Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:09059/15
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/19/2015
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:IMPUGNAÇÃO - TEMPESTIVIDADE – ART. 102º, Nº 2, DO CPPT –
CONSTITUCIONALIDADE.
PRAZO DE NATUREZA SUBSTANTIVA
Nº 82-E/2014, DE 31 DE DEZEMBRO – IRRECTROACTIVIDADE
INDEFERIMENTO LIMINAR
Sumário:I - Ao prazo de natureza substantiva estabelecido no art. 102º, nº 2, do CPPT para apresentação de impugnação judicial não se aplicam as disposições legais previstas no art. 145º, nºs 5 e 6, do CPC.

II - A norma constante do nº 2 do art. 102º do CPPT não é materialmente inconstitucional por violação dos princípios de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade e da proibição do excesso consagrados no arts. art. 18º, nº2 e 20º da C.R.P.

III – A Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, não deve ser aplicada retroactivamente, não havendo qualquer violação do princípio da proporcionalidade nem do princípio da igualdade.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

l – RELATÓRIO


T…….– Industrias …………………, Lda., interpôs recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto decisão proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, exarada de fls. 56 a 60, que, nos presentes autos de impugnação judicial, apresentada pela ora recorrente, sindicando o indeferimento expresso de reclamação graciosa, oportunamente apresentada, que teve por objecto duas liquidações de IVA, referentes ao ano de 2008, nos montantes de €5465,60 e de €917,62, com os fundamentos vertidos na petição inicial, indeferiu liminarmente a impugnação por intempestividade.

Nas suas alegações de recurso formula as conclusões seguintes:

A. Mesmo considerando-se que o prazo previsto no número 2 do artigo 102.° do CPPT é um prazo de caducidade, ainda assim, tal facto não afecta a possibilidade do uso do direito de praticar o acto de interposição de impugnação judicial nos três dias úteis subsequentes ao seu termo,

B. Tendo em conta o entendimento do ilustre Prof. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 6.a Edição de 2011, pág. 274 e na sequência dos ensinamentos do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo número 026698, conclui-se que a Recorrente pode entregar a sua impugnação judicial, nos três dias seguintes ao término do prazo, desde que para tal, assim que notificada, liquide a multa prevista no número 4 e 5 do artigo 139.° do CPPT,

C. Tal como o Tribunal a quo alega, o término do prazo para a prática foi o dia 22 de Abril de 2014. Contudo, pode a Recorrente praticar o acto nos três dias subsequentes, nos termos e efeitos do número 4 e 5 do artigo 139.° do Código de Processo Civil, ou seja, podia a Recorrente remeter a sua impugnação até ao dia 25 de Abril de 2014.

D. Se a Recorrente remeteu a sua impugnação judicial no dia 24 de Abril de 2014, então, encontrava-se a Recorrente em tempo, pelo que, nenhum motivo existe para considerar o Tribunal a quo que a impugnação judicial é intempestiva. Assim sendo, deve a Recorrente ser totalmente absolvida e a Sentença proferida pelo Tribunal a quo totalmente revogada.

E. Reconheceu o legislador (não pode haver outro entendimento) que a norma constante do n.° 2 do artigo 102.°, interpretada no sentido estritamente literal que estipula o prazo de impugnação judicial em 15 dias, é inconstitucional, tal como à muito vinha sido alegado, motivo pelo qual, decidiu revogar o número 2 do artigo 102.° do CPPT, aquando a aprovação da Lei n.° 82-E/2014.

F. Mesmo nunca tendo sido declarada inconstitucional, teve o legislador a perfeita consciência que o número 2 do artigo 102.° do CPPT violava o previsto os artigos 18.°, n.° 2 e 20.° da CRP, ou seja, por violação do principio da proporcionalidade e do acesso à justiça, motivo pelo qual, aprovou a Lei n.° 82-E/2014.

G. A revogação do número 2 do artigo 102.° do CPPT, veio estabelecer que o prazo de impugnação judicial passaria de 15 para 90 dias, quer isto dizer que, decidiu o legislador conformar o prazo de impugnação judicial com o prazo de reclamação graciosa e com o previsto no número l do artigo 102.° do CPPT.

