Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1336/09.0BELSB
Secção:CT
Data do Acordão:01/13/2022
Relator:VITAL LOPES
Descritores:IMPOSTO SUCESSÓRIO; FICÇÃO LEGAL; PROCEDIMENTO ESPECIAL DE ILISÃO DA PRESUNÇÃO; EFEITOS DA SENTENÇA ANULATÓRIA DE ACTO REVOGATÓRIO DE DEFERIMENTO TÁCITO.
Sumário:1. À ilisão da presunção ínsita no art.º 26.º do CIMSISSD, aplica-se o procedimento de ilisão especial, previsto no art.º 64.º do CPPT.
2. O artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos determina o dever de a Administração Pública, na sequência de uma sentença de anulação de um acto administrativo, repor o status quo ante, reconstituindo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.
3. A anulação contenciosa de acto revogatório implica a repristinação do acto silente revogado, segundo a linha maioritária da doutrina e jurisprudência.
Votação:Unanimidade
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL

I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa de 9 de Abril de 2015, exarada a fls.76/92, que julgou procedente a acção administrativa especial intentada por Fernando(...) e Maria José(...), e condenou a entidade demandada a retomar os procedimentos requeridos nos termos do art.º 64.º do CPPT, para efeitos de ilisão da presunção prevista no art.º 26.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e das Sucessões e Doações.

Conclui as doutas alegações assim:
«


».

Contra-alegações não foram apresentadas.

Por despacho do Exmo. Senhor Conselheiro Relator foi o Supremo Tribunal Administrativo julgado incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso jurisdicional e competente para o efeito este Tribunal Central Administrativo (SCT), para onde foi ordenada a remessa dos autos.

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto apôs o seu visto, a fls.164.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões do recurso, o que agora se discute é a possibilidade da ilisão da presunção prevista no art.º 26.º do Código do Imposto Municipal da Sisa e das Sucessões e Doações e aplicada pela Administração tributária, por parte dos herdeiros da herança, ao abrigo do disposto no art.º 64.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO

Deixou-se factualmente consignado na sentença recorrida:
«
Com interesse para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

1) Foi instaurado, no SF de Alenquer, o processo n.º 23.459, de liquidação de imposto sobre sucessões e doações, por óbito de Alfredo(...) (cfr. fls. 7, do processo administrativo).

2) No âmbito do processo mencionado em 1), foi apresentada pela A., na qualidade de cabeça de casal, relação de bens, na qual foi relacionada uma verba única, consubstanciada em quota no valor nominal de duzentos e cinquenta mil euros, da sociedade “B(...) & Irmão, Lda” (cfr. fls. 14, do processo administrativo).

3) Foram emitidas, em nome dos AA., a 25.02.2008, liquidações de imposto sobre doações e sucessões, comunicadas aos AA., através de ofícios da mesma data (cfr. fls. 5 e 6, dos autos, e fls. 30 a 34 e 51 a 56, do processo administrativo).

4) No cálculo das liquidações mencionadas em 3) foi incluído o valor de 10.887,49 Eur., calculado nos termos do art.º 26.º, do CIMSISSD (cfr. fls. 30 a 34, do processo administrativo).

5) Na sequência do mencionado em 3) e 4), os AA. apresentaram, junto do SF de Alenquer, requerimentos, que ali deram entrada a 05.03.2008, para efeitos de ilisão da presunção prevista no art.º 26.º, do CIMSISSD, ao abrigo dos art.ºs 64.º, do CPPT, e 73.º, da LGT, requerimentos nos quais arrolaram testemunhas (cfr. fls. 35 a 40, do processo administrativo).

6) Na sequência do mencionado em 5), foram proferidos, a 27.04.2009, pelo chefe do SF de Alenquer, despachos de indeferimento da pretensão dos AA., dos quais consta designadamente o seguinte:

Imagens: originais nos autos


Imagem: original nos autos





Imagens: originais nos autos



Imagem: original nos autos




Imagem: original nos autos




…” (cfr. fls. 14 a 18 e 20 a 24, dos autos, e fls. 41 a 50, do processo administrativo).

7) Os despachos mencionados em 6) foram comunicados aos AA. através de ofícios datados de 06.05.2009 (cfr. fls. 13 a 24, dos autos, e fls. 41 a 50 e 57 a 65, do processo administrativo).

