Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03085/09
Secção:CT2º JUÍZO
Data do Acordão:06/02/2009
Relator:JOSÉ CORREIA
Descritores:IMPUGNAÇÃO DE IRS. AJUDAS DE CUSTO.
Sumário:I) -A inexistência de elementos de prova que permitam concluir à AF, no exercício do seu poder - dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte dos contribuintes, pela realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, será suficiente para que englobe os respectivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.

II) -Mas, para que assim não suceda caberá, então, ao contribuinte, demonstrar que tais quantitativos correspondem, efectivamente, à compensação por despesas de deslocação que suportou em substituição da sua entidade patronal.

III) -E a forma mais directa de se proceder a tal demonstração é através da prova documental, designadamente, através dos respectivos boletins de itinerário.

IV) -Mas, porque a lei não limita os meios de prova possíveis, ao contribuinte é legítimo recorrer a qualquer dos meios de prova em direito admitidos, sendo apenas indispensável que os mesmos existam e sejam facultados à entidade decidente.

V) – As ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma prestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributados em sede de IRS.

VI) – As ajudas de custo atribuídas ao trabalhador têm natureza remuneratória somente na parte que exceda o limite legal anualmente fixado para os servidores do Estado, atento ao disposto no artigo 2º, nº 3 alínea e) do CIRS.

VII) – Recai sobre a administração tributária, como pressuposto da norma de tributação, o ónus da prova de tal excesso bem como de que as verbas auferidas pelo trabalhador a título de ajudas de custo não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesa por ele suportadas em resultado da deslocação de sua residência habitual.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acorda-se, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. - RELATÓRIO

1.1. – A FAZENDA PÚBLICA, com os sinais identificadores dos autos, interpôs recurso jurisdicional da decisão da Mmª. Juíza do TAF de Sintra, que julgou procedente a presente impugnação judicial deduzida por J.......... e M...................... contra a liquidação de IRS do ano de 1992, concluindo assim as suas alegações:
“I -O presente recurso visa reagir contra a douta sentença declaratória da total procedência da impugnação deduzida contra a liquidação adicional de IRS do ano de 1992.
II -A fundamentação da sentença recorrida pode sintetizar-se do seguinte modo: em face da matéria de facto assente, as atribuições pecuniárias [recebidas pelo Impugnante] tinham um carácter compensatório e não remuneratório.
III -Consta das al. A) e R) do probatório, as quais se referem ao Relatório dos SIT e da IGF, que a entidade empregadora do ora Impugnante, a sociedade B......, no ano em causa procedeu ao pagamento ao Impugnante de determinadas importâncias a titulo de ajudas de custo, mas não possuía qualquer documento justificativo das deslocações efectuadas, nem dos km percorridos, o que portanto não permite apurar a verdadeira natureza dos montantes atribuídos.
IV -Porque assim era, não ficou provado nos autos que havia um documento de controle de cada viatura onde constasse o n° de km, hora e data do início e fim da viagem de serviço, controlado pelo chefe do Serviço da contabilidade da B........... Acresce que depois da acção de inspecção houve uma alteração de procedimentos e passou a ser elaborada uma ficha mensal para cada viatura, como se afirma no §17° da p.i. .
V -Deste modo, não poderá ter ficado provado o que se afirma nas al. M) e S) do probatório, na medida em que os documentos da despesa efectuada ou o mapa das deslocações (manuscrito) nunca foram apresentados nem à AF, nem à IGF nem na presente Impugnação, no caso dos documentos de despesa.
VI -No ano de 1992 o Impugnante tinha a categoria de S/ Chefe de Secção, e exerceu funções de responsável pelo centro de documentação da B.......... -al. E) do probatório.
VII -O grosso das funções desse Centro prendia-se com arquivo de legislação, uso de software específico, compilação de documentação técnica - al. K) do probatório,
VIII -Se os montantes pagos a título de ajudas de custo se destinassem a compensar o trabalhador pelas despesas em que este incorreu ao serviço da entidade patronal, ficaria desprovido de qualquer sentido a atribuição de uma viatura da empresa, bem como o reembolso das facturas apresentadas, pressupõe-se de combustível e refeições, como referiu a 1ª testemunha inquirida e consta da al. M) do probatório.
