Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:292/12.2BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:05/04/2023
Relator:TÂNIA MEIRELES DA CUNHA
Descritores:AÇÃO INSPETIVA INTERNA
AÇÃO INSPETIVA EXTERNA
PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE
Sumário:I. Uma ação inspetiva interna abrange os casos em que a AT leva a efeito toda a sua atividade nos seus serviços, ou seja, os casos em que atua com base na informação de que dispõe, fruto, designadamente, das obrigações declarativas a cargo dos contribuintes.

II. São ações inspetivas externas aquelas em que existe alguma atividade da inspeção que revele um cariz investigatório que extravasa os tais dados de que a AT dispõe nas suas bases de dados.

III. As inspeções realizadas dentro das instalações da AT, mas sustentando-se, em grande parte, em dados coligidos no âmbito de ação inspetiva externa de outro contribuinte, configuram-se como ações inspetivas externas.

IV. A classificação, por parte da AT, de uma determinada ação inspetiva como interna é passível de ser judicialmente questionada.

V. A classificação de uma determinada ação inspetiva como externa implica a existência de uma tramitação procedimental distinta da das ações inspetivas internas.

VI. Não se tratando o caso dos autos de uma das situações de dispensa de notificação prévia do procedimento de inspeção, deve ser dado cumprimento ao disposto no art.º 49.º do RCPITA.

VII. O não cumprimento do disposto no art.º 49.º do RCPITA configura-se como preterição de formalidade que a lei prescreve.

VIII. Nada decorrendo dos autos, no sentido de a Impugnante ter tido algum conhecimento da ação inspetiva externa em que se sustentou a ação inspetiva a si referente, não se pode concluir, com a segurança exigida em casos como o dos autos, que a preterição da formalidade mencionada em VII. se degradou em não essencial.

Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acórdão

I. RELATÓRIO

A. S. (doravante Recorrente ou Impugnante) veio recorrer da sentença proferida a 10.08.2017, no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria, na qual foi julgada improcedente a impugnação por si apresentada, do indeferimento do recurso hierárquico que versou sobre o indeferimento da reclamação graciosa que, por seu turno, teve por objeto a liquidação de imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (IRS), referente ao ano de 2005.

O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.

Nessa sequência, a Recorrente apresentou alegações, nas quais concluiu nos seguintes termos:

“A - Não resulta provado que o procedimento tivesse características internas, antes pelo contrário, é a própria AT que refere fiscalização externa.

B - Não resulta provada a competência do órgão que determina o procedimento.

C - Não foi apreciado pedido formulado pela ora recorrente para aproveitamento da prova produzida em idênticos autos de IRS de 2004, devendo a douta decisão do Tribunal ad quem determinar a baixa dos autos à 1.ª Instância.

D - O fundamento para as correcções levadas a efeito pela AT está inquinado de erro nos pressupostos quantificativos e qualificativos do facto tributário.

E - Por mera cautela de patrocínio, a factualidade dada como provada vistos os depoimentos produzidos, considerados relevantes, objetivos, isentos e credíveis, e ainda sentença Processo n.º 1487/10,9 BELRA que foram os imóveis adquiridos com destino à revenda pelo sócio D. V. que os pagou com o seu dinheiro e nunca os afetou ao exercício da atividade.

F- Entende a recorrente ter sido feita prova bastante de que os imóveis integravam o ativo circulante da sociedade, destinados à comercialização não havendo outra que demonstre coisa diferente, designadamente, capaz de sustentar a perspetiva vertida na douta sentença recorrida, ademais, vista a inexistência de mapas de amortizações, facto que ficou provado.

G - Havendo mapas de amortizações, seria fácil demonstrar que aproveitou a sociedade V. os valores das amortizações anuais em seu benefício como custos de exercício, prova que de todo não fez a inspeção tributária nem a sentença recorrida.

H - Pretendia a ora recorrente e D. P. adquirir os imóveis da sociedade e não as quotas da sociedade, sendo que tal erro resulta de um mau aconselhamento jurídico com as consequências que se conhecem, visto as quotas nada valerem uma vez a sociedade estar inativa desde 1982, facto igualmente provado.

I - Foi admitido pelo TOC nunca ter tido acesso a qualquer mapa de amortizações daí o lançamento na conta 42 ter de imediato sido corrido para a conta 35 - ativo circulante e corrigido também o acto Notarial, quanto aos direitos das alienantes, tudo desconsiderado.

J - É descabida a tributação levada a efeito pela AT na medida em que o lucro real e tributável é de valor aproximado de 400 mil euros como se demonstrou.

K - Ninguém faz um negócio de boa-fé para auferir valor aproximado de 400 mil euros, se no fim viera incidir, tributação superior ao valor do negócio.

L - No caso concreto, a vontade das partes não ficou adequadamente expressa no acto notarial, denominado incorrectamente de cessão de quotas dai ter procedido à sua correcção, uma vez não terem ficado salvaguardados os direitos das depoentes aos suprimentos prestados pelo seu pai aquando da compra dos imóveis.

