Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:602/10.7BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:05/27/2021
Relator:ISABEL FERNANDES
Descritores:OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL;
REVERSÃO;
FUNDAMENTAÇÃO DO DESPACHO DE REVERSÃO;
NORMA LEGAL
Sumário:I – A responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT). Sendo o despacho de reversão um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da CRP; artigos 23.º n.º 4 e 77.º nº 1, da LGT).
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os juízes que compõem a 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – RELATÓRIO

J..., deduziu oposição no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3158.2005/... e apensos, instaurado contra a Sociedade “M... R..., Lda”, e que contra si reverteu, na qualidade de responsável subsidiário, por dívidas provenientes de IVA, do ano de 2003 e 2004, IRC, do ano de 2003, 2004 e 2006, IRS do ano de 2003, 2005 e 2006 e coimas, dos anos de 2007 e 2008, no montante de 104.292,56€.

O Tribunal Tributário de Lisboa, por decisão de 05 de Abril de 2019, julgou a oposição procedente.

Não concordando com a sentença, a FAZENDA PÚBLICA veio interpor recurso da mesma, tendo nas suas alegações formulado as seguintes conclusões:

«A. Salvo o devido respeito, por opinião diversa, entende a Fazenda Pública que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, dado que da prova produzida não se podem extrair as conclusões em que se alicerça a decisão proferida, atendendo às razões que passa a expender.

B. Salvo o devido respeito, o douto tribunal não andou bem, ao considerar que o despacho de reversão não se encontra fundamentado uma vez que, o oponente, ora recorrido, aquando da apresentação da petição inicial da presente oposição demonstrou que se encontrava na posse de todos os elementos necessários e que são exigíveis à perceção da legalidade do ato tributário.

C. A Administração Fiscal cumpriu com o estabelecido no n.° 4 do art.° 22.° e no n.° 4 do art.° 23.°, ambos da LGT, fundamentando a reversão com os respetivos pressupostos e extensão, bem como os elementos essenciais da divida, ou seja, no despacho de reversão, constam todos os elementos necessários ao devido contraditório por parte do oponente, nomeadamente, a data do facto tributário a que diz respeito o imposto, bem como o n.° de processo, o montante, a identidade da devedora originária, a base legal da liquidação efetuada, os fundamentos e a extensão da mesma, assim como os meios processuais de reação ao dispor do revertido, pelo que se consideram integralmente cumpridas as exigências plasmadas nos artigos 163.° e 190.° do CPPT, e art.° 22.°, n.° 4 da LGT.

D. Nestes termos, o despacho de reversão cumpriu com todos os formalismos legais, sendo acompanhado dos documentos necessários, ou seja, das certidões de divida, estando o mesmo fundamentado.

E. Neste desiderato, ao decidir a douta sentença do Tribunal a quo pela falta de fundamentação do despacho de reversão, enferma de erro de apreciação da prova, e de erro de interpretação de lei.

Termos em que, com o douto suprimento de Vossas Excelências, deve o presente Recurso ser provido e, consequentemente ser revogada a sentença proferida pelo douto Tribunal “a quo” assim se fazendo a costumada Justiça!»


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O Recorrido, devidamente notificado para o efeito, optou por não contra-alegar.

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A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo, devidamente notificada para o efeito, ofereceu parecer no sentido da improcedência do recurso.
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Com dispensa de vistos, vem o processo submetido à conferência desta Secção do Contencioso Tributário para decisão.



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II – FUNDAMENTAÇÃO

- De facto

A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

«1. Em 17 de janeiro de 2002, na Conservatória do Registo Predial/Comercial de Loures, foi registado o contrato social da Sociedade por quotas “M..., R..., Lda”, NIF 5... — cfr. certidão de registo permanente, a fls. 113 a 115 dos autos.

2. Na mesma data, foi registada na referida Conservatória, a constituição dos órgãos representativos da gerência (dois gerentes), constituídos pelo Oponente (J...) e R..., obrigando-se a Sociedade com a intervenção dos dois gerentes - cfr. certidão de registo permanente, a fls. 113 a 115 dos autos.

3. A Sociedade devedora originária procedeu à retenção na fonte de rendimentos prediais, no ano de 2003, no montante de 1.350,91€, no ano de 2004, no montante de 1,396,56€ e no ano de 2005, não reteve qualquer valor a esse título - cfr. declaração anual/modelo 10, a fls. 161 a 163 e 212 dos autos.