IX -Assumindo a B.......... -al. T) do probatório - que o valor a pagar a título de ajudas de custo era acordado verbalmente, ajustado à função de cada trabalhador, com base no respectivo vencimento - ficando por saber se quem ganhava mais tinha uma "despesa" maior - e de acordo com uma estimativa de saídas ao longo do ano, nunca ultrapassando os limites legais, só se poderá concluir que os montantes pagos ao Impugnante, designados de ajudas de custo, nunca assumiram verdadeiramente essa natureza.
X -Mesmo que o Impugnante tenha efectuado "muitas deslocações pelo país ao serviço da B..........", resulta demonstrado nos autos que os abonos recebidos a título de ajudas de custo não tinham qualquer relação com essas deslocações, pois o montante fixado para as mesmas o era antes delas ocorreram, isto é, no inicio do ano, para todas as deslocações ao longo desse mesmo ano.
XI -A manter-se na ordem jurídica, a douta sentença ora recorrida revela uma inadequada interpretação e aplicação quer do art.2° do CIRS quer da própria jurisprudência ali citada.
Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada, com as devidas consequências legais.
PORÉM V. EX.AS, DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.
Não houve contra -alegações.
O EPGA pronunciou-se no sentido de que o recurso merece provimento, concordando com a argumentação expendida pela recorrente FªPª.
Satisfeitos os vistos legais, cumpre decidir.
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*
II. - FUNDAMENTAÇÃO:
2.1. - DOS FACTOS:
Na sentença recorrida e em face dos elementos juntos aos autos, considerou-se assente, com interesse para a decisão da causa, a seguinte factualidade:
A) A Inspecção Tributária - Área Ocidental da Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, em 03/04/1996, elaborou relatório, em cumprimento das ordens de serviço n.° 11583 e 11584, de 15/03/96, em análise ao ofício 1527 da Divisão de Prevenção e Inspecção Tributária II (Setúbal) respeitante a fiscalização à B.........., onde foram detectadas irregularidades em IRS, onde consta que: "O contribuinte J..................... auferiu remunerações a título de ajudas de custo, todavia não existe qualquer documento justificativo das deslocações efectuadas, nem dos Kms percorridos, o que não permite apurar a verdadeira natureza dos montantes atribuídos, pelo que deverão considerar-se na totalidade rendimentos da Categoria A do IRS nos termos do art. 2° do CIRS.
As remunerações referidas foram pagas pela empresa «B..........» nos exercícios de 1991 e 1992, da qual o contribuinte era trabalhador dependente, sobre as quais não foi efectuada retenção na fonte de IRS nos termos do artigo 92° do CIRS, nem o respectivo valor declarado pelo contribuinte nas declarações Mod, l e 2.
Assim, em consequência da alteração introduzida no art. 96° do CIRS, pelo Dec-Lei 267/91 de 6 de Agosto, o imposto corresponde ao período de...Janeiro a Dezembro de 1992, no montante de 250 705$00, deverá ser exigido ao titular dos rendimentos, ou seja, o contribuinte em causa.