8) Na sequência do mencionado em 7), os AA. apresentaram, junto do SF de Alenquer, requerimento, datado de 23.05.2009, formulando o pedido de que fossem consideradas nulas e sem qualquer efeito as notificações de indeferimento da reclamação e anuladas as importâncias em causa (cfr. fls. 25 e 26).
*
DOS FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos não provados, em face das possíveis soluções de direito, com interesse para a decisão da causa.
*
MOTIVAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do tribunal, no que respeita aos factos provados, assentou na prova documental junta aos autos e constante do processo administrativo apenso, conforme indicado em cada um desses factos.».

A) DE DIREITO

Não se conforma o Recorrente, desde logo, com a pretensa leitura que a sentença fez do vertido no artigo 17.º da douta contestação.

Se bem apreendemos o alcance do que alega, pretende o Recorrente que aquele art.º 17.º do seu articulado inicial não permite extrair a ilação de que a Administração tributária o que ali propôs foi a realização de novas diligências para ilidir a presunção da existência de bens móveis no activo da sucessão.

Na interpretação do enunciado dos actos processuais, aplica-se o disposto nos artigos 236.º e 295.º do Código Civil.

Consta textualmente do art.º 17.º da douta contestação:
«

».
Por outro lado, e, a propósito do que agora importa tratar, consignou-se na sentença recorrida:
«
Ao decidir no sentido de a presunção não poder ser posta em causa, incorreu a entidade demandada em vício de violação de lei.
Não obstante, uma vez que se está perante a reação a um indeferimento, no qual não se apreciou o mérito do requerido, tendo-se considerado não ser o mesmo aferível naquela sede, e, sendo, pois, a presente ação uma ação de condenação à prática de ato devido (na qual o que está em causa é o direito dos AA. a poderem ilidir a presunção), a adoção pela entidade demandada da conduta devida envolve que esta retome o procedimento requerido pelos AA. até final, implicando a formulação de valorações próprias do exercício da função administrativa (como, aliás, decorre do art.º 17.º, da contestação), pelo que o Tribunal apenas pode explicitar as vinculações a observar pela entidade demandada neste contexto (cfr. art.º 95.º, n.º 3, do CPTA).
(…)».

Pois bem, tendo presente o critério legal de interpretação dos actos, sendo certo que não se apreende do art.º 17.º da contestação qualquer sugestão/ proposta ou aceitação da realização de novas diligências por parte da AT para ilidir a presunção da existência de bens móveis no activo da sucessão, a verdade é que também não se colhe que a sentença tenha feito ou assumido essa leitura.

O que se colhe do extractado é que a consequência da invalidade, por ilegalidade, do acto revogatório do deferimento tácito do pedido de abertura do procedimento especial de ilisão da existência de bens móveis no activo da sucessão, nos termos conjugados dos artigos 26.º do CIMSISSD e 64/3 do CPPT, determina que a condenação à prática do acto devido não possa ir além da vinculação da entidade demandada “a retomar os procedimentos requeridos nos termos do art.º 64.º do CPPT, para efeitos de ilisão da presunção prevista no art.º 26.º do CIMSISSD pelos AA., até final”, como bem expressado no decisório.

E esta consequência da invalidade do acto revogatório do deferimento tácito do pedido dos AA. de abertura do procedimento especial de ilisão previsto no art.º 64.º do CPPT (bem ou mal, adiante veremos) a entidade demandada e ora Recorrente concede inequivocamente na contestação ser aquela que decorrerá de uma eventual invalidade da revogação do acto tácito de deferimento e é esse sentido, e só esse, que se extrai da sentença recorrida, destacadamente, do segmento extractado, o que significa que o recorrente não tem razão quando alega que a sentença deduziu do enunciado da contestação mais, ou em contrário, do que dela se pode retirar, num critério objectivista de interpretação, que é o estabelecido no citado art.º 236/1 do Código Civil.

Improcede este segmento do recurso.

Prosseguindo na apreciação das demais questões do recurso, sucede que o Recorrente não se conforma também com a aplicabilidade do regime estatuído no art.º 64.º do CPPT ao procedimento de liquidação do imposto sucessório, por o CIMSISSD ser anterior ao CPPT e dispor de procedimentos próprios de reacção nos seus artigos 87.º e 88.º. Vejamos.