H. Assim sendo, deve considerar-se que o prazo de 90 dias para a apresentação de impugnação judicial, aprovado pela Lei n.° 82-E/2014, não pode apenas ser aplicado para casos que tenham origem após a publicação da presente lei, devendo si ter aplicação retroactiva. Quer isto dizer que, tendo a Recorrente intentado a sua impugnação judicial no prazo de 90, e tendo a Sentença aqui recorrida, sido lavrada após a entrada em vigor da Lei n.° 82-E/2014, então,

I. Deveria o Tribunal a quo considerado que a Lei n.° 82-E/2014 se aplicava retroactivamente, o que a não acontecer, viola claramente o princípio da igualdade e da proporcionalidade, motivo pelo qual, deve a Sentença recorrida ser declarada inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade.

Nestes termos e nos mais de direito, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado, com as legais consequências daí advenientes.


*

Não foram produzidas contra-alegações.



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O Ministério Público, junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido da procedência do recurso, devendo considerar-se que a impugnação deu entrada dentro do prazo ora previsto, devendo os autos baixar à 1ª instância, para ser proferida decisão. (cfr.fls.101/103 dos autos).

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Colhidos os Vistos legais, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De Facto

A decisão recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto:

“Para o efeito, importa atentar nos seguintes factos que considero assentes (os quais foram expressamente admitidos pela impugnante ou resultam da análise dos documentos juntos com a p.i. de impugnação, infra ids):
a) A decisão, ora impugnada, versa sobre o indeferimento expresso da reclamação graciosa, oportunamente apresentada pela impugnante, que teve como objecto duas liquidações de IVA, referentes ao ano de 2008, nos montantes de € 5.465,60 e de € 917,62 - decisão do procedimento de Reclamação Graciosa, junto de fls. 25 a fls. 29 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido, para todos os legais efeitos.
b) Em 27/03/2014 foi endereçado ofício registado, com aviso de recepção, à sociedade impugnante, pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, dando-lhe conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do direito de impugnar judicialmente aquela decisão, no prazo de 15 dias, nos termos conjugados dos artigos 66.°, n.°2 e 102.°, n.°2 do CPPT - ofício de fls. 24 dos autos, que aqui se dá por reproduzido.
c) O ofício referido na alínea antecedente foi recepcionado pela impugnante em 31/03/2014 - expediente dos CTT de fls. 23 dos autos, que aqui se dá por reproduzido e facto admitido pela impugnante, no requerimento junto a fls. 21 dos autos.
d) A presente impugnação foi remetida, por correio registado, com AR à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa no dia 24/04/2014 - ofício de fls. 3 dos autos, cujo conteúdo aqui se dá por reproduzido e facto admitido pela impugnante no requerimento de fls. 21 dos autos.”


***

II.2. De Direito

Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, a única questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se a decisão recorrida padece de erro de julgamento ao ter julgado a presente impugnação intempestiva, indeferindo a mesma liminarmente.


***

Na decisão recorrida pode ler-se o seguinte excerto:

«O prazo para deduzir impugnação judicial é de natureza substantiva, de caducidade e peremptório e conta-se nos termos do 279.°, do Código Civil (artigo 20.°, nº 1 do CPPT).

Por sua vez, o artigo 102.°, n.° 2 do CPPT prescreve o prazo de 15 dias, em caso de indeferimento expresso de reclamação graciosa, contado da data da notificação ao contribuinte daquela decisão administrativa.

Assim, considerando-se a impugnante regularmente notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 31/03/2014 (data da assinatura e entrega em mão do correio registado com aviso de recepção), o respectivo prazo de caducidade iniciou-se em 01/04/2014 (primeiro dia do prazo) e terminaria 14 dias depois, isto é, em 15/01/2014 (citado artigo 20.°, n.°1 do CPPT, que determina que os prazos de impugnação judicial se contam nos termos do artigo 279.° do Código Civil).