Para os devidos efeitos, foram elaborados os respectivos Mapas de apuramento DC1 e DC2 para os exercícios de 1991 e 1992, respectivamente." - cfr. fls. 38 a 42;
B) Em resultado da acção inspectiva foi efectuada a liquidação adicional de IRS, n° .............., ano de 1992, no montante a pagar de 356 487$00, com data limite de pagamento em 05/01/1998 - cfr. informação de fls. 62;
C) O imposto impugnado encontra-se pago, conforme informação do Serviço de Finanças de ..... 3, pelo ofício n° 0016018, de 21/10/2008 - cfr. fls. 172;
D) Em 07/04/1998, o Impugnante apresentou os presentes autos de impugnação -cfr. fls. 2 a 26;
E) Durante o ano de 1992, o Impugnante, com a categoria de S/Chefe de Secção exerceu as funções de responsável pelo Centro de Documentação da B.......... -Centro Técnico de Informática, Limitada -cfr. talões de remunerações, a fls. 10;
F) A B.......... - Centro Técnico de Informática, Limitada exercia a actividade de consultora de projectos e candidaturas a apoios financeiros por parte dos vários fundos comunitários, nas áreas de Formação Profissional, Pescas, Indústria, Comércio, Agricultura, Turismo, Informática - cfr. artigos 1° e 2° da petição inicial, a fls. 2;
G) O Impugnante fez várias deslocações pelo País, afim de junto das empresas acompanhar os processos de candidatura - cfr. artigo 4.° da petição inicial, a fls. 3 e depoimento das testemunhas Ana ............, conforme acta de audiência, a fls. 141 e 142 e Alice ...... conforme acta de inquirição, a fls. 162 e 162 verso;
H) A B.........., em 22/05/1990, emitiu uma declaração onde ficou consignado que o Impugnante se deslocava, ao serviço da empresa, com periodicidade, sendo portador de valores monetários - cfr. fls. 18;
I) Numa reunião que aconteceu no Prior Velho, no dia 25/06/1990 que teve por objectivo a «coordenação» dos vários sectores da empresa, ficou estipulado que as viaturas .....-75-... e ...-00-... ficariam disponíveis para utilização diária de três funcionários da empresa, entre eles o Impugnante - cfr. acta de reunião de fls. 19 a 22;
J) Ficou também consignado naquela acta que a Divisão de Estudos e Projectos de Formação Profissional tinha as seguintes funções: “Planeamento, programação, acompanhamento e avaliação de acordo com orientações gerais dadas pela gerência. Esta divisão é também responsável pela implementação das orientações gerais nas filiais" -cfr. acta de reunião de fls. 19 a 22;
K) O Impugnante fazia parte da divisão referida em J, sendo responsável, durante os anos de 1992 a 1994, pelo Centro de Documentação e Departamento de Candidaturas e Projectos da empresa tinha a seu cargo:
"a) separar, estudar, distribuir e guardar em arquivo próprio toda a legislação nacional e comunitária relacionada com o apoio aos diversos sectores da actividade económica do país;
b) análise, sistematização e classificação, software específico;
c) compilar toda a documentação técnica de apoio às diversas áreas de projectos tais como Hotelaria, Indústria, Pescas, Formação Profissional, Informática;
d) deslocações frequentes em viatura fornecida pela empresa para acompanhar junto dos clientes os vários processos" - cfr. acta de reunião de fls. 19 a 22 e fls. 13 a 17;
L) O Impugnante fez "centenas e centenas de viagens/deslocações por todo o País, ao serviço da empresa, tendo percorrido milhares e milhares de quilómetros" -cfr. declarações de fls. 13 a 18 e depoimento das testemunhas Ana .............., conforme acta de audiência, a fls. 141 e 142, Alice ..... e Eugenia ....... conforme acta de inquirição, a fls. 162 e 163;
M) O Impugnante apresentava na empresa no final de cada viagem, os documentos de despesa efectuada, tais como recibos de combustível, recibos de refeições tomadas durante os dias em que se viajou, no Norte, Centro e Sul do País - cfr. artigo 12.° da petição inicial, a fls. 4 e depoimento da testemunha Alice ........, a fls. 162 e 162 verso;
N) Mensalmente era creditada ao Impugnante juntamente com o seu ordenado, uma importância a título de ajudas de custo - cfr. artigo 13.° da petição inicial, a fls. 4 e fls. 10;
O) Quantitativamente o valor das ajudas de custo por mês era constante, por que assim o resolveu a entidade patronal para simplificar o processamento das folhas de salários - cfr. artigo 14.° da petição inicial, a fls. 4 e fls. 47;
P) Na declaração mod. 2 do IRS, do ano de 1992, o Impugnante declarou que auferiu a quantia de 934 708$00, a título de ajudas de custo - cfr. artigo 19 da petição inicial, a fls. 6;
Q) O Impugnante, para o ano de 1992, apresentou declaração de rendimentos Mod. 2 e declarou no Anexo A o rendimento da categoria A da importância de 1 540 000$00 - cfr. fls. 52;
R) A Inspecção Geral de Finanças escreveu: ''...com efeito, atendendo à actividade da empresa (essencialmente prestações de serviço na área da formação profissional) justifica-se o processamento de ajudas de custo aos trabalhadores que, efectivamente, realizam deslocações (e não a todo o pessoal). Todavia a inexistência de qualquer controlo que permita identificar de forma inequívoca, as situações reais, impede-nos de quantificar os correspondentes valores, o que conduz a propor a tributação das importâncias pagas em sede de IP e IRS" - cfr. fls. 25;
S) A B.......... exigia no final de cada mês a apresentação de mapa resumo das deslocações efectuadas, com indicação das localidades e empresas visitadas -cfr. fls. 23;
T) A B.......... em carta, de 25/02/1993 dirigida ao Inspector das Finanças declara:
"Afim de simplificar o processamento de ajudas de custo relativas a saídas de funcionário, a empresa tem acordado verbalmente aqueles valores com os funcionários, ajustada à função de cada trabalhador, com base no respectivo vencimento, bem como na estimativa de saídas ao longo do ano.
