Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:747/15.7BESNT
Secção:CT
Data do Acordão:09/30/2019
Relator:MÁRIO REBELO
Descritores:AVALIAÇÃO INDIRETA;
PRESSUPOSTOS.
Sumário:1. O IRC incide sobre o lucro tributável das empresas (art. 3º/a) e 2 CIRC).

2. Esse lucro é apurado com base na contabilidade, que se for fiável é creditada com a presunção de verdade. (art.º 83º/1 LGT e 17º/1 CIRC).

3. Se as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo cessa a presunção de verdade e boa fé creditada às declarações dos contribuintes e aos apuramentos inscritos na sua contabilidade (art.º 75º/1,2-a) LGT).

4. E se não for possível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (art.º 87º/1-a) e 88º LGT) há lugar à avaliação indirecta.

5. Se, mesmo imperfeita, a contabilidade permitir a reconstituição dos elementos indispensáveis à exacta determinação da matéria tributável, não pode a AT lançar mão deste meio de avaliação da matéria colectável e consequente tributação
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

RECORRENTE: H.........., Lda.
RECORRIDO: Autoridade Tributária e Aduaneira.
OBJECTO DO RECURSO: Sentença proferida pela MMº juiz do TAF de Sintra que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2011.
CONCLUSÕES DAS ALEGAÇÕES:

a) O sujeito passivo discorda da Douta Decisão do Tribunal a quo que, no seu entendimento, não valorizou devidamente a impugnação apresentada.

b) Com efeito, nos termos do artº 75º da LGT, presumem-se de veracidade e boa-fé as declarações dos contribuintes efectuadas de acordo com a lei comercial e fiscal.

c) A realização de avaliação indirecta só pode efectuar-se nos casos definidos nos artºs. 87º e 89º da LGT e nomeadamente quando exista a impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à determinação da matéria tributável de qualquer imposto e/ou a matéria tributável do sujeito passivo se afastar, sem razão justificada, mais de 30% para menos, ou durante 3 anos seguidos 15% para menos, da que resultaria da aplicação dos indicadores objectivos de actividade de base técnico-científica, referidos na presente lei e desde que o contribuinte, não apresente, de acordo com o nº1 do artº 89º justificação para os afastamentos verificado. Nos termos do artº 89º é expresso que os indicadores de base técnico-científica são definidos anualmente pelo Ministro das Finanças.

d) Os pressupostos invocados pela AT não cumprem, no entendimento do sujeito passivo, as condições para a aplicabilidade de métodos indirectos, como foi expresso ao longo destas Alegações de recurso, tendo sido apresentada fundamentação insuficiente.

e) Mas admitindo, sem conceder, que fosse permitida a aplicação de métodos indirectos, foram aplicados critérios e cálculos nas correcções sem ter em conta a realidade concreta da empresa, conduzindo a dúvidas sobre pressupostos incorrectos, erros de recolha das quantidades adquiridas, erros de quantificação dos produtos que foram objecto de transformação e de critérios errados de imputação dos produtos à confecção, dúvidas e objecções em parte satisfeitas por acordo com a AT que reduziu as correcções em cerca de 119.000 euros, mantendo-se porém dúvidas provadas ou indiciadas sobre parte das correcções efectuadas, nos termos do nº 9 do ponto II, que devem merecer a anulação nos termos do artº 100º do CPPT.

f) Nos termos do Acórdão do STA de 24/4/02 proferido no processo nº 026679, no caso de aplicação de métodos indiciários, o próprio método de quantificação, baseado em presunções e estimativas, nunca pode garantir a correspondência entre a matéria tributável quantificada e a realidade, pelo que, pela sua própria natureza, não pode deixar de conduzir a uma situação de dúvida sobre aquela quantificação, Nestas condições é de concluir que, no caso de utilização de métodos indiciários, só se estará numa situação de fundada dúvida, para efeitos do artº 100º do CPPT, quando positivamente se prove que tal quantificação é errada, ou pelo menos, quando haja indícios de que o seja. Não há qualquer dúvida de que os indícios de quebras não consideradas e de pressupostos incorrectos e de critérios absolutamente discricionários foram absolutamente demonstrados pelo que a quantificação realizada pela AT é absolutamente errada e irreal, procurando de qualquer modo extorquir impostos ao contribuinte.

III - DOS FACTOS EM SEDE JUDICIAL

Apontam-se nos termos legais as seguintes normas violadas:

- Artº 104º nº 2 da CRP

- Artº 75º da LGT.

- Artº 71º nº 4 da LGT.

- Artº 87º e 89º da LGT.

- Artº 90º da LGT

- (Acórdão do STA de 24/4/02 proferido no processo nº 026679)

- Artº 100º do CPPT.

TENDO EM CONTA A DEFICIENTE INTERPRETAÇÃO DOS FACTOS E DA APLICAÇÃO DO DIREITO, DEVE SER DADO PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO E SER REVOGADA A SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO, SENDO SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE CONTEMPLE A PRETENSÃO DA AQUI RECORRENTE E O CUMPRIMENTO DA LEI, ANULANDO A LIQUIDAÇÃO OFICIOSA REFERENTE AO IRC DE 2011 E ACRESCI DO, NÃO DEVIDAMENTE FUNDAMENTADA E OBTIDA POR VIA DE MÉTODOS JNDIRECTOS NÃO CUMPRIDORES DOS CRITÉRIOS DEFINIDOS NOS ARTIGOS 71º Nº 4 E 90º DA LGT E 100º DO CPPT, ASSIM SE FAZENDO A:

COSTUMADA JUSTIÇA!


CONTRA ALEGAÇÕES.
Não houve.

PARECER DO MINISTÉRIO PÚBLICO.

A Exma. Procuradora-Geral Adjunta neste TCA emitiu esclarecido parecer concluindo pela improcedência do recurso e confirmação da sentença recorrida.

II QUESTÕES A APRECIAR.
O objecto do presente recurso, delimitado pelas conclusões formuladas (artigos 635º/3-4 e 639º/1-3, ambos do Código de Processo Civil, «ex vi» do artº 281º CPPT), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º/ 2, in fine), consiste em saber se a sentença errou ao julgar improcedente a impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 2011.

III FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
A sentença fixou os seguintes factos provados e respetiva motivação:

A. A sociedade J.........., Lda., dedicava-se à exploração de um restaurante de tipo tradicional, localizado na cidade de Almeirim [cf. fls. 169vv. e 181 a 184 do processo de reclamação graciosa].

B. A sociedade J.........., Lda., cessou actividade com data reportada a 31.12.2013, por fusão por incorporação na sociedade Impugnante [cf. fls. 183vv. do processo de reclamação graciosa, print do cadastro fiscal e cópia da certidão permanente daquela sociedade].

C. Em cumprimento da Ordem de Serviço n.º OI.........., de 10.12.2012, foi despoletado um procedimento de inspecção à sociedade J.........., Lda., de âmbito parcial, IRC e IVA, relativo ao exercício de 2011 [cf. fls. 169vv. do processo de reclamação graciosa – relatório de inspecção].

D. A 16.07.2013 foi elaborado o relatório de inspecção tributária onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

- MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

Inspeção ao exercício do ano de 2004 - Margens praticadas
O sujeito passivo no ano de 2005 foi alvo de uma inspeção ao exercício do ano de 2004, tendo sido efetuada uma recolha das bases de dados do sistema informático de faturação. Pela análise das referidas bases de dados apurou-se inequivocamente que os ficheiros informáticos foram alterados, o que implicou uma falta de contabilização de proveitos no montante total de € 195.569,73 e falta de entrega de IVA liquidado, não declarado e não entregue no montante total de € 23.438,56.
A referida inspecção também abrangeu parte dos exercícios dos anos de 2003 e 2005, onde se detetou o mesmo tipo de omissões/infrações por parte do sujeito passivo.
O sujeito passivo confrontado com as conclusões daquela ação inspetiva procedeu à regularização declarativa e efetuou o pagamento de todos os impostos que se mostraram devidos. Daqui concluímos que efetivamente o sujeito passivo adulterava a informação constante dos ficheiros produzidos pelo programa de faturação para assim entregar ao Estado menos IVA do que aquele que recebeu do clientes e pagar menos imposto sobre os lucros obtidos.
No ano de 2004, o sujeito passivo declarou inicialmente uma Margem Bruta sobre as Vendas (MBV) de 42,3 % [(Prest. Serviços - Custo Matérias Consumidas)/Prest. Serviços x 100].

Após a inspeção e a regularização por parte do sujeito passivo a MBV do ano de 2004, por si declarada, e mais próxima da realidade, foi de 53,06%.
A atividade do sujeito passivo carateriza-se por uma atividade de carater continuado, sendo que a qualidade dos serviços prestados aos clientes e a relação qualidade preço não sofre alterações ao longo dos anos, conforme declarado pelo sócio-gerente. Relativamente ao período do ano de 2011 sujeito passivo declarou uma MBV de 39,41%. O que indicia que também no ano de 2011 o sujeito passivo terá omitido proveitos e não terão declarado e entregue ao Estado todo o IVA liquidado e recebido dos seus clientes.

Inexistência de informação relativa ao detalhe das vendas - ficheiros informáticos (documentos fiscalmente relevantes)

Conforme assumido pelo sócio-gerente, o sujeito passivo não facultou informação relativa ao detalhe das prestações de serviços, nomeadamente a informação constante das facturas, vendas a dinheiro ou talões de venda.
O sujeito passivo, nos termos do n.º 4 do artigo 52.° do código do IVA, estava autorizado a arquivar em suporte eletrónico as faturas ou documentos equivalentes emitidos por via eletrónica, desde que garantisse o acesso completo aos dados e assegurasse a integridade da origem e do seu conteúdo.
O sujeito passivo no período em causa, ano de 2011, emitia faturas ou documentos equivalentes com recurso a programa informático, arquivava os mesmos em suporte informático mas não garantiu o acesso completo aos dados.
Note-se que, independentemente de ter ocorrido uma avaria no disco do computador onde era armazenada a informação, o sujeito passivo não cumpriu o determinado nos artigos 6.° e 9.° da portaria 1370/2007 de 19 de outubro, a seguir transcritos:

Artigo 6.º - Cópias de segurança - 1 - Os sujeitos passivos são obrigados a possuir cópias de segurança do suporte eletrónico.
2 - Os originais e as cópias de segurança devem ser armazenados em locais distintos e em condições de conservação e segurança necessárias de modo a garantir a impossibilidade de perda dos arquivos.
Artigo 9.º - Acesso à informação arquivada - 1 - Os sujeitos passivos devem facultar à administração tributária, no exercício da ação de inspeção, cópias dos respetivos suportes, reproduções legíveis em papel dos documentos arquivados, bem como permitir a realização de quaisquer tipo de análises e ou pesquisas ao arquivo a que se refere o artigo 1.º
2 - Para efeitos do disposto no número anterior, devem os sujeitos passivos assegurar a disponibilidade do equipamento que serviu para gravação dos seus documentos e de pessoal técnico habilitado para manuseamento do sistema utilizado.

Não tendo a inspeção tributária acesso à informação relativa ao detalhe das prestações de serviços, à informação contida nos documentos (faturas), não é possível comprovar a veracidade do valor das prestações de serviços declarados, Torna-se impraticável testar consumos de matérias primas 'versus prestações de serviços. Por exemplo, no valor total das prestações de serviços declaradas não é possível saber quantos cafés estão lá incluídos e comparar com os quilos de grão de café adquiridos. Bem como, não é possível saber as doses de peixe servidas, incluídas naquelas prestações de serviços, e comparar com as quantidades de peixe adquiridas pelo sujeito passivo.

