Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1595/17.5BELRA-S1
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/05/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:EFEITOS SUSPENSIVOS AUTOMÁTICOS DO ACTO DE ADJUDICAÇÃO; PREJUÍZOS EXTRAORDINÁRIOS; PONDERAÇÃO DE INTERESSES.
Sumário:I – Com os efeitos suspensivos do acto de adjudicação – ou da execução do contrato, quando este já tenha sido celebrado - pretende-se a garantia da legislação nacional e comunitária em sede de contratação pública, que o legislador quis eleger como um interesse preponderante, a salvaguardar em 1.º linha, que só deve ser beliscado em situações limite ou excepcionais, a saber, porque ocorra um prejuízo “gravemente prejudicial para o interesse público”, ou quando existam “consequências lesivas claramente desproporcionais para outros interesses envolvidos” – cf. n.º 2 do art.º 103.º-A do CPTA;
II - Quando o legislador - europeu e nacional – impôs o regime da suspensão automática do acto de adjudicação e reduziu as possibilidades do seu levantamento aos casos excepcionais, terá pressuposto que todas as consequências naturais, normais, coevas, ou imediatamente decorrentes da não execução imediata do contrato seriam prejuízos que se assumiam como necessários e que se tinham como não tão relevantes quanto os interesses que se queriam proteger por via da aplicação do referido instituto da suspensão automática do acto de adjudicação;
III - Para que se possa afastar o indicado regime é necessário, primeiro, que a entidade demandada ou os contra-interessados venham alegar e provar a existência de tais efeitos extraordinários – gravemente prejudiciais ou de lesividade claramente desproporcional – e, depois, terão os mesmos que alegar e provar que os danos que para si resultam da manutenção do efeito suspensivo do acto de adjudicação são superiores aos que podem resultar para o A. da acção com a não suspensão desse acto. Ou seja, a entidade demandada ou os contra-interessados terão de alegar e provar que a não execução imediata do contrato provoca danos superiores àqueles que possam resultar da sua execução diferida. Terão a entidade demandada e os contra-interessados que alegar e provar que a impossibilidade de execução do contrato pelo A. na acção – uma vez tendo ganho a causa – e o consequente ressarcimento do seu prejuízo pela via indemnizatória - ao invés da reconstitutiva - é um dano inferior àquele que resultará da execução imediata do contrato por um outro concorrente, com os correspondentes efeitos dessa mesma execução imediata;
IV - Não existe um prejuízo iminente, imediato e irreversível para o interesse público decorrente da não execução imediata um contrato de empreitada de obras para a construção de novas instalações, se também se aceita que tal construção só poderia terminar daqui a 2 ou 3 anos e que até lá não ficava obstaculizada ou gravemente constrangida a normal continuação da actividade desenvolvida pela instituição em, causa;
V- Os prejuízos decorrentes de uma demora acrescida até que se disponibilizem novas instalações para a actividade da Faculdade, são as consequências necessárias, naturais da inexecução do contrato.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