4. No ano de 2003, o Oponente auferiu rendimentos da categoria A, pagos pela Sociedade devedora originária, no montante de 5.985,60€ e no ano de 2004, no montante de 5.043,75€ - cfr. consulta ao Anexo J/Modelo 10 e as declarações de IRS dos anos de 2003 e 2004, a fls. 213 a 223 dos autos.

5. A Sociedade devedora originária, entre os anos de 2003 e princípios de 2005, laborava num armazém, cuja arrendatária era S..., NIF 193.989.409, tendo, posteriormente sido transferida para um armazém mais pequeno.

6. No início do ano de 2003, a Sociedade começou a ter dificuldades no pagamento da renda e dificuldades a nível de trabalho e recebimento de clientes, tendo ficado, inclusive, com a conta bancária bloqueada.

7. O Oponente, nem sempre, colaborou e entregou com ao contabilista da “J... - G...”, de forma diligente a documentação contabilística necessária, para efeitos de elaboração de inventários, encerramento de contas e consequentemente entrega de declarações fiscais.

8. Em 2002, o Oponente auferiu rendimentos da categoria A, pagos pela Sociedade devedora originária, no montante de 3.491,60€ - cfr. consulta ao Anexo J/Modelo 10, a fls. 213 dos autos

9. Entre os anos de 2005 a 2008, o Oponente auferiu rendimentos da categoria A, pagos pela Sociedade devedora originária, anuais, respetivamente, no montante de 5.985,60€ - cfr. consulta ao Anexo J/Modelo 10 e declarações de IRS dos anos de 2003 e 2004, a fls. 213 a 234 dos autos.

10. Foram instaurados, no Serviço de Finanças de Loures 3, contra a Sociedade devedora originária, os seguintes PEFs:


«Imagem no original»


11. Os processos de execução fiscal identificados no ponto anterior encontram-se apensos ao processo principal n.° 3158 2005..., perfazendo o montante total em dívida de 104.292,56€ - cfr. ponto 3) da informação do Serviço de Finanças de Loures 3, a fls. 130 a 133 dos autos.

12. A Sociedade devedora originária não era proprietária de qualquer prédio, nem de qualquer viatura, nem de quaisquer valores e rendimentos, nem adquirente de aquisições e fornecimentos, nem titular de relações cadastrais - cfr. consulta ao CEAP (Cadastro Eletrónico de Ativos Penhoráveis), a fls. 109 a 111 dos autos.

13. Em 07 de maio de 2007, pelo contabilista certificado da Sociedade (NIF 1...), foi entregue a declaração de Modelo 22 e declarado que a Sociedade, nos períodos de 01 de janeiro de 2003 a 31 de dezembro de 2003 e 01 de janeiro de 2004 a 31 de dezembro de 2004, obteve um lucro tributável, respetivamente de 5.659,84€ e de 2.803,86€ - cfr. consultas de IRC-rosto da declaração, a fls. 224 a 225 e 228 a 229 dos autos.

14. Em 28 de junho de 2007, pelo contabilista certificado da Sociedade, foi entregue em nome da Sociedade devedora originária (NIF 1...), uma nova declaração de modelo 22, e declarado, nos períodos tributários referenciados no ponto anterior, que a referida Sociedade obteve um lucro tributável, respetivamente, no montante de 65.133,63€ e de 27.061,75€- cfr. consultas de IRC- rosto da declaração, a fls. 226 e 227 e 229 a 231 dos autos.

15. Em 10 de outubro de 2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, proferiu despacho para efeitos de “Audição (Reversão)’" do Oponente, no âmbito do processo de execução fiscal principal n.° 3158 200501... e apensos, o qual aqui se dá por reproduzido e se extrai o seguinte:






16. Em 04 de dezembro de 2008, o Chefe do Serviço de Finanças de Loures 3, proferiu despacho de reversão, o qual aqui se dá por reproduzido e se transcreve o seguinte: 



«Imagem no original»



“ - cfr. despacho (reversão), a fls. 122 e 357 dos autos.

17. Por ofício, datado 05 de dezembro de 2008, foi remetido ao Oponente a “Citação (Reversão)", no âmbito do processo de execução fiscal n.° 3158 2005... e respetivos apensos, e supra identificados, para pagamento da quantia de 104.292,56€€, recebido na pessoa do próprio Oponente, em 16 de dezembro de 2008, do qual constava o seguinte:



«Imagem no original»



Factos não provados

Não foi provada a seguinte factualidade: 

1. A Sociedade devedora originária era titular do direito ao trespasse/arrendamento de um estabelecimento e de bens móveis.