Foram solicitadas verbalmente ao sujeito passivo as tabelas de preços praticados durante o ano de 2011, ao que respondeu que não possuía essas tabelas de preços, declarando que os preços praticados em 2011 tiveram poucas alterações em relação aos praticados atualmente, fornecendo as tabelas de preços atuais. Posteriormente quando interpelado para lavrar auto de declarações, dada a impossibilidade de comprovação dos factos através de documentos, por inexistência de informação detalhada das vendas, indicou alterações para todos os preços. Se o sujeito passivo tivesse cumprido as normas supra referidas, a informação relativa aos duplicados das faturas, arquivada eletronicamente, estaria disponível, e nessa informação era possível verificar os preços efetivamente praticados.

Fragilidades da contabilidade
Nos termos do artigo 17.0 do código do IRC o lucro tributável das pessoas coletivas é determinado com base na contabilidade e esta deve estar organizada de acordo com a normalização contabilística e outras disposições legais em vigor para o setor de atividade. A contabilidade do sujeito passivo, para o ano de 2011, não cumpre algumas das regras básicas da referida normalização contabilística, conforme passamos a concretizar.

Inexistência de extratos de fornecedores
Da contabilidade do sujeito passivo não lê possível extrair extrato de qualquer fornecedor com informação válida. A título de exemplo, para o fornecedor ALBANO .........., NIF .........., foi extraído, a partir do ficheiro SAFT, o seu extrato na contabilidade do sujeito passivo (cópia C) em anexo). Verificamos que desse extrato apenas consta o lançamento de abertura, apesar de, na realidade, o sujeito passivo ter contabilizado, todos os meses, compras provenientes desse fornecedor (fornecedor quase exclusivo de bacalhau), em montante superior a € 70.000,00.

Apesar de o sujeito passivo ter mais de uma centena de fornecedores não tem extratos com informação completa e fiável, assim não é possível validar se as compras a um determinado fornecedor foram todas contabilizadas, comparando com extrato de cliente facultado pelo fornecedor.
É mais difícil a localização de qualquer fatura.

- Lançamentos dos pagamentos sempre na conta 111 caixa, mesmo quando os pagamentos são através de cheque

Apesar de a maior parte dos pagamentos, efetuados pelo sujeito passivo aos seus fornecedores, ser efetuado por meio de cheque, a contabilização desses pagamentos tem sempre como contrapartida a conta 111 caixa, quando corretamente deveria ser contabilizado nas subcontas da conta 12 Depósitos à ordem.

- Inexistência de conciliação bancária

No final de cada mês quando é recebido o extrato bancário na contabilidade, simplesmente são somados todos os valores de entrada e saída do banco, e são feitos lançamentos na contabilidade de forma a que o saldo das subcontas da conta 12 Depósitos à Ordem, seja o mesmo que o saldo da conta bancária constante do extrato bancário, por contrapartida da conta 111 caixa.
Não existe qualquer preocupação da contabilidade em associar os movimentos das contas bancárias aos movimentos da atividade do sujeito passivo.
Nos termos da normalização contabilística a conta 12 Depósitos à ordem debita-se pelos depósitos efetuados e operações equivalentes e credita-se com a emissão de cheques, de ordens de transferência e ordens de pagamento a favor de terceiros. O sujeito passivo efetua depósitos e emite cheques para pagamento aos fornecedores e estas operações não estão refletidas na contabilidade com movimentos nas subcontas da conta 12 Depósitos à Ordem.

- Falta de contabilização da distribuição de resultados e dos empréstimos dos sócios à sociedade e da sociedade aos sócios

É possível verificar por consulta aos extratos bancários, quer das contas bancárias em nome da sociedade, quer aos extratos bancários de contas em nome do sócio gerente, que existem transferências de dinheiro das contas da sociedade para as contas do sócio e das contas do sócio para as contas da sociedade, não existindo qualquer movimento correspondente na contabilidade da sociedade.

Através da análise dos extratos bancários das contas tituladas pelo sócio-gerente são identificados diversos depósitos em numerário. Existem fortes indícios de que esse dinheiro tenha como proveniência as receitas da sociedade uma vez que não é conhecida outra fonte de rendimentos do sócio-gerente.

Divergência no anexo P da IES

O sujeito passivo apresenta diversas divergências nos valores por si declarados no anexo P da IES2. O sujeito passivo declara valores inferiores aos declarados pelos seus fornecedores. Inclusivamente para os fornecedores CARLOS .........., NIF .......... e L.......... LDA, NIF .........., o sujeito passivo não declara, no referido anexo, ter-lhes comprado qualquer valor, sendo que aqueles declararam ter-lhe vendido mercadorias nos valores de € 25.116,00 e € 25.292,00, respetivamente.
Esta situação não deverá corresponder a uma omissão efetiva de contabilização de compras por parte do sujeito passivo, mas deve estar relacionado com o que já foi referido no ponto "Inexistência de extratos de fornecedores".

Existência de um TPA associado a uma conta bancária em nome do sócio-gerente
A sociedade utiliza o TPA n.º 0........../0000.......... para receber dos seus clientes, pelos serviços prestados, através de cartões de débito ou crédito. Esse TPA está associado à conta da Caixa .......... n..º .........., cujo titular é JOAQUIM .........., sócio-gerente da sociedade. O sócio-gerente, pontualmente efetua transferências da referida conta para a conta n.º .........., do mesmo banco que está em nome da sociedade, mas não existe uma correspondência exata entre os valores recebidos pelo sócio, via TPA, e os valores por si transferidos para a sociedade. Estas transferências não são evidenciadas na contabilidade, conforme já referimos.

Empresa familiar

O sujeito passivo, J .......... Lda., trata-se de uma empresa familiar em que os sócios são casados entre si. São trabalhadores da sociedade uma filha e um genro dos sócios. As instalações (restaurante e armazém) onde a empresa exerce atividade são da propriedade dos sócios, não sendo debitado qualquer valor relativo a compensação pela utilização do espaço. Isto é, o sujeito passivo não paga qualquer importância a título de renda aos proprietários do imóvel, e consequentemente não suporta esse custo.
Não estando esses custos, inerentes à atividade desenvolvida, considerados na contabilidade do sujeito passivo, o lucro tributável declarado pelo sujeito passivo está influenciado positivamente por essa realidade.
Se esses custos inerentes à atividade estivessem completamente reflectidos na contabilidade, o sujeito passivo estaria a declarar uma rentabilidade fiscal inferior.

Inventários irreais
A atividade do sujeito passivo caracteriza-se por ser uma atividade de carater continuado, com uma elevada rotatividade dos stocks ele produtos e matérias primas adquiridas, justificada com o facto de grande parte desses bens ter um prazo de validade reduzido. Nesse sentido o valor total desses stocks nunca pode sofrer grandes alterações, salvo alguma compra em maiores quantidades de vinhos ou bebidas espirituosas, o que não foi o caso, no ano em análise.
Como foi admitido pelo sujeito passivo, em auto de declarações, o inventário reportado a 31/12/2011, no valor total de € 4.612,38, não foi correctamente elaborado, não constando desse inventário determinados produtos e matérias-primas que o sujeito passivo tem que ter sempre em stock. Tais como refrigerantes, águas, batatas, arroz, feijão, açúcar, café, etc.

Atendendo ao anteriormente exposto, ficam desta forma postas em causa as asserções contidas nas demonstrações financeiras do ano em causa, pondo em crise o princípio da verdade declarativa.
O potencial dos proveitos em função dos consumos é manifestamente superior aos valores declarados pelo sujeito passivo, conforme se demonstra no capítulo seguinte.
Assim face a tudo o que foi relatado resulta a evidência que os valores declarados pelo sujeito passivo nas respetivas declarações fiscais do ano de 2011 não são verdadeiros. Mais resulta evidenciado que os valores das prestações de serviços/vendas contabilizados / declarados, são inferiores aos valores das prestações de serviços/vendas efetivamente realizados na sua atividade.
Pelo que é de todo impossível comprovar e quantificar de forma direta e exata a matéria coletável do sujeito passivo do ano de 2011.

Estão assim reunidas as condições previstas na alínea b) do artigo 87.0 e da alínea d) do artigo 88.0 da Lei Geral Tributária (LGT) para se proceder à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos.
Nestes termos propõe-se a determinação da matéria tributável com recurso a métodos indiretos, para o ano de 2011, em sede de IRC, ao abrigo disposto no, artigo 57.º do Código do IRC, e em sede de IVA, ao abrigo do disposto no artigo 90.º cio Código do IVA.

- CRITÉRIOS E CÁLCULO DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS

V - 1. CRITÉRIOS:
Para efetuarmos os cálculos dos valores corrigidos, ou seja para determinarmos o valor total das prestações de serviços do sujeito passivo durante o ano de 2011, vamos tomar por base as quantidades de produtos e matérias-primas consumidas durante o ano de 2011.
Como a atividade do sujeito passivo tem um carácter de continuidade, os stocks normalmente não têm alterações significativas em termos de quantidades e, como ficou provado no capítulo anterior que o inventário reportado a 31/12/2011 não foi corretamente elaborado, vamos considerar que as quantidades de produtos e matérias-primas consumidas foi equivalente às quantidades compradas desses produtos e matérias-primas.

Com base na recolha de informação das faturas de compras, efetuadas pelo sujeito passivo, constantes da contabilidade complementada com a informação que nos foi remetida pelos seus fornecedores, foi possível elaborar as tabelas que se juntam em anexo, com a identificação do fornecedor, do documento e data da compra, com a descrição dos bens e com as quantidades, ordenadas por classes de produtos.

Com base naquela informação, em relação aos bens adquiridos e vendidos sem qualquer transformação ou divisão, aplicando-se o preço de venda às quantidades adquiridas, determinamos facilmente os proveitos.
Relativamente aos bens sujeitos a transformação ou divisão, por estimativa e com a colaboração do sujeito passivo, manifestada no auto de declarações, com base nas quantidades compradas foi possível determinar as unidades vendidas, que multiplicadas pelos respetivos preços de venda, chegamos ao montante de proveitos respetivo.
Embora o sujeito passivo processe subsídio de alimentação nos recibos de vencimento dos seus colaboradores, estes fazem refeições no local de trabalho fornecidas gratuitamente. Assim, ao valor do volume de negócios determinado com base nos critérios referidos, retiramos o valor correspondente a uma refeição completa por cada colaborador e por cada dia de trabalho. O valor de uma refeição consumida por cada empregado indicado pelo sujeito passivo foi de € 12,00. O número de colaboradores durante o ano de 2011 foi de 22 colaboradores, incluindo os sócios. Durante o ano de 2011 o restaurante abriu em 283 dias. Portanto o montante, com IVA incluído, a desconsiderar pelo facto de o sujeito passivo fornecer alimentação aos seus colaboradores é de € 74.712,00.

Atendendo à falta de veracidade dos valores declarados para efeitos fiscais, relativamente aos inventários, situação confirmada pelo sujeito passivo, e já anteriormente referida no ponto g. inventários irreais, do capitulo anterior, vamos considerar a variação dos mesmos nula, ou seja, o valor das compras de produtos e matérias-primas é idêntico ao Custo das Mercadorias Vendidas e Matérias Consumidas, cumprindo assim com o determinado no n.o 1 do artigo 23.0 do código do IRC.