M - Visto tudo o que fica dito e provado (prova documental e testemunhal) deve a douta decisão do Tribunal ad quem determinar a anulação da liquidação impugnada, uma vez ficar demonstrado que não utilizou a recorrente nem D. P. qualquer recurso financeiro da sociedade em seu benefício, na medida em que não pretendiam adquirir quotas da sociedade que nada valiam como se percebe, vista a situação de inatividade da sociedade desde 1982.

N - Pretendiam sim adquirir os imóveis para posterior venda ao B., como aconteceu por ato simultâneo, recebendo as senhoras filhas de D. V. os suprimentos prestados pelo pai que pagou os imóveis com dinheiro próprio, nunca os tendo afectado ao exercício de actividade, como ficara a cordado e a recorrente e D. P. o lucro de sensivelmente 400 mil euros, equivalente a uma intermediação, este sim passível de tributação.

O - Só com a anulação da liquidação do tributo impugnado se fará a acostumada Justiça”.

A Fazenda Pública (doravante Recorrida ou FP) não apresentou contra-alegações.

Foram os autos com vista ao Ilustre Magistrado do Ministério Público, nos termos do então art.º 289.º, n.º 1, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que emitiu parecer, no sentido de ser negado provimento ao recurso.

Colhidos os vistos legais (art.º 657.º, n.º 2, do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT), vem o processo à conferência.

São as seguintes as questões a decidir:

a) Verifica-se omissão de pronúncia, quanto ao pedido de aproveitamento da prova testemunhal?

b) Verifica-se erro na decisão proferida sobre a matéria de facto?

c) Verifica-se erro de julgamento, quanto à natureza do procedimento inspetivo?

d) Há erro de julgamento quanto à competência do órgão que determinou o procedimento?

e) Verifica-se erro de julgamento, quanto aos pressupostos da liquidação?

II. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

II.A. O Tribunal recorrido considerou provada a seguinte matéria de facto:

“1. A sociedade V. – S. A., Lda., aquando da sua constituição, detinha um capital social de € 1.246,99, dividido por duas quotas, no valor de € 748,20 e € 498,79, pertencentes, respetivamente, a D. V. e J. H. – cfr. Relatório de Inspeção Tributária (RIT), constante de fls. 18 a 35 do processo de reclamação graciosa apenso, que se dá por integralmente reproduzido.

2. Em 1965, a V. adquiriu, pelo valor de € 84,80, um prédio rústico inscrito sob o artigo ..7, secção …, da freguesia de S. Julião do Tojal, concelho de Loures – cfr. RIT.

3. Em 14 de julho de 1967, o sócio J. H. cedeu a sua quota a favor de D. V. e D. L. V., ficando aquele com duas quotas no valor de € 748,20 e € 473,86 e esta com uma quota no valor de € 24,94 – cfr. RIT.

4. Entre 1970 e 1972, a V. adquiriu os prédios rústicos inscritos na matriz, da freguesia de S. Julião, concelho de Loures, sob os artigos:

- ..7 secção .., pelo valor de € 830,00;

- ..6 secção .., pelo valor € 124,70;

- ..5 secção .., pelo valor de € 99,76;

- ..3 secção .., pelo valor € 124,70 – cfr. RIT.

5. Em 27 de setembro de 1989, os sócios realizaram um aumento de capital no valor de € 748,19, que foi dividido da seguinte forma: D. L. V., com € 99,76, V. V., com € 673,38 e D. V., com duas quotas, no valor de € 748,20 e € 473,86 – cfr. RIT.

6. Em 26 de janeiro de 2001, por óbito de D. V., as suas quotas foram distribuídas pelas suas filhas, D. L. V. e V. V., e pela viúva, Y. V. – cfr. RIT.

7. Em 26 de março de 2002, as sócias fizeram um novo aumento de capital no valor de € 3.004,81, de forma a totalizar o montante de € 5.000,00, ficando o mesmo distribuído por: D. L. V., com € 250,00, V. V., com € 1.687,50, e duas quotas comuns, no valor de € 1.187,50 e € 1.875,00 – cfr. RIT.

8. Em 17 de setembro de 2004, as sócias cederam as quotas que detinham na V. a D. P. e A. S., da seguinte forma:

- D. P. adquiriu a quota de V. V., com o valor nominal de € 1.687,50, pelo valor de € 1.144.741,17, e a quota comum, com o valor nominal de € 1.875,00, pelo valor de € 1.271.934,64, correspondente a 71,25% do capital social;

- a Impugnante adquiriu, pelo valor de € 169.591,09, a quota de D. L. V., no valor nominal de € 250,00 e pelo valor de € 805.558,60, a quota comum, com o valor nominal de € 1.187,50, correspondente a 28,75% do capital social – cfr. RIT.