A U. interpôs recurso da sentença do TAC de Lisboa, que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático do acto de adjudicação.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões: “1.ª A Sentença recorrida do TAF de Leiria que indeferiu o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático decorrente da interposição da ação, nos termos do artigo 103.º-A do CPTA, não fez um correta aplicação do regime legal, constante deste preceito, violando a lei por erro nos pressupostos;
2.ºA Recorrente não se conforma com a referida decisão, ao decidir não levantar o efeito suspensivo automático, sendo esse o objecto do presente recurso;
3.ª A decisão desconsidera de forma manifesta os enormes prejuízos para as actividades da Faculdade de X., incluindo o riscos de exposição a químicos decorrentes das instalações degradadas em que funciona e a impossibilidades de aos seus alunos serem ministradas todas as aulas laboratoriais que constam do respetivo programa de curso; e também não julgou bem da necessidade e possibilidade de produção de prova testemunhal requerida pela ora Recorrente;
4.ª É causa de nulidade do despacho, por força do n.º 1do artigo 195.º, do CPC, ex vi artigo 1º Código de Processo nos Tribunais Administrativos, a recusa, sem qualquer menção e por isso sem qualquer justificação, da prova testemunhal requerida pela Ré;
5 A prova requerida era admissível, pois no incidente do artigo 103.º-A do CPTA pode ocorrer período de produção de prova; não era dilatória, porque à Recorrente nada interessa a dilação; os factos a provar eram relevantes, porquanto o próprio Tribunal invocou a suposta ausência de prova dos prejuízos enquanto fundamento da decisão;
6.ª A Sentença recorrida, salvo o devido respeito, incorre em patente erro de julgamento quanto à suposta não verificação de graves prejuízos para a Ré decorrentes da manutenção do efeito suspensivo, verificando-se, ao invés, que tais prejuízos existem, foram demonstrados, e deverão prevalecer, na ponderação a fazer, nos termos do n.º 2 do artigo 120.º, ex vi artigo 103.º-A do CPTA, com os virtuais, remotos e meramente patrimoniais, prejuízos da Autora, que nem se encontram alegados;
7.ª Não se compreende nem aceita a total desconsideração pelo Tribunal a quo de como as actividades da Faculdade de X. da Recorrente são afectadas, nomeadamente ao indiciar que apenas os prejuízos que fossem quantificáveis poderiam ser considerados;
8.ª Em virtude do atraso na construção do Edifício em causa, durante vários meses ou anos os alunos, professores e demais trabalhadores da Faculdade de X. dado o estado degradado das instalações vão estar expostos a riscos químicos que podem colocar em causa, e de modo grave, a sua saúde em virtude de exercerem funções em edifícios com precárias condições e em que a utilização de químicos é diária;
12.ª Por fim, há inda erro nos pressupostos ao não atender que os prejuízos efectivamente alegados e demonstrados são de extrema gravidade, independentemente de alguns deles, pela sua própria natureza, não poderem ser reduzidos a uma determinada expressão numérica, o que, aliás, nunca evitou que a jurisprudência lhes conferisse relevância na ponderação com outros prejuízos - pelo contrário, o tipo de prejuízos alegados pela Recorrente deve prevalecer sobre os remotos prejuízos pela Autora, no limite, sempre compensáveis pecuniariamente;
13.ª Incorre ainda em erro de julgamento o Tribunal ao indiciar que não existe relevância no levantamento do efeito suspensivo porque a decisão seria prolatada em curtíssimo espaço de tempo (meses), sendo de sublinhar que a projecção do Tribunal a esse respeito não é verosímil face ao tempo médio de decisão dos processos até ao trânsito em julgado.”

O Recorrido não apresentou contra-alegações.
A DMMP apresentou pronúncia no sentido da procedência do recurso.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Na decisão recorrida foram dados por provados os seguintes factos, que se mantém:
1. Em 27/10/2016 foi proferida informação, pela Direção Geral do Ensino Superior com o seguinte teor:
(TEXTO NO ORIGINAL)

2. Em 10/11/2016 foi proferido sobre a informação referida no ponto anterior despacho de autorização do Sr. Ministro da Ciência Tecnologia e Ensino Superior. [Cf. despacho constante do Doc. n.º 1 junto ao requerimento de levantamento do efeito suspensivo cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]
3. Foi remetido ao Reitor da U., pela Diretora da Faculdade de X. da mesma universidade, ofício datado de 24/11/2017, com o seguinte teor:
(TEXTO NO ORIGINAL)


4. Em anexo ao ofício referido no ponto anterior foram remetidos os seguintes figura e quadros ilustrativos da situação nele descritos:

(TEXTO NO ORIGINAL)


(…)”[Cf. Doc. n.º 2 junto ao requerimento de levantamento do efeito suspensivo cujo teor aqui se tem por integralmente reproduzido]

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da nulidade decisória por ter sido indeferido a prova testemunhal arrolada;
- aferir do erro decisório por ter sido desconsiderado na decisão recorrida o enorme prejuízo para a Faculdade de X. em continuar a sua actividade em instalações exíguas, precárias, dispersas e degradadas, que apresentam riscos químicos, pondo, por essa via, em causa a saúde dos respectivos funcionários e alunos.