V - 2. CÁLCULOS DOS VALORES CORRIGIDOS COM RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS:
V - 2.1 I.R.C

De acordo com os critérios já referidos vamos determinar o valor das vendas / prestações de serviços com base nas quantidades de bens comprados para servir aos clientes. Separamos esses produtos por grupos de acordo com as tabelas anexas.

1. Bebidas incluindo café

Na seguinte tabela encontram-se os valores relativos a águas, café, cervejas, refrigerantes e vinho vendido a jarro.



Notas explicativas:

•Relativamente ao café, foram considerados 130 cafés por cada quilo de grão de café ou descafeinado adquirido. Para confecionar cada café são necessários aproximadamente 7 gramas de café, assim um quilo daria para produzir aproximadamente 143 cafés (1000g/7g). Ao considerarmos 130 cafés por cada quilo de grão estamos a considerar uma diferença de 10% para compensar eventuais quebras na confeção. Foram comprados 1067 quilos de café ou descafeinado;

•As garrafas de refrigerante de 1 litro, 1,5 litros e 2 litros foram todas consideradas vendidas ao mesmo preço das garrafas de água de 1,5 litros;

•O sujeito passivo comprou 16.839 litros de vinho a granel ou Bag-in-Box, segundo as suas estimativas consome em temperos cerca de 10 litros por semana, o equivalente a 480 litros por ano (10 x 48 semanas). Quanto ao restante, propomos considerar vendidos em jarros com a capacidade de 1 litro. O sujeito passivo vende vinho a jarro com capacidades de 1 litro, 0,5 litros ou 0,2S litros. A venda de vinho em jarros com a capacidade de 1 litro é a que apresenta menor rentabilidade, conforme se demonstra na tabela seguinte (considerados os preços atuais e 16.3S9 litros de vinho):




Na seguinte tabela encontram-se os valores relativos a garrafas de vinho:


Notas explicativas:

•Relativamente a todas as garrafas cuja marca de vinho não consta das tabelas de preços consideramos como se tivessem sido vendidas ao preço de vinho branco ou tinto da região, que é o preço mais baixo das tabelas, dando assim vantagem ao sujeito passivo.

Totalizam assim as vendas de Bebidas incluindo café, €426.775,55 (317.380,45 + 109.395,10), com IVA incluído.


2. Bebidas Brancas e Aperitivos

Notas explicativas:

•Relativamente a todas as garrafas de 70 ou 75 centilitros foram consideradas 13 doses por garrafa. Considerando 5 centilitros por dose, 13 doses são 65 centilitros, é dada assim margem para eventuais quebras ou doses mais bem servidas. Da mesma forma em garrafas de litro apenas consideramos 18 doses;

•Foram consideradas apenas doses e não meias doses dando assim vantagem ao sujeito passivo.


Entradas e Sobremesas, incluindo pão


Notas explicativas:

•Relativamente às azeitonas foram consideradas 120 gramas de azeitonas por cada taça;

•Relativamente ao pão: o sujeito passivo produz o pão que vende, para isso comprou no ano de 2011, 16.700 quilos de farinha. Considerando 5% da farinha para tender e 5 % como desperdício ficam 15.030 quilos de farinha que foi transformada em pão, Cada quilo de farinha, com a incorporação do sal, fermento e água, dá para produzir 1,3 quilos de pão. Portanto 15.030 quilos de farinha deram origem 19.539 (15,030 x 1,3) quilos de pão, Cinco caralhotas (do dia anterior, com memos humidade) pesavam 0,925kg, portanto em média cada caralhota pesa 0,185 quilos, Dividimos os 19.539 quilos de pão por 0,185, deu origem a 105,616 caralhotas, Considerando que 2 % sobraram e não foram vendidas, obtém-se o resultado de 103.504 caralhotas vendidas;

•Os preços dos gelados considerados são os preços indicados pelo fornecedor com referência ao ano de 2011;

•Relativamente ao doce de amêndoa e à mousse de chocolate consideramos as pesagens indicadas pelo sujeito passivo, 175 e 140 gramas respectivamente. A mousse de manga consideramos 150 gramas, mais 10 gramas em relação à mousse de chocolate;

•Em todos os bolos dividimos pelo número de fatias indicadas pelo sujeito passivo;

•Relativamente às sobremesas produzidas pelo sujeito passivo foram considerados os ingredientes comprados conforme consta da tabela seguinte, Foram considerados 7980 ovos para a produção de sobremesas que pesam 478,8 Kg (7980/10*0,6), consideramos perda de 10% na confeção para o peso da casca do ovo, No açúcar consideramos 90 Kg para as maçãs assadas e peras bêbedas. No leite consideramos 80% do leite comprado e uma perda, de 15% na confeção, por evaporação, Chegamos assim a um total de 2.112.604 Kg de sobremesas produzidas. O doce da casa pesa 135 gramas e o pudim flan pesa 180 gramas, o peso médio é 157,5 gramas, Consideramos o peso de 160 gramas por sobremesa, Assim obtivemos as 13.204 sobremesas (2.112.604/0,16).



•No abacaxi consideramos 400 gramas de abacaxi por cada dose, já considerando o desperdício da coroa e da parte inferior do abacaxi;

•No melão consideramos 400 gramas;

•Relativamente à maçã assada, foram consideradas apenas as compras de maçãs Reineta (1234Kg). Consideramos que cada maça crua pesa em média 270 gramas;

•Consideramos que as mangas pesam 440 gramas;

•Na salada de frutas consideramos que o ananás e o pêssego em calda são utilizados exclusivamente para a salada de frutas [1008 kg (504 + 504)]. Consideramos ainda que numa salada de frutas 50% é ananás e pêssego em calda e 50% são outras frutas. Portanto para a salada de frutas são 2016 Kg;

•As restantes frutas 1391 kg (2399 - 1008) são consideradas como se todas fossem vendidas individualmente ao preço de € 0,90, e consideramos 300 gramas por cada peça de fruta. Com este peso é dada uma margem de pelo menos 50 gramas por cada peça de fruta para eventuais quebras,




3. Sopas, Carne, Peixe e Bacalhau





Notas explicativas:

•Consideramos 1 quilo de frango por cada dose. Uma dose corresponde a um frango e cada frango pesa aproximadamente um quilo.

•Relativamente à sopa da pedra: Para confecionar uma panela de sopa, que dá para 100 doses de sopa bem servidas (com margem para eventuais sobras), são necessários 12kg de enchidos e 27,5kg de carne de porco. O sujeito passivo comprou 3.663 Kg de enchidos. De todos os enchidos comprados, apenas 5 chouriços por dia são destinados à confeção de outros pratos. O restaurante esteve aberto 283 dias, durante o no ano de 2011, e considerando que 15 chouriços pesam 4 kg (conforme pesagem efetuada pelo sujeito passivo dia 09/05/2013), foram destinados cerca de 377 kg de enchidos para outros pratos (283x5/15x4), Donde foram destinados a confeção de sopa da pedra 3.286 Kg de enchidos (3663 - 377). Considerando a relação de 12 kg de enchidos e 27,5 kg de carne de porco, foram destinados à confeção de sopa da pedra 3283 kg de enchidos e 7530 kg de carne de porco, durante o ano de 2011. Pelo que, no total, foram gastos 10.816 kg de enchidos e carne de porco para a confeção da sopa. Como para confecionar 100 doses de sopa da pedra são necessários 39,5 kg (12+27,5) de carne de porco e enchidos, em média, por cada dose, são necessários 0,395 kg {39,5/100) daqueles ingredientes. Deste modo, calculamos que os 10.816 kg dos referidos ingredientes permitiram confecionar e servir, 27.382,28 doses de sopa da pedra (10816/0,395).

•Carne de porco: O sujeito passivo comprou 41.128 Kg de carne de porco. Como 7530 Kg foram destinados à confeção de sopa da pedra, foram destinados à confeção de pratos de carne de porco 33598 kg (41128 - 7530) de carne. Considerando 0,600 kg de carne para confecionar cada dose, foram confecionadas e servidas 55996,67 doses de carne de porco.
Note-se que o peso de 0,600 Kg de carne por dose é um peso elevado, e não foi aqui considerado o chouriço (377Kg) e as amêijoas (110 Kg) que foram utilizados na confeção de alguns pratos de carne de porco. Foi considerado o preço médio de venda das doses de carne de porco de € 9,33 [(10,80 + 10,80 + 10,80 + 8,80 + 10,50 + 10,50 + 9,50 + 9,80 + 10,80 + 11,50 + 10,80) /10 -1,00].

•Carne de Borrego: o sujeito passivo comprou 4.895,20 kg de carne de borrego e cabrito (4889+6,2). Considerando os 600 gramas de carne por dose, temos 8.158,67 doses (4895,20/0,6).

•Picanha: o sujeito passivo comprou 2.418,86 kg de picanha. Considerando os 600 gramas de picanha por dose, temos 4.024,77 doses (2.418,86/0,6).
Carne de vaca: o sujeito passivo comprou 10.564,19 kg de carne de vaca. Consideramos o peso médio de carne de vaca necessário para a confeção dos pratos e o preço médio de venda, conforme tabela seguinte:



•Bacalhau: o sujeito passivo comprou 7.240 kg de bacalhau. Considerando os 670 gramas de bacalhau por dose, temos 10.805,97 doses (7420/0,67).

•Robalo de Mar: o sujeito passivo comprou 156,4 kg de robalo de mar e este é vendido ao peso.

•Robalos, douradas, salmão e peixe espada: foi considerado o peso de 800 gramas por dose, o peso máximo de peixe em bruto (antes de amanho), conforme declarado pelo sujeito passivo em auto de declarações.

•Cherne Garoupa e Mero: Considerarmos que este peixe foi todo vendido ao preço de venda da cabeça, que é vendida ao peso. Fica, desta forma, considerada margem para o desperdício relacionado com o amanho do peixe.

•Chocos e lulas: foi considerado o peso de 800 gramas por dose, o peso máximo de peixe em bruto (antes de amanho), conforme declarado pelo sujeito passivo em auto de declarações.

•Potas: foi considerado 500 gramas de potas por dose, mais gambas, nas espetadas de lulas, conforme declarado pelo Sujeito passivo.

•Polvo: foi considerado 1 kg de polvo por cada dose;

•Camarão Tigre: é vendido ao quilo;

•Sopa de peixe: conforme declarado pelo sujeito passivo foram considerados como ingredientes da sopa de peixe a pescada, corvina, miolo de camarão e miolo de amêijoa comprados. E ainda o peixe extraído dos rabos da garoupa, do cherne e do mero, bem como das cabeças do salmão. Para tal consideramos 5% do peso daqueles peixes. Chegamos assim ao total de 3.102,258 Kg de peixe. Para determinar o número de doses foram consideradas 150 gramas de peixe por dose de sopa, atendendo ao declarado pelo sujeito passivo.



•Sopa de hortaliça: foram consideradas 5% das doses de sopa da pedra e sopa de peixe [(27.382,28 + 20.681 ,72)x5%].


4. Valor global presumido das prestações de serviços
Chegamos assim aos seguintes valores globais presumidos



Uma vez que o sujeito passivo declarou prestações de serviços no montante de €1.839.165,65, há lugar a correcção àquele valor em €271.106,06 (2.11.271,71 – 1.839.165,65).

Dado que, o valor das prestações de serviços foi presumido com base nas compras, o valor do Custo das Matérias Consumidas, a considerar para efeitos de determinação do lucro tributável, é igual ao valor das compras declarado, que foi no montante de € 1.041.054,26. Neste termos há lugar a correção ao valor do Custo das Matérias Consumidas em €73.246,18 (1.114.300,44 - 1.041.054,26).