No início de cada ano são revistos os valores do número de saídas e os montantes; nunca ultrapassando os limites legais" - cfr. fls. 26.
*
Facto não provado
U) Havia um documento de controle de cada viatura onde constava o n.° de Kms, hora e data do início e fim da viagem de serviço, especificando os locais por onde tinha passado o condutor, controlado pelo chefe do serviço da contabilidade da B.........., o Sr. Celso ........ - cfr. artigos 17° e 18 da petição inicial, a fls. 5.
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Considerei provados ou não provados os factos com base no teor dos documentos juntos aos autos e no depoimento das três testemunhas (Ana ................, Alice ....... e Eugenia .........) constante nas actas de inquirição a fls. 141,142,162 e 163, entendido como credível.
O depoimento das testemunhas e os documentos juntos aos autos de fls. 13 a 18, convenceu o Tribunal de que o Impugnante efectuava muitas deslocações pelo País ao serviço da B...........
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2.2. - DA APLICAÇÃO DO DIREITO AOS FACTOS:
A questão controvertida nestes autos, é a de saber se, com o enquadramento fiscal das quantias abonadas ao impugnante ao longo do ano de 1992 pela sua entidade patronal, "B.......... -Centro Técnico de Informática, Ldª" para efeitos de IRS, à luz do estatuído no CIRS, nomeadamente, no seu art° 2° como rendimento de trabalho dependente (categoria A), são remunerações provenientes de trabalho dependente ou ajudas de custo.
Com base na apontada factualidade, a sentença, julgou procedente a impugnação com fundamento na ilegalidade decorrente da inexistência de facto tributário.
Para tanto, fundamenta-se essencialmente a sentença no seguinte:
“(…)
Em suma, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador das despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma prestação de trabalho e daí que não sejam tributados em sede de IRS.
As ajudas de custo atribuídas ao trabalhador têm natureza remuneratória somente na parte que excede o limite legal fixado anualmente para os servidores do Estado, face ao disposto no artigo 2.°, n.° 3, d) do CIRS. Têm natureza compensatória na parte que não o excede. Para o ano de 1992, o limite constava na Portaria n.° 77-A/92,de5/02.
Recai sobre a Administração Fiscal, como pressuposto da norma de tributação, o ónus da prova de tal excesso bem como de que as ajudas de custo não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesa suportada pelo trabalhador, em resultado da deslocação de sua residência habitual.
No caso dos presentes autos, resulta provado que o Impugnante efectuou, no ano de 1992 inúmeras deslocações pelo País, com periodicidade, ao serviço da entidade patronal (B..........) a fim de apoiar e acompanhar, junto dos clientes, os processos de candidatura a fundos comunitários.
A B.......... por questão de conveniência optou pelo pagamento de ajudas de custo.
Em face da matéria de facto assente entendo que as atribuições pecuniárias tinham um carácter compensatório e não remuneratório. Visavam apenas compensar o trabalhador de despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função de S/Chefe, sendo responsável, durante o ano de 1992, pelo Centro de Documentação e Departamento de Candidaturas e Projectos da B...........
A Administração Fiscal ao considerar sem mais a importância recebida pelo Impugnante, a título de ajudas de custo, como rendimento do trabalho dependente, sem indicar que não se verificaram os pressupostos da sua atribuição, nem determinar se a mesma ultrapassava os correspondentes valores atribuídos aos servidores do Estado, não fez uma boa aplicação do artigo 2°, n° 3, e) do CIRS.
Pelo que, assiste razão ao Impugnante.”