9. Na mesma data, o B. adquiriu à V., representada pelos seus novos sócios gerentes, os prédios rústicos inscritos sob os artigos ..3,..5, ..6 da secção .. e artigo ..7 da secção .., da freguesia de S. Julião do Tojal, concelho de Loures – cfr. RIT.

10. Nos exercícios de 2004 e 2005, a contabilidade da V. tinha registado a débito da conta “25511- D. P.” no montante de € 2.758.611,46 e na conta “25512 – A. S.”, no montante de € 1.113.123,94 – cfr. RIT.

11. Em 2004, a V. não tinha contas bancárias em seu nome – cfr. RIT.

12. Os cheques n.ºs …459, …424 e …408, nos montantes de € 441.747,73, € 975.557,39 e € 1.298.121,59, emitidos pela B. à V. para pagamento da aquisição dos imóveis referidos no ponto 9. supra foram endossados à ordem de D. V., V. V. e Y. V., para pagamento parcial das quotas adquiridas pelos novos sócios-gerentes – cfr. RIT.

13. O cheque n.º …416, no montante de € 100.000,00, foi endossado a um Sr. T., que não tinha relação comercial com a V. – cfr. RIT.

14. Os cheques n.ºs …432 e ….467, nos montantes de € 427.000,00 e € 249.158,60, foram depositados na conta bancária na CCAM, da qual D. P. é titular – cfr. RIT.

15. O cheque n.º …988 foi depositado na conta de D.O. da CCAM de S. C. n.º …857, da qual a V.. é titular, no exercício de 2005 – cfr. RIT.

16. No sentido de esclarecer a natureza dos registos a débito da “25 – accionistas”, apurados no âmbito de procedimento inspetivo externo realizado à sociedade V. – S. A., Lda. foi proposta a emissão de Ordem de Serviço Interna, em sede de IRS para o ano de 2005, à Impugnante – cfr. RIT.

17. Em 01 de junho de 2009, o Chefe de Divisão dos Serviços de Inspeção Tributária (SIT), Alexandre António Oliveira Reis, da Direção de Finanças (DF) de Santarém, com delegação de competências, emitiu a ordem de serviço n.º OI200900792, ao abrigo da qual foi realizada à Impugnante ação inspetiva interna de âmbito parcial em sede de IRS, ao exercício de 2005 – cfr. fls. 37 a 42 do Processo Administrativo (PA) apenso e RIT.

18. A delegação de competências do Diretor de Finanças de Santarém no Chefe de Divisão dos SIT encontra-se publicada no Diário da República (DR), 2.ª Série n.º 80, de 23 de abril de 2008 – cfr. aviso n.º 12640/2008, publicado no mencionado DR.

19. No dia 29 de outubro de 2009, foi emitido pelos SIT da DF de Santarém relatório de inspeção tributária relativo ao procedimento inspetivo referido no ponto 17., onde ficou consignado na parte que ora importa, o seguinte:

I-3. – Descrição sucinta das conclusões da acção de inspecção

Pelos factos descritos na presente informação, conclui-se que os recursos financeiros da sociedade V. –S. A., Ldª., [...], que o sujeito passivo utilizou, em benefício próprio, na qualidade de sócio, presumem-se efectuados a título de lucros ou adiantamento por conta de lucros, como tal, susceptíveis de ser enquadrados como rendimentos de capitais (categoria E), a título de lucros ou adiantamentos por conta de lucros, sujeitos a tributação em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), nos termos do disposto no n.º 1 do art.º 1 e na alínea h) do n.º 2 do art.º 5.º, ambos do CIRS.

Os rendimentos da categoria E, sujeitos a tributação em sede de IRS, resultantes correcções técnicas efectuadas no âmbito do procedimento de inspecção, para o ano de 2005, ascendem ao montante de € 68.987,02.

O valor supra indicado representa 50% dos valores enquadrados como rendimento da Categoria E supra referidos, em face do disposto no artigo 40.º-A do Código do IRS.

[...]

III. – Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas à matéria tributável

O procedimento interno de inspecção ao sujeito passivo, conforme já foi referido, surge como consequência dos procedimentos inspectivos efectuados à sociedade «V. – S. A., Ldª», da qual, o sujeito passivo é sócio e gerente.

Para melhor entendimento, dos montantes que a Administração Tributária se propõe corrigir, em sede de IRS, expõe-se, de seguida, os factos que levam estes Serviços a propor correcção, aos valores declarados pelo sujeito, em sede de IRS, para o exercício de 2005.

Em face do exposto, passaremos a fazer o enquadramento fiscal dos valores utilizados pela Sra. A.. Assim,

[...]

Pela análise dos elementos apresentados, constatou-se que até 2008, ano em que foi dissolvida a sociedade, não se verificou a restituição, por parte da Sra. A. S., das verbas registadas a débito na conta “25512 – A. S.”, nem outro qualquer documento onde o próprio assuma a dívida e a restituição da mesma (Anexo 8).

Não resta qualquer dúvida de que os movimentos registados a débito da conta “25512 – A. S.”, no montante de € 137.974,04, não correspondem a contratos de mútuo e também não resultam da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, em face dos elementos disponíveis.