Assim, nos termos do artigo 57.0 do código do IRC, propomos a correção ao Lucro Tributável para € 608.115,52, conforme demonstrado no quadro seguinte:


•Note-se que chegamos a um valor presumido de Prestações de Serviços e a um Custo das Matérias Consumidas, a que corresponde uma Margem Bruta sobre as Vendas (MBV), consideravelmente inferior à declarada pelo sujeito passivo para o ano de 2004 após ação inspetiva e regularização por parte dele, conforme referimos no capítulo anterior.

•A AT, dados os fundamentos para aplicação ele métodos indiretos, descritos no capitulo anterior, poderia ter adotado como critério de cálculo dos valores corrigidos, a aplicação da mesma MBV declarada pelo sujeito passivo no ano de 2004. Tal critério apesar de aplicável seria menos benéfico para o sujeito passivo.

(…) [cf. fls. 169 a 180 do processo de reclamação em apenso – relatório de inspecção].


I) . Por despacho do Chefe de Divisão do Serviço de Inspecção Tributária de Santarém, foram sancionadas as conclusões apuradas no relatório identificado no ponto anterior [cf. fls. 70 do processo de reclamação em apenso].

J) . Através do ofício n.º ….., de 17.07.2013, dirigido à Impugnante na qualidade de sociedade incorporante da J.........., Lda., foi a mesma notificada do teor do relatório de inspecção [cf. fls. 68 do processo de reclamação em apenso].

K) . A 16.08.2013 foi pela Impugnante apresentado pedido de revisão da matéria tributável relativamente a IVA e IRC, do exercício de 2011 [cf. fls. 68 do processo de reclamação em apenso].

L) . Por despacho de 29.01.2014, da Chefe de Divisão da Direcção de Finanças de Santarém, foi fixada a matéria tributável, em €484.871,28, nos termos do artigo 92.º, n.º 6 da LGT, onde consta nomeadamente o seguinte:

“(…)

Relatório da IT Fundamentos da aplicação de M.I.
No Relatório da lnspeção pode ler-se que, quanto aos fundamentos da aplicação de M. I. se verifica:

Margens Brutas sobre as Vendas, declaradas em exercícios económicos anteriores, superiores á declarada no exercício em análise.
Essas margens teriam resultado de regularizações voluntárias efetuadas pelo próprio S.P.

Inexistência de informação relativa a detalhe das vendas.

Esta limitação não permitiu à IT comprovar a veracidade do valor da prestação de serviços declarado, tomando, simultaneamente, impossível testar consumos de matérias primas versus prestação de serviços. Tal insuficiência resulta, face ás alegações do S.P., de inutilização de suporte informático.

Fragilidade contabilísticas:

De acordo com o relatório da lT inexistem extratos de fornecedores com informação válida, já que se apresentam incompletos quanto ao registo das aquisições efectuadas. A movimentação da conta de D.0. fez-se de forma inconsistente e os movimentos de disponibilidades entre as contas de sócios e as contas da sociedade não têm apoio documental que comprove a consonância desses movimentos,

Divergências no anexo P da IES
O anexo P da IES não mostra aderência ao anexo Q dos seus fornecedores.

TPA associado a conta bancária em nome de sócio.

A empresa utiliza um sistema de recebimento, através do TPA n.º 0........../0000.......... associado a conta bancária do sócio, efetuando este, posteriormente, transferências de meios monetários para a sociedade de montante divergente do recebido.

Inventários irreais

O inventário reportado a 31/12/2011, de acordo com declarações do S.P., não foi corretamente elaborado não constando dele determinados produtos e matérias primas.

Considerando os pressupostos elencados acima, conclui a IT que estão reunidas as condições, previstas na alínea b) do art.º 87.º e da al. d) do art.º 88.º da LGT, para se proceder à determinação da matéria tributável com recurso a Métodos Indirectos.

Critérios de cálculo utilizado:
No que se refere aos critérios. tornou-se como válida a consideração de que o CMVC coincide com as compras apuradas, já que os inventários e os extratos de fornecedores claramente indiciam que o CMVC declarado não merece credibilidade. Em justificação desta postura, a IT refere ainda o efeito da continuidade da atividade e, por conseguinte, a estabilidade a nível dos inventários.
Assim, partindo das compras, foram calculados os serviços prestados dividindo o universo a tratar em dois segmentos:

-Bens adquiridos e vendidos sem transformação, tais como bebidas.
A este grupo foi aplicado o preço de venda praticado, obtendo-se os proveitos.

-Bens adquiridos e vendidos com transformação, como seja o caso das carnes diversas usadas na confeção dos pratos.
Fracionando as compras, pelas quantidades necessárias â preparação unitária dos pratos, e aplicando os preços de venda praticados no estabelecimento, obteve-se o total dos serviços prestados.

Foi, ainda, considerado o critério de uma refeição por empregado ao preço de €12,00 para efeitos de cálculo do autoconsurno interno.
Deste modo, estimou-se o volume de negócios como segue:



Petição do Sujeito Passivo
No articulado do seu pedido de revisão da matéria tributável alega o seguinte:
• Erros nos pressupostos e na quantificação da matéria tfibutáv,~!;
• Ausência ou falta de fundamentação legalmente exigida;

• Falta de fundamento para proceder à determinação da matéria tributável com recurso a métodos indirectos;

"Considera a Reclamante que as anomalias referenciadas no relatório de inspecção não são suficientes para a aplicação dos métodos indirectos".

Entende o Sujeito Passivo que "os registos contabilísticos estão suportados pelos resumos do dia dum programa informático de facturação certificado pela AT e, por esse efeito merecem credibilidade” e que “o erro de quantificação e valorização do stock final de 2011 não justifica o recurso à avaliação” por parte dos Serviços de Inspeção Tributária desta Direção. Continua a sua exposição, indicando os erros cometidos pela AT na recolha da quantidade de carne faturada e na sua respetíva afetação à confeção, juntando, para o efeito, o “Doc.n.º 5 – relação de facturas do fornecedor NIF .......... - L.........., Lda”.
Alega, igualmente, erros cometidos na quantificação do peixe imputado aos diversos pratos confeccionados, na quantificação das vendas de pão e na quantificação das vendas de café, bem como erro nos pressupostos e critérios estabelecidos no Relatório de Inspeção quanto às refeições consumidas pelos funcionários do Sujeito Passivo.

Em conclusão, “considera o signatário que o valor das prestações de serviços declarados são reais e não estão estão reunidos os requisitos exigidos na lei para a determinação da matéria tributável em IRC e IVA através da avaliação indirecta”, que “as divergências apuradas no relatório de inspecção entre o valor das prestações de serviço declarado e o valor presumido pela A T resultam de pressupostos incorrectos, erros de recolha das quantidades adquiridas, erros de quantificação dos produtos que foram objecto de transformação e de critérios errados de imputação dos produtos à confecção”.


Debate Contraditório

Atas (n.º 02/2013 e n.º 02-A/2013) das Reuniões realizadas entre o perito nomeado pelo Contribuinte e a perita nomeada pela Administração Tributária, no âmbito do Pedido de Revisão da Matéria Tributável
- Ata n.º 2/2013:

Na primeira reunião, realizada a 12 de Setembro de 2013, foram discutidos, pelos peritos já referidos, os critérios de quantificação da matéria tributável utilizados pelos Serviços de Inspeção Tributária.

O perito nomeado pelo Contribuinte apresenta a sua discordância quanto:

(1) A aplicação de Métodos Indirectos face ao facto da prestação de serviços, que foi presumida, assentar em pressupostos incorrectos, " ... erros de recolha das quantidades adquiridas, erros de quantificação dos produtos que foram objecto de transformação, não determinação das quebras reais que resultam da preparação e transformação dos bens adquiridos e de critérios errados de imputação dos produtos à confecção. ";

(2) Ao critério utilizado pela AT para quantificação das doses confeccionadas e consequente montante de vendas presumidas, uma vez que não foram tidas em consideração as quebras de peso por enxugo e desperdícios;

(3) Aos pressupostos e critérios utilizados para a sopa da pedra;

(4) A recolha de informação das quantidades de carne adquirida, por considerar existir divergência entre as quantidades relacionadas no Anexo ao Relatório de lnspeção e as quantidades que constam das respectivas faturas dos fornecedores.

Considera ainda que:

(5) O valor presumido de serviços inerentes aos pratos confeccionados com carne de porco seria de € 313.177,00 (20.140/0,6) X 9,33), valor inferior em € 209.458,56 ao apurado pelos Serviços de Inspeção Tributária;

(6) O valor presumido, pela IT, para os serviços inerentes à confeção da sopa de peixe (Garoupa, Chame e Mero) apresenta um excesso de quantificação no valor de € 13.631,54;
(7) Os montantes presumidos para autoconsumos do pessoal estão errados e desajustados da realidade, dado que, alegadamente, os trabalhadores fazem mais de uma refeição por dia no local de trabalho a o valor da refeição completa consumida por cada trabalhador é bastante superior ao que foi considerado pela AT (€ 12), indicando para este efeito, que o valor ascenderá a € 16,74. Entende, assim, o perito nomeado pelo Contribuinte, que o montante a considerar para os autoconsumos do seu pessoal ascende a € 208.446,48 (283 dias X 22 trabalhadores X 2 refeições);

(8) O valor a considerar para a venda de pão deverá ser de € 46.772,63, alegando que nem todo o pão produzido é faturado à unidade nas refeições servidas;

(9) Deverá ser considerado, para efeitos das prestações de serviços inerentes à venda de cafés, 2% do café para inutilizações e ofertas, e 18678 cafés (22 trabalhadores X 3 cafés/dia X 283 dias/ano) para auto consumo dos trabalhadores.


A perita nomeada pela Autoridade Tributária tomou a seguinte posição:

(10) Relativamente ao alegado quanto ao critério utilizado pela AT para quantificação das doses confeccionadas e à não consideração de quebras de peso por enxugo e desperdícios, referiu que na estimativa das doses preparadas foi tido em conta o peso bruto, "…ou seja, as quantidades de carne ou peixe por dose, utilizadas para determinação do numero de doses servidas, referem-se ao produto antes da confeção e ao respectivo amanho" Acrescenta ainda que tal procedimento resultou de informações dadas pelo sócio gerente em termo de declarações.

" ... Se assim não fosse teríamos quantidades por dose exageradamente elevadas 800gr de peixe ou 600gr de come, por dose”, alega.

(11) Quanto aos pressupostos e critérios utilizados para a sopa da pedra, a Perita da AT entendeu que as quantidades consideradas, para os ingredientes carnes e enchidos, pela IT estão em conformidade com as indicações do sócio gerente da entidade.
IV No que se refere a erros de recolha de quantidades por parte da IT, tais erros foram dados como, de facto, existentes.

a) No que concerne ao valor presumido para a prestação de serviços à base de peixe, a Perita da AT aceitou a alegação quanto ao não afastamento das quantidades deste ingrediente já consideradas noutras preparações, desconsiderando de 5% das compras de salmão, garoupa, cherne e mero

b) Em apreciação do referido pela entidade, para os montantes presumidos, para autoconsumos do pessoal, a Perita da AT entende ser de manter o valor atribuído pela IT, ou seja €12,00 por refeição e uma refeição diária para os trabalhadores, tanto mais que a entidade também paga subsidio de refeição.

c) A perita da AT considera que apenas o toucinho gordo deverá ser afastado para cálculo das doses de carne de porco,

d) Quanto às prestações ele serviços associadas ao pão e ao café, foram corrigidos, os coeficientes de rendibilidade do quilo de café e do quilo de farinha, introduzindo-se, adicionalmente considerações, que permitem aproximar as estimativas da IT da realidade da empresa, designadamente a aceitação de quebras de 2% para cafés e de 3% para o pão produzido, e utilização em produtos finais diversos.

e) Quanto ao peixe garoupa, mero e cherne e tendo presente as declarações do sócio gerente, a Perita da AT aceita o desperdício de 10%, a considerar na preparação da respectiva confeção.

