Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:06692/13
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/14/2013
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL.
NOTIFICAÇÃO PESSOAL.
NOTA DE AFIXAÇÃO.
TESTEMUNHAS.
ILEGALIDADE EM CONCRETO OU CORRECTA LIQUIDAÇÃO.
Sumário:1.A notificação da liquidação adicional de IRS pode ser efectuada de forma pessoal, a que se aplicam as regras da citação do CPC;

2.Tal notificação pode ser efectuada com hora certa, por nota afixada na residência do notificando, desde que não seja possível obter a colaboração de terceiros, sendo tal afixação efectuada na presença de duas testemunhas (em 2006);

3.Uma dessas duas testemunhas pode ser o próprio funcionário que procede a tal afixação, já que a lei o não afasta e nem o impede de ser qualificado dentro desse estatuto de testemunha;

4.A ilegalidade em concreto ou incorrecta liquidação de IRS não constitui fundamento de oposição à execução fiscal, por a lei assegurar meio judicial de impugnação contra tal acto, mesmo que o contribuinte possa não o ter aproveitado em devido tempo.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. O Exmo Representante da Fazenda Pública (RFP), dizendo-se inconformado com a sentença proferida pela M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou procedente a oposição à execução fiscal deduzida por Manuel ………………………, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


I. Na certidão de verificação da notificação por hora certa, consta a identificação e assinatura do funcionário que a lavrou e de uma testemunha;
II. Resulta da jurisprudência vertida no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 2010-04-13, Rec. 03857/10; disponível em www.dgsipt: "(...) VIII - A notificação com hora certa foi feita na presença de duas testemunhas, uma vez que o funcionário do SF que efectuou a notificação não podia deixar de ser considerado uma testemunha.".
III. Razão porque a notificação da liquidação de IRS do ano de 2002 foi válida e regularmente efectuada, no prazo de caducidade previsto no n.1 do Art.45º do Código de Procedimento e de Processo Tributário.
IV. Ao assim não entender, o douto Tribunal "a quo" violou, os Arts. 38.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, 240° do Código do Processo Civil e Art. 45.º da Lei Geral Tributária.

Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a Vossas Excelências se dignem julgar Procedente o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta Sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue a oposição improcedente.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por tal certidão com hora certa ter sido assinada por duas testemunhas, ainda que uma delas tenha sido o próprio funcionário que a lavrou.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se o funcionário público que interveio na afixação da nota de citação do ora recorrido, também pode ser considerado como uma das duas testemunhas dessa afixação; E respondendo-se afirmativamente e revogando-se a sentença recorrida que em contrário decidiu, conhecendo este Tribunal em substituição, se em sede de IRS, a ilegalidade em concreto ou correcta liquidação da quantia exequenda, pode constituir um fundamento válido de oposição à execução fiscal.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório a M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz:
A) - Em 21/12/2006 foi emitido no Serviço de Finanças de Sesimbra um mandado de notificação da liquidação de IRS do ano de 2002 no montante de € 105.411,64 (cfr. fls. 57/59).
B) - Em 27/12/2006 foi emitida a certidão de marcação de hora certa para o dia 28/12/2012 pelas 10.30h nos termos do art. 240º, n° 1 do CPC (cfr. fls. 60)
C) - Em 28/12/2006 foi emitida a certidão de verificação da notificação por hora certa dela constando a assinatura do funcionário que a lavrou bem como da testemunha Casimiro ………………………………. (cfr. 61).
D) - Em 28/12/2006 foi lavrada a "notificação com hora certa nos termos do art. 240º do CPC" relativa a Manuel …………………….. (cfr. fls. 62).
E) - Em 23/02/2007 foi instaurado no Serviço de Finanças de Sesimbra em nome de Manuel ………………… o processo de execução fiscal n° …………………… para cobrança coerciva de IRS do ano de 2002, no montante de € 105.411,64 (cfr. fls 1/3 do processo de execuçã6 fiscal em apenso).
F) Em 14/03/2007 foi assinado o aviso de recepção referente à citação de Manuel …………………… como consta de fls. 40 e fls. 4 do apenso.

A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo e acima expressamente referidos em cada um dos pontos do proOOt6rio.

A testemunha ouvida na inquirição, apenas referiu de forma genérica e vaga que nunca viu nenhuns papéis das finanças afixados, nem falou com nenhum funcionário das finanças.

Não há factos relevantes para a discussão da causa que importe registar como não provados.


4. Para julgar procedente a oposição à execução fiscal deduzida considerou a M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que a nulidade da citação não constitui um válido fundamento de oposição à execução fiscal, mas que a notificação da liquidação, efectuada por mandado, não foram nela observadas as respectivas formalidades legais, não tendo sido assinada por duas testemunhas, não produzindo a mesma efeitos em relação ao notificando, pelo que ocorre o fundamento de falta de notificação da liquidação dentro do prazo de caducidade do respectivo direito.

Para a Fazenda Pública, ora recorrente, é contra este segundo segmento fundamentador da sentença recorrida que vem a esgrimir argumentos tendentes a este Tribunal exercer um juízo de censura sobre o assim decidido em ordem à sua revogação, pugnando que o próprio funcionário encarregue dessa notificação também se tem de considerar testemunha, pelo que no caso, conjuntamente com a outra testemunha que assinou tal certidão, se têm verificadas as formalidades que a lei prevê quanto a este requisito, citando um acórdão deste TCAS que no mesmo sentido terá decidido.

Vejamos então.
Com o se não coloca em causa, a notificação da liquidação adicional de IRS, no caso, nos termos do disposto no art.º 38.º, n.º5 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), pode ser efectuada pessoalmente, a que, por força do seu n.º6, se aplicam as regras da citação pessoal.

