2017, com duas declarações de voto, homologado por despacho de 20/07/2017 pela Secretária de Estado da Saúde, onde se concluiu, de entre o mais:

“(…) 10.ª E, face ao conteúdo funcional da categoria de enfermeiro definido legalmente, tem de se considerar que existe uma situação de paridade funcional relativamente aos que a integram, pelo que a não diferenciação remuneratória dos enfermeiros detentores do título de especialista não implica a violação do princípio constitucional de “para trabalho igual salário igual”;

11.ª Só por si, a diferença de habilitações não obriga a diferenciação remuneratórias; (…)” – doc. de fls. 104 verso e segs., para que se remete e se considera integralmente reproduzido;

39. Diversos Conselhos de Administração de Centros Hospitalares E.P.E. do país, emitiram informações e circulares sobre o dever de cumprir e fazer cumprir a legislação, assim como o dever de comunicar as situações anómalas às Chefias, as quais reportarão ao Conselho de Administração, mais elaborando documentos intitulados de “Termo de Recusa de Serviço” – cfr. doc. 22, a fls. 111 e segs. dos autos;

40. Em 28/08/2017 foi remetido email dirigido à Bastonária da Ordem dos Enfermeiros, informando-a dos procedimentos disciplinares movidos aos enfermeiros EESMO signatários do movimento – doc. de fls. 114 verso e segs., para que se remete;

41. Em 04/09/2017 a Presidente do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde, IP, emitiu a Circular Normativa n.º 20/2017/Conselho Diretivo/ACSS, dirigida aos “Serviços Centrais do Ministério da Saúde, Administrações Regionais de Saúde, ACES, Hospitais EPE, Hospitais SPA e ULS”, relativa a “Exercício de funções de enfermeiro especialista”, onde consta, de entre o mais, que a atuação dos enfermeiros configura um incumprimento do contrato, podendo dar origem a faltas injustificadas em virtude da entidade empregadora poder recusar a prestação do trabalho com fundamento na exceção do não cumprimento do contrato, com inerentes consequências em termos de ação disciplinar – doc. de fls. 117 e segs., para que se remete e se considera integralmente reproduzido para todos os efeitos legais;

42. Em sequência, em 05/09/2017 a Bastonária da Ordem dos Enfermeiros emitiu o “Esclarecimento aos Enfermeiros na sequência da Circular Normativa n.º 20/2017/Conselho Diretivo/ACSS”, sob refª SAI-OE/2017/8026, onde de entre o demais, manifesta o apoio aos enfermeiros – doc. de fls. 119 e segs., para que se remete para todos os efeitos;

43. Em 05/09/2017 o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia Espinho, E.P.E. publicou no Boletim Informativo n.º 52, informação relativa ao exercício de funções de enfermeiro-especialista – doc. 27, a fls. 124 dos autos, para que se remete, para todos os efeitos;

44. Em 07/09/2017 a Autora, Ana ....., requereu junto da Ordem dos Enfermeiros a suspensão ou cancelamento do título de enfermeira especialista – doc.de fls. 125 verso;

45. Em 12/09/2017 o Presidente do Conselho Diretivo Regional da Secção Regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros emitiu Declaração de que a ora Autora, Ana ....., está autorizada para o exercício da profissão de Enfermeiro, com o título profissional de Enfermeiro – doc. de fls. 126 verso;

46. Por deliberação do Conselho de Administração do Hospital da Senhora da Oliveira – Guimarães, foi celebrado contrato administrativo de provimento, com início de funções em 01/01/2000, com a ora Interveniente, Lisete ....., como Enfermeiro, nível 1 – doc. de fls. 162 verso;

47. Segundo o clausulado do contrato celebrado com a Interveniente Lisete ....., o exercício de funções a desempenhar respeitam à categoria de Enfermeiro, nível 1, do 1.º escalão – doc. de fls. 163 dos autos;

48. Em janeiro de 2007 a ora Interveniente estava integrada na categoria de “Enfermeiro graduado” – doc. de fls. 164 dos autos;

49. Em julho de 2017 a ora Interveniente era abonada como “Enfermeiro” – doc. de fls. 164 verso;

50. Por ofício de 14/12/2009 da Ordem dos Enfermeiros foi comunicado à Interveniente a atribuição de título de Especialista em Enfermagem de S.M.E. Obstétrica – cfr. fls. 165 verso;

51. Por ofício de 18/05/2009 do Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E., dirigido à ora Interveniente, foi comunicada a situação jurídico-funcional a partir de 01/01/2009, como integrada na carreira de enfermagem, com a categoria de Enfermeiro graduado – doc. de fls. 166 dos autos;

52. A ora Interveniente foi uma das subscritoras do ofício remetido ao Conselho de Administração do Hospital Senhora da Oliveira, EPE, de 02/06/2017 a informar que a partir de 03/07/2017 prestaria apenas cuidados de saúde gerais – doc. de fls. 166 verso e segs.;

53. Em 24/06/2017 foi divulgada a Comunicação Interna referente ao Hospital da Senhora da Oliveira – Guimarães, E.P.E, relativa aos profissionais de enfermagem, onde de entre o demais, se extrai que “(…) verificados os comportamentos descritos, (i) registar as recusas e faltas injustificadas, (ii) instaurar, sendo o caso, os respectivos processos disciplinares, (iii) reportar as recusas e diligências às entidades competentes, designadamente, à tutela, Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, Conselho Deontológico da Ordem dos Enfermeiros e outras consideradas competentes (…)” – doc. de fls. 168 e segs. dos autos, que se considera integralmente reproduzido;

54. A ora Interveniente requereu à Ordem dos Enfermeiros, a suspensão/cancelamento do título de enfermeiro especialista – cfr. doc. de fls. 170;

55. Em 12/09/2017 o Presidente do Conselho Diretivo Regional do Norte da Ordem dos Enfermeiros declarou que a ora Interveniente está habilitada com o título de Enfermeiro – doc. de fls. 170 verso;

56. Em 26/09/2017 foram descontadas 8 faltas injustificadas à ora Autora Interveniente – doc. de fls. 171 dos autos;

57. Nos presentes autos de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, instaurada pela Ordem dos Enfermeiros e a Autora, Enfermeira, em que é Interveniente outra Enfermeira, contra o Ministério da Saúde, pede-se (i) a revogação da homologação do Parecer n.º 18/2017, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e (ii) o reconhecimento da Enfermeira Autora e de todos os restantes Enfermeiros nas mesmas condições, a exercer as funções para os quais foram contratados e pelas quais são remunerados, e o direito a suspender o seu título de Enfermeiro Especialista – cfr. fls. 3 e segs.;

58. Por despacho datado de 18/09/2017 foi admitida liminarmente a presente intimação e ordenada a citação da Entidade Demandada para contestar – fls. 131 dos autos;

59. Apresentada a resposta pelo Ministério da Saúde, nela se defendeu por exceção, invocando a (i) incompetência do tribunal em razão da matéria, (ii) a ilegitimidade ativa das Autoras, (iii) a ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros, (iv) a ilegitimidade passiva quanto ao segundo pedido das Autoras, (v) a impropriedade do meio processual utilizado/falta de requisitos de urgência, e no demais, por impugnação – cfr. fls. 134 e segs. dos autos;

60. Por despacho datado de 27/09/2017 foi ordenada a notificação das Autoras da resposta e para, querendo, se pronunciarem – fls. 154 dos autos;

61. Em 28/11/2017 foi proferida sentença que conheceu das exceções de incompetência do Tribunal, em razão da matéria e da falta de subsidiariedade do meio processual, e julgou procedente a exceção dilatória inominada de falta de subsidiariedade da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, com a absolvição do Ministério da Saúde da instância – cfr. fls. 214 e segs..

Não se consideram provados quaisquer outros factos.


*

Considerando toda a matéria factual ora dada como assente neste Tribunal ad quem, vejamos as questões a decidir.

1.2. Para além da nulidade já conhecida, invocam ainda as Recorrentes a nulidade da decisão sob recurso, com fundamento na alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, que preceitua que a sentença é nula quando “o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

No que respeita à nulidade suscitada, a sentença é nula por o juiz ter deixado de se pronunciar sobre as questões que enunciou e sobre o qual recai o dever de apreciar, in casu, por omissão de pronúncia, por segundo a alegação das Recorrentes, o juiz ter deixado de conhecer das questões que ele próprio enunciou.

Considerando o concreto teor da decisão proferida ora recorrida, que ao conhecer da matéria de exceção, veio a julgar procedente a exceção de falta de subsidiariedade da presente intimação, não ocorre a alegada nulidade por omissão de pronúncia em relação ao mérito do pedido, não tendo o Tribunal a quo deixado de conhecer de questões que devesse conhecer, por ter ficado prejudicado o conhecimento sobre o mérito do pedido, nos termos previstos no disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC.

Concluindo o Tribunal a quo pela procedência de causa obstativa do conhecimento do mérito da causa, por procedência de matéria de exceção, deixou de existir o dever legal de decidir o mérito do pedido, tendo tal decisão ficado prejudicada.

Porém, se assim é no tocante ao mérito do pedido, não deixa a sentença recorrida de enfermar da citada nulidade, por omissão de pronúncia em relação à matéria de exceção suscitada pela Entidade Demandada na contestação, cuja ordem de conhecimento precede em relação à que foi conhecida e julgada pelo Tribunal a quo, relativa à falta da subsidiariedade da presente intimação.

Conforme decorre da matéria assente por este Tribunal de recurso, a Entidade Demandada na contestação invocou um conjunto de exceções, em relação aos quais existe uma ordem lógica e de precedência de conhecimento.

Na contestação foram invocadas as seguintes exceções: (i) incompetência do tribunal em razão da matéria, (ii) ilegitimidade ativa das Autoras, (iii) ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros, (iv) ilegitimidade passiva quanto ao segundo pedido das Autoras e (v) impropriedade do meio processual utilizado/falta de requisitos de urgência.

À face do direito processual civil não é indiferente a ordem pela qual se conhecem as exceções, não assistindo o poder ao julgador de seleccionar ou de escolher quais as exceções que conhece em primeiro lugar, ou sequer a ordem pelas quais as conhece, considerando as finalidades que subjazem ao processo e o concreto meio processual instaurado, no que respeita ao efeito jurídico a extrair da decisão judicial emitida.

Isso mesmo se acha assumido no elenco das exceções dilatórias previstas nas várias alíneas do disposto no n.º 4 do artigo 89.º do CPTA.

No caso dos presentes o Tribunal a quo, conheceu da matéria relativa à incompetência do Tribunal em razão da matéria e passou de imediato a conhecer da execeção de falta de subsidiariedade do meio processual.

Do que resulta dos autos é que esta exceção foi a última das cinco exceções suscitadas na contestação, tendo o Tribunal a quo alterado a ordem pela qual a matéria de exceção foi invocada e deve ser conhecida.

O Tribunal a quo não só não conheceu das demais exceções invocadas, não emitindo sobre elas qualquer pronúncia, como não julgou prejudicado o conhecimento e decisão de qualquer delas, olvidando totalmente a ordem de conhecimento da matéria de exceção e o dever do seu conhecimento, não se verificando no caso qualquer juízo de prejudicialidade.

Considerando a matéria de exceção invocada, não existem dúvidas que depois de conhecida a matéria da incompetência do tribunal, o Tribunal a quo deveria ter conhecido da alegada ilegitimidade das Enfermeiras Autoras e da ilegitimidade da Ordem dos Enfermeiros, assim como da ilegitimidade passiva da Entidade Demandada quanto ao segundo pedido e, só depois, a questão da impropriedade do meio processual e a falta do requisito da urgência.

Só se pode aferir se o meio processual é próprio depois de concluir pela legitimidade dos sujeitos, seja do lado ativo, seja do lado passivo.

Neste sentido, impõe-se concluir pela procedência da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia, em relação às questões de exceção invocadas na contestação que não foram conhecidas, nem em relação às quais foi emitido qualquer juízo de prejudicialidade, o qual, em qualquer caso, não ocorre, considerando a ordem de precedência de conhecimento que entre elas se verifica.

Pelo que, será de julgar procedente a suscitada nulidade da sentença, segundo a alínea d), do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, por falta de conhecimento da matéria de exceção invocada na contestação.


*

As nulidades da sentença, por falta de fundamentos de facto e por omissão de pronúncia, ora verificadas, não podem deixar de se repercutir no desenrolar da presente instância de recurso, considerando que o conhecimento da matéria de exceção precede o do mérito do pedido e que existe uma ordem lógica ou de precedência entre as próprias exceções suscitadas.

Nestes termos, passará o presente Tribunal ad quem, em substituição do Tribunal a quo, a apreciar e decidir a matéria de exceção suscitada na contestação, para, em face do que vier a ser decidido, se conhecer das demais questões suscitadas como fundamento dos recursos, respeitantes à exceção de falta de subsidiariedade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, de falta de convolação da instância e a inconstitucionalidade da sentença, por violação do artigo 20.º da Constituição e, sendo caso disso, do mérito da intimação.

2. Da ilegitimidade ativa das Autoras

Alega a Entidade Demandada na contestação que, embora as Autoras invoquem a sua legitimidade, a mera invocação de interesses hipotéticos ou de eventuais lesões sem o mínimo de adesão à realidade, não são suficientes para assegurar a legitimidade ativa do interessado, face ao artigo 9.º, n.º 1 do CPTA.

Por isso, sustenta que não basta alegar a titularidade da relação material controvertida, tendo as Autoras de fazer prova, ainda que sumária, das lesões causadas pelo ato cuja revogação requerem, assim como do não reconhecimento pelo despacho homologatório dos direitos dos enfermeiros.

Não consta que tenha sido instaurado um processo disciplinar a um Enfermeiro Especialista em virtude do diferendo que opõe coletivamente os enfermeiros especialistas aos seus empregadores.

Também alega não perceber, em que medida o despacho de homologação em causa pode contender com os direitos ou comporte ameaças, atuais ou iminentes ou futuras para os enfermeiros, não sendo concretizadas tais alegações.

Concluem que as Autoras não são parte na relação material controvertida, nem são as destinatárias do ato homologatório posto em crise.

Vejamos se assim é.

Considerando a factualidade que se dá como provada no julgamento da matéria de facto, não tem razão a Entidade Demandada quanto à matéria de exceção suscitada.

Não prevendo o processo de intimação regime próprio em matéria do pressuposto processual de legitimidade, tem aplicação o disposto no artigo 9.º do CPTA no respeitante à legitimidade ativa, segundo o qual o autor é considerado parte legítima quando alegue ser parte na relação material controvertida.

No caso do diferendo em presença encontra-se demonstrado em juízo, que as ora Autoras são Enfermeiras Especialistas, que integraram o protesto coletivo decorrente da falta de reconhecimento do título de Enfermeiro Especialista e da sua falta de repercussão na remuneração auferida, tendo ambas manifestado deixar de realizar cuidados especializados de enfermagem, para passar a realizar apenas cuidados gerais e, em consequência da falta de resposta às suas solicitações, requereram junto da Ordem dos Enfermeiros a suspensão ou cancelamento do título de enfermeiro especialista, passando a ser titulares do título de Enfermeiro.

Mais se encontra demonstrado que pelas suas entidades empregadoras foram registadas faltas injustificadas ao trabalho, assim como que essas faltas foram descontadas na remuneração, na sequência da homologação pelo Ministério da Saúde, do Parecer da Procuradoria-Geral da República e das comunicações transmitidas pela ACSS a todos os hospitais e serviços de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde.

A factualidade descrita permite, inequivocamente, atestar a titularidade das Autoras na relação material controvertida, conferindo-lhes a necessária legitimidade ativa para vir e para estar em juízo.

Ao contrário do sustentado pelo Ministério da Saúde são alegados factos concretos de onde deriva a qualidade de parte das Autoras no litígio em presença, sendo titulares de um interesse direto e pessoal no desfecho da presente lide, designadamente, por se mostrar caracterizada a lesão dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

Às Autoras interessa que não se mantenha na ordem jurídica o ato de homologação do Parecer da Procuradoria-Geral da República, que se pronuncia sobre a injustificação das faltas dadas pelos enfermeiros em protesto, assim como quanto à instauração de procedimentos disciplinares, enquanto responsabilidade funcional pelos danos e prejuízos causados em consequência da omissão da prestação de cuidados de saúde especializados.

Mas independentemente da instauração ou não de procedimentos disciplinares às enfermeiras Autoras, em face da atuação imputável ao Ministério da Saúde, sempre é de reconhecer o interesse pessoal e direto das Autoras no desfecho do presente litígio.

Nestes termos, será de julgar improcedente, por não provada a exceção de ilegitimidade ativa das Autoras, reconhecendo-lhes legitimidade para estar em juízo.

3. Da ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros

Sustenta ainda a Entidade Demandada a ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros, com o argumento de que não estão em causa interesses difusos ou relações jurídicas multipolares que justifiquem a legitimidade da Ordem dos Enfermeiros, por as questões que se colocam resultarem de um conflito individual de trabalho que opõe trabalhador e empregador numa relação de emprego público.

