Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:07773/14
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:10/01/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO.
FALTA DE NOTIFICAÇÃO DA LIQUIDAÇÃO ENQUANTO FUNDAMENTO DE OPOSIÇÃO A EXECUÇÃO FISCAL.
A NOTIFICAÇÃO RELEVANTE PARA EFEITOS DE OBSTAR À CADUCIDADE DO DIREITO DE LIQUIDAÇÃO É A RELATIVA AO SUJEITO PASSIVO ORIGINÁRIO DO TRIBUTO.
REGIME DE SUSPENSÃO DA CADUCIDADE PREVISTO NO ARTº.46, Nº.1, DA L.G.TRIBUTÁRIA.
Sumário:1. Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamentos vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere.

2. No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos.

3. De acordo com a interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário). Em resumo, o regime processual de defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
A-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
B-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº.45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
C-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorrer também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação.

4. A notificação relevante para efeitos de obstar à caducidade do direito de liquidação (natureza receptícia do acto tributário) é a relativa ao contribuinte, o sujeito passivo originário do tributo, e não a dos outros responsáveis solidários ou subsidiários. No que concerne às notificações ou citações dos responsáveis solidários ou subsidiários, não lhes reconhecendo a lei qualquer relevo para efeitos de caducidade, é indiferente que ocorram após o termo desse prazo.

5. Como se retira do artº.46, da L.G.T., o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início do procedimento de inspecção externa, cessando esse efeito, com contagem do prazo desde o seu início, se a duração da inspecção ultrapassar o prazo de 6 meses, sendo que a acção inspectiva só pode considerar-se concluída com a notificação do relatório final, facto que marca o fim do procedimento inspectivo, de conformidade com o artº.62, nº.2, do R.C.P.I.T., aprovado pelo dec.lei 413/98, de 31/12.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Sintra, exarada a fls.90 a 97 do presente processo, através da qual julgou procedente a presente oposição, intentada pelo recorrido, António ……………, na qualidade de revertido, visando a execução fiscal nº…………………., a qual corre seus termos no 1º. Serviço de Finanças de Oeiras, propondo-se a cobrança coerciva de dívidas de I.R.C. no montante total de € 250.831,70.
X
O recorrente termina as alegações (cfr.fls.130 a 138 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Dispõe o art.46 da LGT no seu n° 1 que - "O prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho no início da acção de inspecção externa, cessando, no entanto, esse efeito, contando-se o prazo desde o seu início, caso a duração da inspecção externa tenha ultrapassado o prazo de seis meses após a notificação";
2-No caso dos autos, entendeu a douta sentença que a notificação do início do procedimento ocorreu em 7/11/2005 e terminou em 21/04/2006 data em que o sócio gerente da devedora originária foi notificado do relatório de inspecção tributária, concluindo que, "sendo assim a inspecção decorreu por um período superior a seis meses";
3-Ora, tal conclusão não corresponde à factualidade do caso em apreço, pois que entre as datas referidas não medeia um período superior a seis meses, os quais apenas se completariam em 07/05/2006;
4-Atento o exposto, não se poderá considerar, contrariamente ao entendimento expresso na decisão ora em crise, que "não havendo notícia nos autos de qualquer despacho de prorrogação, nunca se interrompeu o prazo de caducidade", pois efectivamente não tendo decorrido entre as datas consideradas um prazo superior a seis meses não cessa o efeito interruptivo previsto no art. 46 n.° 1 da LGT;