Motivação

A convicção do tribunal quanto à matéria de facto provada assentou na análise da documentação constante dos autos e do processo de execução fiscal, conforme discriminado supra no probatório e por acordo.

Quanto ao facto enunciado no ponto 6) do probatório supra, a convicção do Tribunal fundou-se no depoimento da testemunha S..., proprietária do primeiro armazém, onde laborou a Sociedade devedora originária, e que como arrendatária, contactava diretamente com o Oponente, sendo conhecedora das dificuldades económicas que a empresa começou a sentir a partir dos anos de 2003, nomeadamente com os pagamentos da renda, que por sua vez, levaram a que esta mudasse de instalações para um armazém mais pequeno.

Ainda, quanto ao facto descrito nos pontos 7) e 8) do probatório, a convicção do Tribunal baseou-se no depoimento das testemunhas J... e A....

A primeira testemunha, como contabilista e proprietário da “J... - G... e Serviços, Lda”, conhece o Oponente e sempre tratou da contabilidade da Sociedade devedora originária, e a segunda testemunha, contabilista certificado e funcionário do referido G..., que apesar de não conhecer pessoalmente o Oponente, refere que mantinha com este contatos telefónicos e via correio eletrónico, limitando-se a vistoriar a contabilidade da Sociedade, e quando confrontados com o facto de não terem sido pagos os impostos devidos, entregues as declarações fora de prazo e entregue apenas as declarações de Modelo 22 de IRC até ao ano de 2004, referiram que se deveu à falta de documentação fiscal, nomeadamente dos inventários, que o Oponente não entregou, ou não entregou em devido tempo, apesar de terem sido feitas todas as diligências com vista à sua obtenção, tendo deixado no ano de 2004 de contatar e receber qualquer tipo de informações por parte do Oponente.

Do depoimento da primeira testemunha retira-se ainda que a Sociedade, a partir do ano de 2003, começou a ter dificuldades económicas, relacionadas com a conjuntura do país, designadamente com a falta de clientes e respetivos pagamentos, não tendo, nessa altura conta bancária, deixando de pagar os impostos no tempo devido.


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Quanto à factualidade não provada decorre da circunstância de a Oponente não ter produzido qualquer prova apta a demonstrara as alegações produzidas na petição inicial deduzida, não tendo, bem assim, carreado aos autos quaisquer meios de prova da contraparte que permitissem a este Tribunal concluir em sentido divergente.



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- De Direito

Conforme entendimento pacífico dos Tribunais Superiores, são as conclusões extraídas pelo recorrente, a partir da respectiva motivação, que operam a fixação e delimitação do objecto dos recursos que àqueles são submetidos, sem prejuízo da tomada de posição sobre todas e quaisquer questões que, face à lei, sejam de conhecimento oficioso e de que ainda seja possível conhecer.

Assim sendo, lidas as conclusões das alegações de recurso, dúvidas não restam que a questão a apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal a quo errou ao concluir pela insuficiência da fundamentação do despacho de reversão, o que conduziu ao juízo de procedência da oposição.

Vejamos, então.

A sentença recorrida entendeu que o despacho de reversão padecia de falta de fundamentação tendo, para tanto, expendido o seguinte:

“(…) a decisão de reversão não permite perceber se a reversão é efetuada nos termos da alínea a), ou da alínea b) do n.°s 1, do citado artigo 24.° da LGT, situação que não é irrelevante, porquanto a presunção de culpa na insuficiência patrimonial da devedora originária é divergente, ao que acresce o facto de que, em abstrato, do enquadramento de uma ou outra alínea pode depender quais as dívidas que podem ser revertidas (fundamento que foi alegado pelo Oponente, conforme a disposição dos vícios supra).(…)

Em termos gerais, podemos afirmar que a responsabilidade subsidiária se efectiva por reversão do processo de execução fiscal (n.º 1 do artigo 23.º da LGT) e que o despacho de reversão, sendo um acto administrativo tributário, está sujeito a fundamentação (artigo 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, artigos 23.º, n.º 4 e 77.º nº 1 da LGT), devendo, em termos de fundamentação formal, incluir a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido, por forma a permitir-lhe o eventual exercício esclarecido do direito de defesa (n.º 1 do artigo 77.º da LGT), e deve incluir, igualmente, a declaração dos pressupostos da reversão e referir a extensão temporal da responsabilidade subsidiária (artigo 23.º, n.º 4 da LGT).