Assim, presume-se que a utilização, por parte da Sra. A. S., no exercício de 2005, de recursos financeiros da sociedade no montante de € 137.974,04, o foi, a título de lucros ou de adiantamentos por conta de lucros, em face do disposto no artigo 6º do Código do IRS.

Valores esses que são susceptíveis de ser enquadráveis como rendimentos de capitais (categoria E), a título de adiantamentos por conta de lucros [...]

[...]

De acordo com o anteriormente exposto, os rendimentos da categoria E sujeitos a tributação em sede de IRS, para o exercício em análise, são de € 68.987,02.

[...]”– cfr. RIT, constante de fls. 18 a 35 do processo de reclamação graciosa apenso, que se dá por integralmente reproduzido.

20. Sobre o relatório de inspeção referido no ponto antecedente recaiu despacho de concordância do Chefe de Divisão dos SIT, por delegação de competências do Diretor de Finanças de Santarém, datado de 30 de outubro de 2009 – cfr. fls. 18 do processo de reclamação graciosa apenso.

21. A Impugnante foi notificada do Relatório de Inspeção Tributária e do despacho que sobre ele recaiu, por ofício n.º 7669, datado de 05 de novembro de 2009 – cfr. fls. 17 do processo de reclamação graciosa apenso.

22. Com base das correções efetuadas em sede inspetiva, foi emitida, em 17 de novembro de 2009, liquidação adicional de IRS n.º 2009 5004952384, referente ao exercício de 2005, no montante de € 27.313,03 – cfr. fls. 31 a 33 do PA apenso.

23. Na sequência das aludidas correções, foi também emitida em 17 de novembro de 2009 liquidação de juros compensatórios n.º 2009 1597872, no montante de € 3.456,15 – cfr. fls. 31 e 34 do PA apenso.

24. Em 17 de novembro de 2009, foi efetuada demonstração de acerto de contas n.º 2009 1818508, da qual resultou o valor a pagar de € 27.596,63 – cfr. fls. 31 do PA apenso.

25. No dia 21 de abril de 2010, a Impugnante apresentou, junto do Serviço de Finanças de Benavente, Reclamação Graciosa das liquidações de IRS relativa ao exercício de 2005 e dos correspetivos juros compensatórios – cfr. fls. 02 a 06 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

26. Em 29 de julho de 2010, foi realizada escritura de retificação da cessão de quotas ocorrida em 17 de setembro de 2009, com intervenção das anteriores sócias e dos novos sócios gerentes, na qual se esclarece que as quotas cedidas incluíam o valor de suprimentos – facto não controvertido.

27. Por despacho de 12 de maio de 2011, proferido pelo Diretor de Finanças de Santarém, em concordância com anterior informação, foi indeferida a reclamação graciosa apresentada pela Impugnante e referida em 25. – cfr. fls. 127 a 130 do processo de reclamação graciosa apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

28. Por ofício n.º 2649, foi a Impugnante notificada do indeferimento da reclamação graciosa, em 19 de maio de 2011 – cfr. fls. 133 e 134 do processo de reclamação graciosa apenso.

29. Em 20 de junho de 2011, a Impugnante apresentou junto do Serviço de Finanças de Benavente, Recurso Hierárquico, do indeferimento da reclamação graciosa referido no ponto 27. – cfr. fls. 02 a 07 do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

30. O recurso hierárquico referido no ponto antecedente foi indeferido por despacho da Diretora de Serviços do IRS, datado de 11 de novembro de 2011, em concordância com anterior informação – cfr. fls. 17 a 25 do processo de recurso hierárquico apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

31. Pelo ofício nº 2643, datado de 29 de novembro de 2011, a Impugnante foi notificado do indeferimento do Recurso Hierárquico apresentado – cfr. fls. 28 e ss. do processo de recurso hierárquico apenso.

32. A presente impugnação deu entrada no dia 05 de março de 2012 – cfr. fls. 01 dos autos (suporte físico)”.

II.B. Refere-se ainda na sentença recorrida:

“Inexistem factos não provados, com interesse para a solução da causa”.

II.C. Foi a seguinte a motivação da decisão quanto à matéria de facto:

“A decisão da matéria de facto, efetuou-se com base nos documentos e informações oficiais constantes dos autos, do processo administrativo apenso e dos processos de reclamação graciosa e de recurso hierárquico apensos, que não foram impugnados e que, pela sua natureza e qualidade, mereceram a credibilidade do tribunal, em conjugação com a livre apreciação da prova, bem como nas posições assumidas pelas partes nos articulados, tudo conforme foi referido em cada um dos pontos do elenco da factualidade dada como provada”.