Mais invoca que os Estatutos da Ordem dos Enfermeiros não lhe conferem atribuições para a defesa de interesses colectivos ou individuais dos enfermeiros, nem a representação em juízo destes profissionais quanto aos direitos e deveres que possam estar em causa.

Além de que, invocam que segundo o artigo 267.º, n.º 4 da Constituição, as associações públicas não podem exercer funções próprias das associações sindicais, pelo que, não incumbe à Ordem dos Enfermeiros pugnar judicialmente por matéria de índole salarial, de regimes laborais, nem do desenvolvimento das carreiras dos profissionais nela inscritos.

A legitimidade das pessoas colectivas de direito público, como é o caso da Ordem dos Enfermeiros, encontra-se restringida aos interesses e direitos que estatutariamente lhes cumpre defender.

Conclui que a Ordem dos Enfermeiros carece de legitimidade ativa para intervir em juízo, com o sentido, objeto e pedidos formulados.

Mas sem razão.

Como decorre da factualidade demonstrada em juízo, quase ao longo de de uma década, vários Enfermeiros Especialistas têm-se dirigido à Ordem dos Enfermeiros, colocado diversas questões relacionadas com o exercício de funções gerais e especializadas da carreira de enfermagem, o conteúdo funcional e o título profissional, o que levou a que, por diversas vezes e sob diversos mandatos de bastonários da Ordem dos Enfermeiros, esta ordem profissional se tivesse pronunciado, nos termos dos pareceres emitidos pelo seu Conselho Jurisdicional.

Tal diferendo verifica-se desde as alterações introduzidas na carreira de enfermagem, com a publicação dos Decretos-Lei n.ºs 247/2009 e 248/2009, ambos de 22/09, com a extinção das cinco categorias então existentes e a previsão de apenas duas categorias da carreira de enfermagem, a de Enfermeiro e Enfermeiro Principal, mas mantida a diferenciação ao nível do conteúdo funcional da prestação dos cuidados de enfermagem.

Isso originou que muitos enfermeiros pedissem informações e esclarecimentos à Ordem dos Enfermeiros que, ao longo do tempo, foi emitindo as suas pronúncias.

A própria Ordem dos Enfermeiros encetou contactos ao nível do Ministério da Saúde, quer através de audiência com o Ministro da Saúde, quer através de múltiplos ofícios enviados sobre a questão.

Resulta, por isso, inequivocamente a sua legitimidade no âmbito da relação jurídica procedimental, já que participou ativamente no sentido da resolução do diferendo relacionado com o exercício de funções por enfermeiros com o título de especialistas.

Por outro lado, também do ponto de vista estatutário é conferida legitimidade à Ordem dos Enfermeiros para a defesa dos interesses como aqueles que ora estão em litígio, o que resulta do disposto no artigo 3.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 104/98, de 21/04, no respeitante aos seus “Fins e atribuições”, segundo o qual, para o que ora releva se extrai:

1 - A Ordem tem como desígnio fundamental a defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços de enfermagem e a representação e defesa dos interesses da profissão.

2 - A Ordem tem por fins regular e supervisionar o acesso à profissão de enfermeiro e o seu exercício, aprovar, nos termos da lei, as normas técnicas e deontológicas respetivas, zelar pelo cumprimento das normas legais e regulamentares da profissão e exercer o poder disciplinar sobre os seus membros.

3 - São atribuições da Ordem:

a) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de enfermeiro, promovendo a valorização profissional e científica dos seus membros;

(…)

c) Contribuir, através da elaboração de estudos e formulação de propostas, para a definição da política da saúde;

d) Regular o acesso e o exercício da profissão;

e) Definir o nível de qualificação profissional e regular o exercício profissional;

(…)

i) Atribuir o título profissional de enfermeiro e de enfermeiro especialista com emissão da inerente cédula profissional;

j) Efetuar e manter atualizado o registo de todos os enfermeiros;

k) Proteger o título e a profissão de enfermeiro, promovendo procedimento legal contra quem o ou exerça a profissão ilegalmente;

(…)

m) Participar na elaboração da legislação que diga respeito à profissão de enfermeiro;

(…)

r) Colaborar com as organizações de classe que representam os enfermeiros em matérias de interesse comum, por iniciativa própria ou por iniciativa daquelas organizações;

(…)

u) Quaisquer outras que lhe sejam cometidas por lei.

4 - Incumbe ainda à Ordem representar os enfermeiros junto dos órgãos de soberania e colaborar com o Estado e demais entidades públicas sempre que estejam em causa matérias relacionadas com a prossecução das atribuições da Ordem, designadamente nas ações tendentes ao acesso dos cidadãos aos cuidados de saúde e aos cuidados de enfermagem.

5 - A Ordem está impedida de exercer ou de participar em atividades de natureza sindical ou que se relacionem com a regulação das relações económicas ou profissionais dos seus membros.”.

Considerada a vastidão e a amplitude dos fins e das atribuições conferidos por lei à Ordem dos Enfermeiros, nos termos supra transcritos e seleccionados para o que ora releva, para a questão da legitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros para estar em juízo, nos precisos termos da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, assim como em face da factualidade que resulta demonstrada em juízo, é inequívoca a titularidade desta ordem profissional na relação material controvertida e por via disso, a sua legitimidade ativa para estar em juízo.

A lei atribui à Ordem dos Enfermeiros não a defesa de direitos ou interesses individuais dos enfermeiros, considerados individualmente, mas dos enfermeiros enquanto classe profissional e decorrente de globalmente integrarem uma carreira especial, a carreira de enfermagem.

Segundo o artigo 3.º dos seus Estatutos, à Ordem dos Enfermeiros interessa pugnar pela “defesa dos interesses gerais dos destinatários dos serviços de enfermagem e a representação e defesa dos interesses da profissão” (n.º 1), assim como “regular e supervisionar o acesso à profissão de enfermeiro e o seu exercício, (…)” (n.º 2), para além, de “a) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de enfermeiro, promovendo a valorização profissional (…); e) Definir o nível de qualificação profissional e regular o exercício profissional; i) Atribuir o título profissional de enfermeiro e de enfermeiro especialista com emissão da inerente cédula profissional; k) Proteger o título e a profissão de enfermeiro, (…), m) Participar na elaboração da legislação que diga respeito à profissão de enfermeiro e r) Colaborar com as organizações de classe que representam os enfermeiros em matérias de interesse comum, por iniciativa própria ou por iniciativa daquelas organizações; (n.º 3) (sublinhados nossos).

Por outro lado é de recusar que a Ordem dos Enfermeiros tenha agido como se de uma associação sindical se tratasse, pois em nenhum momento se relacionou com qualquer organização de saúde empregadora dos enfermeiros em protesto, no respeitante à relação jurídica laboral estabelecida entre serviços de saúde e enfermeiros, mas apenas junto dos enfermeiros seus membros e do Ministério da Saúde, a quem cabe a definição nacional da política da saúde.

Todo o que antecede, devidamente alicerçado na matéria de facto e em normativos de direito, permite formular o juízo de improcedência da exceção de ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros para estar em juízo, nos termos em que foi instaurada a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

Nestes termos, será de negar procedência à exceção de ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros, reconhecendo-se a sua legitimidade para estar em juízo.

4. Da ilegitimidade passiva do Ministério da Saúde em relação ao segundo pedido

Nos termos alegados na contestação, o Ministério da Saúde como Entidade Demandada carece de legitimidade passiva para estar em juízo a defender-se do segundo pedido que foi deduzido em juízo.

Neste segundo pedido as Autoras pedem que seja reconhecido o direito fundamental de os enfermeiros exercerem as funções para os quais foram contratados e pelos quais são remunerados, assim como o direito a suspender o título de especialista, mas sustenta a Entidade Demandada que o direito que se pretende invocar situa-se no contexto de uma relação de trabalho subordinado, cujo empregador é no caso da Autora, o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, EPE e no caso da Interveniente, o Centro Hospitalar do Alto Ave, E.P.E..

Por isso, segundo a Entidade Demandada a pretensão em causa deveria ser deduzida contra o empregador ou empregadores que são os titulares da relação material controvertida, que é de natureza laboral, sendo essas as únicas entidades que poderiam dar satisfação ao alegado direito fundamental.

São os empregadores que podem atribuir determinadas funções aos Enfermeiros Especialistas e são estes que podem tirar ilações sobre o comportamento dos Enfermeiros Especialistas, não sendo o Ministério da Saúde parte na relação material controvertida.

Mais alega que é certo que os empregadores públicos estão sob tutela do Ministro da Saúde, mas tal não basta para que a relação de trabalho dos enfermeiros alegadamente ameaçada tenha por empregador o Ministério da Saúde.

Vejamos.

A questão suscitada exige que se apreenda devidamente os termos do litígio, sustentados pela matéria de facto que ora se dá como demonstrada em juízo.

Como decorre do probatório apurado, as Autoras requereram a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, contra o Ministério da Saúde, pedindo quanto ao segundo pedido, o reconhecimento do direito das enfermeiras Autora e Interveniente e de todos os restantes enfermeiros nas mesmas condições, a exercer as funções para os quais foram contratados e pelas quais são remunerados, e o direito a suspender o seu título de Enfermeiro Especialista.

Do lado ativo a presente intimação apresenta como sujeitos, duas Enfermeiras especialistas e a Ordem dos Enfermeiros e do lado passivo o Ministério da Saúde.

É patente que não só não vieram a juízo todos os Enfermeiros Especialistas que aderiram ao protesto coletivo e que têm interesse pessoal e direto na resolução do litígio, como não são demandados todos os serviços de saúde no âmbito do qual os cuidados de enfermagem são prestados por tais enfermeiros, no contexto da relação jurídica emergente do contrato de trabalho de enfermagem celebrado.

É por isso, possível compreender que o litígio, tal como configurado pelas Autoras, não se destina a regular directamente e prima facie um litígio do foro laboral, no âmbito de uma relação jurídica emergente da celebração de um contrato de trabalho para os cuidados de enfermagem, mas antes se configura como a definição da política pública da carreira de enfermagem, enquanto carreira especial, que obedece a normatividade própria, no âmbito do qual surge um conflito coletivo em relação a um grupo dos seus profissionais, que são os titulares do título de Enfermeiro Especialista, da categoria de Enfermeiro.

A matéria de facto dada por provada em juízo, nos pontos 35, 37, 38 e 41, permite atestar este enquadramento fáctico-jurídico do litígio.

Resulta demonstrado quer o pedido de emissão de parecer por parte do Ministério da Saúde, à Procuradoria-Geral da República sobre a carreira de enfermagem e os Enfermeiros Especialistas, quer o envio de Ofício Circular por parte da Presidente do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde, I.P., em final de junho de 2017, dirigido a “Todas as entidades EPE e SPA do SNS”, sobre “Exercício de Funções Especializadas – carreira especial de enfermagem e carreira de enfermagem dos estabelecimentos de saúde integrados no sector empresarial do Estado”, a que acresce, em 29/06/2017 o Gabinete do Secretário de Estado da Saúde ter emitido uma “Nota à Comunicação Social”, sobre “Enfermeiros/Blocos de Partos” e ainda, ter sido emitida, em 04/09/2017, pela Presidente do Conselho Diretivo da Administração Central do Sistema de Saúde, IP, a Circular Normativa n.º 20/2017/Conselho Diretivo/ACSS, dirigida aos “Serviços Centrais do Ministério da Saúde, Administrações Regionais de Saúde, ACES, Hospitais EPE, Hospitais SPA e ULS”, relativa a “Exercício de funções de enfermeiro especialista”.

Decorre da citada factualidade que o Ministério da Saúde esteve, como está, directamente envolvido na relação material controvertida, pela definição de orientações gerais dirigidas a todos os serviços de saúde integrados no sistema nacional de saúde, para além de lhe caber a política legislativa da carreira de enfermagem.

O que está peticionado em juízo é o reconhecimento por parte do Ministério da Saúde de os Enfermeiros Especialistas poderem exercer as funções para os quais foram contratados, relativos aos cuidados de enfermagem próprios da categoria de enfermeiro e de poderem suspender o seu título de Enfermeiro Especialista junto da Ordem dos Enfermeiros.

Tal pretensão emerge directamente do teor do parecer homologado emitido pela Procuradoria-Geral da República, assim como da demais atuação imputável ao Ministério da Saúde e ao exercício das funções de tutela sobre os serviços de saúde.

Nestes termos, interpretado o pedido nos termos em que a presente intimação foi estruturada, quer quanto aos sujeitos, quer quanto à causa de pedir, é de concluir pela improcedência da matéria de exceção suscitada pela Entidade Demandada, respeitante à sua ilegitimidade no tocante ao segundo pedido.

Pelo que, se reconhece a legitimidade passiva do Ministério da Saúde para ser demandado na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, sendo de julgar improcedente o suscitado pela Entidade Demandada.

5. Da questão da violação do caso julgado formal

Importa agora analisar a questão suscitada de a sentença recorrida violar o caso julgado formal, decorrente de ter sido proferido despacho de admissão liminar da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias e posteriormente ter sido proferida decisão de absolvição da Entidade Demandada da instância, por falta de subsidiariedade da presente intimação.

Vejamos.

É manifesto que a reforma ao CPTA, operada pelo Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02/10, veio alterar nuns casos e clarificar noutros, o regime do meio processual previsto no artigo 109.º e seguintes, referente à intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

No regime anterior à citada reforma do direito processual administrativo é abundante a jurisprudência dos Tribunais Administrativos a admitir a decisão de absolvição da instância, por procedência da exceção de inidoneidade do meio processual da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias ou da sua falta de subsidiariedade, depois de ter sido proferido despacho de admissão liminar da intimação, de ter sido citada a Entidade Demandada e de esta ter apresentado contestação, ou seja, depois de o processo ter seguido a sua tramitação e se encontrar na fase de decisão final.

Da jurisprudência conhecida, nunca até hoje os Tribunais Administrativos consideraram o despacho de admissão liminar da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias como momento processual preclusivo da possibilidade de decidir da questão da falta de subsidiariedade ou de falta de adequação ou idoneidade do meio processual, seja na vigência da redacção inicial do CPTA, seja após a reforma do direito processual administrativa operada em 2015.

Neste sentido, vide a título meramente exemplificativo os Acórdãos deste TCAS, cfr. Processo n.º 532/17.1BELSB, de 05/07/2017; Processo n.º 710/16.0BELSB, de 12/01/2017; Processo n.º 1668/16.1.BELSB, de 15/12/2016; Processo n.º 12516/15, de 15/10/2015; Processo n.º 12156/15, de 11/06/2015; Processo n.º 12002/15, de 16/04/2015; Processo n.º 12003/15, de 16/04/2015; Processo n.º 11748/15, 12/02/2015; Processo n.º 11579/14 de 04/12/2014.

Em todos estes processos foram proferidas decisões como a dos autos, de procedência da questão de inidoneidade do meio processual ou de falta de subsidiariedade de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, após ter sido proferido despacho de admissão liminar da intimação, embora sem que tivesse sido analisada e decidida pelo Tribunal a questão que ora se coloca nos presentes autos.

Não tendo os Tribunais Administrativos sido chamados a tomar posição sobre esta concreta questão, estando, por isso, em causa, uma questão nova, importa tomar em consideração todos os possíveis argumentos para a interpretação da solução legal ao caso aplicável.

Poderá dizer-se que a interpretação que tem vindo a ser reiteradamente seguida pela jurisprudência, admitindo a decisão de absolvição da instância após a admissão liminar, fundamenta-se na proximidade da tramitação da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias com a ação administrativa, nos termos previstos no n.º 2 do artigo 110.º do CPTA, no âmbito da qual o momento processual para conhecer da matéria de exceção ocorre na fase de saneamento da causa, finda a fase de apresentação dos articulados das partes, segundo o disposto no artigo 87.º do CPTA.

Assim é no âmbito da ação administrativa, porque nesta não se encontra previsto o despacho de admissão liminar, não sendo o processo concluso ao juiz, ocorrendo o controlo da verificação dos pressupostos processuais numa fase mais adiantada do processado, findos os articulados, na fase de saneamento da causa.

Na ação administrativa a lei processual determina que o conhecimento da matéria de exceção ocorra numa fase processual própria, a fase de saneamento da causa, sem que possa vir a ocorrer mais tarde, ficando o juiz impedido de decidir a matéria de exceção depois ou para além da fase de saneamento da causa, ou sequer de reapreciar essa matéria de exceção, ficando precludida a possibilidade desse conhecimento, segundo o disposto no n.º 2 do artigo 88.º do CPTA.

Esta não só era a regra que vigorava antes da reforma de 2015, como agora se mantém, com sinais por parte do legislador de reforço dessa interpretação do regime previsto no citado n.º 2 do artigo 88.º do CPTA.

No caso da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias a prática jurisprudencial foi admitindo o conhecimento da questão de falta de subsidiariedade da intimação, não só na fase de admissão liminar, como numa fase posterior, depois de apresentados os articulados pelas partes, no momento da decisão sobre o mérito da causa, como ocorre em relação à decisão ora recorrida.