Nesta conformidade, a Perita da AT efectuou uma proposta de alteração à quantificação inicial, no montante de €119.051,11, o que implica a matéria colectável corrigida de €489.064,41 e a liquidação adicional de IVA de €19 767,14.

- Ata n.º 2-A/2012:

Por ter sido interrompida a reunião realizada a 12 de Setembro de 2013, para dar satisfação ao interesse manifestado pelo Perito nomeado pelo Contribuinte sobre a necessidade de "trocar impressões" com o seu cliente, foi realizada uma segunda reunião, em 19 de Setembro de 2013, dando origem à elaboração da Ata n.º 2-A/2013.

1. Quanto à posição do Perito do Contribuinte

Para o efeito transcreve-se o seguinte excerto da referida Ata: "Reiniciado o debate contraditório, o Perito Designado pelo Sujeito Passivo informou que após ter conversado com o seu cliente, não concorda com a proposta apresentada pela Perita da Administração Fiscal, alegando que apesar de concordar com algumas das propostas apresentadas, discorda:

Com o critério utilizado pela Administração Fiscal, relativamente ao sistema de fabrico da sopa de pedra, uma vez que entende que, a totalidade das quantidades de chispe e orelheira adquiridas devem ser consideradas como incorporadas na confecção do número de doses de sopa de pedra presumidas;

Com o valor considerado para auto-consumo dos trabalhadores. Defendeu o perito do sujeito passivo que os auto-consumos efectuados diariamente pelos trabalhadores equivalem a duas refeições diárias, pelo que, tendo sido considerado no relatório de inspecção uma refeição para cada trabalhador, deveria ser considerada mais uma refeição diária por cada trabalhador;

O perito do sujeito passivo alegou ainda, que não concordava com a correcção efectuada ao custo das matérias-primas, uma vez que o erro cometido no inventário, traduzido no aumento do custo das matérias primas, tem reflexo em sentido inverso no apuramento do resultado do exercício de 2012."

2. Quanto à posição da Perita da Autoridade Tributária e Aduaneira

Por sua vez, a Perita da AT alegou que, quer relativamente ao fabrico de sopa de pedra quer aos autoconsumos dos trabalhadores, não concorda com a posição do Perito do Contribuinte pelos motivos já expostos na reunião anterior e da qual se lavrou a ata n.º 2. Invoca ainda que, em resultado dos erros no inventário final, erros assumidos pelo próprio sócio gerente, o CMVC considerado contabilística e fiscalmente foi superior ao real, reduzindo-se por esta via o lucro tributável, infringindo-se claramente o princípio da especialização dos exercícios.


Laudos dos respectivos peritos, nos termos do n.º 6 do art.º 92 da LGT

Laudo do Perito representante do SP

Apresentado nos termos do n.º 6 do art.º 92.º da LGT, o laudo reexpressa a não aceitação quanto às correcções por métodos indirectos ao ano de 2011 vindo o perito do S,P. reforçar, no seu parecer, o que já havia referido nas reuniões ocorridas e no Pedido de Revisão da Matéria Colectável.
Em síntese alega que as divergências, apuradas pela AT, respeitantes aos serviços declarados resultam, entre outros dos seguintes factos:

1. Erros de recolha de quantidades adquiridas;

2. Erros de, quantificação e critérios de afectação de carne aos diversos pratos confeccionados;

3. Erros de quantificação e critério de afectação de peixe aos diversos pratos confeccionados:

4. Falta de determinação real das quebras de peso, desperdícios e inutilização de produtos;

5. Erros cometidos nos critérios e indicadores utilizados na determinação da quantidade e valor do pão fabricado e vendido;

6. Erros cometidos nos critérios e indicadores utilizados na determinação da quantidade e valor do café vendido,

Não lhe mereceu acolhimento a proposta apresentada pela Perita representante da AT, conforme consta do ponto B do seu parecer que se dá aqui por integralmente reproduzido e donde se destaca o seguinte:

7. Insiste nos erros de recolha das quantidades;

8. Insiste na não consideração dos desperdícios e quebras;

9. Insiste no erro de critérios de afetação dos bens à confecção dos pratos constantes da ementa;

10. Insiste nos pressupostos para determinação do autoconsumo interno;

11. Insiste nos critérios de cálculo de pão e café, por os entender desfasados da realidade;

12. Insiste nos efeitos, em 2012, da correcção ao CMVC.

Seguem depois, em desenvolvimento, conforme ponto B1,B2, B3,B4, B5, aqui considerados como integralmente transcritos, os itens referidos supra, reformulando cálculos sempre no sentido de redução da matéria colectável estimada pela AT.
Com esse exercício, vem o Perito do Contribuinte concluir que, referindo:

“... é impossível analisar em detalhe todos os elementos recolhidos e cálculos efectuados pela A T para presumir o valor das prestações de serviços. , ."

“… Os registos contabilísticos das prestações de serviços estão suportados pelos resumos do dia do programa informático de facturação ... " e “... de tais registos foram extraidos os valores expressos nas declarações mensais ..."

"... O facto do sistema informático da empresa ter avariado e não permitir a consulta dos detalhes das vendas não retira credibilidade aos valores registados na contabilidade ... "

" ... As divergências apuradas no relatório da inspecção entre o valor das prestações de serviço declarado e o valor presumido pela AT resultam de pressupostos incorrectos, erros de recolha das quantidades adquiridas, erros de quantificação dos produtos que foram objecto de transformação ... "

“... o erro de quantificação e valorização do stock final de 2011, ... não justifica a avaliação indirecta ... O erro cometido na liquidação do IRC de 2011 foi regularizado com a entrega da declaração de rendimentos e liquidação do IRC de 2012. "
Laudo da Perita Representante da AT

A Perita da AT faz, no seu parecer, o resumo dos principais pontos de divergência com o Perito do Contribuinte, designadamente quanto ao processo do fabrico da sopa de pedra, acrescentando que ... é de salientar que as quantidades utilizadas para quantificação do número de doses de sopa da pedra foram declaradas pelo s6cio gerente e constam do respectivo auto de declarações elaborado"
A Perita da AT refere que as quantidades utilizadas são quantidades em bruto, sendo que para cada dose de sopa (um litro), foram considerados 395 gr de carne (carne e enchidos) considerando impensável que cada litro de sopa fosse preparado com 677gr, como pretende o S.P., ao insistir que toda a alheira e chispe foram consumidos na sopa de pedra. É, para si, plausível que o S.P. haja confecionado, com esses produtos, outros pratos, pois existem outros pratos para além dos que constam na ementa

A Perita da AT entendeu ser de afastar do cálculo das doses de carne as compras de toucinho gordo, mantendo porém o toucinho fumado e o toucinho de porco ibérico como suscetíveis de confecionar, por si só, pratos de carne.

Afastando-se ainda do Perito do Contribuinte quanto ao autoconsumo, a Perita representante da AT vem adiantar que concorda com a IT, na atribuição de uma refeição diária, dado que a entidade paga também o subsidio de refeição.
Tendo sido o próprio S.P. a admitir os erros do inventário de 2011, a Perita da AT reafirma a sua posição quanto à correcção efectuada em cumprimento do princípio da especialização previsto no CIRC.

Apreciação
Vejamos, pois, o que se nos oferece dizer, começando por efetuar um breve enquadramento jurídico do instituto da tributação com recurso a métodos indiretos.

Importa reter que, no ordenamento jurídico-português tributário, vigora o princípio da declaração no apuramento da matéria tributável, o qual se encontra plasmado no art. 75°, n.º 1 e n.º 2, al. a) da LGT, aí se dispondo que, "presumem-se verdadeiras e de boa fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal”, cessando tal presunção quando, entre outras razões, aquelas declarações, contabilidade ou escrita revelem omissões, erros, inexactidões ou indicias fundados de que não reflectem a matéria tributável real do sujeito passivo ou se apresente de uma forma que impeçam precisamente o conhecimento dessa mesma realidade tributável.
Acresce que, em conformidade com o preceituado no art. 81°, n.º 1 da LGT, a matéria tributável deve ser avaliada ou calculada diretamente, segundo os critérios próprios de cada tributo, só podendo a administração tributária proceder a avaliação indirecta nos casos e condições expressamente previstos na lei, constituindo, assim, a avaliação direta o principio regra a seguir pela Administração tributária e a avaliação indireta um mecanismo de determinação da matéria tributável meramente subsidiário.
Ora, foi precisamente tendo em conta a natureza subsidiária do instituto e os pressupostos de facto de que há, necessariamente, que partir, que o legislador entendeu impor à Administração Tributária um especial dever de fundamentação sempre que a mesma lance mão desse mecanismo - Vide art. 77° n.º 4 da LGT.

Por isso a AT, quando recorra á tributação por métodos indiretos, está obrigada a demonstrar que estão verificados os pressupostos legitimadores dessa forma de determinação da matéria tributável, ou seja, que a liquidação não pode assentar nos elementos fornecidos pelo contribuinte e que o recurso àquele método se apresenta como a única forma de calcular o imposto, externando os elementos que a levaram a essa conclusão.

Feita essa prova, recai, então, sobre o sujeito passivo, a obrigação ou ónus de demonstrar que houve manifesto excesso na quantificação da matéria tributável (cfr. art, 74.º, n.º 3 da LGT).

Quanto aos pressupostos

Passando para a análise de todo o processado nos presentes autos, começar-se-á por realçar o declarado pelo sócio-gerente, Joaquim .........., quanto à inexistência de elementos de suporte ao registo dos serviços prestados: "no início do mês de Janeiro do ano de 2012 perdemos toda a informação relativa ao detalhe das vendas dos períodos anteriores a essa data, porque o disco, onde era armazenada toda a informação, avariou e, segundo o informático não foi possível recuperar a informação ... Portanto, relativamente ao ano de 2011 e a anos anteriores a única informação existente relativa às vendas/prestações de serviços é a que consta da contabilidade que é apenas o valor total diários",
A tal facto, juntam-se outros como:

a) A inexistência de extratos completos e fiáveis dos seus fornecedores (não permitindo validar se as compras a um determinado fornecedor foram todas contabilizadas, em comparação com o extrato de cliente, facultado pelo fornecedor);
b) Lançamentos dos pagamentos sempre na Conta 11 -Caixa, mesmo quando os pagamentos são através de cheque;

c) Inexistência de conciliação bancária:

d) Falta de contabilização da distribuição de resultados e dos empréstimos dos sócios à sociedade e da sociedade aos sócios;

e) Divergência no anexo P da IES;

f) Existência de um TPA associado a uma conta bancaria em nome do sócio-gerente.