II.D. Da impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto

Ao longo das suas alegações, a Recorrente insurge-se contra a decisão proferida sobre a matéria de facto, referindo impugnar “a ausência de factos destinados a demonstrar o pedido formulado”.
Considerando o disposto no art.º 640.º do CPC, ex vi art.º 281.º do CPPT, a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto carateriza-se pela existência de um ónus de alegação a cargo do Recorrente, que não se confunde com a mera manifestação de inconformismo com tal decisão. (1)

Assim, o regime vigente atinente à impugnação da decisão relativa à matéria de facto impõe ao Recorrente o ónus de especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considere incorretamente julgados [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. a), do CPC];

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impõem, em seu entender, decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. b), do CPC], sendo de atentar nas exigências constantes do n.º 2 do mesmo art.º 640.º do CPC;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [cfr. art.º 640.º, n.º 1, al. c), do CPC].
Como tal, não basta ao Recorrente manifestar de forma não concretizada a sua discordância com a decisão da matéria de facto efetuada pelo Tribunal a quo, impondo­-se-lhe os ónus já mencionados.(2)

Transpondo estes conceitos para o caso dos autos, verifica-se que tais ónus não foram minimamente cumpridos.

Com efeito, a Recorrente limita-se a invocar a ausência de um conjunto de factos, que não circunscreve nem densifica, não indicando igualmente os meios de prova em que se sustenta.

Como tal, nesta parte rejeita-se o recurso.

III. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.A. Da questão prévia suscitada nas alegações de recurso

A título de questão prévia, a Recorrente invoca, nas alegações de recurso, que, no âmbito do articulado que apresentou, ao abrigo do disposto no art.º 120.º do CPPT, requereu o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 1538/10.7BELRA, o que não mereceu pronúncia pelo Tribunal a quo, devendo, nesse seguimento, aos autos retornar à primeira instância.

Compulsada a tramitação processual, cumpre destacar o seguinte:

a) Na petição inicial, a Impugnante arrolou testemunhas;

b) Por despacho de 27.12.2016, o Tribunal a quo indeferiu a produção de prova testemunhal, por ter entendido que inexistia matéria controvertida suscetível de prova através de tal meio;

c) Em sede de alegações proferidas ao abrigo do disposto no art.º 120.º do CPPT, a Impugnante requereu o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 1538/10.7BELRA;

d) Nada foi dito pelo Tribunal a quo relativamente ao mencionado em c).

Vejamos então.

Antes de mais, cumpre referir que o alegado nunca consubstanciaria uma omissão de pronúncia.

Com efeito, nos termos do art.º 125.º, n.º 1, do CPPT, há omissão de pronúncia, que consubstancia nulidade da sentença, quando haja falta de pronúncia sobre questões que o juiz deva apreciar [cfr. igualmente o art.º 615.º, n.º 1, al. d), do CPC].

As questões de que o juiz deve conhecer são ou as alegadas pelas partes ou as que sejam de conhecimento oficioso.

Tal invalidade imputável à sentença abrange, no entanto, as questões sobre as quais impende dever de decisão, considerando o pedido e a causa de pedir [v., a este propósito, o Acórdão deste TCAS de 08.10.2020 (Processo: 1032/08.6BESNT)].

Ora, a falta de decisão sobre um requerimento de aproveitamento da prova testemunhal não se enquadra nestas questões, havendo mesmo jurisprudência no sentido de que não é sequer obrigatória a prolação de qualquer despacho sobre tal tipo de requerimento [v., v.g., o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 14.09.2016 (Processo: 0946/16): “A lei não impõe qualquer despacho em que o juiz expresse o seu juízo sobre a possibilidade ou impossibilidade de conhecimento imediato do pedido, juízo que fica implícito na tramitação que imprimir ao processo: se ordenar a realização de qualquer diligência de prova, quer ela tenha sido requerida pelo impugnante ou pela Fazenda Pública, quer o faça oficiosamente, é porque entende que o processo ainda não reúne as condições para conhecer do pedido; se proferir sentença de imediato (após dar vista ao Ministério Público, entenda-se), é porque entende desnecessária a produção de prova”].

Ademais, no presente caso e no momento oportuno, o Tribunal a quo já manifestara o seu entendimento, no sentido da desnecessidade de produção da prova testemunhal.

Ainda assim, a questão pode ser colocada em sede de recurso, quando tal ausência de realização de diligências instrutórias tenha conduzido a um erro de julgamento da decisão proferida sobre a matéria de facto.

No caso, a Recorrente limita-se a alegar que tal aproveitamento da prova era importante, mas, na verdade, não imputou qualquer erro de julgamento à decisão proferida sobre a matéria de facto, nos termos já expostos supra.

Como tal, não se vislumbra que haja necessidade de os autos retornarem ao Tribunal a quo, para apreciação de tal prova testemunhal.

Assim, não assiste razão à Recorrente nesta parte.

III.B. Do erro de julgamento quanto à natureza do procedimento inspetivo

Considera, por outro lado, a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento, ao qualificar o procedimento inspetivo como interno (o que teve reflexos no tocante ao alegado quanto à falta de notificação do início da inspeção e à competência do órgão).

Vejamos então.