Importa analisar e decidir se assim se deve continuar a entender após a reforma do direito processual administrativo operada pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, considerando as alterações que foram introduzidas ao regime da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

Nesta interpretação de regime, importa atender ao novo preceito, previsto no artigo 110.º-A do CPTA, no âmbito do qual se prevê a substituição da petição e o decretamento provisório de providência cautelar.

Prevê-se agora que quando se verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, designadamente, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz no despacho liminar fixa prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a providência cautelar, o que a verificar-se determina que o processo passe a correr os termos do processo cautelar.

Como decorre do disposto no citado n.º 1 do artigo 110.º-A do CPTA, deverá entender-se que o legislador pretende concentrar na fase inicial do processo, no momento do despacho liminar, a possibilidade de convolação do processo de intimação, em processo cautelar, definindo ser esse o momento processual próprio e adequado.

Por outro lado, parece decorrer deste preceito a intencionalidade do legislador em concentrar na fase de controlo liminar as finalidades que estão subjacentes e legalmente atribuídas ao despacho de admissão/rejeição liminar, de nele concentrar a verificação dos pressupostos processuais e das demais questões obstativas do prosseguimento da instância e do conhecimento do mérito da causa, que sejam evidentes ou manifestas, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 590.º do CPC.

Prevendo-se, por determinação legal, a apresentação da petição inicial da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias a despacho do juiz, subjaz a opção de existir um momento processual próprio, que consiste o da admissão liminar, em que deve ocorrer o controlo da legalidade da instância, por ser essa a finalidade própria do despacho liminar.

A questão que se coloca consiste a de saber se o legislador pretendeu romper com a praxis jurisprudencial anterior, deixando de consentir a apreciação da matéria de exceção depois de proferido o despacho de admissão liminar.

Isto é, se após o despacho de admissão liminar não poderá vir a conhecer-se de matéria de exceção, porque depois dessa fase é pressuposto que exista a regularidade formal da instância, devendo conhecer-se do mérito do pedido.

Ou ainda, se a previsão do despacho liminar no caso do meio processual da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias tem o significado de a lei pretender fixar o momento em que o julgador deve decidir a matéria de exceção, sob pena de não o poder fazer mais tarde.

Se esta interpretação se harmoniza com as alterações introduzidas ao regime legal da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, assim como com toda a filosofia que presidiu à reforma do direito processual, primeiro decorrente da aprovação do novo CPC e depois da reforma do CPTA, em que se pretendeu introduzir a simplificação, a adequação e a gestão processuais, enfrenta, porém, outras dificuldades.

Circunscrever à fase do controlo liminar da petição de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias o momento para conhecer e decidir sobre os pressupostos processuais e a regularidade da instância, atribuindo ao despacho liminar a finalidade processual que legalmente lhe cabe, seria uma via para impor e exigir ao julgador um maior rigor na apreciação da regularidade formal da petição inicial, que marca a constituição da instância, de forma a evitar que numa fase mais adiantada do processo sejam proferidas decisões de mera forma, sem conhecerem do mérito da causa.

A este entendimento, estão subjacentes finalidades de boa gestão processual, pois sendo detetada na fase liminar de apreciação da petição inicial da intimação a sua (in)regularidade formal, será ainda possível corrigir qualquer anomalia, permitindo que o processo, ainda que sujeito a alguma correcção ou aperfeiçoamento, possa prosseguir, ou doutro modo, pondo de imediato fim à instância, sem o dispêndio de meios e a prática de atos processuais inúteis, quer das partes envolvidas, quer do próprio serviço público de justiça.

Tal é o que se verifica em relação ao ato de citação e com os demais praticados após o despacho de admissão liminar, no caso de se decidir absolver a Entidade Demandada da instância.

A lei proíbe a prática de atos inúteis, assim como atribui a cada momento ou fase processual uma finalidade específica, que deve ser respeitada.

Por isso, um dos princípios que presidem às normas processuais é o da economia processual, entendida esta como a proibição da prática de actos inúteis, conforme estabelece o n.º 1 do artigo 7.º-A do CPTA e o n.º 1 do artigo 6.º do CPC, no âmbito do dever de gestão processual.

Poderá ainda invocar-se que esta interpretação é a que melhor se harmoniza com o respeito da força de caso julgado formal do despacho de admissão liminar, que incide sobre os termos da validade e da regularidade formal da instância.

Decidindo o juiz da causa pela admissibilidade liminar do requerimento de intimação, está a decidir que aquela instância reúne as condições para prosseguir e ser julgada, nos termos requeridos em juízo, sem que subsista qualquer ilegalidade ou irregularidade nos termos em que o autor veio a juízo, segundo o que resulta alegado e peticionado na petição inicial.

Poder-se-á, porém, contrapor que não tendo o despacho liminar tomado expressa e inequívoca posição sobre a verificação de um específico pressuposto processual, como no presente caso, em que o julgador nada disse no despacho liminar sobre a idoneidade do meio processual ou da subsidiariedade do meio processual da presente intimação, sobre ele não se formou caso julgado formal, por este incidir apenas sobre a concreta matéria decidida.

O efeito do caso julgado está ligado às decisões judiciais, quer revistam a forma de sentença ou de despacho, alcançando tal efeito quando a decisão se torna imodificável, ou seja, deixa de ser suscetível de recurso ordinário ou de reclamação, nos termos do artigo 628.º do CPC.

O caso julgado pode ser material, quando tem força obrigatória dentro e fora do processo (n.º 1 do artigo 619.º do CPC), e formal, quando tem força obrigatória apenas dentro do processo (n.º 1 do artigo 620.º do CPC).

O caso julgado formal obsta a que o juiz, na mesma ação, possa alterar a decisão proferida (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.ª ed., 1985, pp. 703).

O caso julgado formal exige que a questão decidida tenha carácter ou natureza processual, incidindo apenas sobre uma questão processual e só é vinculativo no próprio processo em que a decisão foi proferida, não impedindo que a mesma questão volte a ser discutida e seja decidida noutra acção, dizendo respeito apenas ao processo em causa, não tendo força obrigatória fora do processo em que foi proferida (Ana Celeste Carvalho, “Os Efeitos e a Eficácia da Sentença Administrativa”, in Estudos em Homenagem a Mário Esteves de Oliveira, Almedina, 2017, pp. 266).

O caso julgado visa garantir a certeza da aplicação do direito, conferindo segurança jurídica, indispensável à vida em sociedade (Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, obra cit., pp. 705).

Sobre o alcance do caso julgado, prevê o artigo 621.º do CPC que a decisão constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga.

No caso presente, não existe ofensa ao caso julgado formal, pois não se identifica qualquer decisão judicial no processo, transitada em julgado, que tivesse sido alterada pelo juiz, sendo certo que sem decisão judicial é impossível a formação do caso julgado.

Como consta dos autos, o Tribunal a quo não conheceu da exeção de falta de subsidiariedade da intimação no despacho liminar, pelo que não existe decisão judicial alguma que, quanto à referida questão, constitua caso julgado obstativo da prolação da decisão recorrida, com o sentido que lhe foi conferido.

Nestas circunstâncias, não se pode falar em caso julgado sobre essa questão, tornando-se claro que a decisão recorrida não ofendeu qualquer caso julgado formal.

Por isso, não se desconhecendo o defendido pela doutrina, na parte em que afirma que o despacho liminar “constitui, pois, caso julgado formal quando conclua que não há obstáculo a que o processo seja tramitado como intimação” (Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto Cadilha, in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, Almedina, 4.ª ed., 2017, pp. 903), temos modestamente outro entendimento, não acompanhando tal entendimento.

Quando muito, poderia consubstanciar uma violação do princípio da preclusão, nos termos do qual os atos processuais que não tenham lugar no ciclo processual próprio ficam precludidos (Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, 1976, pp. 380, e Pereira Rodrigues, O Novo Processo Civil – Princípios Estruturantes, 2013, pp. 177/178).

Sendo finalidade própria do despacho liminar verificar a legalidade e a correcção das condições de admissibilidade da instância, significa que a questão da propriedade ou adequação do meio processual e a verificação dos demais pressupostos processuais indispensáveis para a apreciação do mérito da pretensão deve ser enfrentada em sede de despacho liminar, o que impõe ao juiz que afira, em função do pedido e causa de pedir e tal como a situação lhe é apresentada pelo autor na petição inicial, se os requisitos para fazer uso da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias previstos no 109.º do CPTA se encontram verificados.

Embora a lei não preveja as causas ou os fundamentos para a rejeição liminar da petição inicial da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias – como ocorre em relação ao processo cautelar, no n.º 2 do artigo 116.º do CPTA –, deve entender-se que apenas em casos de manifesta ou de evidente ausência dos pressupostos processuais ou da falta dos requisitos legais para o prosseguimento da instância, poderá ser proferido despacho de rejeição liminar.

Tal como se prevê em relação aos fundamentos de rejeição liminar do requerimento inicial do processo cautelar, apenas quando for manifesta ou evidente a falta dos requisitos legais de admissibilidade da instância de intimação, em face do alegado na petição inicial ou aferível em face dos documentos apresentados, deverá o juiz pôr termo ao processo, pois quando assim não for, deverá proferir despacho de admissão liminar e relegar para uma fase posterior, findos os articulados e assegurado o contraditório, a decisão sobre a matéria de exceção.

Só em face da falta evidente ou manifesta dos pressupostos processuais se compreende que possa ser tomada uma decisão de conteúdo desfavorável para a parte, sem que antes tivesse sido assegurado o exercício do princípio do contraditório, enquanto trave mestra que enforma todo o direito processual, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC, aplicável por força do artigo 1.º do CPTA.

Assim, apenas quando se afigurar ser manifesta ou evidente a falta dos pressupostos processuais, onde se inclui a propriedade ou adequação do meio processual, se imporá ao juiz decidir sobre a matéria na fase do controlo liminar, pois caso contrário apenas no momento em que o processo já reúne todos os elementos estará o julgador apto a decidir.

Neste mesmo sentido estabelece o legislador, no n.º 1 do artigo 590.º do CPC, no tocante ao despacho liminar, ao prever que a petição é indeferida quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de que o juiz deva conhecer oficiosamente, caso em que beneficiará do regime previsto no artigo 560.º do CPC.

A estes motivos de recusa liminar, acrescem os especificamente previstos para o processo de intimação, enquanto pressupostos deste meio processual, quanto a estar em causa (i) o exercício de um direito, liberdade e garantia, (ii) ser necessária a adoção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração, para assegurar a protecção desse direito, liberdade ou garantia, (iii) ser necessária a intimação, enquanto decisão de mérito, para evitar, em tempo útil, a lesão desse direito, liberdade ou garantia e (iv) não ser possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar.

Neste sentido, não só é de conceder que nem todos os casos permitam verificar, mediante a simples leitura da petição inicial, a falha dos pressupostos processuais ou dos requisitos próprios da intimação, como é a própria lei a prever que apenas nos casos de ser manifesta ou evidente a falha dos pressupostos processuais o juiz pode rejeitar a petição de intimação.

Por isso, é de recusar que neste caso se aplique o princípio da preclusão ou que o mesmo resulte violado pela decisão recorrida.

Em reforço, é de questionar se, no caso em que a Entidade Demandada na contestação se defender por exceção, alegando a falta de inúmeros pressupostos processuais, de entre os quais, o da falta de subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não pode e deve o juiz conhecer e decidir tal matéria relativa aos pressupostos processuais.

Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 618.º do CPC, o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, pelo que não poderá o julgador deixar de decidir a questão de falta de subsidiariedade do meio processual que haja sido suscitada na contestação.

No demais, não se deve sequer questionar o poder que assiste à Entidade Demandada de estruturar livremente a contestação, nela suscitando a matéria de exceção que entender, segundo a sua estratégia de defesa, sem qualquer tipo de limitação ou condicionamento.

Por outro lado, nada parece obstar que em função dos novos elementos trazidos ao processo pela contestação, o juiz venha a ter outra perceção sobre os termos fáctico-jurídicos do litígio, que a simples leitura da petição inicial e a versão dos factos apresentada pelo autor na petição inicial não era de molde a dar a conhecer.

Por isso existe a dialética do processo e o contraditório entre as partes, estando o juiz em melhores condições de apreciar e de decidir, não só o mérito da causa como a matéria de exceção, após a versão contraditada dos factos ou mediante uma análise global dos termos do litígio.

Assim, perante todo o exposto, no que respeita à questão que em concreto se coloca nos autos, quanto a saber se a questão da falta de subsidiariedade do meio processual da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser conhecida e julgada depois de proferido o despacho de admissão liminar, deve responder-se positivamente, em duas situações:

(i) quando não seja manifesta ou evidente a falta de subsidiariedade da intimação, nos termos da estruturação da causa, resultantes da petição inicial;

(ii) quando a falta de subsidiariedade da intimação tenha sido suscitada na contestação, caso em que existe o dever legal de conhecer dessa questão.

Em ambos os casos, ocorrerá o conhecimento da matéria de exceção depois de proferido o despacho de admissão liminar e, sendo julgada procedente, o julgador absolverá a Entidade Demandada da instância, abstendo-se de emitir um juízo sobre o mérito da pretensão.

Assim, perante todo o exposto, será de concluir no sentido de não ser vedado ao juiz conhecer da matéria de exceção, designadamente, da falta de subsidiariedade do meio processual da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, após ter sido proferido o despacho de admissão liminar da petição inicial, no caso de não ter conhecido expressamente dessa questão na fase liminar, caso em que não se produziu o efeito de caso julgado formal.

Não tendo o julgador expressamente se pronunciado ou decidido sobre a matéria da subsidiariedade do meio processual no despacho de admissão liminar, não se pode falar sequer em decisão que produza os efeitos de caso julgado.

Do mesmo modo, recusa-se a aplicação do princípio da preclusão, atentas as limitações de conhecimento do despacho liminar, o conhecimento oficioso dos pressupostos processuais e o dever de conhecimento das questões suscitadas na contestação.

Acresce que defender outra interpretação equivaleria a negar o direito à Entidade Demandada de se defender por exceção e de poder invocar tal questão na contestação, o que se apresenta inadmissível perante os direitos de defesa e do princípio de igualdade das partes, no âmbito da estrutura dialética e sob a égide do processo equitativo do processo administrativo, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 2.º do CPTA e do artigo 4.º do CPC, e à luz do princípio da tutela jurisdicional efectiva, previsto no artigo 20.º da Constituição.

Neste sentido, não assiste razão às Recorrentes quando alegam que a decisão recorrida incorre em violação do caso julgado formal extraído do despacho de admissão liminar, porquanto nele não se extrai qualquer pronúncia ou decisão sobre a concreta questão da falta de subsidiariedade do meio processual da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

Pelo exposto, carece de fundamento a alegada violação do caso julgado formal, não procedendo nesta parte a censura dirigida contra a sentença recorrida.

Termos em que será de julgar improcedente, por não provada, a questão da violação do caso julgado formal.

6. Erro de julgamento de direito quanto à subsidiariedade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e quanto ao pressuposto da urgência

No demais, invocam as Recorrentes o erro de julgamento da decisão recorrida ao julgar procedente a exceção de falta de subsidiariedade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

Defendem que mesmo que o Tribunal a quo pudesse decidir a final da verificação dos pressupostos prévios ao decretamento da intimação, sempre enferma de erro de julgamento por se verificarem todos os pressupostos previstos na lei, incluindo o da subsidiariedade do meio processual.

Alegam que não é verdade que a Autora Enfermeira sinta apenas um temor pela violação do seu direito fundamental, por ter sofrido já duas faltas injustificadas, com o inerente desconto dos dias no salário, por alegada “recusa de prestação de cuidados” e teve apenas duas faltas, porque entretanto apresentou baixa médica devido às implicações de todas estas questões para a sua gravidez, não obstante não ter faltado um único dia ao trabalho e ter prestado todos os serviços para os quais estava obrigada e pelos quais é remunerada.

Também à Autora Interveniente foram atribuídas diversas faltas injustificadas, com o respectivo desconto do salário, sem prejuízo de nunca ter faltado ao trabalho, nem ter falhado na prestação dos serviços para os quais foi contratada e é remunerada.

Mais alegam que todos estes factos teriam sido dado por provados se o Tribunal a quo na decisão recorrida tivesse procedido ao julgamento de facto.

Segundo as Autoras muito mais enfermeiros estão a sofrer a lesão dos seus direitos, com a redução das suas remunerações, pela aplicação de faltas injustificadas, quando prestaram as funções para os quais foram contratados.

Assim, contrariando o decidido na decisão sob recurso, alegam que não só já ocorreram violações dos seus direitos, como a presente intimação pretende evitar a lesão do direito fundamental, o que precisamente motiva a Ordem dos Enfermeiros a agir em juízo, em representação de todos os enfermeiros.

Mais sustentam que a decisão recorrida igualmente erra ao entender que existe outro meio processual que permita a defesa dos direitos fundamentais das Autoras, que não implique uma enorme diminuição da tutela dos seus direitos, desde logo porque outro meio processual implica demasiado tempo a ser decidido, não garantindo a eficácia em tempo útil, quer porque as providências cautelares estão dependentes de pressupostos cuja aplicação não permitem a tutela dos direitos das Autoras.