Na contestação, nos art.ºs 41.º a 67.º, a ora Recorrente requer o levantamento do efeito suspensivo automático previsto no art.º 103.º-A, n.ºs 2 a 4, do CPTA.
Nenhum daqueles artigos da contestação faz remissão expressa para uma dada prova. Ou seja, as alegações ali indicadas não vêem referidas como relativas a qualquer prova que se junte ou que se requeira. Porém, a final da contestação, a R. e Recorrente indica como prova o nome de 2 testemunhas.
Com base nesta contestação, na decisão recorrida fixou-se a factualidade necessária à apreciação dos critérios legais que vem indicados no art.º 103.º-A do CPTA, remetendo-se, unicamente, para a prova documental, que estava junta aos autos. Em sede de motivação, nessa decisão é dito o seguinte: “Nada mais de relevante para a decisão do presente incidente se logrou apurar.
A convicção deste tribunal quanto à matéria de facto dada como provada, fundou-se nos documentos juntos pela Ré ao requerimento de levantamento do efeito suspensivo automático, conforme discriminado em relação a cada um dos factos dados como provados.”
Através deste recurso, vem o Recorrente dizer que a decisão recorrida é nula porque recusou “sem qualquer menção e por isso sem qualquer justificação” da prova testemunhal requerida pela Ré”.
Não obstante a alegação do Recorrente, constata-se, porém, em primeiro lugar, que na contestação o R. não indicou de forma expressa que pretendesse a prova testemunhal para provar a alegação que fez com relação ao levantamento do efeito suspensivo automático do art.º 103.º-A. do CPTA. Como se disse, a indicação que consta da contestação, quanto à prova testemunhal que se arrola, é totalmente genérica, não vindo assinalada como relativa ao suporte de uma específica alegação.
Depois, dos autos resulta que não foi indeferido qualquer requerimento de prova. Na verdade, o que ocorre nos autos é que o R. indicou a prova testemunhal na contestação e o juiz do processo não chegou abrir um momento de instrução, porquanto prosseguiu, de imediato, com o conhecimento do incidente.
Por fim, também não é certo que a decisão recorrida omita de todo a menção à prova utilizada ou necessária, pois na motivação da decisão explica-se claramente qual a prova que foi considerada e porquê.
Ademais, no presente recurso o Recorrente não diz quais os factos concretos que tenha alegado e que devam ser provados por prova testemunhal, ou em que medida algum facto relevante tenha deixado de ficar provado por não se ter dado oportunidade à fase de julgamento, com a abertura da instrução da causa e prestação de prova testemunhal para o conhecimento do incidente.
Em suma, improcede o alegado erro decisório, pois o mesmo não ocorre.