O apuramento da situação tributária dos contribuintes pode ser feito através de atos de inspeção levados a cabo pela administração tributária (AT).

O procedimento inspetivo é, pois, um procedimento tributário, como decorre, desde logo, do art.º 54.º da Lei Geral Tributária (LGT).
O então n.º 5 (atual n.º 6) desta mesma disposição legal remete para diploma próprio a regulamentação do “exercício do direito de inspeção tributária” [o então Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária (RCPIT)] (3)

Atentando no n.º 1 do art.º 2.º do RCPIT, “[o] procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributária, a verificação do cumprimento das obrigações tributária e a prevenção das infrações tributárias”.

Como resulta do preâmbulo do DL n.º 413/98, de 31 de dezembro, cujo anexo constitui o RCPIT:

“[T]endo em conta a natureza da actividade inspectiva, a Administração não poderá estar subordinada a uma sucessão imperativa e rígida de actos. Porém, esta circunstância não prejudica a consagração de regras gerais de actuação visando essencialmente a organização do sistema, e consequentemente a garantia da proporcionalidade aos fins a atingir, da segurança dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários e a própria participação destes na formação das decisões, evitando a proliferação de litígios inúteis.

No respeito por estes princípios, a Lei Geral Tributária acolheu uma concepção da inspecção tributária harmónica com o moderno procedimento administrativo e as garantias dos cidadãos.

Assim, a natureza do presente diploma é essencialmente regulamentadora não se pretendendo alterar os actuais poderes e faculdades da inspecção tributária nem os deveres dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários que se mantêm integralmente em vigor.

No entanto, a melhor sistematização da acção fiscalizadora incrementará a sua eficiência e eficácia, bem como a segurança do procedimento de inspecção, tendo sido diminuída a margem de discricionaridade(sublinhados nossos).

O RCPIT define, pois, os termos em que deve ser levado a cabo o procedimento inspetivo, consagrando, designadamente, desde os princípios globais em termos de atuação (cfr. art.ºs 5.º a 10.º), à classificação dos procedimentos (cfr. art.ºs 12.º a 15.º), à competência para os mesmos (cfr. art.ºs 16.º a 19.º), ao planeamento e seleção (cfr. art.ºs 23.º a 27.º) e aos termos do procedimento propriamente dito (cfr. art.ºs 28.º e ss.).

Especificamente quanto à classificação dos procedimentos de inspeção tributária, o RCPIT prevê várias classificações, sob diversos prismas.

Concretizando:

a) Quanto aos fins, o procedimento de inspeção pode ser (cfr. art.º 12.º, n.º 1, do RCPIT):

a.1. De comprovação e verificação;

a.2. De informação;

b) Quanto ao lugar do procedimento, o mesmo pode ser (cfr. art.º 13.º do RCPIT):

b.1. Interno, quando os atos de inspeção se efetuem exclusivamente nos serviços da AT, através da análise formal e de coerência dos documentos;

b.2. Externo, quando os atos de inspeção se efetuem, total ou parcialmente, em instalações ou dependências dos sujeitos passivos ou demais obrigados tributários, de terceiros com quem mantenham relações económicas ou em qualquer outro local a que a administração tenha acesso;

c) Quanto ao âmbito, o mesmo pode ser (cfr. art.º 14.º do RCPIT):

c.1. Geral ou polivalente, quando tiver por objeto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários;

c.2. Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários ou se limite à consulta, recolha de documentos ou elementos determinados e à verificação de sistemas informáticos dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários, ou ao controlo de bens em circulação.

Cumpre agora, face ao objeto do presente recurso, atentar com maior detalhe na consubstanciação das tipologias de inspeção, em função do lugar do procedimento.

Assim, uma ação inspetiva interna abrange os casos em que a AT leva a efeito toda a sua atividade nos seus serviços, ou seja, os casos em que atua com base na informação de que dispõe, fruto, designadamente, das obrigações declarativas a cargo dos contribuintes. Ou seja, neste âmbito, considerando a informação significativa de que a AT dispõe, por força das mencionadas declarações, há uma atuação com base nos elementos ali coligidos e analisados.

Como referem Joaquim Freitas da Rocha e João Damião Caldeira (Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária anotado e Comentado, 2013, p. 45, em linha [https://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/57722/1/RCPIT%20ANOTADO%20E%20COMENTADO.pdf]):

“O procedimento interno é uma espécie de inspecção cadastral, efectuada dentro dos próprios serviços de inspecção, com recurso aos elementos declarados pelos sujeitos passivos, e engloba actividades de mera constatação em que a Administração se limita a verificar o cumprimento por parte dos sujeitos passivos dos seus deveres declarativos. Nestes casos a Administração tributária limita-se particularmente a confrontar, através do cruzamento de informação disponível nas suas bases de dados, se o sujeito passivo cumpriu ou não com os seus deveres e se os elementos declarados coincidem com os elementos fornecidos pelas declarações entregues por outros obrigados tributários com quem o sujeito passivo mantém ou manteve relações. Não se trata portanto de uma actividade propriamente fiscalizadora, em sentido estrito, trata-se de uma actividade de comprovação formal para verificação da exactidão do formalmente declarado pelo sujeito passivo”.