No que concerne ao primeiro pressuposto aqui identificado, reitere-se ainda que, de facto, o Contribuinte tem a obrigação, imposta por lei, de possuir cópias de segurança do suporte eletrónico, devendo os originais e as cópias de segurança serem armazenados em locais, distintos e em condições de conservação e segurança necessárias de modo a garantir a impossibilidade de perda dos arquivos. Desta forma, será possível ao Contribuinte facultar tais elementos, quando solicitados pela AT - vide art. 6°, 7° e 9° da Portaria na 1370/2007, de 19 de Outubro.

Mais, encontra-se, igualmente, obrigado a "conservar em boa ordem durante os 10 anos civis subsequentes" tais elementos, conforme disposto no n.º do art. 52.º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA).

Nesta sede, verifica-se um completo desrespeito pelas normas legais citadas, por parte do Contribuinte.
Relativamente às demais limitações contabilísticas, as mesmas não surgem contestadas pelo S.P. nem foram sugeridas formas fiáveis de as ultrapassar. Ora, são precisamente as circunstâncias supra referidas que justificaram o recurso aos métodos indiretos, dado traduzirem a impossibilidade de comprovação e quantificação direta e exata dos elementos indispensáveis à correta determinação da matéria tributável - Vide art. 87°, n.º 1, al. b) da LGT
• permitindo pôr em causa o princípio da verdade declarativa, plasmado no art. 75.º da LGT e art. 59.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT),
Todos estes fundamentos se encontram devidamente explanados no Relatório de Inspeção, para o qual se remete.

Deste modo, dever-se-á concluir que nada haverá a assacar aos Serviços de Inspeção Tributária, não lhe restando qualquer outra alternativa senão o recurso à avaliação indireta,

Quanto aos critérios

Na segunda reunião realizada entre os pentes, o perito nomeado pelo Contribuinte manifestou acordo com algumas propostas apresentadas pela perita nomeada pela AT, continuando todavia a não concordar com:

g) O critério utilizado pela AT quanto ao fabrico da sopa da pedra;

h) O valor considerado para os autoconsumos dos trabalhadores;

i) E com a correção efetuada ao custo das matérias-primas, uma vez que o erro cometido na contabilização do Inventário, traduzido no aumento do custo das matérias-primas, tem reflexo em sentido inverso no apuramento do resultado do exercício de 2012,

A este propósito importa deixar a aprecíação que segue.
É oportuno frisar que os critérios usados traduzem as declarações do próprio sócio-gerente e que tal conduta da AT encontra assento legal na al. d), n.º 1 do art. 90° da LGT
j) Concretamente quanto ao valor considerado para determinação dos autoconsumos importa efectuar o seu enquadramento face às normas vigentes em IVA.
Nos termos do disposto na alínea d) do n.º 1 do art. 21.º do CIVA, não é possível exercer-se o direito à dedução do IVA contido nas despesas de alojamento, alimentação, bebidas, tabacos e despesas de recepção. Contudo, a alínea b) do n.º 2 do referido artigo estabelece que não se verificará a exclusão do direito à dedução do imposto contido nas despesas relativas a fornecimento ao pessoal da empresa, pelo próprio sujeito passivo, de alojamento, refeições, alimentação e bebidas, em cantinas, economatos dormitórios e similares.

No entanto, a al. 36) do art 9.º isenta de IVA os serviços de alimentação e bebidas fornecidas pelas entidades patronais aos seus trabalhadores, embora passível de renúncia nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 12.º do Código do IVA, a comunicar á Administração Fiscal através da declaração de início de atividade ou de alteração de início de atividade.
Dado não termos conhecimento da apresentação, por parte do Sujeito Passivo, de qualquer pedido de renúncia nos termos da alínea a), do n.º 1 do art. 12° do CIVA, tais serviços encontram-se isentos de imposto. Tendo como consequência a não liquidação do IVA, não conferindo, portanto, o direito à dedução, para o que se impunha a utilização de métodos de dedução por afectação real ou por prorata,
Contudo, pelo facto da entidade patronal ser uma empresa cuja atividade normal é a prestação de serviços de alimentação e bebidas (Restaurante), a mesma pode beneficiar da isenção na prestação do serviço aos empregados e continuar a deduzir IVA das aquisições, sendo necessário que o valor das refeições fornecidas as empregados não ultrapasse 5% do volume total de negócio, conforme consta do Oficio-Circulado n.o ….. de 11/05/1989 da DSIVA

No ponto 7 deste documento consta que "Por outro lado, sem prejuízo de aplicação do método de afectação real se o pretenderem, todos os sujeitos passivos que exerçam a título principal uma actividade no âmbito da restauração e hotelaria podem utilizar o método de percentagem ou prorata, considerando-se inexistentes, para efeitos do n.º 9 do art. 23.°, as refeições isentas nos termos do n.º 40 do art.º 9.º, desde que o seu valor não ultrapasse 5% do volume de negócios."

Ora, não tendo o S.P. renunciado à isenção nem tendo lançado mão de qualquer daqueles métodos, parece-nos não ter qualquer cabimento o facto de vir exigir, para autoconsumo, sem apresentar qualquer evidência prática, um montante de € 208 446.48, valor que se situa, face ao volume de negócios proposto pela Perita da AT, em cerca de 9% e sem que tenha vindo apresentar qualquer proposta que faça cumprir, pela sua parte, o que se dispõe no art. 9.°, art. 12.º e art. 21,° do CIVA.
4 Relativamente à correcão efetuada ao custo das matérias-primas, começar-se-á por referir que foi o próprio sócio-gerente que declarou estar incompleto o inventário:

“Relativamente ao inventário reportado a 31/12/2011, no valor total de €4.612,38, esse inventário não está completo.” Com esta conduta foi claramente infringido o principio da especialização das exercícios ou do acréscimo, o qual determina que os proveitos e os custos sejam reconhecidos quando obtidos ou incorridos, independentemente do momento do seu recebimento ou pagamento, devendo incluir-se nas demonstrações financeiras dos períodos a que respeita, não se concordando com o alegado pelo Perito do S.P,

Sendo que, estando o inventário final incorreto, a custo das mercadorias afecta negativamente os resultados de 2011, impondo-se a correção que a IT promoveu. A alegação do S, P. quanto ao efeito contrário no exercício de 2012 nada tem a ver com o que agora e aqui se aprecia, Aliás a repercussão favorável ao SP em 2012, imporá que, sobre o inventário final de 2012 se faça idêntica análise, no sentido de verificar a sua correcção e fiabilidade, Este concreto aspecto que não é referido pelo Perito do S.P.


5 Deve ter-se ainda em conta que, relativamente ao abate de desperdícios e quebras, comunicadas pela entidade no ano de 2013, a verificação pessoal por parte da IT permitiu constatar que tais desperdícios respeitavam a gorduras, espinhas e outros subprodutos resultantes da preparação para fabrico o que, na verdade, não consubstancia a natureza do abate propriamente dito, como acontece, por exemplo, em caso de peças obsoletas e produtos fora da validade.

A este propósito há ainda a referir que o S.P. não apresentou qualquer prova para o nível de desperdícios alegadamente verificados na confeção dos pratos. De facto, relativamente ás quantidades e subprodutos comunicados para "abate" e concedendo, o S.P, não forneceu quaisquer indicações que contribuíssem para a determinação de um coeficiente fiável das quebras e desperdícios verificados na actividade, designadamente indicações sobre os motivos de alguns "abates", seu carácter usual ou excecional, sua expressão percentual face às compras realizadas, período a que respeitam, etc.
Nesta conformidade, entende-se que os desperdícios, a tomar em conta, foram já considerados no peso bruto necessário para a preparação das doses.
6 No que se refere a sopa de pedra, parece-nos manifestamente exagerada a quantidade de carnes indicadas pelo S.P, para 100 doses, considerando que uma dose dá para duas pessoas. Alegando o S.P. que os desperdícios não foram considerados, parece-nos ser oportuno referir aqui que os chispes não são totalmente desossados para a preparação da sopa de pedra, estando o eventual desperdício mais do que compensado nas quantidades consideradas, pela IT. De facto, o que o S.P. pretende é que se considere a utilização de 677gr de came para confecionar um litro de sopa.

Esta questão remete-nos para a discordância do Perito Representante do S, P, quanto à orelheira e chispe incluída na preparação de pratos de carne de porco, pretendendo ver abatida á matéria colectável os proveitos associados, alegando para tal, que a entidade não confeciona quaisquer outros pratos, para além da sopa de pedra, com aqueles ingredientes. Não tende o SP. logrado demonstrar, o excesso de quantificação, neste particular, pode acrescentar-se que, de facto, a imputação, às doses de sopa da pedra estimadas, da quantidade de carne de porco aqui objecto de divergência, levaria a que cada dose (para duas a três pessoas) necessitasse deste ingrediente em 0,677kg, o que se apresenta manifestamente exagerado.
Como se pode concluir, o pretendido pelo Contribuinte não tem cabimento na sua actividade. Comparem-se as quantidades agora pretendidas e alegadas, e mesmo as indicadas pelo sócio gerente, com as quantidades de enchidos necessárias à preparação da receita inserta abaixo, para oito a dez pessoas, extraída do síte da CM de Almeirim e cedida por um estabelecimento congénere. Facilmente se conclui que as quantidades utilizadas se afastam, em muito, do pretendido pelo S.P.

Sopa da Podra - Receitas – Câmara Municipal de Almeirim
www.cm-almeirim.pt > Conhecer Almeirim> Gastronomia> Gastronomia Ingredientes:
(Para 8 a 10 pessoas)
a. 1 litro de feijão encarnado
b. 1 orelha de porco
c. 1 chouriço negro (de sangue da região)
d. 1 chouriço de carne
e. 150 9 de toucinho entremeado
f. 750 9 de batatas - 2 cebolas
g) 2 dentes da alho - 1 folha de louro
h) 1 molho de coentros
i) sal e pimenta

As quantidades usadas nada têm a ver com as pretensões do S.P., afastando-se de forma explícita. Tem-se pois que, considerando as indicações dadas pelo S.P. em declarações, caso os 7.722 kg de orelheira e chispe tivessem sido utilizados na confeção de sopa de pedra então existe clara omissão de compras de enchidos e as doses de sopa de pedra seriam muito superiores às estimadas pela IT. Nesta conformidade, considera-se que as correcções propostas pela IT não merecem reparo.

3. Quanto a toucinho fumado e toucinho de porco preto crê-se que assiste razão ao S.P., porquanto se afigura não existir nenhum prato confeccionado tendo como ingrediente principal este dois bens. Entende-se que tais produtos constituem matérias-primas secundárias da preparação tal como o são o sal, as gorduras, o vinho, as ervas aromáticas, etc.
Assim deve ser afastado da quantificação dos proveitos o seguinte montante:

Total de toucinho fumado e toucinho de porco preto ... 60,6kg+244,108kg=304,708kg (304.70kg /0.600kg) * € 9,33= €4 738.24 (com IVA incluído)
De notar que, nos cálculos efectuados pela Perita da AT, já havia sido afastado o toucinho gordo. Por este motivo os cálculos apresentados pelo Perito do SP: na página 12 do seu parecer não estão correctos, Aliás a isto alude na página 5,
a) Relativamente a erros de recolha de quantidades adquiridas, a Representante da AT reconheceu e aceitou como provados os erros de quantificação da matéria colectável invocados e quantificados no pedido de revisão, apresentado pelo S.P, tendo reformulado os cálculos.
b) Igualmente os erros de quantificação e critérios de afectação de carne e peixe aos diversos pratos confecionados, foram corrigidos pela Perita da AT, designadamente para a preparação de peixe, aceitando as alegações do S,P, As situações não aceites, resultam do facto de tais critérios ele afetação se apoiarem em informações prestadas pelo próprio S,P. em termo de declarações, não bastando, em nosso entendimento, ao Perito Representante do Contribuinte insistir num mesmo aspecto, travestindo-o de forma diversa e "só porque sim", sem quaisquer suporte fiável e comprovado.
c) Os erros cometidos nos critérios e indicadores utilizados na determinação da quantidade e valor do pão fabricado e vendido e quantidade e valor do café vendido foram rectificados pela Perita Representante da AT que reformulou os cálculos quanto à rendibilidade do quilo de farinha e quilo de café, conforme o Perito do S.P. bem sabe, não se alcançando do seu parecer que aspectos, no relatório da IT ainda entende como afastados da realidade da actividade, pois pauta-se, em nossa opinião, por introduzir apenas instabilidade na apreciação com cálculos e pretensões que não são minimamente apoiadas e demonstradas.