Diz o Recorrido que a decisão recorrida também errou por ter desconsiderado o enorme prejuízo para a Faculdade de X. em continuar a sua actividade em instalações exíguas, precárias, dispersas e degradadas, que apresentam riscos químicos, pondo, por essa via, em causa a saúde dos respectivos funcionários e alunos.
Porém, como bem se observa em tal decisão, o desenvolvimento da actividade da Faculdade de X. nas actuais instalações - exíguas, precárias, dispersas e degradadas – é algo que se perpétua desde 2013. Logo, as indicadas obras, ou a mudança de instalações para algo mais adequado, é algo que se requer desde 2013, passando a requerer-se com maior acuidade desde 2015, após o encerramento de uma parte das suas instalações. À contrario, as obras concursadas não apresentarão a urgência e a imprescindibilidade que o Recorrente aqui clama, porquanto até à presente data mantinham-se por concursar.
Da mesma forma, quando o Recorrente alega que tem estado a funcionar em pré-fabricados da década de 1960 - degradados, precários e mal conservados, que apresentam riscos de incêndio e patologias construtivas, não solucionadas - está também a admitir que a invocada urgência actual será algo que se arrasta há vários anos, ou décadas, sem que tal tenha inviabilizado efectivamente a actividade docente e de investigação da Faculdade de X..
Ou seja, se das alegações do Recorrente resulta que a Faculdade poderá esperar pelo menos mais 2 ou 3 anos até se resolva a sua situação, então, não ocorre aqui uma situação que lese de imediato e de forma irreversível os interesses da Faculdade, obstando à continuação da sua actividade ou constrangendo-a de tal forma que daí resulte um grave prejuízo para o interesse público.
Na verdade, o que está em causa nestes autos não é a mudança imediata ou a breve trecho de instalações da Faculdade, mas é, antes, o prosseguimento de um concurso, tendo em vista a construção de um edifício novo, com a demora inerente a essa construção, que a Recorrente alega ser de 2 ou 3 anos. Portanto, na solução encontrada pela Recorrente para os problemas admitiu-se o aguardar dos anos necessários ao lançamento deste concurso e, agora, admite-se a demora pelo tempo necessário ao prosseguimento da empreitada e à construção de um novo edifício.
Assim, os prejuízos por banda da Recorrente não são iminentes, imediatos e irreversíveis, porque decorram de não dispor desde já de novas instalações, mas são, sim, os prejuízos que resultarão de uma maior demora na construção de um novo edifício, que, por si só, já implicará o aguardar por 2 ou 3 anos.
Ora, basta esta simples circunstância, para ficar desde já afastado o juízo de imperiosidade e de grave prejudicialidade que está ínsito ao art.º 131.º-A, n.º 2, do CPTA.
Por seu turno, do lado do Requerente da providência, o ora Recorrido, os prejuízos no levantamento desta providência são os que resultarão de já não poder assegurar a execução do contrato de empreitada, para além dos prejuízos patrimoniais que possa ter pela própria participação no concurso.
Mas, igualmente, com os efeitos suspensivos do acto de adjudicação – ou da execução do contrato, quando este já tenha sido celebrado - pretende-se a garantia da legislação nacional e comunitária em sede de contratação pública, que o legislador – comunitário e nacional – quis eleger como um interesse preponderante, a salvaguardar em 1.º linha, que só deve ser beliscado em situações limite ou excepcionais, a saber, porque ocorra um prejuízo “gravemente prejudicial para o interesse público”, ou quando existam “consequências lesivas claramente desproporcionais para outros interesses envolvidos” – cf. n.º 2 do art.º 103.º-A do CPTA.
Nos termos dos art.ºs. e 120.º, n.º 2, 103.º-A, n.ºs. 2 e 4, do CPTA e 342.º, n.º 1, do CC, para que proceda o pedido de levantamento do efeito suspensivo automático, exige-se que esteja alegado e resulte provado pela entidade demandada (ou pelos contra-interessados) da existência de um grave prejuízo para o interesse público ou da verificação de consequências lesivas claramente desproporcionadas para outros interesses envolvidos e que ponderados todos os interesses envolvidos – públicos e privados – se verifique que os danos que resultariam da manutenção do indicado efeito são superiores aos que venham a resultar do seu levantamento. Quanto a este último juízo ponderativo, orientar-se-á por um critério de proporcionalidade.
Este novo instituto tem por base o regime instituído na Directiva 2007/66/CE, de 11-12-2007 (Directiva Recursos), que nos considerandos 22 e 24 refere o seguinte: “No entanto, para assegurar a proporcionalidade das sanções aplicadas, os Estados-Membros podem permitir que a instância responsável pela decisão do recurso não ponha em causa o contrato ou lhe reconheça determinados efeitos, ou todos eles, caso as circunstâncias excepcionais do caso em apreço exijam o respeito de certas razões imperiosas de interesse geral. Nesses casos deverão, em vez disso, ser aplicadas sanções alternativas. A instância de recurso independente da entidade adjudicante deverá analisar todos os aspectos relevantes a fim de estabelecer se existem razões imperiosas de interesse geral que exijam a manutenção dos efeitos do contrato (…)
O interesse económico na manutenção dos efeitos do contrato só pode ser considerado razão imperiosa se, em circunstâncias excepcionais, a privação de efeitos acarretar consequências desproporcionadas. No entanto, não deverá constituir razão imperiosa o interesse económico directamente relacionado com o contrato em causa”.
Com o efeito suspensivo do acto de adjudicação visa-se, assim, tornar efectiva a via contenciosa, garantindo ao respectivo impugnante o poder de fazer paralisar a contratação em curso, obstando à celebração e execução do contrato e, dessa forma, à eventual lesão do interesse que se quis acautelar por via da interposição da correspondente acção.