No caso das inspeções de âmbito externo, as mesmas abrangem todas aquelas que, total ou parcialmente, se efetuem, designadamente, nas instalações dos sujeitos passivos ou de terceiros.

No fundo, do que aqui se trata é da existência de alguma atividade da inspeção que revele um cariz investigatório que extravasa os tais dados de que a AT dispõe nas suas bases de dados.

O caso dos autos situa-se num terreno aparentemente controvertido, porquanto os atos de inspeção foram realizados dentro das instalações da AT, mas sustentaram-se em grande parte em dados coligidos no âmbito da ação inspetiva externa à V., coleção essa de dados que teve ínsita uma tarefa investigatória por parte da administração.

Ora, nestes casos, considera-se que a ação inspetiva foi efetivamente externa, não obstante a AT a ter classificado como interna.

A este propósito, sublinhe-se que a classificação feita pela AT, em torno do procedimento, não é vinculativa e pode ser discutida.

Como se menciona no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, de 27.01.2022 (Processo: 290/08.0BEFUN):

“[C]omo se sabe, “a qualificação dada pela Administração a um procedimento não tem carácter vinculativo, se vier a revelar-se que o conteúdo dos actos praticados for contrário à qualificação dada, isto é, a classificação formal do procedimento será, posteriormente, validada, ou não, pelos actos que a Administração praticar” - Joaquim Freitas da Rocha, in RCPIT, anotado e comentado, Coimbra Editora, 1ª Edição, pág. 83.

E, na verdade, a jurisprudência está repleta de exemplos em que se verifica que, a coberto de uma denominada inspecção interna, o que se faz é, na realidade, é uma acção externa de fiscalização e vice-versa, o que, como se sabe, tem – ou pode ter – importantes consequências ao nível da legalidade do procedimento e, consequentemente, do acto de liquidação estruturado em consequência de tal procedimento”.

A circunstância de todo o trabalho ser feito junto nas instalações da AT não implica, necessariamente, que uma determinada ação inspetiva seja de âmbito interno, questão sobretudo relevante quando a AT se socorre de elementos coligidos em ações de âmbito externo junto de outros sujeitos passivos, evidenciando uma atividade de verdadeira investigação por parte dos serviços inspetivos.

A este propósito, refere o Supremo Tribunal Administrativo [Acórdão de 17.12.2019 (Processo: 072/13.8BEMDL)]:

“[S]ó é procedimento interno aquele cujos atos de inspeção se traduzam numa «análise formal e de coerência de documentos» - ver o citado artigo 13.º, alínea a), parte final.

Sendo que o procedimento que se traduza na análise de elementos colhidos noutros atos inspetivos não é de «análise formal», porque não se reconduz à forma como foram apresentadas declarações à Administração Tributária e implica um juízo sobre a substância das operações declaradas ou não declaradas e da sua correspondência com a verdade tributária do contribuinte. Aliás, não dispensará, na maioria dos casos, um juízo sobre o mérito dessas diligências para os fins da nova inspeção e da desnecessidade de realizar outras diligências no quadro dos deveres inquisitórios de quem analisa.

E não é uma «análise de coerência de documentos» porque não se reconduz ao tratamento da informação que aflui aos serviços através dos canais normais (leia-se: de declarações) e despistagem de erros de concordância, estando já direcionada para a verificação da situação tributária do contribuinte”.

Portanto, considerando que toda a ação inspetiva se sustentou em elementos obtidos no âmbito da ação inspetiva externa realizada à V., nos termos que já explanamos, concluímos que a inspeção realizada à Recorrente, não obstante ter sido classificada como ação interna, tratou-se de verdadeira ação externa.

Posto isto, cumpre ter em conta, em segundo lugar, que a classificação quanto ao lugar do procedimento assume relevância em diversos prismas, sendo de chamar à colação, a este propósito, o disposto nos art.ºs 49.º e 50.º do RCPIT.

Assim, dispunha, então, o referido art.º 49.º:

“1 - O procedimento externo de inspeção deve ser notificado ao sujeito passivo ou obrigado tributário com uma antecedência mínima de cinco dias relativamente ao seu início.

2 - A notificação prevista no número anterior efetua-se por carta-aviso elaborada de acordo com o modelo aprovado pelo diretor-geral dos Impostos, contendo os seguintes elementos:

a) Identificação do sujeito passivo ou obrigado tributário objeto da inspeção;

b) Âmbito e extensão da inspeção a realizar.

3 - A carta-aviso conterá um anexo contendo os direitos, deveres e garantias dos sujeitos passivos e demais obrigados tributários no procedimento de inspeção”.