Alegam que a única decisão que garante a tutela dos direitos fundamentais das Autoras e dos restantes enfermeiros é o reconhecimento do direito ao exercício das funções para as quais foram contratadas e pelas quais são remuneradas e essa decisão não é possível mediante um processo cujo conhecimento é meramente perfunctório e com vista a aferir da probabilidade de procedência da pretensão.

Vejamos.

A questão objecto do presente recurso consiste em saber se enferma a sentença recorrida em erro de julgamento ao julgar que falta o requisito da subsidiariedade da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, nos termos em que o mesmo se encontra previsto na parte final do disposto no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA.

Está em causa saber se no caso do litígio configurado em juízo e perante as circunstâncias do caso, é possível ou suficiente o decretamento provisório de uma providência cautelar, segundo o disposto no artigo 131.º do CPTA.

Deste modo, não se questiona, não integrando o objecto dos recursos jurisdicionais interpostos, que a intimação instaurada em juízo não reúna os demais pressupostos previstos no n.º 1 do artigo 109.º do CPTA, a saber, que esteja em causa (i) o exercício de um direito, liberdade e garantia, (ii) que seja necessária a adoção de uma conduta positiva ou negativa por parte da Administração, para assegurar a protecção desse direito, liberdade ou garantia, e (iii) que seja necessária a intimação, enquanto decisão de mérito, para evitar, em tempo útil, a lesão desse direito, liberdade ou garantia.

Coloca-se apenas em causa o último pressuposto da intimação, quanto (iv) ser possível ou suficiente o decretamento de uma providência cautelar.

Sem prejuízo, não deve haver dúvidas de que na presente lide o direito invocado, sob o princípio de “a trabalho igual, salário igual”, previsto na alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, é configurado pelo legislador constitucional como um direito económico, social e cultural, com estrutura análoga à dos direitos, liberdades e garantias, aplicando-se, por isso, nos termos do disposto no artigo 17.º da Constituição, o regime dos direitos, liberdades e garantias (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, Coimbra Editora, pp. 1148).

Ora, para conhecer do presente fundamento do recurso, importa atender à matéria de facto assente, que permite compreender a sua causa de pedir, assim como o pedido deduzido.

Como decorre da factualidade fixada por este Tribunal ad quem, as Autoras vêm a juízo requerer a intimação do Ministério da Saúde, pedindo a:

i) a revogação da homologação do Parecer n.º 18/2017, do Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República, e

(ii) o reconhecimento da Enfermeira Autora e de todos os restantes Enfermeiros nas mesmas condições, a exercer as funções para os quais foram contratados e pelas quais são remunerados, e o direito a suspender o título de Enfermeiro Especialista.

A resposta a dar à matéria de exceção suscitada pela Entidade Demandada e ao fundamento dos recursos jurisdicionais impõe que se aprecie cada um dos pedidos deduzidos.

O primeiro dos pedidos refere-se à revogação do ato administrativo de homologação do parecer emitido pela Procuradoria-Geral da República, em que se afigura, perante as concretas circunstâncias do caso, que seria possível requerer uma providência cautelar de suspensão judicial de eficácia do ato de homologação, com vista a obter a paralisação provisória dos efeitos da prática desse ato administrativo.

Não se vê que mediante o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia não pudessem as Autoras alcançar o efeito jurídico pretendido, de obstar à produção dos efeitos do ato de homologação de um parecer com o qual não concordam e reputam de ilegal e inconstitucional.

Porém, podendo ser instaurado o processo cautelar e nele ser requerida a providência cautelar de suspensão judicial de eficácia do ato de homologação do parecer, dificilmente se concebe um outro meio processual para o segundo pedido.

O segundo pedido formulado é o do reconhecimento ao exercício de certo tipo de funções, nos termos previstos para a categoria profissional de Enfermeiro, da carreira de enfermagem.

O exercício de funções profissionais pressupõe o desenvolvimento de uma actividade humana, de forma prolongada no tempo, exigindo o dispêndio de esforços cuja reconstituição natural está inviabilizada, por não se poder apagar os efeitos no tempo das funções concretamente exercidas.

Está em causa o conteúdo funcional ou as concretas funções a exercer pelos enfermeiros com o título de Enfermeiro Especialista, que pretendem suspender esse título, para passar a exercer funções próprias da categoria de enfermeiro.

Independentemente da questão de saber se na carreira de enfermagem existe ou não diferenciação funcional entre a categoria de Enfermeiro e o título de Enfermeiro Especialista e, consequentemente, caso se conclua positivamente, se à luz da Constituição e da lei essa diferenciação deve ter repercussões de natureza remuneratória, que são questões que dizem respeito ao mérito da intimação requerida que ora não relevam, para efeito do pressuposto da intimação em análise releva apenas se este meio processual respeita a relação de subsidiariedade entre meios processuais delineada pelo legislador, no sentido de a intimação não ser o meio próprio e se poder usar outros meios processuais previstos na lei processual administrativa, designadamente, o decretamento de uma providência cautelar ou o seu decretamento provisório.

Tendo-se já respondido em relação ao pedido de revogação do ato de homologação do parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, resposta diferente deve ser dada em relação ao pedido de reconhecimento de exercício de funções como Enfermeiro e ao direito de suspender ou cancelar o título de Enfermeiro Especialista.

Por natureza, o exercício de funções não pode ser apagado no tempo, no que aos próprios cuidados de saúde prestados respeita, isto é, considerando a sua especificidade, pois está em causa a prática de atos materiais, que envolvem a ação humana, que não se restringem ao mundo do direito ou aos efeitos jurídicos produzidos, de modo a poderem mediante anulação ou revogação ser apagados da ordem jurídica.

O litígio em presença, pela sua especificidade, considerando as concretas pretensões materiais formuladas em juízo, conexionadas com o concreto exercício de funções por parte de uma classe profissional, a dos enfermeiros, com o título de Enfermeiros Especialistas, que exige a ação humana, em si mesma e por natureza impossível de reconstituir no plano dos factos, e pelos efeitos que o próprio exercício de funções acarreta, não se compadece com uma decisão de efeitos provisórios, própria do processo cautelar, além de não se bastar com o conhecimento sumário e perfunctório, de facto e de direito, que caracteriza a instância cautelar, além de não de compadecer com a delonga própria de uma ação administrativa.

Ao contrário do decidido pelo Tribunal a quo e pugna a Entidade Demandada, a presente intimação reúne o pressuposto relativo à subsidiariedade dos meios processuais, por não ser possível, nas circunstâncias do caso, o decretamento provisório de uma providência cautelar, considerando as suas limitações quanto ao conhecimento amplo e global do litígio, nem com a emissão de uma decisão meramente provisória, própria da instância cautelar, antes reclamando uma decisão que aprecie o mérito do pedido, definindo o direito para o caso concreto, com força de caso julgado material, sob a égide da urgência, considerando a natureza dos interesses envolvidos, relativos ao exercício de funções, assim como a relevância e a dimensão do litígio em presença.

Doutro modo, seria postergada a tutela jurisdicional efectiva dos direitos invocados em juízo, por não ser possível, fora da esfera da presente intimação, resolver em tempo útil e de uma formal global e definitiva, o litígio em presença.

Nestes termos, conclui-se pela procedência do fundamento dos recursos, incorrendo a decisão recorrida em erro de julgamento ao decidir pelo provimento da exceção dilatória inominada de falta da subsidiariedade da presente intimação, faltando razão à Entidade Demandada ao suscitar tal exceção na contestação, designadamente, ao invocar a impropriedade do meio e a falta da urgência.

Termos em que se julga ser a presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias o meio próprio, sendo de conceder provimento aos recursos nos que se refere à questão em apreço.


*

Em consequência, será de julgar prejudicado o conhecimento do fundamento dos recursos relativamente ao (i) erro de julgamento por não convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar, assim como à (ii) inconstitucionalidade da decisão recorrida, por violação do artigo 20.º da Constituição, por ambos os fundamentos estarem dependentes da resposta dada à questão da subsidiariedade do presente meio processual.


***


Considerando o anteriormente conhecido, sobre:

1. a procedência da nulidade da sentença recorrida, por falta de fundamentos de facto;

2. a procedência da nulidade da sentença recorrida, por omissão de pronúncia;

3. a improcedência de todas as exceções invocadas na contestação, ora conhecidas, a saber, (i) a ilegitimidade das Enfermeiras Autoras, (ii) a ilegitimidade da Ordem dos Enfermeiros e (iii) a ilegitimidade do Ministério da Saúde;

4. a improcedência do erro de julgamento no tocante à violação do caso julgado formal;

5. a procedência do erro de julgamento no tocante à questão de falta de subsidiariedade do meio processual, por a presente intimação ser meio próprio;

6. em julgar prejudicado o conhecimento do erro de julgamento por não convolação do meio processual e por violação do artigo 20.º da Constituição;

7. perante o julgamento de facto realizado por este Tribunal ad quem,

cumpre conhecer e decidir do mérito da presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

DO MÉRITO DA INTIMAÇÃO

7. Do pedido de revogação do ato de homologação do Parecer n.º 18/2017 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, por violação do artigo 59.º da Constituição

Peticionam as Autoras em juízo a revogação do ato de homologação do Parecer n.º 18/2017, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, por violação do artigo 59.º da Constituição.

Alegam que o referido parecer foi homologado pelo Secretário de Estado da Saúde, em 20/07/2017 e publicado na 2.ª Série do Diário da República, de 14/08/2017.

No seu entender o Parecer incorre em inúmeros e graves erros nos pressupostos de facto e de direito, levando a uma restrição ilegal de um direito, liberdade ou garantia dos enfermeiros, porque, não obstante o teor do Parecer n.º 54 CJ/2017 do Conselho Jurisdicional da Ordem dos Enfermeiros, conclui que os enfermeiros estão obrigados a exercer funções para os quais não foram contratados e não são remunerados, em violação do princípio fundamental de que “a trabalho igual, salário igual”, previsto no artigo 59.º da Constituição.

Discordam de todas as conclusões do Parecer, no tocante a existir uma paridade funcional e que a não diferenciação remuneratória dos enfermeiros detentores do título de especialista não implica violação do princípio constitucional de “para trabalho igual, salário igual”.

Também põem as Autoras em crise o Parecer na parte em que considera que a recusa de prestação de serviço não é enquadrável numa greve ou numa greve em conformidade com a lei, conduzindo a não prestação de serviço a faltas injustificadas, e ainda na parte em que admite que os enfermeiros possam ser responsabilizados pela recusa individual de no posto de trabalho respectivo, exercer as funções incluídas no conteúdo funcional.

Sustentam que tais entendimentos assumidos no Parecer são inconstitucionais e incorrem em erros nos pressupostos de facto e de direito.

Mais alegam que a relevância decorre de ter existido a homologação do Parecer, o qual passa a valer, depois de publicado, como interpretação oficial perante os serviços tutelados pelo Ministério da Saúde.

Em consequência da homologação do Parecer, os enfermeiros que anunciaram que iriam apenas exercer as funções para as quais foram contratados e são remunerados começaram a ser ameaçados com a instauração de processos disciplinares.

Foi neste circunstancialismo que os enfermeiros recorreram à Ordem dos Enfermeiros, solicitando apoio na defesa dos seus direitos.

Posteriormente foi emitida a Circular Normativa da ICSS que também enferma de erros nos pressupostos de facto e de direito.

Assim, invocam que o Parecer n.º 18/2017 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República e a Circular Normativa são inconstitucionais e ilegais, por violação do princípio da igualdade e do disposto no artigo 59.º da Constituição.

Por isso, pedem a condenação do Ministério da Saúde a revogar a homologação do Parecer.

Vejamos.

Nos termos em que as Autoras vêm a juízo não dirigem qualquer censura ao ato de homologação do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, não invocando a sua ilegalidade, não sendo pedida a sua anulação, antes dirigem a sua censura contra o teor do Parecer emitido, cuja doutrina consideram inconstitucional e ilegal.

Por isso, nos presentes autos não está em causa apurar a legalidade do ato de homologação, contra o qual não é invocada qualquer ilegalidade, nem é pedida a sua impugnação, sendo o objecto do pedido a condenação do Ministério da Saúde a revogar o ato administrativo de homologação do Parecer, praticado pelo Secretário de Estado da Saúde.

Não sendo questionada a legalidade do ato de homologação, a censura reside no teor do Parecer, pelo que em face do pedido deduzido existe uma impugnação indirecta ou incidental do Parecer emitido pela Procuradoria-Geral da República.

Com a revogação do ato de homologação, pretendem as Autoras eliminar os efeitos do Parecer, cuja doutrina se tornou vinculativa para os serviços de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15/10.

Perante este enquadramento torna-se necessário conhecer em amplitude o teor do Parecer emitido, afim de nele descortinar uma interpretação que enferme de inconstitucionalidade, por violação da alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.

Como resulta do autos, perante o conflito instalado entre os Enfermeiros Especialistas e os serviços de saúde em que exercem funções, o Ministro da Saúde pediu um parecer, depois reiterado sob a invocação do caráter de urgência, à Procuradoria-Geral da República.

Emitido o parecer sobre ele recaiu despacho de homologação, o que acarreta a sua força jurídica e a sua relevância no contexto do litígio em presença.

O Parecer analisa as questões essenciais que se colocam nos autos, mas no entanto, como assinalado na declaração de voto e na declaração de conformidade com essa declaração de voto, dos membros do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, o Parecer não esgota a análise do problema.

Porém, impõe-se dizer que enquanto o Parecer teve o seu âmbito de conhecimento limitado às três questões concretamente formuladas pela entidade que o solicitou, o Ministro da Saúde, a presente instância tem o seu âmbito de conhecimento necessariamente limitado pelo pedido e pela causa que resultam da petição inicial.

Acresce ser substancialmente diferente a natureza intrínseca de um parecer e a de uma decisão judicial.

A sentença deve vinculação aos limites constitucionais que decorrem do princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º da Constituição, sendo o controlo jurisdicional exercido pelo Tribunal um controlo de legalidade e não sobre o mérito, a conveniência ou a oportunidade da atuação da Administração, segundo o n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.

Por isso, não têm de ser necessariamente coincidentes o objecto do Parecer emitido pela Procuradoria-Geral da República e o âmbito de conhecimento do Tribunal, nos termos da presente causa.

Neste sentido, se impõe destacar a diferença que reside na circunstância de o Parecer emitido incidir sobre três questões concretas, colocadas em termos gerais e abstratos pelo Ministro da Saúde e na presente instância se analisar das pretensões deduzidas pelas Autoras, segundo uma perspectiva do caso concreto e da realidade específica das Enfermeiras Autoras, em função da realidade de facto concretamente alegada e apurada em juízo.

O Tribunal aprecia e julga uma dada pretensão, subjetivada em entes jurídicos, que são as partes do processo, decidindo um litígio concretizado, com base nos factos apurados, não servindo, nem se destinando, à emissão de pareceres jurídicos.

Por isso, o âmbito do conhecimento do Parecer emitido e da presente instância, não é forçosamente coincidente.

Para o que ora nos ocupa, quanto a saber se o Ministério da Saúde deve ser condenado a revogar o ato de homologação do Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, por assumir uma doutrina inconstitucional, importa analisar e tomar posição sobre o cerne do litígio, segundo um enquadramento fáctico-jurídico.

Destacando a factualidade apurada nos autos, resulta demonstrado que ambas as Autoras enfermeiras celebraram contratos de trabalho para a prestação de cuidados de enfermagem, com o título de Enfermeiro, a saber, contrato de trabalho a termo certo, depois convertido em tempo indeterminado, no caso da 2.ª Autora e contrato administrativo de provimento, no caso da Autora Interveniente.

Posteriormente, vieram a obter o título de Enfermeiro Especialista, sem que tivesse existido qualquer incremento salarial, mantendo a mesma categoria de Enfermeiro.

Do ponto de vista factual, não se mostra alegado em juízo quais as funções concretamente exercidas pelas Enfermeiras Autoras com a celebração do contrato de trabalho e até à obtenção do título de Enfermeiro Especialista, assim como não se mostra alegado quais as funções que passaram a exercer depois da obtenção desse título.

Em consequência da falta de alegação dos factos sobre quais as funções exercidas por cada uma das Autoras no início da sua relação laboral, com a titularidade do título de Enfermeiro, e quais as funções exercidas após a obtenção do título de Enfermeiro Especialista, não se podem dar tais factos, nem como provados, nem como não provados, pois que nem sequer chegaram a ser alegados.

Daí que não esteja provado que a Enfermeira Autora tenha passado a exercer funções de Enfermeira Especialista, depois de finais de 2011 ao obter o título, nem que funções em concreto, por não serem alegadas.

Desconhece-se, por isso, qual o conteúdo funcional que existiu no desenrolar da carreira de cada uma das Autoras.

Em consequência, não se encontra demonstrado nos autos que decorrente da atribuição pela Ordem dos Enfermeiros do título de Enfermeiro Especialista as enfermeiras Autoras tenham passado a exercer outras funções, diferentes das que exerciam quando eram titulares do título de Enfermeiro, nem quais, ou seja, desconhece-se na presente lide quais as funções concretamente exercidas pelas enfermeiras Autoras, antes e depois à obtenção desse título profissional.