Contudo, como o último dia do prazo, isto é, o dia 15/01 /2014 coincidiu com o período de férias judiciais da Páscoa (que decorreram no ano de 2014 entre o dia 13/04 ao dia 21/04 inclusive), esse prazo transferiu-se para o primeiro dia útil após o termo das férias judiciais (artigo 279.°, alínea e) do Código Civil), que foi o dia 22/04/2014.

Consequentemente, em 24/04/2014 (data em que se considera que a impugnação foi apresentada em juízo, por ter sido nesse dia remetida, por correio registado), o prazo de 15 dias para a sua interposição encontrava-se já ultrapassado.

E, a jurisprudência do Tribunais Centrais Administrativos e do Supremo Tribunal Administrativo tem sido pacífica no sentido da inaplicabilidade do regime previsto nos n.°s 5 e 6 do artigo 145.° do CPT (anterior numeração) ao prazo para dedução de impugnação judicial.»

Insurge-se a recorrente contra o decidido por considerar que o prazo previsto no número 2 do artigo 102.° do CPPT é um prazo de caducidade, ainda assim, tal facto não afecta a possibilidade do uso do direito de praticar o acto de interposição de impugnação judicial nos três dias úteis subsequentes ao seu termo. Tendo em conta o entendimento do ilustre Prof. Jorge Lopes de Sousa, in Código de Procedimento e de Processo Tributário, Volume I, 6.a Edição de 2011, pág. 274 e na sequência dos ensinamentos do douto Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, processo número 026698, conclui-se que a Recorrente pode entregar a sua impugnação judicial, nos três dias seguintes ao término do prazo, desde que para tal, assim que notificada, liquide a multa prevista no número 4 e 5 do artigo 139.° do CPPT. Tal como o Tribunal a quo alega, o término do prazo para a prática foi o dia 22 de Abril de 2014. Contudo, pode a Recorrente praticar o acto nos três dias subsequentes, nos termos e efeitos do número 4 e 5 do artigo 139.° do Código de Processo Civil, ou seja, podia a Recorrente remeter a sua impugnação até ao dia 25 de Abril de 2014. Se a Recorrente remeteu a sua impugnação judicial no dia 24 de Abril de 2014, então, encontrava-se a Recorrente em tempo, pelo que, nenhum motivo existe para considerar o Tribunal a quo que a impugnação judicial é intempestiva. Assim sendo, deve a Recorrente ser totalmente absolvida e a Sentença proferida pelo Tribunal a quo totalmente revogada (conclusões A. a D.).

Podemos desde já adiantar que com este fundamento não assiste razão à recorrente.

Conforme Jurisprudência reiterada do STA, ao prazo de natureza substantiva estabelecido no art. 102º, nº 2, do CPPT para apresentação de impugnação judicial não se aplicam as disposições legais previstas no art. 145º, nºs 5 e 6, do CPC.

Vejamos sobre esta matéria o Acórdão do STA de 13/03/2013, proferido no Proc. 0836/12, onde se pode ler o seguinte excerto:

«Como esta Secção vem afirmando de forma reiterada e uniforme os prazos de impugnação são prazos legalmente fixados como condição de exercício do direito e por isso são de caducidade e de natureza substantiva.

Do mesmo modo tem sido entendimento pacífico da jurisprudência que o art. 145º, nº 5, do Código de Processo Civil se aplica apenas aos prazos de natureza processual ou judicial e não aos prazos de natureza substantiva.

E como ainda não há processo antes da apresentação da petição inicial de impugnação judicial, logo, «não sendo o prazo de dedução da impugnação um prazo de natureza processual» forçoso é concluir que não se lhe aplique o nº 5 do artigo 145º do Código de Processo Civil - cfr. o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 22/9/2010, proc nº 269/10 e também, no mesmo sentido, entre outros, os Acórdãos de 30/01/2013, procº 951/12, de 28/11/12, procº 571/12, de 16/05/12, procº. 291/12, de 14/3/2007, proc nº 831/06; 30/5/2007, proc nº 238/07; 16/4/2008, proc nº 77/08; 29/10/2008, proc nº 458/08; e 7/9/2011, proc nº 677/10. todos in www.dgsi.pt.