Por seu turno, nos termos do art.º 50.º do RCPIT:

“1 - Não há lugar a notificação prévia do procedimento de inspeção quando:

a) O procedimento vise apenas a consulta, recolha ou cruzamento de documentos destinados à confirmação da situação tributária do sujeito passivo ou obrigado tributário;

b) O fundamento do procedimento for participação ou denúncia efetuada nos termos legais e estas contiverem indícios de fraude fiscal;

c) O objeto do procedimento for a inventariação de bens ou valores em caixa, testes por amostragem ou quaisquer atos necessários e urgentes para aquisição e conservação da prova;

d) O procedimento consistir no controlo dos bens em circulação e da posse dos respetivos documentos de transporte;

e) O procedimento se destine a averiguar o exercício de atividade por sujeitos passivos não registados;

f) A notificação antecipada do início do procedimento de inspeção for, por qualquer outro motivo excecional devidamente fundamentado pela administração tributária, suscetível de comprometer o seu êxito.

2 - Nos casos referidos no número anterior, o anexo a que se refere o n.º 3 do artigo 49.º é entregue, conjuntamente com a cópia da ordem de serviço ou do despacho a que se refere o n.º 1 do artigo 51.º, no momento da prática dos atos de inspeção”.

No caso dos autos, atendendo ao teor do RIT, não se está perante nenhuma das situações elencadas no art.º 50.º do RCPIT de dispensa da notificação prévia do procedimento de inspeção.

Portanto, a AT devia ter procedido à notificação prevista no art.º 49.º do RCPIT, não o tendo feito por, erradamente, ter classificado o procedimento como interno (situação em que, de facto, tal notificação prévia não é obrigatória).

Concluímos, assim, que ocorreu a preterição de uma formalidade que a lei prescreve, com potenciais reflexos na liquidação que decorre desse mesmo procedimento.

Por outro lado, não se pode considerar que essa preterição se tenha degradado em formalidade não essencial, porquanto nada nos autos nos permite concluir que a Impugnante teve conhecimento, em momento anterior ao da notificação do RIT, dos efetivos termos em que a ação inspetiva se sustentava (nem aquando da recolha dos elementos, nem em qualquer momento do procedimento).

Sendo certo que no RIT é mencionado que foi a Impugnante notificada para o exercício do direito de audição e que não o exerceu, nada nos autos existe que nos permita extrair conclusões sobre a efetividade, o modo e os termos em que tal terá ocorrido, o que impede a realização de qualquer juízo de prognose. Com efeito, não se sabe se houve, efetivamente, algum conhecimento dos efetivos termos da ação inspetiva, de forma a possibilitar uma intervenção do inspecionado na mesma. Atenta essa circunstância, não se pode afirmar, com a segurança que se exige nestes casos, que a falta da notificação prescrita no art.º 49.º do RCPIT tenha sido, de alguma forma, ultrapassada pela demonstração da possibilidade de o interessado ter tido conhecimento do procedimento e do respetivo objeto em termos tais que lhe permitisse intervir no mesmo.

Por outro lado, também não há qualquer evidência de que a Impugnante tenha de alguma forma participado no procedimento inspetivo externo à V..

Como se refere no já citado Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17.12.2019 (Processo: 072/13.8BEMDL):

“[C]onsidera-se efetuada a notificação prévia para procedimento de inspeção em que esses elementos foram utilizados se o sujeito passivo tiver sido notificado previamente nos procedimentos em que esses elementos foram recolhidos ou se for de dispensar aí a notificação prévia.

(…)

Não tendo o sujeito passivo inspecionado sido notificado previamente da recolha dos elementos que serviram de base às correções e não tendo sido demonstrado que tomou prévio conhecimento da diligência inspetiva respetiva ou que existia e foi invocado fundamento para o dispensar, foi preterida uma formalidade legal que inquina o procedimento onde os elementos recolhidos são utilizados”.

Assim, assiste razão à Recorrente, resultando prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas.

Vencida a Recorrida é a mesma responsável pelas custas em ambas as instâncias (art.º 527.º do CPC), sem prejuízo de não haver lugar ao pagamento de taxa de justiça na presente instância, por não ter contra-alegado (art.º 7.º, n.º 2, do Regulamento das Custas Processuais).

IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em conferência na 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

a) Conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, julgar a impugnação procedente e anular os atos impugnados;

b) Custas pela Recorrida em ambas as instâncias;

c) Registe e notifique.


Lisboa, 04 de maio de 2023

(Tânia Meireles da Cunha)

(Susana Barreto)

(Patrícia Manuel Pires)





















1) Cfr. António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5.ª Edição, Almedina, Coimbra, 2018, p. 169.
2) V., a título exemplificativo, o Acórdão deste TCAS, de 27.04.2017 (Processo: 638/09.0BESNT) e ampla doutrina e jurisprudência no mesmo mencionada.
3) Atentando no n.º 1 do art.º 2.º do RCPIT, “[o] procedimento de inspeção tributária visa a observação das realidades tributária, a verificação do cumprimento das obrigações tributária e a prevenção das infrações tributárias”.