Donde, não poderem recair meios de prova se a realidade concreta da vida, isto é, os factos não foram alegados.

Do mesmo modo, nada se mostra alegado concretamente a respeito de outros enfermeiros, com o título de Enfermeiro ou mesmo sobre outros Enfermeiros Especialistas, de forma a poder estabelecer-se entre uns e outros uma análise comparativa de (des)igualdade funcional e/ou remuneratória.

Reforçando o entendimento de que a presente instância, tal como configurada pelas Autoras em juízo não se traduz num conflito laboral, mas de uma divergência quanto à estruturação ou desenvolvimento da carreira de enfermagem, traduzindo uma violação do princípio constitucional de “para trabalho igual, salário igual”, por nada ser peticionado contra as respectivas entidades patronais das enfermeiras Autoras, não se pode olvidar que as pretensões deduzidas em juízo se baseiam nas realidades concretas das Autoras para, como base nelas, se estenderem a todos os demais enfermeiros que se encontrem nas mesmas situações, em conformidade ao pedido deduzido em juízo.

Neste sentido, nunca a resolução do litígio poderá ser feita em termos gerais e abstractos, antes importando aferir da invocada inconstitucionalidade e das pretensões deduzidas em face da realidade concreta das enfermeiras Autoras.

Tendo presente a realidade fáctica apurada (e não apurada), vejamos agora o Direito aplicável.

Até ao ano de 2009 a carreira de enfermagem era regulada pelo D.L. n.º 437/91, de 08/11, nos termos do qual a carreira era organizada em 4 níveis:

- nível 1 – integrava as categorias de enfermeiro e de enfermeiro graduado;

- nível 2 – integrava as categorias de enfermeiro especialista e de enfermeiro-chefe;

- nível 3 – integrava as categorias de enfermeiro-supervisor e de assessor técnico regional de enfermagem; e

- nível 4 – integrava a categoria de assessor técnico de enfermagem.

No âmbito desse diploma, o seu artigo 7.º, estabelecia o conteúdo funcional das categorias de enfermeiro, designadamente, o de enfermeiro graduado e de enfermeiro especialista, em termos diferenciados para cada categoria.

Do mesmo modo, a tabela anexa ao referido D.L. n.º 437/91 previa para cada categoria o respetivo índice e escalão, através dos quais se aferia a respetiva remuneração, existindo diferenciação remuneratória entre as várias categorias da carreira de enfermagem, de entre as quais, a de Enfermeiro e a de Enfermeiro Especialista.

Por força da entrada em vigor da Lei n.º 12-A/2008, de 27/02, que veio estabelecer novos regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas, e atendendo ao reconhecimento da natureza especial e diferenciado da prestação de cuidados de enfermagem, pelo seu conteúdo funcional e independência técnica, tal determinou que a carreira de enfermagem não fosse integrada no regime da carreira geral, antes sendo criada a carreira especial de enfermagem através do D.L. n.º 248/2009, de 22/09.

Esse diploma, aplicável aos “enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas”, veio consagrar no seu artigo 7.º, que “a carreira especial de enfermagem é pluricategorial e estrutura-se nas seguintes categorias:

a) Enfermeiro;

b) Enfermeiro principal”.

Tal acarretou que, na transição do regime do D.L. n.º 437/91, de 08/11 para o regime aprovado pelo D.L. n.º 248/2009, de 22/09, que aprova o regime da carreira especial de enfermagem, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional, veio a existir a redução das anteriores cinco categorias, divididas em 4 níveis, das quais uma, a de Enfermeiro Especialista, para duas categorias, a de Enfermeiro e a de Enfermeiro Principal, desaparecendo a categoria de Enfermeiro Especialista.

De acordo com o disposto no artigo 2.º do D.L. n.º 248/2009, de 22/09, o mesmo aplica-se aos enfermeiros integrados na carreira especial de enfermagem cuja relação jurídica de emprego público seja constituída por contrato de trabalho em funções públicas.

Por sua vez, o D.L. n.º 247/2009, de 22/09, veio a aprovar o regime legal da carreira aplicável aos enfermeiros nas entidades públicas empresariais e nas parcerias em saúde, em regime de gestão e financiamento privados, integrados no Serviço Nacional de Saúde, bem como os respectivos requisitos de habilitação profissional e percurso de progressão profissional e de diferenciação técnico-científica.

Segundo o n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 247/2009, esse regime aplica-se aos enfermeiros em regime de contrato individual de trabalho, nos termos do Código do Trabalho.

Porque também neste caso os serviços de saúde estão integrados no Serviço Nacional de Saúde, existe grande similitude de regime entre o regulado nos dois diplomas.

Isso mesmo é assumido no Preâmbulo do D.L. n.º 248/2009, de 22/09: “A carreira especial de enfermagem, implementando um modelo de referência em todo o SNS, independentemente da natureza jurídica dos estabelecimentos e serviços, pretende reflectir um modelo de organização de recursos humanos essencial à qualidade da prestação e à segurança dos procedimentos.”.

Por isso, passar-se-á a analisar os termos do litígio com base unicamente na disciplina constante do D.L. n.º 248/2009, de 22/09, sem que essa análise seja diferente nos termos do D.L. n.º 247/2009, de 22/09.

No caso dos presentes autos, uma das Autoras estabeleceu uma relação jurídica de direito público e outra de direito privado com a entidade de saúde, sob cuja direção presta os cuidados de enfermagem, sem que se coloquem diferentes regulamentações legais acerca das questões colocadas nos autos.

Como previsto no n.º 1 do artigo 3.º do referido D.L. n.º 248/2009, de 22/09, “O nível habilitacional exigido para a carreira especial de enfermagem corresponde aos requisitos prescritos para a atribuição, pela Ordem dos Enfermeiros, de título definitivo de enfermeiro.”.

Nos termos do artigo 4.º do citado diploma, “A qualificação de enfermagem é estruturada em títulos de exercício profissional, em função de níveis diferenciados de competências, e tem por base a obtenção das capacidades e conhecimentos adquiridos ao longo da formação.”.

Com relevo para a questão a decidir, prevê-se no artigo 9.º do referido D.L. n.º 248/2009, quanto ao “Conteúdo funcional da categoria de enfermeiro”, o seguinte:

1 - O conteúdo funcional da categoria de enfermeiro é inerente às respectivas qualificações e competências em enfermagem, compreendendo plena autonomia técnico-científica, nomeadamente, quanto a:

a) Identificar, planear e avaliar os cuidados de enfermagem e efectuar os respectivos registos, bem como participar nas actividades de planeamento e programação do trabalho de equipa a executar na respectiva organização interna;

b) Realizar intervenções de enfermagem requeridas pelo indivíduo, família e comunidade, no âmbito da promoção de saúde, da prevenção da doença, do tratamento, da reabilitação e da adaptação funcional;

c) Prestar cuidados de enfermagem aos doentes, utentes ou grupos populacionais sob a sua responsabilidade;

d) Participar e promover acções que visem articular as diferentes redes e níveis de cuidados de saúde;

e) Assessorar as instituições, serviços e unidades, nos termos da respectiva organização interna;

f) Desenvolver métodos de trabalho com vista à melhor utilização dos meios, promovendo a circulação de informação, bem como a qualidade e a eficiência;

g) Recolher, registar e efectuar tratamento e análise de informação relativa ao exercício das suas funções, incluindo aquela que seja relevante para os sistemas de informação institucionais na área da saúde;

h) Promover programas e projectos de investigação, nacionais ou internacionais, bem como participar em equipas, e, ou, orientá-las;

i) Colaborar no processo de desenvolvimento de competências de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional;

j) Integrar júris de concursos, ou outras actividades de avaliação, dentro da sua área de competência;

l) Planear, coordenar e desenvolver intervenções no seu domínio de especialização;

m) Identificar necessidades logísticas e promover a melhor utilização dos recursos, adequando-os aos cuidados de enfermagem a prestar;

n) Desenvolver e colaborar na formação realizada na respectiva organização interna;

o) Orientar os enfermeiros, nomeadamente nas equipas multiprofissionais, no que concerne à definição e utilização de indicadores;

p) Orientar as actividades de formação de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional.

2 - O desenvolvimento do conteúdo funcional previsto nas alíneas j) a p) do número anterior cabe, apenas, aos enfermeiros detentores do título de enfermeiro especialista”.

Como as partes estão de acordo, o disposto no n.º 2 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009, define uma dualidade de conteúdos funcionais, determinando que o desenvolvimento do conteúdo funcional previsto nas alíneas j) a p) do n.º 1, cabe apenas aos enfermeiros detentores do título de Enfermeiro Especialista.

De acordo com o artigo 12.º do mesmo diploma:

1 - O exercício de funções no âmbito da carreira especial de enfermagem depende da obtenção do título profissional atribuído pela Ordem dos Enfermeiros.

2 - Para admissão à categoria de enfermeiro é exigida a titulação em cédula profissional definitiva, atribuída pela Ordem dos Enfermeiros.

3 - Para admissão à categoria de enfermeiro principal são exigidos, cumulativamente, a detenção do título de enfermeiro especialista, atribuído pela Ordem dos Enfermeiros, e um mínimo de cinco anos de experiência efectiva no exercício da profissão”.

Mais se prevê no artigo 14.º do D.L. n.º 248/2009, de 22/09, que:

1 - A identificação dos níveis remuneratórios correspondentes às posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem é efectuada em diploma próprio.

2 - Os trabalhadores integrados na carreira especial de enfermagem em exercício efectivo de funções nas unidades de saúde familiar são agrupados autonomamente, para efeitos remuneratórios, em tabela própria, nos termos previstos em diploma próprio”.

Na sequência desse diploma, foi aprovado o D.L. n.º 122/2010, de 11/11, que nos termos do seu artigo 1.º, estabelece:

1 - O presente decreto-lei estabelece o número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem, identifica os respectivos níveis da tabela remuneratória única, define as regras de transição para a nova carreira e identifica as categorias que se mantêm como subsistentes.

2 - O presente diploma estabelece, também, os rácios dos enfermeiros principais na organização dos serviços, fixando regras para a determinação do número de postos de trabalho a prever nos respectivos mapas de pessoal.

3 - O presente decreto-lei estabelece, ainda, a remuneração para as funções de direcção e chefia, exercidas em comissão de serviço”.

Nos termos do artigo 2.º do mesmo diploma:

1 - O número de posições remuneratórias das categorias da carreira especial de enfermagem, bem como a identificação dos correspondentes níveis remuneratórios da tabela remuneratória única constam do anexo ao presente decreto-lei, do qual faz parte integrante.

2 - A alteração de posição remuneratória na categoria efectua-se nos termos previstos nos artigos 46.º a 48.º da Lei n.º 12-A/2008, de 27 de Fevereiro”.

De acordo com o anexo a que se refere o citado n.º 1 do artigo 2.º do D.L. n.º 122/2010, de 11/11, existem diferentes posições remuneratórias e diferentes níveis remuneratórios para as categorias de Enfermeiro e Enfermeiro Principal.

Ainda segundo o artigo 16.º do D.L. n.º 248/2009:

Os títulos atribuídos pela Ordem dos Enfermeiros no âmbito da profissão de enfermagem, bem como as categorias de carreira, são oponíveis para a elegibilidade necessária aos procedimentos de recrutamento e mudança de categoria previstos nas normas aplicáveis.”.

No que respeita ao Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, aprovado pelo D.L. n.º 104/98, de 21/04, estabelece no seu artigo 8.º, com a epígrafe “Títulos”, o seguinte:

1 - O título de enfermeiro reconhece competência científica, técnica e humana para a prestação de cuidados de enfermagem gerais.

2 - O título de enfermeiro é atribuído ao membro, titular de cédula profissional, inscrito na Ordem nos termos do artigo anterior.

3 - O título de enfermeiro especialista reconhece competência científica, técnica e humana para prestar cuidados de enfermagem especializados nas áreas de especialidade em enfermagem, reconhecidas pela Ordem.

4 - O título de enfermeiro especialista é atribuído ao detentor do título de enfermeiro, após ponderação dos processos formativos e de certificação de competências, numa área clínica de especialização, nos termos do regulamento da especialidade, aprovado pela Ordem e homologado pelo membro do Governo responsável pela área da saúde.

5 - Os títulos atribuídos nos termos dos n.ºs 2 e 4 são inscritos na cédula profissional.”.

Quanto aos títulos da especialidade que são atribuídos pela Ordem dos Enfermeiros, encontram-se os mesmos previstos no artigo 40.º do seu Estatuto, relevando o disposto nos seus n.ºs 1 e 2:

1 – A Ordem atribui os seguintes títulos de enfermeiro especialista:

a) Enfermeiro especialista em enfermagem de saúde materna e obstétrica;

b) Enfermeiro especialista em enfermagem de saúde infantil e pediátrica;

c) Enfermeiro especialista em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica;

d) Enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação;

e) Enfermeiro especialista em enfermagem médico-cirúrgica;

f) Enfermeiro especialista em enfermagem comunitária.

2 – A obtenção do título de especialista é regida por regulamento proposto pelo conselho de enfermagem ao conselho diretivo e aprovado pela assembleia geral.”.

Por último, importa ter presente o parâmetro constitucional, previsto na alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição, segundo o qual todos os trabalhadores têm direito “à retribuição do trabalho, segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual, salário igual…”.

Em face da excursão sobre o regime legal convocado para a resolução do presente litígio, o último dos quais, padrão aferidor dos limites da liberdade de conformação da atuação dos poderes públicos, seja Estado-Legislador, seja Estado-Administração, pode avançar-se na busca da resolução do litígio em presença.

Ao contrário ao que vigorou até 2009, perante o actual quadro normativo decorrente da aprovação dos D.L. n.ºs 247 e 248, de 22/09/2009, não existe na carreira de enfermagem a categoria de Enfermeiro Especialista.

Existe sim, na categoria profissional de Enfermeiro, uma diferenciação ao nível dos conteúdos funcionais, entre quem seja titular do título de Enfermeiro e quem detenha o título de Enfermeiro Especialista.

Como afirmado pela doutrina, “a liberdade constitutiva e a auto-revisibilidade, ainda que limitadas constituem características típicas da função legislativa e elas seriam praticamente eliminadas se o legislador fosse obrigado a manter integralmente o nível de realização e a respeitar os direitos por ele criados”, Vieira de Andrade, in Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976, Coimbra, 1983, pp. 309.

De acordo com o previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 8.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, a distinção entre Enfermeiro e Enfermeiro Especialista releva ao nível da competência científica, técnica e humana para prestar cuidados de enfermagem especializados na respectiva área de especialidade, e assenta num processo formativo e de certificação de competências, numa área clínica de especialização.

Assim, é seguro dizer que os Enfermeiros Especialistas dispõem de maiores competências científicas e técnicas para o exercício da profissão que os Enfermeiros, o que traduz o investimento que cada Enfermeiro Especialista fez na sua própria formação e capacitação.

Porém, por opção legislativa, essa diferenciação funcional e maior capacitação técnica e funcional do Enfermeiro Especialista, não é acompanhada de uma diferenciação remuneratória, mas antes de uma igualdade remuneratória entre Enfermeiros e Enfermeiros Especialistas.

A circunstância de cada enfermeiro obter mais competências, através da obtenção de estudos que lhe permitem obter o título de Enfermeiro Especialista, não acarreta inelutavelmente o direito a exercer outras funções, de maior responsabilidade ou de maior exigência quanto ao tipo ou natureza de cuidados de enfermagem a prestar, como, consequentemente, não concede qualquer direito de natureza remuneratória.

O título profissional é conferido pela Ordem dos Enfermeiros, em consequência da comprovação dos requisitos de natureza habilitacional/formativa, isto é, de o enfermeiro em causa ter alcançado formação profissional que o habilita ao exercício de outras competências profissionais.

Se a atribuição do título de Enfermeiro Especialista é uma consequência da obtenção da formação respectiva, numa relação jurídica estabelecida entre a respectiva Ordem profissional e o enfermeiro em questão, já as repercussões da titularidade do título de Enfermeiro Especialista no desenvolvimento da relação jurídica laboral, estabelecida com a entidade patronal não ocorre ipso facto como uma consequência da mera aquisição das novas competências, antes dependendo do que a entidade patronal entender em relação ao exercício funcional do enfermeiro e nos termos em que a própria lei disciplinar o desenvolvimento da carreira de enfermagem.

Por outras palavras, a obtenção do título profissional de Enfermeiro Especialista não acarreta o dever sobre a entidade patronal, sob cuja direcção os cuidados de enfermagem são prestados, de prover a diferente conteúdo funcional ou a diferente categoria profissional, ou sequer a fazer repercutir a obtenção desse título na componente remuneratória.

A obtenção de um novo título profissional não se faz reflectir inelutavelmente sobre o respectivo conteúdo funcional do enfermeiro, considerando as funções concretamente exercidas ou sequer sobre a respectiva remuneração, como contrapartida das funções exercidas.