A Fazenda Pública dissente do assim fundamentado e decidido, essencialmente, por desvalorizar, a prova produzida em juízo pelo impugnante no que tange, além do mais, à infirmação dos indícios de que as verbas pagas pela entidade patronal ao recorrido, no ano de 1992, não correspondem ao reembolso de despesas por ele incorridas por motivos de ajudas de custo e deslocações por ele feitas ao serviço da sua entidade patronal.
Com efeito, a recorrente FP sustenta que não existe nos autos prova bastante das deslocações do Impugnante ao serviço da sua entidade patronal, e/ou termos em que elas terão ocorrido, sendo que em termos de ónus de comprovação dos factos necessários para efeitos de qualificação dos montantes percebidos pelo Impugnante como rendimentos do trabalho dependente o mesmo foi cumprido pela Administração porquanto elidiu a presunção de veracidade da declaração de rendimentos do impugnante com base em indícios objectivos e fundados dos quais fez prova documental e o impugnante não logrou contrariar com a prova congregada nos autos.
Preliminarmente se diga que, estando os montantes pagos ao impugnante marido contabilizados na escrita da entidade patronal como sendo relativos a ajudas de custo, competia à Fazenda, posto que alterou os rendimentos que aquele declarou para IRS (art. 66° CIRS), provar que os quantitativos em causa se reportam a complemento de remuneração e não a despesas feitas pelo impugnante ao serviço e por conta da entidade patronal.
Ora, no probatório menciona-se que no Relatório em que a liquidação impugnada se baseou se fundamentou que
“ (…)
“O contribuinte J............. auferiu remunerações a título de ajudas de custo, todavia não existe qualquer documento justificativo das deslocações efectuadas, nem dos Kms percorridos, o que não permite apurar a verdadeira natureza dos montantes atribuídos, pelo que deverão considerar-se na totalidade rendimentos da Categoria A do IRS nos termos do art. 2° do CIRS.”
Apesar disso, apura-se nos autos (vd. als. E) a P) ), que durante o ano de 1992, o Impugnante, com a categoria de S/Chefe de Secção exerceu as funções de responsável pelo Centro de Documentação da B.......... -Centro Técnico de Informática, Limitada, empresa que exercia a actividade de consultora de projectos e candidaturas a apoios financeiros por parte dos vários fundos comunitários, nas áreas de Formação Profissional, Pescas, Indústria, Comércio, Agricultura, Turismo, Informática.
O Impugnante fez várias deslocações pelo País, afim de junto das empresas acompanhar os processos de candidatura, havendo a B.........., em 22/05/1990, emitido uma declaração onde ficou consignado que o Impugnante se deslocava, ao serviço da empresa, com periodicidade, sendo portador de valores monetários.
Numa reunião que aconteceu no Prior Velho, no dia 25/06/1990 que teve por objectivo a «coordenação» dos vários sectores da empresa, ficou estipulado que as viaturas ...-75-... e ..-00-... ficariam disponíveis para utilização diária de três funcionários da empresa, entre eles o Impugnante, Na acta então elaborada, ficou também consignado que a Divisão de Estudos e Projectos de Formação Profissional tinha as seguintes funções: “Planeamento, programação, acompanhamento e avaliação de acordo com orientações gerais dadas pela gerência. Esta divisão é também responsável pela implementação das orientações gerais nas filiais".
Ora, o Impugnante fazia parte da divisão atrás referida, sendo responsável, durante os anos de 1992 a 1994, pelo Centro de Documentação e Departamento de Candidaturas e Projectos da empresa tinha a seu cargo:
"a) separar, estudar, distribuir e guardar em arquivo próprio toda a legislação nacional e comunitária relacionada com o apoio aos diversos sectores da actividade económica do país;
b) análise, sistematização e classificação, software específico;
c) compilar toda a documentação técnica de apoio às diversas áreas de projectos tais como Hotelaria, Indústria, Pescas, Formação Profissional, Informática;
d) deslocações frequentes em viatura fornecida pela empresa para acompanhar junto dos clientes os vários processos".
Sucedeu que o Impugnante fez centenas e centenas de viagens/deslocações por todo o País, ao serviço da empresa, tendo percorrido milhares e milhares de quilómetros, apresentando na empresa no final de cada viagem, os documentos de despesa efectuada, tais como recibos de combustível, recibos de refeições tomadas durante os dias em que se viajou, no Norte, Centro e Sul do País.