Ou seja, com tal efeito suspensivo pretende-se impedir a ocorrência de situações de facto consumado, decorrentes da celebração e execução do contrato, e assegurar, caso a acção venha a ser ganha, que o referido impugnante tem uma real hipótese de vir a executar o contrato em questão. Pressupõe-se, portanto, que quem impugna um acto pré-contratual tem à partida o direito a ver o procedimento concursal imediatamente suspenso, até que a correspondente acção seja definitivamente dirimida, situação que só pode ser invertida em situações atípicas ou extrardinárias, quando ocorram prejuízos ou danos graves e claramente desproporcionais para os interesses públicos ou contrapostos.
Ora, no caso em apreço, como se disse, o que verdadeiramente está em causa é o tempo que se terá que aguardar pela construção de um novo edifício. Se um tempo estimado de 2 ou 3 anos, se um tempo um pouco maior, decorrente do período acrescido em que esta acção possa estar a tramitar em juízo.
A presente acção tramita como um processo urgente, com prazos abreviados, que seguindo o seu rito processual normal, terminará com a decisão de 1.ª instância, ou, eventualmente, após recurso para o TCA. Também, eventualmente, pode ocorrer um recurso de revista para o STA, mas aqui, apenas se verificados os requisitos apertados para esta 3.ª via de recurso. Por conseguinte, atendendo à forma processual utilizada, esta acção terá uma tramitação célere, que não será maior que 1 ano e meio ou 2 anos, no seu todo.
Logo, as consequências do efeito suspensivo do acto de adjudicação serão tão-somente aquelas que resultarão da inexecução imediata do contrato, ou as consequências “normais” que resultarão de uma demora maior até ao termo das obras de construção, não havendo, na realidade, uma concreta consequência que urja debelar.
No demais, existem efectivamente prejuízos para o interesse público decorrentes do deferimento do início da execução do contrato, que serão todos aqueles que a Recorrente invoca, designadamente os que se relacionam com um atraso maior para poder usufruir de novas instalações, mais adequadas à actividade de ensino e investigação que se desenvolve na Faculdade de X..
Porém, como acima se referiu, em sede de contencioso pré-contratual urgente, o legislador nacional, na esteira do comunitário, elegeu o interesse (público) da legalidade e do respeito da legislação comunitária, assim como, a garantia da tutela efectiva por banda dos particulares concorrentes, como o primordial ou preponderante.
Assim, só em casos excepcionais pode perigar a efectividade da tutela judicial, designadamente, porque se lhe retire os efeitos de “congelamento” da contratação em curso. Essa excepcionalidade não vem aqui alegada e provada.
O que a Universidade alega, como se disse, são as consequências necessárias, naturais da inexecução do contrato, que são se mostram imperiosas ou gravemente prejudiciais, pois essa não execução não coloca em causa o “normal” funcionamento da Faculdade de X., o funcionamento actual, a desenrolar-se nos moldes em que tem vindo a ocorrer há anos ou décadas.
Quando o legislador - europeu e nacional – impôs o regime da suspensão automática do acto de adjudicação e reduziu as possibilidades do seu levantamento aos casos excepcionais, terá pressuposto que todas as consequências naturais, normais, coevas, ou imediatamente decorrentes da não execução imediata do contrato seriam prejuízos que se assumiam como necessários e que se tinham como não tão relevantes quanto os interesses que se queriam proteger por via da aplicação do referido instituto da suspensão automática do acto de adjudicação.
Por conseguinte, só quando tais prejuízos excedessem a normalidade, ou se tornassem gravemente prejudiciais, ou claramente desproporcionais, haviam os mesmos de ser tomados em conta e ponderados frente aos interesses do impugnante do acto de adjudicação.
Logo, para que se possa afastar o indicado regime é necessário, primeiro, que a entidade demandada ou os contra-interessados venham alegar e provar a existência de tais efeitos extraordinários – gravemente prejudiciais ou de lesividade claramente desproporcional – e, depois, terão os mesmos que alegar e provar que os danos que para si resultam da manutenção do efeito suspensivo do acto de adjudicação são superiores aos que podem resultar para o A. da acção com a não suspensão desse acto. Ou seja, a entidade demandada ou os contra-interessados terão de alegar e provar que a não execução imediata do contrato provoca danos superiores àqueles que possam resultar da sua execução diferida. Terão a entidade demandada e os contra-interessados que alegar e provar que a impossibilidade de execução do contrato pelo A. na acção – uma vez tendo ganho a causa – e o consequente ressarcimento do seu prejuízo pela via indemnizatória - ao invés da reconstitutiva - é um dano inferior àquele que resultará da execução imediata do contrato por um outro concorrente, com os correspondentes efeitos dessa mesma execução imediata. Basicamente, terá de ser alegado e provado que a execução imediata do contrato por um outro concorrente é um interesse superior à perda dessa possibilidade pelo A. da acção e ao decorrente pagamento da correspondente indemnização por impossibilidade de execução de um (possível ou eventual) julgado anulatório.
Ora, nesta acção não só a U. não alegou e provou aqueles prejuízos excepcionais, como ainda nada alegou e provou quanto à ponderação de interesses que resulta dos art.ºs 103.º-A, n.ºs. 2, 4 e 120.º, n.º 2, do CPTA, ou seja, que a execução imediata do contrato pelo concorrente que ficou posicionado em 1.º lugar do acto de adjudicação, com a consequente situação de facto consumado e o eventual pagamento de uma indemnização ao A. desta acção, pela impossibilidade da reconstituição in natura, é um interesse superior ao deferimento do início da execução do contrato até ao trânsito em julgado desta acção.
Razões porque claudica o presente recurso e confirma-se, in totum, a decisão recorrida, que é inteiramente acertada.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em negar provimento ao recurso interposto, confirmando a decisão recorrida;
- custas pelo Recorrente (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.º 2 e 12.º, n.º 2 do RCP e 189.º, n.º 2, do CPTA).

Lisboa, 5 de Abril de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)