5-Todavia, a data em que se deverá considerar iniciada a interrupção do prazo de caducidade, não deverá ser a de 7/11/2005, acima referida, mas sim a de 25/10/2005;
6-Com efeito, considerando que na escritura de dissolução da sociedade devedora originária consta que o gerente António ………………, poderá praticar os necessários actos de liquidação e de registo deste acto, ficando depositário dos livros, documentos e demais elementos de escrituração da sociedade." foi o mesmo notificado para apresentar nos serviços de inspecção tributária os livros selados e demais escrita em 12/10/2005;
7-A referida notificação foi efectuada através de carta registada com aviso de recepção -ofício n.° 60190 de 22/09/2005. Tal como na douta sentença se dá conta no nº.8 do probatório, o qual ofício, como se refere no nº.9 do probatório, foi devolvido com a menção "Não reclamado";
8-Assim, nos termos do art. 39 n.° 5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário foi enviada ao oponente nova carta registada com aviso de recepção em 03/10/2005, ofício 6551, com os mesmos objectivos da anterior agora para dia 25/10/2005;
9-Presumindo-se pois a notificação efectuada, apesar de como se refere no nº.11 do probatório a notificação ter sido devolvida por não ter sido reclamada;
10-Assim sendo, em face do disposto no art. 39 n.° 5 do CPPT, verifica-se que esta segunda notificação que determinava a comparência do ora oponente junto dos Serviços em 25/10/2005 no âmbito da supra mencionada ordem de serviço, se terá de considerar validamente efectuada;
11-E não obstante o oponente não haver comparecido em 25/10/2005 nos serviços para prestar os esclarecimentos a que se referia o ofício 6551, no âmbito da OI200503509, verifica-se que, a recusa da assinatura da ordem de serviço não obsta ao início do procedimento de inspecção, cfr. art. 51° n.° 4 do RCPIT;
12-Deste modo, considerando-se o procedimento iniciado naquela data de 25/10/2005, foi a sociedade devedora originária notificada de que se considerava iniciada a acção de inspecção em 25/10/2005, cf. ofício de 04/11/2005 enviado sob registo com aviso de recepção, com o n.° RO……………..PTo qual foi recebido em 07/11/2005, cf. aliás se dá conta no probatório no nº.12;
13-Verificando-se pois que a interrupção do prazo de caducidade ocorre em 25/10/2005, com a não assinatura no caso da ordem de serviço, nos termos do art. 51° n.° 4 do RCPIT, igualmente se constata que em 21/04/2006, aquando da notificação do relatório de inspecção, ainda não haviam decorrido os seis meses a que faz referência o art. 46 da LGT;
14-Em virtude do que, não cessou o efeito interruptivo da inspecção, nos termos do mesmo art. 46 da LGT;
15-Ora, considerando a interrupção da contagem do prazo de caducidade no período em que decorre a acção inspectiva, constata-se que o termo do prazo de caducidade que na ausência de causas de interrupção ou suspensão ocorreria em 01/01/2006, ainda não havia ocorrido em 22/06/2006 data da notificação da liquidação de IRC referente ao ano de 2001 em causa nos autos;
16-Assim sendo, tendo a devedora originária sido notificada da liquidação, contrariamente ao entendimento expresso na douta sentença recorrida, não se encontra preenchido o pressuposto enunciado na alínea e) do n.° 1 do art. 204 do CPPT;
17-A sentença recorrida, ao assim não entender, não fez uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito, em que assenta a decisão, não merecendo por isso ser confirmada.
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Não foram produzidas contra-alegações.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do não provimento do presente recurso (cfr.fls.146 e 147 dos autos).