Conclusão

Face ao exposto, importa salientar que o recurso à avaliação indireta se encontra devidamente fundamentado e documentado.
Os indícios de que a contabilidade não revela a realidade da exploração desenvolvida foram extensamente descritos e detalhados na informação da II.
A IT apontou as limitações de que enferma a escrita do S.P. e enquadrou-as na legislação aplicável, art.º 87.º e art.º 88.º da LGT.

Percepcionando como adequado o critério escolhido, torna-se necessário avaliar a expressão da quantificação alcançada, para aferir da sua justeza, pois prossegue a AT o interesse público, cingido pela imposição da legalidade e pelo respeito pelas garantias e direitos dos contribuintes.
A este respeito, propõe a Perita da Administração Fiscal uma nova quantificação.
Quanto á posição do Perito Representante do Contribuinte cabe-lhe o ónus probatório de que a realidade é completamente distinta do resultado a que conduziu a utilização do critério usado, ou seja, que este conduz a um Resultado Fiscal ostensivamente desadequado elou inadmissível e que houve erro ou manifesto excesso na matéria tributável quantificada. Ora não foi carreado para o processo prova certa e segura, do alegado excesso. De facto, o Contribuinte não apresenta qualquer prova, qualquer documento capaz de sustentar a sua posição.

Neste sentido, não tendo o S.P. invertido, de forma clara e objectiva, o ónus da prova, quanto ao excesso da quantificação, remeta-se o processo para a Perita da Administração Tributária a fim de. serem elaborados os respectivos documentos correctivos conforme decidido, cabendo na decisão a proposta da Perita da Autoridade Tributária e Aduaneira acrescida da rectificação fruto deste parecer e respeitante às considerações tecidas sobre o toucinho fumado e toucinho de porco preto. (…)
[cf. fls. 35 a 52 do PAT em apenso].


L. . Através do ofício n.º ….., de 23.02.2014, da Direcção de Finanças de Santarém foi a Impugnante notificada da decisão da Chefe de Divisão de Tributação e Cobrança identificada no ponto anterior [cf. fls. 77 do processo de reclamação em apenso].
M. . A 26.02.2014 foi emitida a liquidação adicional de IRC referente ao exercício de 2011, identificada com os n.º 2014..........., no montante de €62.632,56, que incluía a liquidação de juros compensatórios n.º 2014..........., no montante de €4.038,94 [cf. fls. 64 e 65 do processo de reclamação em apenso].
N. . As liquidações identificadas no ponto anterior deram origem à demonstração de acerto de contas n.º 2014..........., no montante de €62.632,56, com data de pagamento voluntário a 28.04.2014 [cf. fls. 66 do processo de reclamação em apenso].
O. . A 21.08.2014 foi pela Impugnante apresentada reclamação graciosa contra as liquidações identificadas em N) e O) supra, que deu origem à instauração no Serviço de Finanças de Sintra … do processo n.º .......... [cf. fls. 1 e 5 do processo de reclamação em apenso].
P. . Por despacho de 31.12.2014, da Chefe de Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa, foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto anterior [cf. fls. 226 a 228 do processo de reclamação graciosa em apenso].
Q. . Por ofício n.º 000…., de 05.01.2015 da Divisão de Justiça Administrativa da Direcção de Finanças de Lisboa foi a Impugnante notificada da decisão identificada no ponto anterior [cf. fls. 231 a 233 do processo de reclamação em apenso].
R. . A presente acção foi interposta a 22.01.2015 [cf. fls. 7 dos autos]

*

Nada mais se provou com interesse para a decisão a proferir.

Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e no processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório.


IV FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
A sociedade J. .........., incorporada por fusão na sociedade “H.......... Lda” deduziu impugnação judicial contra as liquidação adicionais de IRC relativas a 2011 alegando em síntese, que em relação ao exercício em causa tinha a contabilidade organizada de acordo com as normas contabilísticas em vigor.
O programa informático avariou em janeiro de 2012 o que levou a Impugnante a adquirir novo programa de faturação certificado para o exercício de 2012 e segs.
O facto de não ser possível consultar o detalhe das vendas de 2011 não retira credibilidade aos valores registados na contabilidade.
Não estão verificadas nenhuma das circunstâncias plasmadas no art.º 88º da LGT para recurso à avaliação indireta;
No procedimento de inspeção não foram apuradas as reais quebras de peso, desperdícios, sobras e inutilizações entre as compras e as confecionadas no restaurante;
Foram cometidos erros de recolha e quantificação dos bens que entraram como ingrediente principal na confeção dos pratos de carne e peixe, o que implica erro de quantificação.
Foram cometidos erros nos critérios de afetação dos bens que entraram como ingrediente principal na confeção dos pratos enunciados na ementa;
Os critérios utilizados para quantificar e valorizar muitos dos bens fornecidos no restaurante estão errados e desfasados da realidade, nomeadamente, o pão, o café, as sobremesas, as bebidas etc.
Não estão reunidos os requisitos para se proceder à tributação por métodos indiretos.

A MMª juiz analisou as questões alegadas na pi e julgou improcedente a ação, referindo, em síntese, a seguinte fundamentação:
As falhas detetadas na contabilidade impossibilitam a comprovação e quantificação da matéria tributável relativa a 2011, pelo que a AT cumpriu o dever de demonstrar os pressupostos vinculativos da sua actuação.
Não é possível dar como provado qualquer excesso na quantificação alegada pelo Contribuinte. No procedimento de revisão da matéria colectável foram efetuadas correções pela perita designada pela AT, não tendo o Contribuinte demonstrado em que medida tais correções não foram suficientes para corrigir o excesso de quantificação alegado.
A aplicação de correções técnicas e por métodos indiretos, no mesmo exercício, é admissível, desde que devidamente justificados, como foi o caso.

A RECORRENTE defende que a sentença não valorizou devidamente a impugnação apresentada e reiterou que os pressupostos invocados pela AT não satisfazem os requisitos para lançar mão da avaliação indireta (Conclusões a) a d).

Mas ainda que assim não fosse, foram aplicados critérios e cálculos nas correções sem ter em conta a realidade concreta da empresa conduzindo a dúvidas sobre pressupostos incorretos, erro nas quantidades adquiridas, de quantificação dos produtos que foram objecto de transformação. Tais dúvidas foram em parte satisfeitas pela AT que reduziu as correções para cerca de 119.000 euros, mantendo-se no entanto, dúvidas provadas que devem merecer anulação nos termos do art.º 100º CPPT (Conclusões e) e f).

Contudo, não tem razão como tentaremos demonstrar.

O IRC é um imposto que incide sobre o lucro tributável das empresas, que consiste na diferença entre os valores do património líquido no fim e no início do período de tributação, com as correções estabelecidas no CIRC (art. 3º/a) e 2 CIRC).

Esse lucro é constituído pela soma algébrica do resultado líquido do período e das variações patrimoniais positivas e negativas verificadas no mesmo período e não reflectidas naquele resultado, determinados com base na contabilidade e eventualmente corrigidos nos termos deste Código (art.º 17º/1 CIRC).

Ou seja, é com base na contabilidade – fiável - creditada com a presunção de verdade e boa fé, que se procede ao cálculo da matéria tributável apurando dessa maneira o valor real dos rendimentos sujeitos a tributação (art.º 83º/1 LGT).

Porém, se as declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo cessa a presunção de verdade e boa fé creditada às declarações dos contribuintes e aos apuramentos inscritos na sua contabilidade (art.º 75º/1,2,a) LGT).

E se devido à infidelidade da contabilidade for impossível a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (art.º 87º/1,a) e 88º LGT) há lugar à avaliação indirecta.

É certo que as omissões, imperfeições ou deficiências da contabilidade, são insuficientes para, por si só, levar à tributação por métodos indirectos. A lei exige ainda que essas «falhas» sejam de tal modo graves que impossibilitem a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável (Art.º 87/1,b) e 88 LGT): «Como resulta do preceito legal, a pura e simples verificação das anomalias nele previstas não é, por si só, suficiente para a aplicação de métodos indirectos. É igualmente necessário, no dizer da norma, que essas anomalias “inviabilizem o apuramento da matéria tributável”. É o resultado da subsidiariedade da avaliação indirecta perante a avaliação directa» António Lima Guerreiro Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, 2000, pp. 371.

Portanto, se mesmo imperfeita a contabilidade permitir a reconstituição dos elementos indispensáveis à exacta determinação da matéria tributável, não pode a AT lançar mão deste meio de avaliação da matéria colectável e consequente tributação.

Outra particularidade da tributação por métodos indiretos radica na distribuição da carga probatória. Sobre a AT recai a prova da verificação dos pressupostos da sua aplicação enquanto o sujeito passivo fica onerado com a prova do excesso na quantificação (art.º 74º/3 LGT, na linha do que dispõe o art.º 344º/2 do Código Civil).

Traçado este pequeno esboço, vejamos em primeiro lugar se a AT cumpriu satisfatoriamente o seu encargo probatório. Isto é, se demonstrou que a contabilidade da Impugnante enferma de erros e omissões que impedem a exacta determinação da matéria tributável, ainda que com esforço adicional da sua parte.(1)

Assumimos como ponto de partida que a prova deve ser apreciada e valorada «na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção»(2)

Ou seja, não nos podemos quedar pela avaliação isolada de cada indício. Temos de ir mais longe e avaliar, contextualizar e articular todos os indícios para deles extrairmos a «verdade possível» para esclarecer a situação com que nos deparamos.

Não se almeja alcançar a verdade «absoluta» mas apenas aquela que processual e empiricamente possa ser validada e aceite genericamente, sem embargo de se lhe reconhecer todas as limitações do conhecimento humano(3).

Em nosso entender, e considerando tudo o que deixámos exposto, a AT cumpriu devidamente o seu ónus como bem decidiu a MMª juiz "a quo", senão vejamos sinteticamente, os seguintes factos:

Inexistência de informação relativa ao detalhe das vendas - ficheiros informáticos (documentos fiscalmente relevantes).
Conforme assumido pelo sócio-gerente, o sujeito passivo não facultou informação relativa ao detalhe das prestações de serviços, nomeadamente a informação constante das facturas, vendas a dinheiro ou talões de venda.
O sujeito passivo, nos termos do n.º 4 do artigo 52.° do código do IVA, estava autorizado a arquivar em suporte eletrónico as faturas ou documentos equivalentes emitidos por via eletrónica, desde que garantisse o acesso completo aos dados e assegurasse a integridade da origem e do seu conteúdo.
No período em causa, ano de 2011, emitia faturas ou documentos equivalentes com recurso a programa informático, arquivava os mesmos em suporte informático mas não garantiu o acesso completo aos dados.
Mesmo aceitando como verdadeira a informação da avaria no disco do computador onde era armazenada a informação, o sujeito passivo não cumpriu o disposto nos artigos 6.° e 9.° da portaria 1370/2007 de 19 de outubro, que obrigava a manter cópias de segurança, devidamente conservadas e em condições de facultar à AT, todos os documentos de suporte.