Acresce que o artº 20º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário refere, de forma expressa, que os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial se contam nos termos do artigo 279.º do Código Civil.
Trata-se de uma regra já contida no art. 49º, nº 2, do CPT.

E se é certo que no regime da LPTA, havia sintonia entre a forma de contagem dos prazos de impugnação judicial e de interposição de recurso contencioso de actos anuláveis, pois a este também era aplicável o regime previsto no art. 279º do CC (art. 28.º, n.º 2, daquela Lei), actualmente, o regime de contagem do prazo de impugnação judicial é diferente do regime de contagem do prazos para propositura de acção administrativa especial para impugnação de actos anuláveis, pois a estes é aplicável o regime previsto no art.º 144º do CPC, por remissão do nº 3 do art. 58º do CPTA (Cf. Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de Jorge Lopes de Sousa, 6ª ed., vol. I, pag 272.).

Ora como bem decidiu a sentença recorrida a Lei Geral Tributária e o Código de Procedimento e de Processo Tributário contêm normas que regulam integralmente a matéria relativa à fixação e natureza dos prazos para dedução de impugnação judicial e tramitação do procedimento tributário (artigos 20º n°1, do CPPT e 57°, n°3, da Lei Geral Tributária), não havendo neste aspecto lacunas de regulamentação, e não havendo, por isso lugar a aplicação subsidiária do artigo 58° do CPTA.
De todo o modo cumpre referir que, ainda que se entendesse ser de invocar a alteração introduzida pelo artº 58º do CPTA na contagem dos prazos de impugnação, não procederia a tese da recorrente no sentido de aplicação do disposto nos nºs 5 a 7 do art. 145º do CPC, que permite a prática do acto dentro dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo.
É que o prazo não perde, por esse facto, a natureza de substantivo.
Com efeito dispõe o artº 58º, nº 3 do CPTA que a contagem dos prazos referidos no número anterior obedece ao regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil.
Assim, em matéria de contagem de prazos de impugnação de actos administrativos o preceito faz uma remissão expressa regime aplicável aos prazos para a propositura de acções que se encontram previstos no Código de Processo Civil, ou seja para o disposto no artº 144º, nº 4 do Código de Processo Civil.
Em anotação ao art. 58º do CPTA, referem Mário de Aroso de Almeida e Carlos Alberto Fernandes Cadilha no seu Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 3ª edição, pag. 389, que tendo em conta a referida remissão, “(…) afigura-se que o prazo de impugnação mantém a sua natureza de prazo substantivo, ficando, todavia, sujeito a um novo regime de contagem”.

E, mais adiante, acrescentam os referidos Autores que “entendendo-se a remissão como feita para o modo de contagem dos prazos do art. 144º do CPC – e na perspectiva de que o prazo de impugnação de actos administrativos mantém a sua característica de prazo substantivo - fica afastado o regime especial de prática de acto num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao termo do prazo, a que se refere o artigo 145º, nºs 5, 6 e 7, do CPC.”

Em suma, atento o disposto no artº 58º do Código de Procedimento Administrativo os prazos de impugnação de actos anuláveis continuam a ser prazos substantivos, de caducidade do exercício de um direito, insusceptíveis de prorrogação mediante o pagamento da multa do art. 145 do CPC (Ver neste sentido Mário E. de Oliveira e Rodrigo E. de Oliveira, em anotação ao art. 58° do CPTA anotado.).
Também Jorge Lopes de Sousa, no seu Código de Procedimento e de Processo Tributário, 6ª ed., Áreas Editora, Lisboa, 2011, pag. 145.) refere que “o prazo de impugnação judicial é de natureza substantiva e não um prazo judicial, pelo que não lhe é aplicável o art. 145º, nº 5, do CPC, que prevê a possibilidade de apresentação de documentos nos três dias subsequentes ao termo do prazo mediante o pagamento de multa”.»