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Com dispensa de vistos legais, atenta a simplicidade das questões a dirimir, vêm os autos à conferência para decisão.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.91 a 93 dos autos - numeração nossa):
1-Em 5/01/2004, foi lavrada, no 14°. Cartório Notarial de Lisboa a escritura de dissolução da sociedade "E………. - Construções ………………, Lda.", da qual consta designadamente o seguinte: «(...) Que, pela presente escritura, dissolvem a identificada sociedade "E………. - Construções ………………, Lda.", que já cessou a sua actividade e, por não haver no activo quaisquer bens móveis ou imóveis, nem existir qualquer passivo, dão-na por liquidada e a partir de hoje, data em que foram aprovadas as contas e que o gerente António ………………., poderá praticar os necessários actos de liquidação e de registo deste acto, ficando depositário dos livros, documentos e demais elementos da escrituração da sociedade» (cfr.documento junto a fls.58 a 60 do processo de execução fiscal apenso);
2-Em 28/01/2004, foi registado sob a AP.18, na Conservatória do Registo Comercial de Cascais o acto de dissolução da sociedade ""E………. - Construções ………………, Lda.", (cfr.documento junto a fls.62 a 65 do processo de execução fiscal apenso);
3-Em 7/07/2005, foi enviada à "E………. - Construções ………………, Lda.",, através de carta registada uma Carta Aviso, em cumprimento do disposto na al.l) do n. ° 3 do art. 59 da LGT e do art. 49 do RCPIT, comunicando que na sequência da Ordem de Serviço n.°OI200503509, a muito curto prazo seria objecto de acção inspectiva de âmbito geral com incidência sobre o IRC do exercício de 2001 (cfr.documento junto a fls.67 do processo de execução fiscal apenso);
4-Em 5/08/2005, foi remetido um ofício registado com aviso de recepção, ao oponente, na qualidade de sócio gerente da "E………. - Construções ………………, Lda.", com referencia à Ordem de Serviço n.°OI200503509 para, apresentar "Livros selados e demais elementos de escrita relativos ao exercício de 2001" (cfr.documentos juntos a fls.70 e 71 do processo de execução fiscal apenso);
5-O ofício a que alude o nº.4 do probatório foi devolvido com a menção "Não Reclamado" (cfr.documentos juntos a fls.70 e 71 do processo de execução fiscal apenso);
6-Em 9/09/2005, Luís …………… na qualidade de sócio gerente da "E………. - Construções ………………, Lda.",, foi notificado com referência à Ordem de Serviço n.°OI200503509 para apresentar "Livros selados e demais elementos de escrita relativos ao exercido de 2001" (cfr.documentos juntos a fls.88 e 89 do processo de execução fiscal apenso);
7-Em 13/09/2005, Fernando Eduardo Reis Castanheira da Silva na qualidade de sócio gerente da "E………. - Construções ………………, Lda.", foi notificado com referência à Ordem de Serviço n.°OI200503509 para, no dia 16/09/2005, apresentar «Livros selados e demais elementos de escrita relativos ao exercício de 2001, no local da sede da empresa" (cfr.documentos juntos a fls.90 e 91 do processo de execução fiscal apenso);
8-Em 22/09/2005, foi remetida carta registada com a.r. ao oponente na qualidade de sócio gerente e de fiel depositário dos livros, documentos e demais elementos da sociedade "E………. - Construções ………………, Lda.", para apresentar os mesmos no dia 12/10/2005 nos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa (cfr.documentos juntos a fls.92 e 93 do processo de execução fiscal apenso);
9-A carta a que alude o nº.8 do probatório foi devolvida com a menção "Não reclamado" (cfr.documentos juntos a fls.92 e 93 do processo de execução fiscal apenso);
10-Em 13/10/2005, foi remetida carta registada com a.r. ao oponente, na qualidade de sócio gerente e de fiel depositário dos livros, documentos e demais elementos da sociedade "E………. - Construções ………………, Lda.",, na qual consta "NOTIFICAÇÃO - Nos termos do artigo 39° do Código de Procedimento e de Processo Tributário" comunicando-lhe que no dia 25/10/2005, deverá proceder à entrega nos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças de Lisboa" (cfr.documentos juntos a fls.100 e 101 do processo de execução fiscal apenso);
11-A carta a que alude o nº.10 do probatório foi devolvida com a menção "Não reclamado" (cfr.documentos juntos a fls.100 e 101 do processo de execução fiscal apenso);
12-Mediante ofício datado de 4/11/2005 sob n.° RO…………..PT, remetido com aviso de recepção à sociedade "E………. - Construções ………………, Lda.", foi esta notificada em 7/11/2005, na pessoa do sócio gerente Fernando ………….., de que a OI200503509 de 14/06/2005, relativa ao exercício de 2001 se considerou iniciada a 25 de Outubro de 2005 (cfr.documentos juntos a fls.107 e 108 do processo de execução fiscal apenso);
13-Em 21/04/2006, a sociedade "E………. - Construções ………………, Lda.", foi notificada, na pessoa do sócio gerente Fernando ……………., do Relatório de Conclusões relativo a acção de inspecção a que alude o nº.3 do probatório (cfr.documentos juntos a fls.84 a 86 dos presentes autos);
14-No dia 29/05/2006, foi emitida a liquidação de I.R.C. n.° ……………, referente ao ano de 2001, no montante total de € 250.831,70 (cfr.documento junto a fls.120 do processo de execução fiscal apenso - I volume);
15-No dia 22/06/2006, a devedora originária foi notificada, na pessoa do seu sócio gerente Fernando ……….., da liquidação de I.R.C. n.° …………… (cfr.documentos juntos a fls.123 a 125 do processo de execução fiscal apenso - I volume);
16-No dia 29/07/2006, o 1º. Serviço de Finanças de Oeiras instaurou o processo de execução fiscal nº…………….. contra "E………. - Construções ………………, Lda.", visando a cobrança coerciva da liquidação de I.R.C. identificada no nº.14 (cfr.documento junto a fls.1 do processo de execução fiscal apenso);
17-No dia 18/04/2008, a devedora originária foi citada no âmbito do processo de execução fiscal nº…………………… (cfr.documentos juntos a fls.29 e 30 do processo de execução fiscal apenso);
18-No dia 10/02/2011, o oponente foi citado, por reversão, na execução fiscal nº.1554-2006/102539.2 (cfr.documentos juntos a fls.444 e 445 do processo de execução fiscal apenso).