Mensalmente era creditada ao Impugnante juntamente com o seu ordenado, uma importância a título de ajudas de custo cujo valor/mês era constante, por que assim o resolveu a entidade patronal para simplificar o processamento das folhas de salários.
Na declaração mod. 2 do IRS, do ano de 1992, o Impugnante declarou que auferiu a quantia de 934 708$00, a título de ajudas de custo.
A própria Inspecção Geral de Finanças considerou que ''…atendendo à actividade da empresa (essencialmente prestações de serviço na área da formação profissional) justifica-se o processamento de ajudas de custo aos trabalhadores que, efectivamente, realizam deslocações (e não a todo o pessoal). Todavia a inexistência de qualquer controlo que permita identificar de forma inequívoca, as situações reais, impede-nos de quantificar os correspondentes valores, o que conduz a propor a tributação das importâncias pagas em sede de IP e IRS" - cfr. fls. 25.
A B.......... exigia no final de cada mês a apresentação de mapa resumo das deslocações efectuadas, com indicação das localidades e empresas visitadas e, em carta, de 25/02/1993 dirigida ao Inspector das Finanças esclareceu:
"Afim de simplificar o processamento de ajudas de custo relativas a saídas de funcionário, a empresa tem acordado verbalmente aqueles valores com os funcionários, ajustada à função de cada trabalhador, com base no respectivo vencimento, bem como na estimativa de saídas ao longo do ano.
No início de cada ano são revistos os valores do número de saídas e os montantes; nunca ultrapassando os limites legais".
Perante esta factualidade e esta fundamentação pode concluir-se que a AT demonstrou o carácter não compensatório dos montantes recebidos pelo impugnante marido, ou seja, que se trata de rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva e, por isso, susceptíveis de tributação à luz da al. e) do nº 3 do art. 2º do CIRS, na redacção à data?
É pacífico, na doutrina e na jurisprudência, o entendimento de que as ajudas de custo representam uma compensação ou reembolso pelas despesas que o trabalhador é obrigado a suportar por motivo de deslocações ou novas instalações ao serviço da entidade patronal, não existindo na sua percepção qualquer correspectividade em relação ao trabalho prestado.
Perante aqueles factos verificados na inspecção, poderá dizer-se que está legitimada a actuação da AT?
Anote-se quem na senda de muitos acórdãos deste TCA tirados sobre a mesma temática, de que é exemplar o Ac. de 2/6/2004, rec. nº 3.279/00) no regime legal vigente, a declaração de rendimentos sujeitos a tributação compete ao contribuinte, impondo a lei à AT o dever de fiscalizar tal declaração com a consequente possibilidade de recurso a meios alternativos de fixação da matéria tributável, nos termos também definidos na lei. E neste caso, cabe à AT o dever de demonstração da ocorrência dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável), impendendo, ao invés sobre o administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do acto, quando se mostrem verificados esses pressupostos.
Ora, não é pela AT indicado qual o valor considerado a título de ajudas de custo, nem a percentagem do valor da mesma que constitui o incumprimento do Dec. Lei n.° 519-M/79 de 28/12, quanto ao dia de regresso e, conjugadas estas circunstâncias com a matéria dada como provada não se retira que no ano de 1992 o trabalhador, aqui Impugnante, não se tenha deslocado, ao serviço da entidade pagadora, sendo certo que a inexistência de controle documental interno por parte da empresa que possibilita o incumprimento das normas de preenchimento dos "boletins de ajudas de custo" e "mapas de quilómetros", não significa que não tenha havido necessidade de fazer face a despesas de alojamento ou não tenha havido deslocações e muito menos pode ser imputada essa, inexistência de controle, ao trabalhador.