Como se referiu no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, proferido em 16/10/2013, no âmbito do processo n.º 0458/13, a fundamentação formal do despacho de reversão basta-se com a alegação dos pressupostos e com a referência à extensão temporal da responsabilidade subsidiária que está a ser efectivada, «não se impondo, porém, que dele constem os factos concretos nos quais a AT fundamenta a alegação relativa ao exercício efectivo das funções do gerente revertido.»

In casu, compulsando o teor do despacho de reversão (cfr. ponto 16 do probatório), verificamos que do mesmo não consta a indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao revertido – concretamente o artigo 24.º da LGT.

Efectivamente, como concluiu a sentença recorrida, o despacho de reversão é omisso no que se refere à menção do artigo 24º da LGT, não se sabendo em qual das respectivas alíneas se fundamenta a reversão.

Repare-se que, no que se respeita a esta omissão, a Recorrente nada diz, limitando a sua argumentação recursiva a reiterar que o despacho de reversão menciona os pressupostos da reversão.

Ora, o que resulta do teor do despacho de reversão, como bem referiu a sentença recorrida, é que o mesmo não contém a indicação completa dos pressupostos em que assenta a decisão da reversão, já que aquela decisão de reversão se limita a referir, genericamente, os artigos 23º nº2 da LGT e 153º nº2 do CPPT, sem cuidar de referir, em concreto, a norma e respectiva alínea do artigo 24º da LGT.

Acresce que do conteúdo do acto não se retira qualquer remissão para uma eventual informação do SF que pudesse fundamentar a reversão (e, diga-se, do PEF não consta nenhuma informação nesse sentido).

Mais, nenhuma menção é efectuada quanto ao exercício efectivo da gerência, nem a relacionando com a sua extensão temporal (que se desconhece), não se sabendo se o prazo legal de pagamento das dívidas em questão terminou no período de exercício da gerência ou se o respectivo facto constitutivo ocorreu no período de exercício da gerência.

Para além do que já se disse, cumpre salientar que o acto de citação a que se refere o ponto 17) do probatório, no campo destinado à fundamentação, nada refere, ou seja, está em branco.

Assim, a fundamentação do despacho de reversão de execução fiscal não se revela apta a satisfazer as preocupações que orientaram o legislador tributário, porquanto não permite ao Recorrido inteirar-se das razões que motivaram a reversão do processo executivo, prejudicando a sua defesa.

Neste sentido, veja-se o Acórdão do STA de 23/10/2019, proferido no âmbito do processo nº 1389/06, onde se escreveu o seguinte:

“(…) Aliás é de notar, como bem se salienta na sentença recorrida, que o campo "Fundamentos da reversão" encontra-se em branco, sendo fácil concluir que a Administração Tributária não esclareceu suficientemente as razões de facto que levaram à reversão da execução contra o Oponente, nem, por outro lado, fez qualquer referência às disposições legais em que se alicerçou para considerar que o Oponente é responsável subsidiário pelas dívidas exequendas, sendo o despacho em causa absolutamente ambíguo e insuficiente para determinar o possível enquadramento da situação numa das alíneas previstas no nº 1 do artigo 24º da LGT.
Assim sendo, forçoso é concluir que ocorre omissão de alegação do exercício efectivo do cargo e de indicação das normas legais que determinam a imputação da responsabilidade subsidiária ao executado revertido, como também tais elementos não são apreensíveis do restante contexto fundamentador do despacho de reversão, o que afecta de forma irreversível o direito de defesa do revertido/executado e constitui fundamento bastante para determinar a sua anulação, por insuficiência de fundamentação.(…)”

Nesta conformidade, ao contrário do entendimento da Recorrente e de acordo com o decidido pelo tribunal a quo, a fundamentação do despacho de reversão é manifestamente insuficiente, impondo-se, nessa medida, negar provimento ao recurso, assim se confirmando a sentença recorrida.




III- Decisão

Face ao exposto, acordam, em conferência, os Juízes da 1ª Sub-Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Registe e notifique.

Lisboa, 27 de Maio de 2021

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Desembargadores integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Jorge Cortês e Lurdes Toscano.


(Isabel Fernandes)

(Jorge Cortês)


(Lurdes Toscano)