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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Inexistem outros factos sobre que o Tribunal deva pronunciar-se já que as demais asserções da douta petição ou integram antes conclusões de facto e/ou direito ou se reportam a factos não relevantes para a boa decisão da causa…”.
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A decisão da matéria de facto efectuou se com base nos documentos e informações constantes do processo, consonante ao que acima ficou exposto…”.
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu, em síntese, julgar procedente a presente oposição, em virtude do provimento do fundamento falta de notificação da liquidação no prazo de caducidade.
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Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P.Tributário).
O recorrente discorda do decidido sustentando, em síntese e como supra se alude, que entendeu a decisão recorrida que a notificação do início do procedimento ocorreu em 7/11/2005 e terminou, a mesma inspecção, em 21/04/2006, data em que o sócio gerente da devedora originária foi notificado do relatório de inspecção tributária, concluindo que, "sendo assim a inspecção decorreu por um período superior a seis meses". Que tal conclusão não corresponde à factualidade do caso em apreço, pois que entre as datas referidas não medeia um período superior a seis meses, os quais apenas se completariam em 7/05/2006. Que não se poderá considerar, contrariamente ao entendimento expresso na decisão ora em crise, que "não havendo notícia nos autos de qualquer despacho de prorrogação, nunca se interrompeu o prazo de caducidade", pois, efectivamente, não tendo decorrido entre as datas consideradas um prazo superior a seis meses não cessa o efeito interruptivo previsto no artº.46, nº.1, da L.G.T. Do exame da factualidade provada se deve concluir que a interrupção do prazo de caducidade ocorre em 25/10/2005, com a não assinatura da ordem de serviço, nos termos do artº.51, nº.4, do R.C.P.I.T., igualmente se constatando que em 21/04/2006, aquando da notificação do relatório de inspecção, ainda não haviam decorrido os seis meses a que faz referência o artº.46, da L.G.T., em virtude do que não cessou o efeito interruptivo da inspecção, nos termos do mesmo preceito. Que considerando a interrupção da contagem do prazo de caducidade no período em que decorre a acção inspectiva, constata-se que o termo do prazo de caducidade que na ausência de causas de interrupção ou suspensão ocorreria em 1/01/2006, ainda não havia ocorrido em 22/06/2006 data da notificação da liquidação de I.R.C. referente ao ano de 2001 em causa nos autos. Que tendo a devedora originária sido notificada da liquidação, contrariamente ao entendimento expresso na sentença recorrida, não se encontra preenchido o pressuposto enunciado no artº.204, nº.1, al.e), do C.P.P.T. (cfr.conclusões 1 a 16 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Apuremos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Pode definir-se a caducidade como o instituto através do qual os direitos que, por força da lei ou de convenção das partes, se devem exercer dentro de certo prazo, se extinguem pelo seu não exercício durante o mesmo período. O instituto da caducidade tem por fundamento vectores como a certeza e a ordem pública, vistos no sentido de que é necessário que, ao fim de certo lapso de tempo, as situações jurídicas se tornem certas e inatacáveis. Esta prevalência de considerações de ordem pública constitui a razão explicativa para que o prazo de caducidade corra sem suspensões e interrupções e, em princípio, que só o exercício do direito durante o mesmo impeça que a caducidade opere. A necessária brevidade da relação jurídica que comporta um direito caducável determina que o não exercício do mesmo no prazo legal ou convencionalmente definido acarreta a sua extinção. Refira-se, ainda, que a caducidade, determinando a extinção do direito e da correspondente vinculação sem mais, não gera o consequente aparecimento de uma obrigação natural, contrariamente ao que acontece com o instituto da prescrição. Por último, a caducidade deve consubstanciar-se como uma excepção peremptória passível de apreciação oficiosa pelo Tribunal (cfr.artºs.328, 331 e 333, todos do C.Civil; artº.496, do C.P.Civil; Luis A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, II, A.A.F.D.L., 1983, pág. 567 e seg.; Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª.edição, Coimbra Editora, 1989, pág.372 e seg.; Aníbal de Castro, A Caducidade na doutrina, na lei e na jurisprudência, 3ª.edição, 1984, pág.29 e seg.).