Ou seja, tal circunstancialismo não permite, por si só, a conclusão de que deixaram de constituir uma compensação, ou seja, não permite, por si só, descaracterizar a sua qualidade de ajuda de custo ou quilómetro pago por deslocação em viatura própria, uma vez que estas se destinam a reembolsar o trabalhador de despesas com deslocações ao serviço da sua entidade patronal. E para que assim não seja, torna-se necessário que se demonstre que existiu uma vantagem patrimonial retirada pelo beneficiário, ou seja, como vem sendo jurisprudência uniforme (cfr. os acs. do STA, 2ª Secção, de 5/4/2000, Rec. n° 24568, e 29/3/2000, e de 06-03-2008, do Recurso nº 01043/07 e do TCA, de 7/10/2003, Rec. n° 466/03, de 13/5/2003, Rec. n° 6910/02 e 30/9/2003, Rec. n° 700/03 e de 27/01/09, Rec.n º2690/08), que não se trate de um montante com inequívoco intento compensatório, porque se for esse o carácter da quantia paga ao trabalhador, então não se encontra o mesmo abrangido pelo âmbito de incidência do IRS.
«In casu» era à Fazenda Pública que cabia o ónus (cfr. arts. 342º, do CCivil, 100, n° 1 do CPPT e 74º, nº 1 da LGT) de provar que os montantes reembolsados pela B.......... ao trabalhador por deslocações deste não revestem a natureza de ajuda de custo, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva e, como tal, susceptíveis de tributação.
Ora, como expende João Ricardo Catarino, Ajudas de Custo - Algumas notas sobre o regime substantivo e fiscal, in Rev. Fisco n°s. 97/98, p. 80 e 83 e 84.), os DL 519-M/79, de 28/12 e DL 196/98, de 24/4 «não definem o regime tributário das ajudas de custo, mas tão só as condições substantivas da sua aplicação; o regime tributário de tais ajudas resulta do art. 2° do CIRS»; (…) «Diferentemente porém, deverá ser a nosso ver o comportamento de tais agentes económicos privados quanto a todas as demais especificações de natureza, não quantitativa, constantes de tais regimes. Os agentes económicos privados devem considerar-se não sujeitos a estas» até porque «a vinculação das empresas e demais agentes privados a tais limites não quantitativos, como seja a fundamentação exigida, poderia facilmente relevar-se num contra senso absurdo, senão mesmo penalizador».
Semelhante entendimento é perfilhado também pelo STA, designadamente no Ac. de 15/11/2000, Rec. nº 25481, em que se doutrina: «Desta referência apenas aos limites fixados para os servidores do Estado não resulta uma remissão global para o regime de processamento de ajudas de custo dos trabalhadores do Estado (...). «(...) não é correcta a posição assumida na decisão recorrida, ao entender-se que, para as quantias em causa fossem consideradas como ajudas de custo, "era necessário estarem documentadas com o boletim itinerário emitido pelo trabalhador, onde indicasse o dia ou dias em que esteve deslocado, o local da deslocação, natureza do serviço efectuado que originou a deslocação e o respectivo abono diário e total."»
Respiga-se ainda e a propósito o vertido no Acórdão de 06-03-2008, do Recurso nº 01043/07:
“ (…)
Estabelece o artigo 2.º do CIRS uma ampla regra de incidência, de acordo com a qual o imposto incide sobre qualquer tipo de rendimento de trabalho, com exclusão das ajudas de custo que não excedam os limites legais.
Não se questionando que os valores em causa recebidos pelo impugnante tenham excedido os limites legais, a controvérsia cinge-se, assim, quanto a uma eventual descaracterização desses valores como ajudas de custo.
Ora, de acordo com o artigo 87. do DL n.º 49.408, de 24-11-69 (Regime jurídico do contrato individual de trabalho)-“ Não se consideram retribuição as importâncias recebidas a título de ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações ou novas instalações feitas em serviço da entidade patronal, salvo quando, sendo tais deslocações frequentes, essas importâncias, na parte em que excedam as despesas normais tenham sido previstas no contrato ou se devam considerar pelos usos como elemento integrante da remuneração do trabalhador”.
Como assim, as ajudas de custo visam compensar o trabalhador por despesas efectuadas ao serviço e em favor da entidade patronal e que, por razões de conveniência, foram suportadas pelo próprio trabalhador, não constituindo uma contraprestação do trabalho realizado e daí que não sejam tributadas em sede de IRS.
A este propósito se afirmou no acórdão do Pleno da secção de 8-11-06, no recurso n.º 1082/04- “Na estrutura do IRS visa-se apenas tributar o rendimento efectivo dos contribuintes, embora esses rendimentos possam ser presumidos.