Donde não se poder impor à entidade patronal do enfermeiro a quem foi atribuído o título de Enfermeiro Especialista o dever legal de atribuição de um novo conteúdo funcional ou o exercício de outras funções, assim como, uma remuneração diferenciada em relação à que anteriormente existia.

A relevância não se coloca, por isso, ao nível da obtenção do título de Enfermeiro Especialista, nem quanto à previsão legal de diferentes conteúdos funcionais no âmbito da categoria de Enfermeiro, entre Enfermeiro e Enfermeiro Especialista, mas em relação às funções concreta e efectivamente exercidas.

Como referido, no caso dos autos não se mostra alegado, nem demonstrado quais as funções que as Autoras exerciam antes da atribuição do título de Enfermeiro Especialista e se depois desse título passaram a ser exercer funções diferentes, e quais, não se podendo dar por provado que tenham passado a exercer outras funções por nenhumas serem alegadas, não bastando que essa diferenciação funcional resulte da lei.

Importava saber se a entidade patronal das Autoras, em consequência da obtenção do título de Enfermeiro Especialista, passou a alargar os seus respetivos conteúdos funcionais ou passou a determinar funções de natureza ou conteúdo mais exigente em relação às que vinham exercendo até aqui, no sentido de saber se a entidade patronal obteve algum benefício direto, ao nível das funções exercidas, pela titularidade do título de Enfermeiro Especialista.

Não é difícil reconhecer o benefício de a Administração ter trabalhadores melhor preparados tecnicamente, com mais competências e melhor aptidão, preparados para o exercício de um âmbito mais alargado de funções, mas a mera circunstância da obtenção do título profissional de Enfermeiro Especialista se não for seguida da atribuição de novas funções, traduzir-se-á apenas numa vantagem indirecta, sem comparação com a situação em que ocorrerá se efectivamente o enfermeiro passar a desempenhar funções que antes não exercia.

Como já referido, o Tribunal julga em função dos factos alegados e da prova produzida, decidindo o litígio para o caso concreto, o que na estruturação da presente causa falha ao nível da alegação de factos donde se possa apreciar a relação de desigualdade remuneratória que é invocada, segundo a alegação da violação do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.

Por outro lado, deve ser realçado que o elenco das competências funcionais previstas no n.º 1 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009, no tocante ao Enfermeiro Especialista na maioria dos casos, não se relaciona com a concreta área de especialidade de enfermagem de que o enfermeiro seja titular, de acordo com os vários títulos de especialidade que se encontram previstos no artigo 40.º do Estatuto pela Ordem dos Enfermeiros, não dizendo respeito à vertente do exercício da prestação dos cuidados técnicos de enfermagem ou da leges artis.

Como resulta do teor das alíneas j) a p), do n.º 1 do citado artigo 9.º, a que supra já se fez referência, aí se prevê:

j) Integrar júris de concursos, ou outras actividades de avaliação, dentro da sua área de competência;

l) Planear, coordenar e desenvolver intervenções no seu domínio de especialização;

m) Identificar necessidades logísticas e promover a melhor utilização dos recursos, adequando-os aos cuidados de enfermagem a prestar;

n) Desenvolver e colaborar na formação realizada na respectiva organização interna;

o) Orientar os enfermeiros, nomeadamente nas equipas multiprofissionais, no que concerne à definição e utilização de indicadores;

p) Orientar as actividades de formação de estudantes de enfermagem, bem como de enfermeiros em contexto académico ou profissional.”.

A diferenciação funcional que existe no âmbito da carreira de Enfermeiro está, por isso, mais associada à diferenciação dos cuidados específicos de enfermagem que podem ser prestados em cada área de especialidade, nos termos em que são definidos pela Ordem dos Enfermeiros, do que em função do conteúdo funcional que é previsto no n.º 1 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009.

Deste modo, não é tanto pelo que se encontra previsto nas citadas alíneas j) a p) do disposto no n.º 1 do artigo 9.º, que ocorre a diferenciação entre os cuidados gerais e especiais de enfermagem, mas pelo que se prevê acerca de tais especialidades no Estatuto da Ordem dos Enfermeiros e nos Regulamentos das respectivas áreas de especialização.

Acresce, como já realçado, que a diferenciação entre os cuidados de enfermagem não pode ser aferida coletivamente ou em abstracto, desde logo por ser uma opção do legislador, de acordo com a sua liberdade de conformação, prever a diferenciação do conteúdo funcional dentro da categoria de Enfermeiro.

Antes importa aferir essa diferenciação em relação a cada caso individualmente considerado, pois interessa aferir da realidade concreta de cada enfermeiro, no âmbito do desenvolvimento da sua carreira.

Como previsto no n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12/02: “Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.”.

É sabido que o legislador atribuiu um conteúdo diferenciado à categoria de Enfermeiro, consoante seja ou não titular do título de Enfermeiro Especialista, o que decorre de uma previsão legal, geral e abstracta, da lei, mas importa aferir, em concreto, se em relação a cada enfermeiro individualmente considerado, no caso dos autos, as Autoras enfermeiras, existem alterações quanto ao conteúdo das funções concretamente exercidas, como consequência da atribuição do novo título profissional.

Significa que pretender discutir de uma forma geral e abstracta em relação a uma classe profissional, a dos enfermeiros com o título de Enfermeiro Especialista, e não em relação a um caso individual e concreto, a legalidade da falta de repercussão da atribuição desse título na remuneração do enfermeiro, sem que sejam alegados factos atinentes ao conteúdo funcional concretamente exercido, impede de saber se existiu uma diferenciação quanto ao concreto conteúdo funcional, aferido caso a caso, falhando, consequentemente o juízo comparativo de igualdade, pressuposto da previsão da alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição.

Como anteriormente referido, não se encontra alegado e muito menos demonstrado que em consequência da obtenção do título de Enfermeiro Especialista a entidade patronal de cada uma das Autoras tenha passado a exigir o exercício de novas funções.

Por outro lado, não constitui matéria controvertida que a categoria profissional de Enfermeiro prevê no elenco das funções que integram o seu conteúdo funcional, funções que apenas podem ser exercidas por enfermeiros com o título de Especialista.

Está em causa matéria que decorre da livre conformação legislativa sobre a estruturação de uma certa carreira profissional, que obedeceu ao cumprimento de regras próprias do processo legislativo.

Porém, não se pondo em causa essa liberdade de conformação sobre os termos como a carreira de enfermagem é estruturada, não deixam de se aplicar certas vinculações decorrentes dos princípios constitucionais aplicáveis, decorrentes da igualdade, que apelam ao tratamento igualitário de situações materialmente idênticas e à diferenciação das situações materialmente desiguais, com a proibição da discriminação ou o estabelecimento de uma carreira que não obedeça a uma relação de equilíbrio entre as prestações contratuais, decorrentes entre aquela que é obrigação do empregador, essencialmente de natureza retributiva, e a do trabalhador, essencialmente conexionada com o exercício de funções e a disponibilidade para o trabalho.

Sob a invocação da violação do princípio constitucional de “para trabalho igual, salário igual”, pretende a classe profissional dos enfermeiros, aqui representada por duas enfermeiras e pela sua Ordem profissional, pôr em crise a relação de equilíbrio ou de igualdade entre aquilo que é exigido ou prestado por uma das partes do contrato, o enfermeiro, e o que é prestado pela outra parte, a entidade patronal, que no seu entender viola os princípio da igualdade retributiva, subjacente ao invocado princípio previsto no artigo 59.º da Constituição.

De acordo com a doutrina, o artigo 59.º da Constituição tem como destinatários todos os trabalhadores subordinados, incluindo os trabalhadores da Administração Pública (cfr. Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, Coimbra Editora, pp. 1148).

Assim, não há dúvidas de o citado preceito constitucional se aplicar às relações laborais regidas pelo direito público e pelo direito privado, como no caso das enfermeiras, ora Autoras, ambas a exercer funções em entidades integradas no Serviço Nacional de Saúde.

O que se pretende, nos termos da estruturação da presente intimação em juízo, é que o julgador afira se, em termos gerais e abstractos, o exercício de funções próprias da categoria de enfermeiro com o título de Enfermeiro Especialista deve obrigar, em conformidade com os parâmetros de conformidade constitucional, a uma diferenciação na respectiva remuneração, sob pena de inconstitucionalidade material.

Estando em causa um exercício de funções diferenciadas, por o legislador distinguir entre o conteúdo funcional da categoria de enfermeiro, o que tem o título de Enfermeiro e o que tem o título de Enfermeiro Especialista, constitui questão controvertida se essa diferenciação funcional, assente nas funções exercidas pelo trabalhador Enfermeiro Especialista, deve ser acompanhada de uma diferenciação na remuneração, a prestar como contrapartida das funções exercidas, pela entidade patronal.

Sendo esta uma opção de política legislativa, que se insere na margem que assiste ao Estado-legislador, está excluída do âmbito do controlo judicial, salvo se existir um desvio à sua conformidade com a Constituição, que é precisamente o que as Autoras invocam em juízo, pedindo a intervenção judicial.

Como já se afirmou, o controlo judicial é de legalidade, não incidindo sobre aspectos de natureza eminentemente valorativa, atinentes ao mérito das opções assumidas.

Acresce que o controlo que é pedido em juízo respeita ao controlo da legalidade em face da realidade fáctico-jurídica das Autoras enfermeiras, pois o Tribunal não aprecia ou decide em abstrato, não lhe cabendo fazer um controlo abstracto da constitucionalidade, mas apenas por referência a uma concreta realidade de facto devidamente subjectivada.

Releva a lei “in action”, tal como aplicada a casos concretos e não a apreciação de questões em abstrato, académicas ou teóricas – neste sentido, cfr. declaração do juiz do Supremo Tribunal Federal dos Estados Unidos da América, Robert Jackson, produzida na dissenting opinion que juntou à decisão daquele Tribunal no Caso Saia v. New York, nos termos da qual “É a lei tal como é aplicada que controlamos, não as questões abstractas e académicas que ela pode suscitar nalguns casos mais duvidosos [no original: It is the law as applied that we review, not the abstract, academic questions which it might raise in some more doubtful case.”, in United State Reports, vol. 334, 1948, pp. 571, apud Acordão do Tribunal Constitucional n.º 405/03, Processo n.º 598/02, de 17/09/2003.

O que está em causa é se os parâmetros normativos da carreira de enfermagem e como a mesma se está a desenvolver, com diferenciação funcional entre quem está integrado na categoria de Enfermeiro e é titular do título de Enfermeiro Especialista, sem essa diferenciação legal ao nível da remuneração, ofende ou não o princípio constitucional de “para trabalho igual, salário igual”, subjacente a um princípio de igualdade remuneratória.

Segundo o Acórdão n.º 16/96 do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 3683, 4.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série-A, nº. 280, de 04/12/1996:

Quer a doutrina quer a jurisprudência são unânimes em considerar que o princípio de «para trabalho igual, salário igual», consagrado no n.º 1, alínea a), do artigo 59.º da Constituição – que é, aliás, a projecção, quanto a direitos específicos dos trabalhadores, do princípio da igualdade essencial dos cidadãos perante a lei, inscrito no artigo 13.º do mesmo diploma –, implica e pressupõe que a retribuição deva ser conforme à quantidade de trabalho (ou seja, à sua intensidade e duração), à qualidade do trabalho (dos conhecimentos, da prática e da capacidade do trabalhador) e à natureza do trabalho (ou seja, à sua dificuldade, penosidade e perigosidade).

Assim, se vários trabalhadores produzirem trabalho que possa ter-se por igual segundo os referidos parâmetros, não pode a entidade patronal pagar-lhes salários de diferente valor. A Constituição fixa naquela disposição os critérios objectivos à luz dos quais deve aferir-se a igualdade do trabalho, assim se proibindo o arbítrio e a discriminação salarial face a situações laborais essencialmente idênticas. O que não impede a diferenciação salarial que premeie o mérito e estimule a produtividade, desde que tenha por base a consideração daqueles critérios – o que se impõe é que a diversidade de tratamento seja materialmente fundada do ponto de vista da segurança jurídica, da justiça e da solidariedade. V., por todos, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição Anotada; Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho, vol. I, a pp. 384 e segs.; Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, a pp. 736 e segs.; Lobo Xavier, in Curso do Direito do Trabalho, a pp. 403-404, e Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Janeiro de 1989, de 1 de Março de 1990 e de 14 de Novembro de 1990, in Acórdãos Doutrinais, n.os 328, p. 558, 343, p. 1017, e 350, p. 268, respectivamente.”.

Nos termos do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 303/90, Processo n.º 129/89, de 21/11/1990, admite-se que as diferentes qualificações entre trabalhadores constitua a fundamento para diferenciação remuneratória: “(…) Diferentes qualificações, pois tendo uns (…) o que se poderá designar por «habilitação própria» e outros (…) não dispondo dessa habilitação, mas sim de uma outra de menor exigência. Esta diferenciação não poderá, como primeiro subsídio, deixar de se perfilar como um fundamento para o legislador, e visualizando só a sua liberdade de conformação, tratar de modo não idêntico agentes de ensino cujas respectivas qualificações não eram iguais. (…) Ora, esta consideração, aditada àqueloutra de os ex-regentes não serem portadores de «habilitação própria», e ainda acrescida de uma outra segundo a qual, ao menos em abstracto, a sua preparação pedagógica é à partida inferior à dos professores provindos das escolas do magistério primário, leva a que se deva entender que havia fundamento material bastante para a diferenciação nos vencimentos de uns e de outros. (…) a conclusão de não ter havido, na diferenciação remuneratória, violação do princípio da igualdade. 10.4. – No fundo, há uma desigualdade de situações que envolve, tácita e reconhecidamente, uma diferenciação positiva com cabido suporte a que se terá de atender e, em consequência, o desigual tratamento não poderá ser perspectivado como violador do artigo 13.º da Constituição (…) Se assim é, a liberdade de conformação do legislador (…) permitir-lhe-ia estabelecer a diferenciação remuneratória a que se assistiu, pois que não se deparava desrespeito aos limites de tal liberdade (…) 11 – Estas considerações serão de aplicar em enfoque no preceito constitucional vertido (…) na alínea a) do n.º 1 do artigo 59.º da actual versão da Constituição. (…) Aqui se reafirma o princípio fundamental da igualdade, consagrado no artigo 13.º (cfr. Gomes Canotilho e Vital Moreira, ob. Cit., p. 323), mas de uma igualdade material exigente da consideração da realidade social, assim não focando uma mera igualdade formal (…) Desta sorte, se o trabalho produzido por diferentes trabalhadores for, em sede quantitativa, qualitativa e por natureza, igual, a esses trabalhadores deve ser conferido igual salário. Como se disse no Acórdão deste tribunal n.º 313/89 (Diário da República, II Série, de 16 de Junho de 1989), «o princípio “para trabalho igual salário igual” não proíbe, naturalmente que “o mesmo tipo de trabalho” seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feito por pessoas com mais ou menos habilitações»…, «pagando-se mais, naturalmente, aos que maiores habitações possuem…».

(…) Claro que, face à liberdade de conformação que detém, não será vedado ao legislador conceder igual remuneração a situações de prestação de trabalho da mesma natureza e quantidade por trabalhadores dotados de diferentes habilitações. Mas, perante tal liberdade, poderá identicamente o legislador atribuir desiguais remunerações, sem que, por isso, esteja a ferir o princípio do salário igual para trabalho igual, uma vez que não discrimina, visto existir fundamento material e objectivo razoável para essa desigualdade, que não assenta em meros critérios e características subjectivos.” (sublinhados nossos).

Por sua vez, extrai-se a seguinte doutrina do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 313/89, Processo n.º 265/88, de 09/03/1989 acerca da alínea a), do n.º 1 do artigo 60.º, actual alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição:

O direito de que aqui se trata é um direito de igualdade – mas de uma igualdade material que exige se tome sempre em consideração a realidade social em que as pessoas vivem e se movimentam –, e não de uma igualmente meramente formal e uniformizadora (cf. Francisco Lucas Pires, Uma Constituição para Portugal, Coimbra, 1975, pp. 62 e segs.).

Uma justa retribuição do trabalho é, no fundo, o que os princípios enunciados no preceito transcrito visam assegurar: a retribuição deve ser conforme à quantidade, natureza e qualidade do trabalho; deve garantir uma existência condigna; e a trabalho igual – igual em quantidade, natureza e qualidade – deve corresponder salário igual.

O princípio «para trabalho igual salário igual» não proíbe, naturalmente, que o mesmo tipo de trabalho seja remunerado em termos quantitativamente diferentes, conforme seja feita por pessoas com mais ou menos habilitações possuem e mais tempo de serviço têm.

O que o princípio proíbe é que se pague de maneira diferente a trabalhadores que prestam o mesmo tipo de trabalho, têm iguais habilitações e o mesmo tempo de serviço.

O que, pois, se proíbe são as discriminações, as distinções sem fundamento material, designadamente porque assentes em meras categorias subjectivas.

Se as diferenças de remuneração assentaram em critérios objectivos, então elas são materialmente fundadas, e não discriminatórias.