No que diz respeito ao direito tributário, o regime da caducidade do direito à liquidação de impostos, matéria que não é de conhecimento oficioso, encontra actualmente consagração genérica no artº.45, da Lei Geral Tributária, aprovada pelo dec.lei 398/98, de 17/12, norma que vem consagrar um prazo de caducidade de quatro anos (cfr.anterior artº.33, nº.1, do C.P.Tributário, o qual consagrava o prazo de cinco anos). Face à redacção do aludido artº.45, da L. G. Tributária, é claro que, quer o exercício do direito à liquidação, quer a notificação do seu conteúdo ao contribuinte, e não apenas aquele primeiro acto, têm que ocorrer dentro do mencionado prazo de quatro anos contados do facto tributário, sob pena de operar a caducidade de tal direito. O prazo de caducidade em análise justifica-se por razões objectivas de segurança jurídica, tendo o propósito último de gerar a definição da situação do obrigado tributário num prazo razoável, cujo decurso conduz à preclusão do direito do Estado de promover a liquidação dos impostos que lhe sejam eventualmente devidos (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.7031/13; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.359 e seg.; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª.edição, Coimbra Editora, 2007, pág.259 e seg.; Joaquim Casimiro Gonçalves, A caducidade face ao direito tributário, in Problemas Fundamentais do Direito Tributário, Vislis, 1999, pág.225 e seg.).
A Constituição da República Portuguesa, após a revisão introduzida pela Lei Constitucional nº.1/82, de 30/9, prevê no seu artº.268, nº.3, que os actos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados na forma prevista na lei (lei ordinária), assim impondo à Administração um dever de dar conhecimento aos interessados, mediante uma comunicação oficial e formal, do teor dos actos praticados, comunicação essa que deve incluir também a própria fundamentação do acto que do mesmo faz parte integrante (cfr.J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 4ª. Edição revista, II volume, Coimbra Editora, 2010, pág.824 e seg.).
A natureza receptícia do acto tributário, enquanto acto administrativo, deve hoje ter-se como perspectiva devidamente sedimentada pela doutrina e jurisprudência, configurando-se a notificação como requisito de perfeição do acto tributário de liquidação (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; Alberto Pinheiro Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, Almedina, 1972, pág.239 a 242; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.94 e seg.; Soares Martínez, Direito Fiscal, Almedina, 1996, pág.309 a 311).
No entanto, a notificação não é um elemento intrínseco do acto tributário e, portanto, não é um requisito da sua validade, mas simples condição da sua eficácia, aliás, suprível por outras formas de conhecimento (cfr.artº.67, nº.1, do C.P.A.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.6055/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7443/14).