A citação pessoal, então em 2006, quando a mesma teve lugar nos termos em que o foi, podia ser efectuada segundo um das modalidades previstas nos n.ºs 2 e 3 do art.º 233.º do Código de Processo Civil (CPC), sendo que a citação com hora certa, por se não encontrar o notificando, embora aí residindo, podia ser feita mediante afixação no local mais adequado da nota de fixação na presença de duas testemunhas, como veio a dispor o n.º3 do art.º 240.º do CPC, na redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 38/2003, de 8 de Março, sendo que a anterior redacção desta norma, não fazia referência à presença de qualquer testemunha.

Este diploma, como do seu preâmbulo se pode colher, teve em vista, essencialmente, proceder à reforma da acção executiva, tendo vindo a introduzir no art.º 233.º do CPC, a possibilidade de, também, a citação pessoal pode ser efectuada pelo solicitador da execução, e tendo acrescentado que a citação efectuada através de funcionário ou de solicitador da execução, através da afixação no local mais adequado da nota de citação, se exigia em tal acto, para cumprimento das legais formalidades, que a mesma tivesse lugar perante a presença de duas testemunhas, que até então a lei não exigia, parecendo que essa necessidade, deriva assim, do facto de tal citação poder ser efectuada, também, pelo solicitador da execução (1), entidade a quem se não mostram atribuídos poderes públicos como acontece quanto aos funcionários judiciais ou equiparados, que podem lavrar documentos autênticos, nos termos do disposto nos art.ºs 369.º e 371.º do Código Civil, surgindo a necessidade das duas testemunhas para “autenticar” tal acto por aqueles praticados e dar maior garantia aos citandos de que efectivamente, tais formalidades legalmente prescritas haviam sido cumpridas, ainda que se tenha vindo a uniformizar a presença das duas testemunhas também para esses actos praticados por funcionário, possivelmente, por uma questão de uniformização de critérios.

Por outro lado, nos termos do disposto nos art.ºs 392.º e segs do Código Civil e 616.º e segs do CPC, têm capacidade para depor como testemunhas todos aqueles que tiverem aptidão física e mental para depor sobre os factos que constituam o objecto da prova, sendo que tal funcionário, ao afixar tal nota de citação, com melhor ou igual razão de ciência ficará relativamente à outra testemunha que nesse acto interveio, sobre tais factos que refere como por si praticados, em ordem a se poder obter a verdade dos factos, que é o que com a prova se visa alcançar (incluindo pela prova testemunhal) – cfr. art.º 341.º do Código Civil – não se vendo, pois, impedimento legal que obste a que tal funcionário que assinou tal nota de afixação também seja considerado como testemunha desse acto, bastando pois, que tal certidão seja assinada por mais uma testemunha como no caso aconteceu – cfr. certidão de fls 61 dos autos – pelo que a sentença recorrida que em contrário decidiu não se pode manter, tendo de ser revogada, como bem se pronuncia a recorrente e bem assim a Exma RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, aliás, ancorados no acórdão deste Tribunal de 13-4-2010, proferido no recurso n.º 3857/10, que desta questão expressamente conheceu e em igual sentido decidiu (2).

Assim, tendo o ora recorrido de se considerar notificado pessoalmente em 28-12-2006, foi dentro do prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, previsto no art.º 45.º da LGT, tendo em conta que a quantia exequenda se reporta a IRS do ano de 2002 e tal prazo se conta a partir de 1-1-2003, como imposto periódico que é, nos termos do n.º4 do mesmo artigo.


4.1. Revogada a sentença recorrida pelo fundamento em que o oponente obtivera ganho de causa na 1.ª Instância, nos termos do n.º2 do art.º 715.º do CPC, cabe a este Tribunal, em substituição, conhecer do outro fundamento da oposição, remanescente, que não foi conhecido na sentença recorrida por prejudicado, já que os autos fornecem os necessários elementos para o efeito, e sem a necessidade de previamente ouvir as partes nos termos do n.º3 do mesmo preceito, face à manifesta simplicidade da questão a decidir.

E essa questão, articula-a o oponente nos art.ºs 15.º e segs da sua petição de oposição, por errónea quantificação dos rendimentos, tendo entregue declaração de substituição com vista a essa correcção, ou seja questão atinente à (i)legalidade em concreto ou correcta liquidação dessa quantia exequenda, que como se sabe não constitui um válido fundamento de oposição à execução fiscal, a não ser que a lei não assegurasse meio judicial de impugnação ou recurso contra o acto de liquidação – cfr. alínea h) do n.º1 do art.º 204.º do CPPT – o que manifestamente não acontece no caso do IRS, cuja impugnabilidade se encontra garantida nos termos do disposto nos art.ºs 140.º do CIRS e 97.º e 99.º do CPPT, pelo que a oposição não pode deixar de improceder enquanto abrigada também a este invocado fundamento.


É assim de conceder provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida e conhecendo em substituição do outro fundamento articulado, de ao seu arrimo julgar, também, por ele, a oposição improcedente.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida e conhecendo em substituição, julgar improcedente a oposição também quanto ao outro fundamento articulado.


Custas pelo oponente, mas só na 1.ª Instância, já que não contra-alegou, sendo prejuízo de eventual apoio judiciário concedido.


Lisboa,14 de Novembro de 2013
Eugénio Sequeira
Benjamim Barbosa
Anabela Russo

(1) Quanto ao estatuto híbrido do solicitador da execução, cfr. o acórdão do STJ de 11-4-2013, proferido no processo n.º 5548/09.9 TVLSNB l1.S1.
(2) Ao contrário do acórdão do STA de 31-1-2012, recurso n.º 674/11, citado pela M. Juiz do Tribunal “a quo” na fundamentação da mesma sentença, mas que não conheceu concretamente desta questão.