Invoca, ainda, a recorrente que reconheceu o legislador que a norma constante do n.° 2 do artigo 102.°, interpretada no sentido estritamente literal que estipula o prazo de impugnação judicial em 15 dias, é inconstitucional, tal como à muito vinha sido alegado, motivo pelo qual, decidiu revogar o número 2 do artigo 102.° do CPPT, aquando a aprovação da Lei n.° 82-E/2014. Mesmo nunca tendo sido declarada inconstitucional, teve o legislador a perfeita consciência que o número 2 do artigo 102.° do CPPT violava o previsto os artigos 18.°, n.° 2 e 20.° da CRP, ou seja, por violação do principio da proporcionalidade e do acesso à justiça, motivo pelo qual, aprovou a Lei n.° 82-E/2014. A revogação do número 2 do artigo 102.° do CPPT, veio estabelecer que o prazo de impugnação judicial passaria de 15 para 90 dias, quer isto dizer que, decidiu o legislador conformar o prazo de impugnação judicial com o prazo de reclamação graciosa e com o previsto no número 1 do artigo 102.° do CPPT. Assim sendo, deve considerar-se que o prazo de 90 dias para a apresentação de impugnação judicial, aprovado pela Lei n.° 82-E/2014, não pode apenas ser aplicado para casos que tenham origem após a publicação da presente lei, devendo si ter aplicação retroactiva. Quer isto dizer que, tendo a Recorrente intentado a sua impugnação judicial no prazo de 90, e tendo a Sentença aqui recorrida, sido lavrada após a entrada em vigor da Lei n.° 82-E/2014, então, deveria o Tribunal a quo considerado que a Lei n.° 82-E/2014 se aplicava retroactivamente, o que a não acontecer, viola claramente o princípio da igualdade e da proporcionalidade, motivo pelo qual, deve a Sentença recorrida ser declarada inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade (conclusões E. a I.).

Vejamos.

A questão da constitucionalidade da norma constante do n.° 2 do artigo 102.°do CPPT foi já por diversas vezes apreciada pelos nossos Tribunais Superiores.

Sobre esta matéria, veja-se de novo o Acórdão do STA de 13/03/2013, proferido no Proc. 0836/12, onde se pode ler:

«6.2 Da alegada inconstitucionalidade do nº2 do artº 102º do CPPT
De harmonia com o disposto no artº 102º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário em caso de indeferimento de reclamação graciosa, o prazo de impugnação será de 15 dias após a notificação.

Dispõe ainda o nº 3 do mesmo normativo que se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

Portanto na sequência de acto expresso de indeferimento de reclamação graciosa, e no regime do Código de Procedimento e Processo Tributário, o contribuinte tem 15 dias para deduzir impugnação.

No caso em apreço, como claramente se evidencia na sentença recorrida, tendo a impugnante e ora recorrente sido notificada da decisão de indeferimento parcial da reclamação graciosa em 03.11.2011, quando foi intentada a impugnação (23.11.2011) há muito que se encontrava esgotado aquele prazo de 15 dias.
Alega, porém, a recorrente a inconstitucionalidade do nº2 do artº 102º do CPPT porque viola o “…principio de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva, consagrado no art. 20º da C.R.P., e, bem assim, dos princípios da necessidade, da proporcionalidade e da proibição do excesso no condicionamento de direitos fundamentais ou análogos, consagrados no art. 18º, nº2 da C.R.P.
De harmonia com o artº 20º nº 5 da Constituição da República, para defesa dos direitos, liberdades e garantias pessoais, a lei deve assegurar aos cidadãos procedimentos judiciais caracterizados pela celeridade e prioridade, de modo a obter tutela efectiva e em tempo útil contra ameaças ou violações desses direitos.
Por sua vez dispõe o artº 18º, nº 2 da Constituição que a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.

A consagração constitucional destes princípios, em normas claramente dirigidas ao legislador, tem em vista garantir o acesso aos tribunais a quem pretenda dirigir-se-lhes em defesa de direitos subjectivos ou interesses jurídicos dignos de tutela e também garantir um processo equitativo, que assegure efectivamente um direito de defesa e obste a que se imponham às partes prazos para a realização de actos processuais tão curtos que envolvam uma diminuição arbitrária. (Vide Jorge Miranda e Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I , pags. 199 a 205 e tomo III, pag. 608. )

A jurisprudência e a doutrina do Tribunal Constitucional têm consagrado o entendimento de que não é incompatível com a tutela jurisdicional do acesso à justiça a imposição de ónus processuais às partes, desde que não sejam arbitrários nem desproporcionados, quando confrontada a conduta imposta com a consequência desfavorável atribuída à correspondente omissão – cf. neste sentido Acórdãos do Tribunal Constitucional n.ºs 132/2002 e 403/2002, 571/01, 588/00 e 347/02, estes dois últimos quanto a prazos processuais, e Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, pag. 165.