De acordo com a jurisprudência dos Tribunais Superiores, há muito se fixou o entendimento de que a falta de notificação da liquidação, enquanto elemento integrante da eficácia externa da mesma, é fundamento de oposição a enquadrar no artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário), dado não colidir com a apreciação da legalidade da própria liquidação, não representar interferência em matéria de exclusiva competência da entidade que houver extraído o título, poder ser provado por documento e constituir facto modificativo posterior à liquidação e anterior à emissão da certidão executiva. Face a esta interpretação jurisprudencial do quadro normativo existente, à qual se adere, fica aberta, na fase executiva, pelos meios legais de oposição, a discussão da falta ou de eventuais vícios da notificação, designadamente por inexigibilidade da dívida, ao abrigo do disposto no mencionado artº.286, nº.1, al.h), do C. P. Tributário (cfr.artº.204, nº.1, al.i), do C.P.P.Tributário).
Em resumo, o regime processual da defesa do contribuinte, nestas situações será o seguinte:
1-Se é instaurada uma execução fiscal e não foi efectuada notificação válida do acto de liquidação, o sujeito passivo pode sempre opor-se à execução ao abrigo da alínea i), do nº.1, do artº.204, do C.P.P.T., invocando a ineficácia do acto, que impede que a dívida seja exigível, sendo indiferente, para este efeito, que o acto de liquidação enferme de qualquer vício, inclusivamente o de extemporaneidade da liquidação;
2-Já se foi instaurada uma execução e efectuada notificação válida do acto de liquidação, mas a notificação foi realizada fora do prazo de caducidade previsto no artº. 45, nº.1, da L.G.T. (ou outro prazo especial que for aplicável), o contribuinte pode opor-se à execução ao abrigo da alínea e), do nº.1, deste artº.204, do C.P.P.T. (trata-se de situação que, no seu teor literal, poderia caber na mencionada alínea i), pois não se engloba nela a apreciação da legalidade da própria liquidação nem é matéria da exclusiva competência da entidade que emite o título, mas que era dela afastada à face do entendimento jurisprudencial referido formado na vigência do C.P.T., reconduzindo-se a utilidade da alínea e) ao afastamento da aplicabilidade deste entendimento; a possibilidade de oposição ao abrigo da alínea e) existirá independentemente de a própria liquidação ser extemporânea, isto é, de ela própria ser ilegal, pois não está em causa no processo de oposição à execução fiscal a apreciação da legalidade da liquidação, mas a sua oponibilidade ao seu destinatário);
3-Por último, se foi efectuada uma liquidação fora do prazo de caducidade e, necessariamente, também a respectiva notificação foi efectuada fora do prazo, mas não foi ainda instaurada execução, o contribuinte pode impugnar judicialmente a liquidação, invocando a ilegalidade da sua extemporaneidade, porém, se o não fizer e não pagar a quantia liquidada, não ficará impedido de se opor à execução, ao abrigo da alínea e) referida, visto que, além da ilegalidade da liquidação, ocorre também a sua inexigibilidade por falta de tempestiva notificação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 28/9/2011, rec.473/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5673/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7016/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.489 e seg.).
Tanto à face do anterior C.P.T., como da actual L.G.T., o facto que obsta à caducidade do direito à liquidação e consequente inexigibilidade da dívida exequenda é a notificação do contribuinte ou sujeito passivo originário do tributo no prazo determinado na lei e cujo marco inicial se verifica, nos impostos periódicos como é o I.R.C., no termo do ano em que se verificou o facto tributário (cfr.artº.33, nº.1, do C.P.T.; artº.45, nºs.1 e 4, da L.G.T.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 30/01/2014, proc.7016/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, III volume, Áreas Editora, 6ª. edição, 2011, pág.491 e seg.).
No caso vertente, o que importa, pois, é indagar se foi efectuada a notificação, à empresa executada originária e na forma legal, dentro do prazo de caducidade da liquidação que consubstancia a dívida exequenda no âmbito do processo de execução fiscal nº.1554-2006/102539.2.
O termo inicial do prazo de caducidade em causa nos presentes autos ocorreu em 1/1/2002 (cfr.nºs.14 a 16 do probatório; artº.45, nº.4, da L.G.T.; artº.279, do C.Civil), havendo, agora, que indagar qual o termo final.
Examinemos, pois, a forma e conteúdo da notificação do acto tributário de liquidação objecto dos presentes autos (recorde-se a natureza receptícia do acto tributário a que já supra se aludiu).