A abertura da sucessão remonta a 15/01/2003, facto incontroverso (cf. art.º 2031.º, do Cód. Civil)

Na redacção emergente do Decreto-Lei nº 252/89, de 9 de Agosto, dispunha o CIMSISSD:
«Artigo 26º
Nas transmissões por morte, quando não houver arrolamento judicial dos mobiliários, presumir-se-á, sem admissão de prova em contrário, a existência de mobílias, dinheiro, jóias e mais objectos de uso pessoal ou doméstico, necessários para perfazer, com os bens da mesma espécie que foram relacionados, um valor mínimo equivalente às seguintes percentagens do activo restante da sucessão:
Até 500 contos..........................................3
Mais de 500 contos a 2500 contos .......................6
Mais de 2500 contos a 5000 contos........................9
Mais de 5000 contos a 10 000 contos.....................12
Mais de 10 000 contos.................................15».

Como se refere no “Código da Sisa e do Imposto sobre Sucessões e Doações comentado e anotado”, de Albano Alves Moreira, Porto ed. 4.ª ed. (1982) em anotação ao referido preceito, o mesmo “teve em vista evitar os efeitos da subtracção de bens móveis à tributação, de que se usava e abusava, fixando para isso determinadas percentagens que, aplicadas a certa parte dos bens transmitidos, determinam o valor mínimo a considerar, de certa espécie de bens”.

Contudo, a redacção inicial dada ao art.º 26.º do CIMSISSD., veio a ser posteriormente alterada pelo Decreto-Lei n.º 472/99, de 8 de Novembro, passando a ser a seguinte:
«Artigo 26.º

Nas transmissões por morte, quando não houver arrolamento judicial dos mobiliários, presumir-se-á a existência de mobílias, dinheiro, jóias e mais objectos de uso pessoal ou doméstico, necessários para perfazer, com os bens da mesma espécie que foram relacionados, um valor mínimo equivalente às seguintes percentagens do activo restante da sucessão:

Até 500 contos - 3;
Mais de 500 contos a 2500 contos - 6;
Mais de 2500 contos a 5000 contos - 9;
Mais de 5000 contos a 10000 contos - 12;
Mais de 10000 contos - 15.».

Como se explicita na parte preambular do citado Decreto-Lei n.º 472/99,
«Um dos propósitos fundamentais da lei geral tributária aprovada pelo artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 398/98, de 17 de Dezembro, foi introduzir maiores coerência, clareza e estabilidade no sistema fiscal composto por múltiplas normas jurídicas frequentemente contraditórias entre si, em evidente prejuízo da necessária unidade do sistema fiscal.
As soluções da lei geral tributária prevalecem obviamente sobre as normas em sentido contrário dos vários códigos e leis tributárias que ficaram, a partir de 1 de Janeiro de 1999, data da sua entrada em vigor, revogadas tacitamente, por incompatibilidade. Apenas ficou salvaguardada a legislação especial. Essa ressalva, no entanto, não pode fundamentar soluções desarmónicas com as da lei geral tributária, que ponham em causa a unidade do sistema fiscal.
A adaptação dos vários códigos e leis tributárias à lei geral tributária não é nem poderia ser, por isso mesmo, uma condição de eficácia ou aplicabilidade das suas normas.
(…)».

Ou seja, desapareceu do art.º 26.º do CIMSISSD a presunção absoluta e inilidível de que o valor dos bens mobiliários representa, sempre e necessariamente, uma quota de outros bens ou valores patrimoniais da herança, que a jurisprudência constitucional já vinha afirmando, com relação a factos anteriores, conduzir a uma verdadeira “ficção” da existência de bens dessa natureza, sem que fosse outorgada ao contribuinte qualquer possibilidade de demonstração de que a real estrutura do património hereditário se não compaginava com tal imposição legal e que tal interpretação normativa viola os princípios constitucionais da igualdade e da capacidade contributiva.