Ora, não tendo a inspeção tributária acesso à informação relativa ao detalhe das prestações de serviços, à informação contida nos documentos (faturas), torna-se impossível comprovar a veracidade do valor das prestações de serviços declarados.

Como salientou a AT, “Torna-se impraticável testar consumos de matérias primas 'versus prestações de serviços. Por exemplo, no valor total das prestações de serviços declaradas não é possível saber quantos cafés estão lá incluídos e comparar com os quilos de grão de café adquiridos. Bem como, não é possível saber as doses de peixe servidas, incluídas naquelas prestações de serviços, e comparar com as quantidades de peixe adquiridas pelo sujeito passivo”.

Também não dispunha de extratos de fornecedores. Não obstante o sujeito passivo ter mais de uma centena de fornecedores não tem extratos com informação completa e fiável, o que impede validar se as compras a um determinado fornecedor foram todas contabilizadas, comparando com extrato de cliente facultado pelo fornecedor.

Lançamentos dos pagamentos sempre na conta 111 caixa, mesmo quando os pagamentos são através de cheque.

Inexistência de conciliação bancária. No final de cada mês quando é recebido o extrato bancário na contabilidade, simplesmente são somados todos os valores de entrada e saída do banco, e são feitos lançamentos na contabilidade de forma a que o saldo das subcontas da conta 12 Depósitos à Ordem, seja o mesmo que o saldo da conta bancária constante do extrato bancário, por contrapartida da conta 111 caixa.

Não existe qualquer preocupação da contabilidade em associar os movimentos das contas bancárias aos movimentos da atividade do sujeito passivo.

Falta de contabilização da distribuição de resultados e dos empréstimos dos sócios à sociedade e da sociedade aos sócios, embora existam transferências de dinheiro das contas da sociedade para as contas do sócio e das contas do sócio para as contas da sociedade, sem qualquer movimento correspondente na contabilidade da sociedade.

Através da análise dos extratos bancários das contas tituladas pelo sócio-gerente são identificados diversos depósitos em numerário, indiciando que esse dinheiro tenha como proveniência as receitas da sociedade uma vez que não é conhecida outra fonte de rendimentos do sócio-gerente.

Divergência no anexo P da IES
O sujeito passivo apresenta diversas divergências nos valores por si declarados no anexo P da IES2. Declara valores inferiores aos declarados pelos seus fornecedores. Inclusivamente para os fornecedores CARLOS .........., e L.......... LDA, o sujeito passivo não declara, no referido anexo, ter-lhes comprado qualquer valor, sendo que aqueles declararam ter-lhe vendido mercadorias nos valores de € 25.116,00 e € 25.292,00, respetivamente.
A AT admite que esta situação não deva corresponder a uma omissão efetiva de contabilização de compras por parte do sujeito passivo, mas deve estar relacionado com o que já foi referido no ponto "Inexistência de extratos de fornecedores".

Existência de um TPA associado a uma conta bancária em nome do sócio-gerente
A sociedade utiliza o TPA n.º 0........../0000.......... para receber dos seus clientes, pelos serviços prestados, através de cartões de débito ou crédito. Esse TPA está associado à conta da Caixa .......... n..º .........., cujo titular é JOAQUIM .........., sócio-gerente da sociedade. O sócio-gerente, pontualmente efetua transferências da referida conta para a conta n.º .........., do mesmo banco que está em nome da sociedade, mas não existe uma correspondência exata entre os valores recebidos pelo sócio, via TPA, e os valores por si transferidos para a sociedade. Estas transferências não são evidenciadas na contabilidade, conforme já referimos.
Empresa familiar
O sujeito passivo, J .......... Lda., trata-se de uma empresa familiar em que os sócios são casados entre si. São trabalhadores da sociedade uma filha e um genro dos sócios. As instalações (restaurante e armazém) onde a empresa exerce atividade são da propriedade dos sócios, não sendo debitado qualquer valor relativo a compensação pela utilização do espaço.
Isto é, o sujeito passivo não paga qualquer importância a título de renda aos proprietários do imóvel, e consequentemente não suporta esse custo.
Não estando esses custos, inerentes à atividade desenvolvida, considerados na contabilidade do sujeito passivo, o lucro tributável declarado pelo sujeito passivo está influenciado positivamente por essa realidade.
Se esses custos inerentes à atividade estivessem completamente reflectidos na contabilidade, o sujeito passivo estaria a declarar uma rentabilidade fiscal inferior.
Inventários irreais
A atividade do sujeito passivo caracteriza-se por ser uma atividade de carater continuado, com uma elevada rotatividade dos stocks ele produtos e matérias primas adquiridas, justificada com o facto de grande parte desses bens ter um prazo de validade reduzido. Nesse sentido o valor total desses stocks nunca pode sofrer grandes alterações, salvo alguma compra em maiores quantidades de vinhos ou bebidas espirituosas, o que não foi o caso, no ano em análise.

Como foi admitido pelo sujeito passivo, em auto de declarações, o inventário reportado a 31/12/2011, no valor total de € 4.612,38, não foi correctamente elaborado, não constando desse inventário determinados produtos e matérias-primas que o sujeito passivo tem que ter sempre em stock. Tais como refrigerantes, águas, batatas, arroz, feijão, açúcar, café, etc.


Do acervo factual exposto podemos concluir que a AT cumpriu o seu ónus, demonstrando claramente que a contabilidade da Impugnante contém erros que impedem a determinação exata da matéria tributável, não sendo possível calcular a matéria colectável de outro modo que não seja através da avaliação indirecta.

E assim, consideramos devidamente justificado - e fundamentado - o recurso à avaliação indirecta.

Cumprido este encargo por parte da AT, pode o Sujeito Passivo paralisar a tributação apurada provando que houve excesso na quantificação (art.º 74º/3 LGT).

Contudo, não deve “limitar-se a alegar factos que ponham em dúvida a existência e quantificação do facto tributário, cabendo-lhe o ónus da prova de tais factos” – vd. Acórdão do TCA, de 01/06/2004, proc.º06657/02”, sendo certo que no caso concreto a Impugnante foi muito contida na alegação factual, como bem salientou a MMª juiz.

Com efeito, não basta a RECORRENTE alegar que continuam “a verificar-se dúvidas sobre os erros de recolha das quantidades adquiridas, erros de quantificação dos produtos que fora, objecto de transformação e de critérios errados de imputação dos produtos à confeção”, ou que houve quebras de peso em função do tempo decorrido entre a pesagem constante da fatura e o momento de serem confecionados, quebras de peso por descarna, e quebras de peso resultantes da cozedura, sem provar o alegado.

Como salientou a MMª juiz Relativamente aos auto-consumos, não explica a Impugnante como é que suporta duas refeições aos seus trabalhadores e ainda paga subsídio de refeição; no que se refere à correcção aos custos das matérias-primas, foi o próprio sócio-gerente que afirmou que o inventário reportado a 31.12.2011, não estava completo, resultando evidente a violação do princípio da especialização, basilar princípio contabilístico; quanto aos desperdícios e sobras, resulta evidenciado no relatório de inspecção os cálculos efectuados relativamente a cada bem, ou produto confeccionado, enunciado devidamente as diferenças entre os pesos brutos dos bens e o peso necessário para cada prato, relevando assim os possíveis desperdícios, e não tendo a Impugnante demonstrado quais as reais quebras de peso, desperdícios, sobras e inutilizações ocorridas entre as quantidades compradas e as quantidades confeccionadas ou incorporadas nas diversas prestações de serviço realizadas qual a margem.

Relativamente aos alegados erros de recolha de quantidades adquiridas, de quantificação e critérios de afectação de carne e peixe aos diversos pratos confeccionados e erros cometidos nos critérios e indicadores utilizados na determinação da quantidade e valor do pão fabricado e vendido e quantidade e valor do café vendido, considerando que em sede de processo de revisão da matéria tributável todos estes elementos foram corrigidos pela perita designada pela AT, não resulta alegado nem provado pela Impugnante, em que medida a correcções já efectuada não foram suficientes para corrigir o excesso de quantificação alegado.”.


Ou seja, concluímos que a prova do excesso na quantificação de modo nenhum foi conseguida pela RECORRENTE, como se constata pelos facos provados, que não foram validamente impugnados, resultando claro que as conclusões de recurso não procedem e que a sentença andou bem, devendo por isso ser mantida.

Por último, a RECORRENTE defende que se mantém dúvidas sobre parte das correções efetuadas, razão por que devem merecer anulação nos termos do art. 100º do CPPT.

Mas salvo o devido respeito, não tem razão. A aplicação do art. 100º CPPT pressupõe que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do acto tributário.

Tal dúvida não existe na quantificação efetuada pela AT, pela simples razão de que a RECORRENTE não logrou provar nenhum dos factos (melhor diríamos conclusões) por si alegados.

Por outro lado, sempre deveríamos ter presente o n.º 2 do art.º 100º do CPPT segundo o qual não se considera existir fundada dúvida se o fundamento da aplicação dos métodos indiretos consistir na inexistência ou desconhecimento, por recusa da exibição, da contabilidade ou escrita e de mais documentação legalmente exigidos ou a sua falsificação, ocultação ou destruição, ainda que os contribuintes invoquem razões acidentais, como é o caso dos autos.


V DECISÃO.

Termos em que acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso Tributário deste TCA em negar provimento ao recuso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pela RECORRENTE

Lisboa, 30 de setembro de 2019.


(Mário Rebelo)



(Patrícia Manuel Pires)



(​José Vital Brito Lopes)












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(1) cfr. Ac. do TCAN n.º 00169/08.6BEBRG de 13-11-2014- Relator: Cristina Flora
Sumário: VI. A dificuldade, onerosidade ou morosidade de uma determinada operação necessária para o apuramento da matéria tributável não fundamenta o recurso à avaliação indirecta.
(2) cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Évora n.º 515/13.0GDPTM.E1 de 25-03-2014 Relator: RENATO BARROSO
Sumário: I - A prova não pode ser analisada de forma compartimentada, segmentada, atomizada. O julgador tem de apreciar e valorar a prova na sua globalidade, estabelecendo conexões, conjugando os diferentes meios de prova e não desprezando as presunções simples, naturais ou hominis, que são meios lógicos de apreciação das provas e de formação da convicção)
(3) cfr. Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa n.º 679/06.0GDTVD.L1 -3 de 04-07-2012 Relator: JOÃO CARLOS LEE FERREIRA
Sumário: I — A verdade a que se chega no processo não é a verdade verdadíssima, mas uma verdade judicial e prática, uma «verdade histórico-prática e, sobretudo, não [é] uma verdade obtida a todo o preço, mas processualmente válida». Trata-se de uma verdade aproximativa ou probabilística, como ocorre com a toda a verdade empírica, submetida a limitações inerentes ao conhecimento humano e adicionalmente condicionada por limites temporais, legais e constitucionais.
Assim, numa indagação racional sobre o mundo e o homem, a verdade material consiste na conformidade do pensamento ou da afirmação com um dado factual, material ou não.