Ora a exigência de um prazo de 15 dias para deduzir impugnação judicial, na sequência de indeferimento de reclamação graciosa (artº 102º, nº 2 do Código de Procedimento e Processo Tributário) não é excessiva, arbitrária ou limitativa do direito de acesso aos tribunais e das garantias de defesa do administrado.
Isso só assim não seria se o prazo fosse ostensivamente exíguo e inadequado para a organização da sua defesa, o que manifestamente não sucede no caso em apreço.
Com efeito nos termos do artº 70º, nº 1 do Código de Procedimento e Processo Tributário a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e será apresentada no prazo de 120 dias contados a partir dos factos previstos no nº 1 do artº 102º.

A reclamação graciosa pode, pois, ter por fundamento qualquer ilegalidade de que enferme o acto de liquidação impugnado ou vício do procedimento ou decisões procedimentais que precedam a decisão final (arts. 54º, 70º, nº 1 e 99º do Código de Procedimento e Processo Tributário), sendo que o contribuinte beneficia de um prazo ainda maior que o prazo de impugnação judicial directa do acto de liquidação.
Assim sendo, prevendo a lei que a reclamação graciosa pode ser deduzida com os mesmos fundamentos previstos para a impugnação judicial e concedendo um amplo prazo para a deduzir, é legitimo concluir que o interessado, aquando da notificação do indeferimento da reclamação graciosa, já estará ou poderá estar na posse dos elementos necessários para exercer cabalmente o direito de impugnar judicialmente e que o prazo para o efeito concedido (15 dias) não é arbitrário nem limitativo do seu direito de acesso aos tribunais e das suas garantias de defesa (vide, também neste sentido, Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e Processo Tributário anotado de vol. II, página 151).

Daí que se entenda que a norma do nº2 do artº 102º do Código de Procedimento e Processo Tributário não é materialmente inconstitucional por violação dos princípios de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade e da proibição do excesso consagrados no arts. art. 18º, nº2 e 20º da C.R.P, pelo que nenhuma censura merece a sentença recorrida que assim decidiu.»

Na esteira do acórdão supra citado, a norma constante do nº 2 do art. 102º do CPPT não é materialmente inconstitucional por violação dos princípios de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva e da proporcionalidade e da proibição do excesso consagrados no arts. art. 18º, nº2 e 20º da C.R.P.

Entende, ainda, o recorrente que deve considerar-se que o prazo de 90 dias para a apresentação de impugnação judicial, aprovado pela Lei n.° 82-E/2014, não pode apenas ser aplicado para casos que tenham origem após a publicação da presente lei, devendo si ter aplicação retroactiva. Quer isto dizer que, tendo a Recorrente intentado a sua impugnação judicial no prazo de 90, e tendo a Sentença aqui recorrida, sido lavrada após a entrada em vigor da Lei n.° 82-E/2014, então, deveria o Tribunal a quo considerado que a Lei n.° 82-E/2014 se aplicava retroactivamente, o que a não acontecer, viola claramente o princípio da igualdade e da proporcionalidade, motivo pelo qual, deve a Sentença recorrida ser declarada inconstitucional por violação do princípio da igualdade e da proporcionalidade (conclusões H. e I.).

Cumpre apreciar tal fundamento de recurso.

Vejamos a actual redacção do art. 102º do CPPT:


Artigo 102.º
Impugnação judicial. Prazo de apresentação

1 - A impugnação será apresentada no prazo de três meses contados a partir dos factos seguintes: (Redação da lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro)

a) Termo do prazo para pagamento voluntário das prestações tributárias legalmente notificadas ao contribuinte;

b) Notificação dos restantes actos tributários, mesmo quando não dêem origem a qualquer liquidação;

c) Citação dos responsáveis subsidiários em processo de execução fiscal;

d) Formação da presunção de indeferimento tácito;

e) Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código;

f) Conhecimento dos actos lesivos dos interesses legalmente protegidos não abrangidos nas alíneas anteriores.