E desapareceu aquela presunção juris et de jure do art.º 26.º do CIMSISSD em linha com o preceituado no art.º 73.º da Lei Geral Tributária, que dispõe: «As presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário».
Em harmonia com esse preceito, o art.º 64.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário veio a estabelecer o seguinte:
«Artigo 64.º
Presunções
1 - O interessado que pretender ilidir qualquer presunção prevista nas normas de incidência tributária deverá para o efeito, caso não queira utilizar as vias da reclamação graciosa ou impugnação judicial de acto tributário que nela se basear, solicitar a abertura de procedimento contraditório próprio.
2 - O procedimento previsto no número anterior será instaurado no órgão periférico local da área do domicílio ou sede do contribuinte, da situação dos bens ou da liquidação, mediante petição do contribuinte dirigida àquele órgão, acompanhada dos meios de prova admitidos nas leis tributárias.
3 - A petição considera-se tacitamente deferida se não lhe for dada qualquer resposta no prazo de seis meses, salvo quando a falta desta for imputável ao contribuinte.
4 - Caso já tenham terminado os prazos gerais de reclamação ou de impugnação judicial do acto tributário, a decisão do procedimento previsto no presente artigo apenas produz efeitos para o futuro».

A entidade demandada, ora Recorrente, não concorda com a aplicação destes preceitos ao caso dos autos, defendendo, por um lado, que o procedimento estatuído no art.º 64.º não é aplicável por o CIMSISSD prever procedimentos próprios nos seus artigos 87.º e 88.º para o contribuinte reagir contra o apuramento da matéria colectável; por outro, que aquele art.º 64.º do CPPT se circunscreve à ilisão de presunções em matéria de incidência tributária e não de presunções contidas em normas de determinação da matéria colectável, que é o caso.

Todavia, e salvo o devido e merecido respeito, não assiste razão ao Recorrente em nenhum dos argumentos convocados.

Estabelecem os convocados preceitos do CIMSISSD:
«Artigo 87º
No prazo de oito dias a contar da notificação, os contribuintes que não se conformarem com os valores sobre que foi liquidado o imposto poderão contestá-los, por si, seus representantes legais ou mandatários, requerendo a avaliação dos bens ainda não avaliados no processo, salvo tratando-se dos seguintes:

1º Bens mobiliários ou imobiliários cujo valor tenha sido o atribuído em inventário, título de partilhas ou liquidação de estabelecimento comercial ou industrial;

2º Quotas ou partes em sociedades que não sejam por acções e continuem com o contribuinte, quando o seu valor tenha sido o atribuído em partilha;

3º Bens mencionados no nº 7º e última parte do nº 4º do artigo 79º e no nº 1º deste artigo, quando não tenha sido aplicada a fórmula constante da alínea a) da regra 5ª do § 3º do artigo 20º.

§ 1º Em relação aos bens que forem objecto de pedido de avaliação, suspender-se-ão todas as diligências ulteriores à liquidação, devendo reformar-se esta, de acordo com os valores que lhes vierem a ser atribuídos, e notificar-se de novo aos interessados nos termos do artigo anterior.

§ 2º Se os contribuintes não quiserem requerer a avaliação, poderão eles próprios, ou as pessoas notificadas em sua vez, declarar por termo no processo, dentro do mesmo prazo de oito dias, que preferem pagar o imposto de pronto, pedir o seu pagamento em maior número de prestações do que as indicadas na parte inicial do § 1º do artigo 120º ou ainda requerer a dação em cumprimento nos termos do artigo 129º-A.
Artigo 88º
Quando o imposto não tiver sido liquidado sobre o valor resultante da avaliação, o director de finanças distrital poderá ainda promovê-la, com as limitações do artigo 79º deste código, no prazo de dois anos contados da data da notificação da liquidação definitiva.

O director de finanças também poderá promover, nos mesmos termos, a avaliação do encargo de alimentos.»

Sem grande esforço exegético se alcança que os artigos 87.º e 88.º do CIMSISSD não permitem reagir à presunção consagrada no art.º 26.º do mesmo Código, mas sim contestar o valor atribuído aos bens.

Ora, os Recorridos não pretendem questionar o valor atribuído aos bens móveis determinado pela AT, mas sim questionar a sua existência, o que é substancialmente diverso.