Tratar por igual o que é essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual – eis o que exige o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.º da Constituição (…)

O princípio da igualdade analisa-se, pois numa proibição do arbítrio e da discriminação e numa obrigação de diferenciação (cfr. J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, I, Coimbra, 1984, p. 149).

Por um lado, são inadmissíveis diferenciações de tratamento irrazoáveis, sem fundamento material, ou tendo por base meras categorias subjectivas. Por outro lado, impõe-se tratar diferentemente o que é desigual.” (sublinhados nossos).

Noutro Acórdão do Tribunal Constitucional, n.º 658/97, resulta que a existência de uma razão suficiente para a diferenciação remuneratória “não aponta necessariamente para a obrigatoriedade de um tratamento desigual”, dando-se apenas “ao legislador permissão para um tratamento desigual”.

Também o Tribunal da Relação de Coimbra decidiu, nos termos do Acórdão n.º 222/11.9TTVIS.C1, de 14/06/2012, num litígio relativamente a diferenciações remuneratórias entre Enfermeiros e Enfermeiros Especialistas, o que segue:

O princípio a trabalho igual salário igual encontra expressão a nível constitucional, mais propriamente no Artº 59º/1-a) que estabelece que todos os trabalhadores têm direito à retribuição do trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual, de forma a garantir uma existência condigna.

Como se sabe este princípio é uma das expressões do princípio da igualdade de tratamento, também constitucionalmente protegido (Artº 13º), e veio a ser acolhido ao nível das leis laborais, e muito concretamente, no que por ora releva, no Artº 270º do actual CT (263º do precedente).

Ensina Monteiro Fernandes que o sentido geral do princípio assenta em que “uma idêntica remuneração deve ser correspondida a dois trabalhadores que, na mesma organização (ou seja, sob as ordens de uma mesma entidade empregadora) ocupem postos de trabalho iguais, isto é, desempenhem tarefas qualitativamente coincidentes, em idêntica quantidade (duração)” (Direito do Trabalho, 12ª Ed., Almedina, 446).

Assim, a base do princípio reside na identidade de natureza da actividade e na igualdade do tempo de trabalho. Nunca no regime legal sob o qual os trabalhadores exercem funções.

Admite-se, porém, que a identidade de funções possa não corresponder a trabalho igual, se houver como ponderar factores que influam no rendimento individual, como por exemplo o maior rendimento de um trabalhador, a maior perfeição na execução das tarefas, o maior grau de autonomiza na execução.

Isto mesmo veio a ser reconhecido pela jurisprudência constitucional (Ac. nº 315/89 de 9/03/89), o que no fundo se traduz em declarar que só as distinções sem fundamento objectivo são discriminatórias.

Como refere Bernardo Lobo Xavier, não deve haver “discriminação retributiva entre trabalhadores que não resulte da sua categoria profissional, tarefas executadas, rendimento e qualidade de execução”, sendo que não violam a Constituição as “formas de retribuição que escapam aos critérios acima definidos (v.g. retribuições em função da antiguidade ou que contemplam situações pessoais...)” (Curso de Direito do Trabalho, Verbo, 401).

A legislação laboral, adoptou, como já acima mencionámos, o princípio de que nos ocupamos aplicado às relações jurídicas de emprego e proíbe actos discriminatórios (Artº 25º/1 do CT).

Sempre que uma pessoa, em razão de um factor de discriminação (não importa qual ele seja), seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é dispensado a outra pessoa em situação comparável, existe discriminação directa (Artº 23º/1).

Por sua vez, ainda definindo conceitos, diz-se que é trabalho igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade e trabalho de valor igual aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiencia exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado (Artº 23º/1-c) e d)).”.

Na súmula do Acórdão n.º 584/98 do Tribunal Constitucional, “(…) impõe que a remuneração do trabalho obedeça a princípios de justiça. Ora, a justiça exige que quando o trabalho prestado for igual em quantidade, natureza e qualidade seja igual a remuneração. E reclama (nalguns casos, apenas consentirá) que a remuneração seja diferente, pagando-se mais a quem tiver melhores habilitações ou mais tempo de serviço. Deste modo se realiza a igualdade.” (sublinhados nossos).

Como assinala Rui Medeiros, “A não discriminação traduz assim “a afirmação de igualdade jurídica entre grupos (e os membros de cada um deles) sociologicamente identificáveis por quotas ou elementos distintivos cuja essencialidade a ordem jurídica rejeita” (António Monteiro Fernandes, Observações sobre o princípio da igualdade de tratamento no direito do trabalho, pp. 1013-1014)…”, in O Direito Fundamental à Retribuição. Em especial, o Princípio a Trabalho Igual, Salário Igual, Universidade Católica, 2016, pp. 66.

Coloca o Professor várias situações, de entre os quais “a questão de saber se as diferentes qualificações académicas podem representar uma justificação válida para a diferente retribuição”, e que a “solução da questão não é pacífica na doutrina e na jurisprudência”, defende que “Num entendimento mais restritivo, embora não se conteste obviamente que “o princípio de que a trabalho igual, salário igual, não proscreve ou impede as diferenças retributivas”, defende-se que tais diferenças só “são legítimas e podem ser praticadas pelo empregador desde que justificadas por razões conexas com a diferente qualidade, quantidade e natureza do trabalho prestado”. Por isso, por exemplo, segundo esta conceção, “a diferente qualificação académica só deve relevar se se traduzir, por exemplo, na diversa qualidade do trabalho prestado. (…)” (sublinhado nosso).

Prossegue afirmando “O mesmo se diga, mutatis mutandis, na situação inversa de trabalho desigual. Afigura-se duvidoso também aqui que, não havendo outros factores objectivos de diferenciação relevantes, o sistema global de retribuição possa, no plano das relações de emprego público, ignorar as diferenças existentes em matéria de quantidade, natureza e qualidade do trabalho. O próprio Tribunal Constitucional já reconheceu que se impõe tratar diferentemente o que é desigual, afirmando que “o princípio da igualdade, consignado, em geral, no artigo 13.º e, em especial, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, não impõe apenas que a trabalho igual salário igual, impondo também ao legislador a obrigação de consagrar tanto nas carreiras da Administração Pública em geral, como nas carreiras das magistraturas judicial e do Ministério Público, “para as várias categorias, a que correspondem diferentes níveis de experiência e de responsabilidade, diferenciações de níveis remuneratórios”. (…) A conclusão impõe-se, por maioria de razão (…) no universo das relações laborais privadas.” (sublinhados nossos).

Do mesmo modo, já antes a doutrina constitucional defendia:

(…) ainda que a liberdade de conformação do legislador – e a prerrogativa de avaliação que lhe cabe – possa impedir a censurabilidade jurídico-constitucional de soluções não diferenciadoras, é duvidoso que, não havendo outros factores de diferenciação correctivos, o sistema global de retribuição possa, no plano das relações de emprego público, ignorar as diferenças em matéria de quantidade, natureza e qualidade do trabalho. O próprio Tribunal Constitucional já reconheceu que se impõe tratar diferentemente o que é desigual (Ac. n.º 313/89), afirmando que “o princípio da igualdade, consignado, em geral, no artigo 13.º e, em especial, no artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição, não impõe apenas que a trabalho igual salário igual, impondo também ao legislador a obrigação de consagrar”, tanto nas carreiras da Administração Pública em geral, como nas carreiras das magistraturas judicial e do Ministério Público, “para as várias categorias, a que correspondem diferentes níveis de experiência e de responsabilidade, diferenciações de níveis remuneratórios (Acs. n.ºs 237/98, 584/98, 625/98 e 310/01).” (sublinhados nossos) – João Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., 2010, Coimbra Editora, pp. 1154-1155.

A questão também pode ser colocada nestes termos: a paridade ou igualdade retributiva pode ser vista como uma vantagem atribuída a alguém, mas também como a imposição de um tratamento de desfavor a outrem.

Assim, a questão coloca-se ao nível da conformidade constitucional do entendimento que considera que a diferenciação funcional não impõe uma diferenciação remuneratória.

Desde já se pode dizer que o problema apenas se suscita porque estão em causa enfermeiros integrados na mesma categoria e na mesma carreira, mas em relação aos quais o legislador introduziu uma diferenciação funcional, sem a fazer acompanhar de uma diferenciação remuneratória, não existindo, por isso, em face da lei, uma situação de paridade funcional, o que permite às Autoras falar de uma igualdade de tratamento injustificada, em violação da regra do artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição.

As Autoras referem-se a uma situação de igualdade que desrespeita o princípio constitucional que impõe a diferenciação de situações materialmente diferentes, mas abstém-se de caracterizar materialmente essa diferenciação funcional, não bastando que a mesma se encontre prevista na lei para que o Tribunal possa aferir da sua (des)conformidade com a Constituição.

O Tribunal não conhece da constitucionalidade em abstracto, cabendo às Autoras alegar os factos em que se consubstancia a desigualdade funcional em relação às concretas funções exercidas aquando a titulação de Enfermeiras Especialistas, em comparação com os seus colegas, com o título de Enfermeiros.

Assim no presente caso, não é possível concluir por um juízo de inconstitucionalidade, por violação da alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição quanto às conclusões a que se chega no Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, homologado pelo membro do Governo, quanto a não constituir uma violação do princípio “a trabalho igual, salario igual”, a não diferenciação remuneratória entre Enfermeiros e Enfermeiros Especialistas, integrados na mesma categoria e na mesma carreira, por não se encontrar demonstradas as funções concretamente exercidas pelas Autoras em consequência da obtenção do título de Enfermeiras Especialistas.

Não basta a diferenciação na lei, importando a realidade, materializada em factos concretos, em que se sustente essa diferenciação funcional, que no caso não resulta demonstrada.

Por outro lado, também falece razão às Autoras quando alegam que as funções exercidas por um Enfermeiro Especialista acrescem ao conteúdo funcional da categoria de Enfermeiro, pois essas funções integram a categoria de Enfermeiro, segundo o disposto no n.º 1 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009.

Não é a titularidade do título de Enfermeiro Especialistas que releva, mas o concreto exercício diferenciado de funções e este não está demonstrado na presente intimação.

No demais, no que respeita à conformidade constitucional da doutrina do Parecer em relação à interpretação que faz de o protesto realizado pelos Enfermeiros Especialistas se traduzir no exercício de uma greve, mas que a mesma não se apresenta em conformidade com a lei e, consequentemente, origina faltas injustificadas, podendo ainda gerar responsabilidade do enfermeiro, importa dizer o seguinte.

Para além das declarações apresentadas pelos Enfermeiros Especialistas junto das várias instituições de saúde, informando de que a partir de certa data deixariam de prestar cuidados de enfermagem especializados e da reacção de certas instituições de saúde, não se encontram demonstrados quaisquer outros factos sobre a recusa da prestação de cuidados especializados, nem em que termos essa recusa ocorreu, não tendo sido alegados factos que permitam conhecer se foram ou não realizados cuidados de enfermagem especializados e em que períodos, não existindo factos que permitam caracterizar o protesto dos enfermeiros como a convocação de uma greve, designadamente, uma greve de zelo, no que respeita ao entendimento da classe profissional dos enfermeiros sobre o teor da sua obrigação contratual.

Porém, independentemente dos concretos contornos fácticos, importa dizer que apresenta-se inequívoco que, em face da lei, os cuidados de enfermagem especializados integram-se na categoria de Enfermeiro, à qual os Enfermeiros Especialistas pertencem e se encontram integrados, pelo que, tratando-se de cuidados de enfermagem integrados na sua categoria e para a qual possuem título habilitador a esse exercício de funções, não pode existir validamente uma recusa à prestação desses cuidados de enfermagem especializados.

Coisa diferente seria se a categoria profissional de Enfermeiro, à qual as Autoras pertencem, contemplasse apenas no seu conteúdo funcional a prestação de cuidados de enfermagem gerais.

Não sendo assim, por o disposto nas várias alíneas do n.º 1 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009 prever também cuidados de enfermagem especializados, não podem as Enfermeiras Autoras, tituladas com o título de Enfermeiras Especialistas recusar-se à sua prestação.

Os contratos de trabalho que celebraram respeitam à categoria profissional de Enfermeiro, pelo que, dentro dessa categoria estão vinculadas à prestação de todos os cuidados de enfermagem para as quais estejam habilitadas profissionalmente.

Neste sentido, não se detecta qualquer interpretação desconforme à Constituição, já que sendo as enfermeiras, ora Autoras, à data, titulares do título de Enfermeiras Especialistas, tendo sido contratadas com a categoria de Enfermeiro e sendo os cuidados de enfermagem especializados integrados nessa categoria, não pode existir a recusa de cuidados de enfermagem especializados, sob pena de incumprimento contratual, que, consoante as circunstâncias do caso, poderá ou não originar faltas injustificadas e o consequente desconto na remuneração, e ainda responsabilidade disciplinar do enfermeiro, por desrespeito quanto ao dever de cumprimento do conteúdo funcional previsto no âmbito da sua categoria profissional de Enfermeiro.

Em face de todo o exposto, em face das circunstâncias do caso concreto, assente nos factos alegados e na prova produzida em juízo, será de concluir pela improcedência do pedido, não existindo fundamentos para entender que incorre o Parecer do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República de uma interpretação que viole o disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constituição e o princípio da igualdade que lhe está subjacente.

Nestes termos, será de negar provimento ao pedido, por não provado.

8. Do pedido de reconhecimento do direito de os enfermeiros nas mesmas condições das Enfermeiras Autoras, exercerem as funções para as quais foram contratadas e são remuneradas e do direito a suspender o título de Enfermeiro Especialista, em cumprimento do artigo 59.º da Constituição

Por último, pretendem as Autoras enfermeiras que lhe seja reconhecido, assim como a todos os demais enfermeiros que se encontrem nas mesmas condições, a exercer as funções para as quais foram contratados e são remunerados, assim como o direito a suspender o título de Enfermeiro Especialista.

Vejamos.

A pretensão das Autoras constitui claramente uma solução de “remédio”, para a questão de falta de diferenciação salarial, em decorrência da diferenciação funcional legalmente prevista entre Enfermeiro e Enfermeiro Especialista, da categoria de Enfermeiro, da carreira de enfermagem.

Não tendo o legislador distinguido ao nível do estatuto remuneratório entre quem não é titular de qualquer título de especialidade de enfermagem e quem é titular do título de Enfermeiro Especialista, assim como não existindo essa diferenciação remuneratória, porque independentemente da existência ou não de conhecimentos especializados de enfermagem, todos os enfermeiros, com a categoria de Enfermeiro auferem a mesma remuneração, apenas com a diferenciação em função dos níveis remuneratórios, pretendem as Autoras prescindir desse título, de forma a exercer funções que no seu entendimento são menos exigentes e de menor responsabilidade.

Como decorre da seleção da matéria de facto apurada, as Autoras celebraram contrato de trabalho para a prestação de cuidados de enfermagem, sendo detentoras do título de Enfermeiro.

Não possuindo à data o título de Enfermeiro Especialista não estavam habilitadas à prestação de cuidados especializados de enfermagem, mas apenas a prestação de cuidados gerais.

Como consideram que não obtém qualquer vantagem direta em serem Enfermeiras Especialistas, por auferirem tal como os seus colegas que exercem cuidados gerais de enfermagem, sem que exista qualquer diferenciação remuneratória pela diferenciação funcional prevista na lei, pretendem suspender o título que as habilita à prestação de cuidados especializados de enfermagem, de forma a prestarem apenas cuidados gerais.

Ora, considerando que as Autoras estão integradas na categoria de Enfermeiro têm como conteúdo funcional o que se encontra previsto no n.º 1 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009.

Porém, as funções que se encontram previstas nas alíneas j) a p), do citado n.º 1 do artigo 9.º, só podem ser exercidas por quem for titular do título de Enfermeiro Especialista, assim como qualquer função que se encontre prevista para um de qualquer dos tipos de especialidade de enfermagem, pelo que, quem não detiver esse título apenas pode exercer as funções previstas nas alíneas a) a i) do preceito em causa,.

Ou seja, só podem exercer as funções a que se referem as citadas alíneas j) a p) n.º 1 do artigo 9.º quem detiver um título de Enfermeiro Especialista, pois caso contrário tais funções estão-lhe vedadas.

Pretendem agora as Autoras suspender esse título, pretensão que a Ordem dos Enfermeiros já deferiu, mas que enfrenta a oposição da Administração.

Nos termos em que se encontra legalmente previsto, no artigo 6.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, cabe à Ordem dos Enfermeiros a inscrição do enfermeiro, enquanto requisito ou condição para o exercício da profissão de enfermeiro, dependendo o exercício da profissão de enfermeiro da inscrição como membro da Ordem.

O n.º 1 do artigo 10.º do Estatuto da Ordem dos Enfermeiros determina quanto às condições para o exercício da profissão, que o exercício profissional obriga o enfermeiro a: “a) Ser portador de cédula profissional válida; b) Estar inscrito na secção regional correspondente ao domicílio profissional; c) Ser titular de seguro de responsabilidade profissional.”.