Conforme se retira da factualidade provada (cfr.nº.3 do probatório), teve lugar um procedimento inspectivo de natureza externa, havendo que saber se tem aplicação ao caso dos autos o regime previsto no artº.46, nº.1, da L.G.T. (suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, em virtude da existência de acção de inspecção externa).
O Tribunal "a quo", concluiu pela irrelevância suspensiva de tal procedimento inspectivo, para efeitos do disposto no citado artº.46, nº.1, da L.G.T., dado que terá demorado prazo superior a seis meses, embora inexista qualquer despacho de prorrogação do identificado procedimento.
O recorrente entende que não, que o aludido procedimento inspectivo decorreu por período inferior a seis meses, pelo que deveria relevar para efeitos suspensivos do prazo de caducidade do direito à liquidação, tudo ao abrigo do mesmo artº.46, nº.1, da L.G.T.
Vejamos quem tem razão.
Como se retira do artº.46, nº.1, da L.G.T., o prazo de caducidade suspende-se com a notificação ao contribuinte, nos termos legais, da ordem de serviço ou despacho a dar conhecimento do início de acção de inspecção externa (1), cessando esse efeito, com contagem do prazo desde o seu início, se a duração da inspeção ultrapassar o prazo de 6 meses, sendo que a acção inspectiva só pode considerar-se concluída com a notificação do relatório final, facto que marca o fim do procedimento inspectivo, de conformidade com o artº.62, nº.2, do R.C.P.I.T., aprovado pelo dec.lei 413/98, de 31/12 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 13/10/2009, proc.3415/09; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/10/2012, proc.5594/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 23/10/2012, proc.5792/12; Diogo Leite de Campos e Outros, Lei Geral Tributária comentada e Anotada e comentada, Editora Encontro da Escrita, 4ª. Edição, 2012, pág.385; Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira, R.C.P.I.T. anotado e comentado, 1ª. Edição, Coimbra Editora, 2013, pág.326).
Haverá, agora, que saber qual a data de notificação do início da inspecção externa levada a efeito pela A. Fiscal relevante para efeitos de suspensão do prazo de caducidade, tudo de acordo com o exame da factualidade provada.
Nos termos do nº.12 do probatório a notificação relevante que comunica o início da inspecção foi produzida em 7/11/2005, assim não se devendo relevar a factualidade constante dos nºs.8 a 11, contrariamente ao defendido pelo recorrente, dado que tais notificações não visam comunicar o começo da inspecção.
Ora, tendo a sociedade executada originária sido notificada do relatório final da inspecção em 21/04/2006 (cfr.nº.13 do probatório), deve concluir-se, com o recorrente, que o período inspectivo não ultrapassou os seis meses (o dito período de seis meses concluir-se-ia em 7/5/2006 - cfr.artº.279, al.c), do C.Civil), pelo que lavra em erro a decisão recorrida e sendo de aplicar, "in casu", o regime constante do artº.46, nº.1, da L.G.T.
Estando suspenso o período de caducidade do direito à liquidação entre 7/11/2005 e 21/4/2006 (cento e sessenta e cinco dias), data a partir da qual voltou a correr o prazo de caducidade em causa, é evidente que a caducidade do direito à liquidação não ocorreu até 22/06/2006 (entre 21/4/2006 e 22/6/2006 apenas distam sessenta e dois dias), dia em que se operou a notificação da liquidação que constitui a dívida exequenda à sociedade executada originária (cfr.nº.15 do probatório).
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se procedente o presente recurso e, em consequência, revoga-se a decisão recorrida a qual padece do vício de erro de julgamento de direito que se consubstancia na violação do regime de suspensão do prazo de caducidade previsto no artº.46, da L.G.T., ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em CONCEDER PROVIMENTO AO RECURSO, REVOGAR A DECISÃO RECORRIDA E JULGAR IMPROCEDENTE A OPOSIÇÃO QUE ORIGINOU O PRESENTE PROCESSO.
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Condena-se o opoente/recorrido em custas, somente em 1ª. Instância.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 1 de Outubro de 2014

(Joaquim Condesso - Relator)

(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

(Bárbara Tavares Teles - 2º. Adjunto)

(1) (sobre a destrinça entre procedimentos de inspecção externa e interna vide ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 27/2/2014, proc.7343/14).