Por outro lado, sobre o entendimento doutrinário do termo incidência utilizado no art.º 73.º, referem Diogo Leite Campos e Outros, “Lei Geral Tributária”, 4.ª ed. (2012), em anotação ao indicado preceito (págs. 649/650): «São normas de incidência, em sentido lato, as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação».
Neste sentido, são normas de incidência as que determinam os sujeitos activo e passivo da obrigação tributária, as que indicam qual a matéria colectável, a taxa e os benefícios fiscais.
O termo incidência pode ser utilizado num sentido mais restrito, para referenciar as normas que indicam o sujeito passivo e a definição sem abranger a sua determinação.
No entanto, para os efeitos previstos no art.º 73.º da LGT e art.º 64.º do CPPT, deve entender-se que a referência a normas de incidência é utilizada da acepção lata, pois as razões que justificam a admissibilidade de ilidir presunções, que se ligam à comprovação da existência real dos pressupostos subjectivos e objectivos da tributação, que é exigida pelo princípio constitucional da igualdade, valem relativamente a qualquer destes pressupostos».

Essa posição doutrinária já foi assumida pela jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, entre outros, no seu ac. de 10/11/2017 tirado no proc.º 0880/16, em que se consignou: «…para os efeitos previstos nesse art. 73º e no art. 64º do CPPT, deve entender-se igualmente, (Neste sentido se concluiu no ac. do STA, de 29/2/2012, no proc. nº 0441/11, com apoio na doutrina: cfr. Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário, Anotado e Comentado, I Vol., 6ª ed., 2011, anotações 2 e 3 ao art. 64º, pp. 585 a 588, que cita Soares Martinez, Direito Fiscal, 7ª ed., p. 126 e Nuno Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, volume II, p. 56.) que a referência a normas de incidência é utilizada na acepção lata (as que «definem o plano de incidência, ou seja, o complexo de pressupostos de cuja conjugação resulta o nascimento da obrigação de imposto, assim como os elementos da mesma obrigação») e não apenas na acepção mais restrita (normas que indicam o sujeito passivo e a definição da matéria colectável, sem abranger a sua determinação)».

Tal significa que a aplicabilidade do disposto nos artigos 73.º da LGT e 64.º do CPPT se estende à ilisão da presunção do art.º 26.º do CIMSISSD, da existência de bens móveis no activo da sucessão.

Como já se entrevê, a impugnada revogação do deferimento tácito do pedido de abertura do procedimento especial de ilisão da presunção da existência de bens móveis no activo da sucessão, com os fundamentos então invocados e agora reiterados na acção e no recurso pela entidade demandada recorrente, enferma de ilegalidade por erro nos pressupostos, a determinar a sua invalidade, como decidiu a sentença recorrida.

Uma última questão importará resolver, posto que estamos no domínio da acção administrativa especial (art.º 97/2 do CPPT).

O artigo 173.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, determina o dever de a Administração Pública, na sequência de uma sentença de anulação de um acto administrativo, repor o status quo ante, reconstituindo a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado.

Assim, anulado contenciosamente o acto revogatório de acto tácito, qual a extensão do dever de reconstituição da situação que existiria se o acto revogatório não tivesse sido praticado?

Acompanhamos a doutrina e jurisprudência maioritárias, cuja tese, de resto, fez vencimento no ac. do Supremo Tribunal Administrativo (CA) de 29 de Novembro de 2005 tirado no proc.º 01855/02, segundo a qual “a sentença anulatória com efeitos retroactivos à data do acto anulado de revogação, implica o restabelecimento da situação que lhe era anterior, significando, neste caso, o ressurgimento na ordem jurídica do acto de deferimento tácito”.

E neste modo de ver, a repristinação do deferimento tácito do pedido de abertura do procedimento especial de ilisão da presunção da existência de bens móveis no activo da sucessão, impõe à entidade demandada que retome os procedimentos requeridos pelos AA. nos termos do art.º 64.º do CPPT, para efeitos de ilisão da presunção prevista no art.º 26.º do CIMSISSD, até final, como decorre do dispositivo condenatório da sentença.

A sentença recorrida merece ser confirmada por não padecer dos vícios que lhe são assacados.
O recurso não merece provimento.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a douta sentença recorrida.

Condena-se o Recorrente em custas.

Lisboa, 13 de Janeiro de 2022



_______________________________
Vital Lopes




________________________________
Luísa Soares




________________________________
Patrícia Manuel Pires