2 - (Revogado pela alínea d) do artigo 16.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro)

3 - Se o fundamento for a nulidade, a impugnação pode ser deduzida a todo o tempo.

4 - O disposto neste artigo não prejudica outros prazos especiais fixados neste Código ou noutras leis tributárias.

Constatamos, pois, que o nº 2 do art. 102º do CPPT foi revogado pela alínea d) do artigo 16º da Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro, que foi publicado no Diário da República, 1.ª série — N.º 252 — 31 de dezembro de 2014.

No nº 1 do artigo 17º da referida Lei sob a epígrafe “Produção de efeitos” pode ler-se que “A presente lei produz efeitos a partir de 1 de janeiro de 2015.”
Ora, conforme al.b) do probatório, em 27/03/2014 foi endereçado ofício registado, com aviso de recepção, à sociedade impugnante, pela Direcção Distrital de Finanças de Lisboa, dando-lhe conhecimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa e do direito de impugnar judicialmente aquela decisão, no prazo de 15 dias, nos termos conjugados dos artigos 66.°, n.°2 e 102.°, n.°2 do CPPT - ofício de fls. 24 dos autos.
E conforme alínea c) do ofício referido na alínea antecedente foi recepcionado pela impugnante em 31/03/2014 - expediente dos CTT de fls. 23 dos autos e facto admitido pela impugnante, no requerimento junto a fls. 21 dos autos.
E ainda, conforme al. d) do probatório, a presente impugnação foi remetida, por correio registado, com AR à Direcção Distrital de Finanças de Lisboa no dia 24/04/2014 - ofício de fls. 3 dos autos, e facto admitido pela impugnante no requerimento de fls. 21 dos autos.
Face à factualidade descrita, fácil é constatar que a recorrente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa em 31/03/2014 tendo apresentado a presente impugnação em 24/04/2014, vários meses antes da publicação e produção de efeitos da Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro. Podemos, pois, concluir que à data de produção de efeitos da Lei em causa o prazo de 3 meses já não estava em curso, estando largamente ultrapassado.
Mas será que a presente Lei tem aplicação retroactiva como defende a recorrente?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Vejamos o que consta no art. 12º do Código Civil:
Artigo 12.º
(Aplicação das leis no tempo. Princípio geral)
1. A lei só dispõe para o futuro; ainda que, lhe seja atribuída eficácia retroactiva, presume-se que ficam ressalvados os efeitos já produzidos pelos factos que a lei se destina a regular.
2. Quando a lei dispõe sobre as condições de validade substancial ou formal de quaisquer factos ou sobre os seus efeitos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos; mas, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, entender-se-á que a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor. (Sublinhado nosso)

A lei só dispõe para o futuro.

Salvo norma especial, a lei tributária mais favorável não se aplica aos factos tributários verificados na vigência de lei anterior (acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 11-12-91, proferido no recurso nº 12755, publicado em AP-DR de 15-4-94, página 334).

Deste modo, a Lei nº 82-E/2014, de 31 de Dezembro não deve ser aplicada retroactivamente, não havendo qualquer violação do princípio da proporcionalidade (como já vimos) nem do princípio da igualdade pois este princípio determina que se trate de forma igual o que é igual e de forma diferente o que é diferente.

A recorrente foi notificada do indeferimento da reclamação graciosa e do direito de impugnar judicialmente aquela decisão, no prazo de 15 dias, nos termos conjugados dos artigos 66.°, n.°2 e 102.°, n.°2 do CPPT uma vez que era essa norma que vigorava à data dos factos.
Pelo que bem andou a decisão recorrida quando indeferiu liminarmente a impugnação por intempestividade.

Improcedem, assim, na totalidade as conclusões do presente recurso.

III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e Notifique.

Lisboa, 19 de Novembro de 2015

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[Lurdes Toscano]

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[Ana Pinhol]

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[Jorge Cortês]