Também compete à Ordem dos Enfermeiros a atribuição dos títulos de Enfermeiro Especialista, nos termos do n.º 1 do artigo 40.º do Estatuto.

Por sua vez, quanto à suspensão e perda da qualidade de membro da Ordem, estabelece o artigo 11.º o seguinte:

1 - É suspensa a inscrição dos membros da Ordem que:

a) O requeiram;

b) Tenham sido punidos com sanção disciplinar de suspensão;

c) Se encontrem em situação de incompatibilidade superveniente com o exercício da profissão de enfermeiro;

d) Se encontram em situação de incumprimento reiterado, pelo período mínimo de 12 meses, do dever de pagamento de quotas, em conformidade com o presente Estatuto;

e) Não tenham seguro de responsabilidade profissional em vigor.

2 - É cancelada a inscrição dos membros da Ordem que:

a) O requeiram;

b) Tenham sido punidos com a sanção disciplinar de expulsão;

c) A Ordem tiver conhecimento do seu falecimento.

3 - Os casos de cancelamento previstos no número anterior implicam a perda da qualidade de membro efetivo da Ordem.

4 - A cédula profissional é sempre devolvida à Ordem, pelo titular, nas situações previstas nos números anteriores.

5 - A impossibilidade de devolução da cédula profissional ou o incumprimento desse dever não impede que a suspensão ou o cancelamento da inscrição se tornem efetivos.”.

Sendo a inscrição na Ordem dos Enfermeiros um requisito legal para o exercício da profissão, sem o qual não podem prestados cuidados de enfermagem, já assim não acontece com o título de Enfermeiro Especialista, que o enfermeiro pode ou não ser titular.

Natural será que os enfermeiros, em desenvolvimento da sua carreira, pretendam ser Enfermeiros Especialistas, como via de acesso à segunda e última categoria da carreira de enfermagem, a de Enfermeiro Principal, prevista no artigo 10.º do D.L. n.º 248/2009, considerando serem exigidos como requisitos de admissão o título de Enfermeiro Especialista atribuído pela Ordem dos Enfermeiros e um mínimo de cinco anos de experiência efectiva no exercício da profissão, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 12.º do D.L. n.º 248/2009.

O exercício de funções como Enfermeiro Especialista dará pois, a experiência necessária à verificação dos requisitos para a admissão à categoria de Enfermeiro Principal, o que será a expectativa legítima dos enfermeiros, a alcançar no decorrer da carreira.

Não se encontra prevista, nem regulada na lei a possibilidade de suspensão da do título de Enfermeiro Especialista, sendo a questão a decidir se é possível essa suspensão.

Não regulando a lei essa possibilidade, estando em causa uma matéria omissa no D.L. n.º 248/2009 e no Estatuto da Ordem dos Enfermeiros, não se pode invocar que a pretensão das ora Autoras em suspender o seu título profissional seja proibida ou constitua uma ilegalidade, por inexistir norma jurídica que seja violada com a viabilização dessa pretensão.

Por outro lado, a suspensão do título de Enfermeiro especialista não afecta a inscrição do enfermeiro na respectiva Ordem profissional, por se tratar de questões diferentes, a inscrição do profissional na ordem profissional e a obtenção do título profissional que tem de ser registado na cédula profissional.

A circunstância de um enfermeiro ter suspenso o seu título profissional de Enfermeiro Especialista não obsta à sua inscrição na ordem profissional, nem obsta ao consequente exercício da profissão de enfermeiro.

A diferença é que passa a ficar impedido de prestar cuidados especializados de enfermagem, porque o seu título de Enfermeiro Especialista passa a estar suspenso, exercendo a profissão de enfermeiro com o título de Enfermeiro, que o habilita a exercer as competências correspondentes a cuidados gerais de enfermagem, nos termos do disposto nas alíneas a) a i), do n.º 1 do artigo 9.º do D.L. n.º 248/2009.

Tendo as Enfermeiras Autoras celebrado contratos de trabalho com o título de Enfermeiro, vincularam-se nesses precisos termos.

À data da celebração dos contratos de trabalho não eram Enfermeiras Especialistas e não estavam obrigadas contratualmente a prosseguir a sua formação com vista a obter esse título profissional e poder vir a exercer outras funções.

Em rigor, nenhum enfermeiro está vinculado a obter o título de Enfermeiro Especialista, conduzindo a sua carreira como melhor lhe aprouver.

A pretensão ora deduzida em juízo seria, noutras circunstâncias, uma contradição nas expectativas de evolução de carreira, pois que um qualquer profissional pretende evoluir e crescer em termos de carreira e não fazê-la diminuir, mas tal constitui uma reação à opção de política-legislativa e também de política-governativa, em manter o status quo dos Enfermeiros Especialistas.

Tal como a Ordem dos Enfermeiros entendeu, ao deferir os pedidos das ora enfermeiras Autoras em suspender o seu título de Enfermeiro Especialista, nenhum obstáculo legal existe em que seja atendida essa pretensão, por não colidir com a normatividade aplicável, nem com os termos dos contratos de trabalho para a prestação de cuidados de enfermagem a que as partes se vincularam, seja o contrato de trabalho em funções públicas, no caso da Autora Interveniente, seja o contrato de trabalho privado no caso da Autora principal.

Nos termos em que as Autoras enfermeiras se vincularam através dos seus respectivos contratos de trabalho, nada impõe ou obriga ao exercício de funções que ultrapassem as funções próprias do conteúdo funcional da categoria de Enfermeiro, com o título de Enfermeiro, por ser o título que possuíam à data, não se vinculando a prosseguir a sua formação profissional e à obtenção da especialidade de enfermagem, nem de um título de especialidade em particular.

De resto, pode admitir-se que um profissional de enfermagem opte por se manter ao longo de toda a carreira com o título de Enfermeiro, porque não se dispõe a investir na sua formação, com o esforço e o dispêndio de tempo e de dinheiro que essa obtenção de formação exige.

Tal indicia ser precisamente a realidade que actualmente se verifica em relação à carreira de enfermagem, por não existir qualquer vantagem na obtenção do título de Enfermeiro Especialista.

Nestes termos e em face do exposto, será de conceder provimento ao pedido, reconhecendo-se o direito de as enfermeiras Autoras suspenderem o título de Enfermeiro Especialista junto da Ordem dos Enfermeiros e, em consequência disso, por falta de habilitação legal para o exercício dessas funções, passarem a exercer apenas as funções próprias e correspondentes ao conteúdo funcional do título de Enfermeiro, da categoria profissional de Enfermeiro, nos termos em que se vincularam aquando a celebração dos seus respetivos contratos de trabalho de enfermagem.

Pelo que, será de julgar o pedido procedente, por provado.


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Em consequência, será de conceder provimento a ambos os recursos e, em substituição, conceder parcial provimento à presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias.

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Sumariando, nos termos do nº 7 do artº 713º do CPC, conclui-se da seguinte forma:

I. A nulidade prevista na alínea b), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC ocorre por a decisão ser totalmente omissa quanto aos fundamentos de facto.

II. Verifica-se a nulidade prevista na alínea d), do n.º 1, do artigo 615.º do CPC por o juiz ter deixado de conhecer da matéria de exceção suscitada na contestação, segundo a sua ordem lógica e de precedência de conhecimento, nem ter julgado prejudicado esse conhecimento, tendo deixado de conhecer de questões sobre os quais recai o dever de decidir.

III. As enfermeiras Autoras e a Ordem dos Enfermeiros têm legitimidade ativa para defender os interesses próprios e da classe dos enfermeiros, no conflito relativo à careira dos Enfermeiros Especialistas.

IV. O Ministério da Saúde tem legitimidade passiva para estar em juízo, num conflito que não tem natureza laboral, por não ser atinente às prestações e contraprestações do contrato de trabalho de cuidados de enfermagem, mas relacionado com a estruturação da carreira de enfermagem e da categoria de Enfermeiro, assim como dos Enfermeiros Especialistas integrados na categoria de Enfermeiro.

V. O caso julgado formal obsta a que o juiz, na mesma ação, possa alterar a decisão proferida.

VI. Não pode haver ofensa ao caso julgado, quando não se identifica qualquer decisão judicial no processo, transitada em julgado, que tivesse sido alterada pelo juiz, e sem decisão judicial é impossível a formação do caso julgado.

VII. A falta de decisão na fase do despacho liminar sobre a adequação do meio processual da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, não impede que, findos os articulados, se decida essa questão, não ocorrendo a violação do caso julgado formal, nem do princípio da preclusão.

VIII. Embora a lei não preveja as causas ou os fundamentos para a rejeição liminar da petição inicial da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, apenas em casos de manifesta ou de evidente ausência dos pressupostos processuais ou da falta dos requisitos legais para o prosseguimento da instância, poderá ser proferido despacho de rejeição liminar, como se estabelece no n.º 1 do artigo 590.º do CPC.

IX. Só em face da falta evidente ou manifesta dos pressupostos processuais pode ser tomada uma decisão de conteúdo desfavorável para a parte, sem que antes tivesse sido assegurado o exercício do princípio do contraditório, enquanto trave mestra que enforma todo o direito processual, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 3.º do CPC.

X. A questão da falta de subsidiariedade do meio processual da presente intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias pode ser conhecida e julgada depois de proferido o despacho de admissão liminar, em duas situações:

(i) quando não seja manifesta ou evidente a falta de subsidiariedade da intimação, nos termos da estruturação da causa, resultantes da petição inicial;

(ii) quando a falta de subsidiariedade da intimação tenha sido suscitada na contestação, caso em que existe o dever legal de conhecer dessa questão.

XI. Sendo possível o decretamento de uma providência cautelar de suspensão de eficácia do ato de homologação do Parecer, não se vislumbra outro meio processual para tutelar o pedido de reconhecimento do direito a suspender o título profissional e ao consequente exercício de funções profissionais, por o exercício de funções profissionais pressupor o desenvolvimento de uma actividade humana, de forma prolongada no tempo, exigindo o dispêndio de esforços cuja reconstituição natural está inviabilizada, por não se poder apagar os efeitos no tempo das funções concretamente exercidas.

XII. O litígio em presença, pela sua especificidade, considerando as concretas pretensões materiais formuladas em juízo, conexionadas com o concreto exercício de funções por parte de uma classe profissional, a dos enfermeiros, com o título de Enfermeiros Especialistas, que exige a ação humana, em si mesma e por natureza impossível de reconstituir no plano dos factos, e pelos efeitos que o próprio exercício de funções acarreta, não se compadece com uma decisão de efeitos provisórios, própria do processo cautelar, além de não se bastar com o conhecimento sumário e perfunctório, de facto e de direito, que caracteriza a instância cautelar, nem se compadecer com a delonga própria de uma ação administrativa, exigindo o conhecimento amplo e global do litígio e uma decisão que aprecie o mérito do pedido, definindo o direito para o caso concreto, com força de caso julgado material, sob a égide da urgência.

XIII. O pedido de revogação do ato de homologação, pretende eliminar os efeitos do Parecer emitido pela PGR, cuja doutrina se tornou vinculativa para os serviços de saúde, integrados no Serviço Nacional de Saúde, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 43.º do Estatuto do Ministério Público.

XIV. O Parecer tem o seu âmbito de conhecimento limitado às três questões concretamente formuladas pelo Ministro da Saúde; a presente instância tem o seu âmbito de conhecimento limitado pelo pedido e pela causa de pedir que resultam da petição inicial, sendo substancialmente diferente a natureza intrínseca de um parecer e a de uma decisão judicial.

XV. A sentença deve vinculação aos limites constitucionais que decorrem do princípio da separação de poderes, previsto no artigo 111.º da Constituição, sendo o controlo jurisdicional exercido pelo Tribunal um controlo de legalidade e não sobre o mérito, a conveniência ou a oportunidade da atuação da Administração, segundo o n.º 1 do artigo 3.º do CPTA.

XVI. Ao contrário ao que vigorou até 2009, perante o actual quadro normativo decorrente da aprovação dos D.L. n.ºs 247 e 248, de 22/09/2009, não existe na carreira de enfermagem a categoria de Enfermeiro Especialista.

XVII. Existe na categoria profissional de Enfermeiro, uma diferenciação ao nível dos conteúdos funcionais, entre quem seja titular do título de Enfermeiro e quem detenha o título de Enfermeiro Especialista, sem que essa diferenciação funcional seja seguida de uma diferenciação remuneratória.

XVIII. A distinção entre Enfermeiro e Enfermeiro Especialista releva ao nível da competência científica, técnica e humana para prestar cuidados de enfermagem especializados na respectiva área de especialidade, e assenta num processo formativo e de certificação de competências, numa área clínica de especialização, sendo seguro dizer que os Enfermeiros Especialistas dispõem de maiores competências científicas e técnicas para o exercício da profissão, o que traduz o investimento que cada Enfermeiro Especialista fez na sua própria formação e capacitação.

XIX. Não sendo alegados factos relativos ao exercício das funções, antes e depois da obtenção do título de Enfermeiro Especialista, não existe base factual em que possa ser alicerçada a violação do princípio “para trabalho igual, salário igual”, previsto na alínea a), do n.º 1 do artigo 59.º da Constitucional, assente na diferenciação quanto às habilitações profissionais detidas e às funções concretamente exercidas.

XX. Não se pondo em causa a liberdade de conformação sobre os termos como a carreira de enfermagem é estruturada, não deixam de se aplicar certas vinculações decorrentes dos princípios constitucionais aplicáveis, decorrentes da igualdade, que apelam ao tratamento igualitário de situações materialmente idênticas e à diferenciação das situações materialmente desiguais, com a proibição da discriminação ou o estabelecimento de uma carreira que não obedeça a uma relação de equilíbrio entre as prestações contratuais, decorrentes entre aquela que é obrigação do empregador, essencialmente de natureza retributiva, e a do trabalhador, conexionada com o exercício de funções e a disponibilidade para o trabalho.

XXI. O controlo judicial é de legalidade, não incidindo sobre aspectos de natureza eminentemente valorativa, atinentes ao mérito das opções assumidas, além de assentar numa dada realidade fáctico-jurídica, por referência a uma concreta realidade de facto devidamente subjectivada, por o Tribunal não apreciar ou decidir em abstrato, não fazendo um controlo abstracto da constitucionalidade.

XXII. Estando os cuidados especializados de enfermagem integrados no conteúdo funcional da categoria de Enfermeiro, à qual os Enfermeiros Especialistas pertencem, integrando o seu conteúdo funcional, não pode existir validamente uma recusa à prestação desses cuidados de enfermagem especializados, sob pena de poder originar faltas injustificadas e o consequente desconto na remuneração, e ainda responsabilidade disciplinar do enfermeiro.

XXIII. Porque não proibido por lei, nem colidir com a inscrição na Ordem profissional, assiste o direito de o Enfermeiro Especialista requerer a suspensão do título de Enfermeiro Especialista junto da respectiva Ordem profissional, passando a partir daí apenas a poder exercer funções próprias do título de Enfermeiro, com exclusão dos cuidados especializados de enfermagem.


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Por tudo quanto vem de ser exposto, acordam os Juízes do presente Tribunal Central Administrativo Sul, em conceder provimento a ambos os recursos, por provados os seus respetivos fundamentos, em:

1. declarar a nulidade da decisão recorrida, por falta de fundamentos de facto e

2. declarar a nulidade da decisão recorrida, por omissão de pronúncia quanto a questões que devia conhecer.

Em substituição, decide-se:

3. proceder ao julgamento de facto;

4. julgar improcedente a exceção de ilegitimidade ativa das enfermeiras Autoras;

5. julgar improcedente a exceção de ilegitimidade ativa da Ordem dos Enfermeiros;

6. julgar improcedente a exceção de ilegitimidade passiva do Ministério da Saúde;

7. julgar improcedente a questão de violação do caso julgado formal;

8. conceder provimento ao recurso, por erro de julgamento de direito quanto à questão de falta de subsidiariedade a presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, por ser meio próprio, julgando tal exceção improcedente;

9. em julgar prejudicado o conhecimento do (i) erro de julgamento por não convolação da intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias em providência cautelar e da (ii) inconstitucionalidade da decisão recorrida, por violação do artigo 20.º da Constituição;

10. negar provimento do pedido de condenação à revogação do despacho de homologação do Parecer n.º 18/2017, do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República, por não provado;

11. conceder provimento ao pedido de reconhecimento do direito de as enfermeiras Autoras e de todos os enfermeiros nas mesmas condições, poderem suspender junto da Ordem dos Enfermeiros o título de Enfermeiro Especialista e, em consequência, passar a exercer funções próprias do conteúdo funcional de Enfermeiro, da categoria de Enfermeiro, excluindo os cuidados especializados de enfermagem para os quais deixam de estar habilitados, em consonância com os contratos de trabalho de enfermagem celebrados.”.

Por todo o exposto, de entre o demais em que divirjo do acórdão que fez vencimento, anularia a sentença recorrida e, em substituição, conheceria de facto e de direito, julgando as questões omitidas e o mérito da causa, não determinando a baixa dos autos ao Tribunal recorrido para julgar os termos da causa como de uma providência cautelar.


(Ana Celeste Carvalho)