Por isso, o artigo 2.º do CIRS que define os rendimentos de trabalho, tem de ser interpretado a essa luz, abrangendo apenas hipótese em que as atribuições pecuniárias feitas aos trabalhadores por conta de outrem visem proporcionar-lhe um acréscimo patrimonial, afastando a incidência do imposto relativamente a atribuições patrimoniais que visam apenas compensar o trabalhador das despesas que teve de suportar para assegurar o exercício adequado da função”.
Como também se deixou expresso em sumário tirado do acórdão de 05-04-00, no recurso n.º 24.568- “Todas as atribuições patrimoniais feitas a trabalhadores por conta de outrem que tenham carácter compensatório e não remuneratório, não estão abrangidas no âmbito de incidência do IRS”.
(…)
Assinale-se que sobre a AT recaía o ónus da prova, o que não foi logrado, de que as verbas auferidas pelo impugnante a título de ajudas de custo não se destinavam a cobrir o acréscimo de despesas por ele suportadas em resultado de deslocação da sua residência habitual. “
Destarte, porque concordamos com o sentido destas doutrina e jurisprudência, não colhe a alegação, por parte da recorrente Fazenda Pública, de que a sentença errou no seu julgamento sobre a matéria de facto tanto mais que, como se professa no Acórdão deste TCAS de 18.06.2002, tirado no Recurso nº 6272/02, relatado pelo relator desta formação, “… a lei não limita os meios de prova possíveis, ao contribuinte é legítimo recorrer a qualquer dos meios de prova em direito admitidos…” não merecendo a prova testemunhal produzida e valorada pelo Tribunal recorrido a censura que lhe é desferida.
É que, como também se refere naquele aresto, “…a eventual inexistência de elementos de prova que permitam concluir, à AF no exercício do seu poder - dever de controlo do cumprimento da legalidade fiscal, por parte dos contribuintes, pela realização das deslocações justificativas do pagamento das ajudas de custo, será suficiente para que englobe os respectivos montantes nos restantes rendimentos remuneratórios sujeitos a tributação.
Para que assim não suceda caberá, então, ao contribuinte, demonstrar que tais quantitativos correspondem, efectivamente, à compensação por despesas de deslocação que suportou em substituição da sua entidade patronal.
A forma mais directa de se proceder a tal demonstração é, como temos, por evidente, através da prova documental, designadamente, através dos respectivos boletins de itinerário; No entanto e uma vez que a lei não limita os meios de prova possíveis de se lograr tal desiderato, forçoso se impõe concluir que, ao contribuinte, é legítimo recorrer a qualquer de tais meios de prova em direito admitidos; O que é indispensável é que os mesmos existam e sejam facultados à entidade decidente.”
Assim, porque o ónus da prova de que os montantes percebidos pelo trabalhador não têm finalidade compensatória, antes consubstanciando rendimentos que proporcionam um acréscimo de capacidade contributiva, assim sendo susceptíveis de tributação, compete à AT e porque, no vertente caso, da matéria de facto provada nem resulta provada a falta de finalidade compensatória do referido montante nem, por outro lado, que o mesmo exceda os limites consagrados na Portaria 29-A/98, de 16/1, não pode esse mesmo montante configurar-se como um rendimento de trabalho dependente, tributável em sede de IRS.
Decorre, pois, do que se vem de referir, que, no caso, a AF não fez a indispensável demonstração de que as quantias que estão na base das impugnadas liquidações, foram pagos a titulo remuneratório, falecendo, por isso, o pressuposto essencial à realização daqueles actos tributários.
E, como assim, a sentença não sofre do erro de julgamento que a recorrente lhe imputa, improcedendo, em consequência, todas as Conclusões do recurso.
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3. -DECISÃO
Termos em que acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em, negando provimento ao recurso, confirmar a sentença recorrida.
Sem custas, porque delas isenta a Fazenda Pública à data da instauração dos presentes autos (Art.° 2 do D.L n.° 42 150 de 12/02/1959 e art.° 14° n° 1 do D.L. 324/03 de 27/12).
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Lisboa, 02/06/2009
(Gomes Correia)
(Pereira Gameiro)
(Manuel Malheiros)-vencido. Considerando os factos provados nos pontos N, O, T e o não provado U, concederia provimento ao recurso.