Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:150/17.4BEPDL-A
Secção:CA-2º. JUÍZO
Data do Acordão:04/19/2018
Relator:SOFIA DAVID
Descritores:PODERES DE INTERVENÇÃO DO MP; ART.º 146.º, N.º 1, DO CPTA; SUSPENSÃO DE EFICÁCIA DE ACTO PUNITIVO;
PENA DISCIPLINAR DE SUSPENSÃO; PERICULUM IN MORA; FACTO CONSUMADO; TREM DE VIDA;
DANO; PRESUNÇÃO JUDICIAL; FUMUS MALUS IURIS; PRESCRIÇÃO DO PROCEDIMENTO DISCIPLINAR;
Sumário:I – Atendendo às competências do MP e à formulação legal constante do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, o DMMP detém um direito processual de intervir na causa sempre que entenda que estão em causa interesses públicos especialmente relevantes. A apreciação do conceito ínsito ao indicado artigo pertence ao próprio DMMP, que nesta tarefa goza de uma larga margem de apreciação. Entretanto, só nas situações de erro grosseiro, manifesto ou de facto, poderá aquela mesma apreciação ser sindicada pelo tribunal;
II – A pena disciplinar de 25 dias de suspensão, uma vez não suspensa, implica, no imediato, consequências gravosas para o visado e reconduz-se a uma situação de facto consumado;
III- Há que presumir que um corte no valor de 25 dias do salário do Recorrido, que será a sua fonte de subsistência, implicará sempre um dano com consequências imediatas no montante pecuniário que mensalmente é colocado ao dispor do Recorrido para fazer face ao seu trem de vida, que ficará necessariamente prejudicado. Esses prejuízos terão, desde logo, que se presumir pelas regras da experiência comum, constituindo presunção judicial. Mesmo que não se entendam tais factos como presunções judiciais, sempre deveriam ser considerados factos notórios, que não carecem de prova;
IV- Uma participação de uma ocorrência que ainda não se caracteriza ou circunstancia como de infracção disciplinar não serve para o início da contagem do prazo de 60 dias, para a instauração do processo disciplinar, referido no art.º 179.º, n.º 2, da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP), porque nesse caso não se pode entender que houve um conhecimento pelo superior hierárquico da prática da infracção;
V- O art.º 120.º do CPTA exige agora um fumus boni iuris, na sua vertente positiva, isto é exige uma probabilidade suficientemente séria e forte do bom direito, que leve a concluir que será provável que a decisão a proferir no processo principal seja julgada procedente.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

O Ministério da Justiça (MJ) interpôs recurso da sentença do TAF de Ponta Delgada, que julgou procedente o pedido de suspensão de eficácia da decisão que aplicou ao ora Recorrido a pena disciplinar de 25 dias de suspensão efectiva.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente as seguintes conclusões: “1. Os Recorridos peticionam que o Requerente ora Recorrido intentou a presente providência cautelar peticionando que seja declarada a suspensão de eficácia da decisão que determinou a aplicação ao Requerente da sanção disciplinar de 25 dias de suspensão efetiva;
2. A finalidade própria das providências cautelares é assegurar a utilidade da sentença a proferir no processo principal, uma vez que a demora na tomada da decisão final pode acarretar a inutilidade da mesma, em virtude de se ter, entretanto, criado uma situação de facto consumada com ela incompatível, ou por se terem produzido prejuízos de difícil reparação para os interesses de quem dela deveria beneficiar;
3. O requisito do periculum in mora ter-se-á por preenchido sempre que exista fundado receio de que, quando o processo principal termine, aí a sentença proferida já não venha a tempo de dar resposta adequada às situações jurídicas envolvidas em litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque essa evolução conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis;
4. A prova do “fundado receio” a que a lei faz referência deverá ser feita pelo Requerente, o qual terá que invocar e provar factos que levem o tribunal a concluir que será provável a constituição de uma situação de facto consumada ou a produção de prejuízos de difícil reparação, justificando-se, por isso, a concessão da providência solicitada;
5. Nos artigos 105.º e 106.º do seu requerimento inicial, o Requerente alega que a decisão sob impugnação poderá ser executada antes de ser decidida a presente ação, com claro e irreparável prejuízo para o Requerente, já que, em caso de procedência da presente ação, seria impossível reverter ou anular todos os efeitos ou consequências da aplicação da sanção decidida, nomeadamente o não exercício de funções pelo período de 25 dias (artigo 182.º, n.º 2 da LTFP);
6. Não tendo demonstrado, discriminado e feito prova, como se impunha, que, caso o ato impugnado não fosse suspenso, lhe causaria prejuízos de difícil reparação, limitando-se a tecer considerações genéricas e conclusivas, não objetivando a constituição da produção de prejuízos de difícil reparação;
7. Ou seja, Incumbe ao requerente da providência o ónus de alegar a matéria de facto integradora dos requisitos legais de que depende a concessão da providência requerida (artigo 342.º CC), não podendo o tribunal substituir-se ao mesmo. Impõe-se que a alegação tenha de ser concretizada com realidade factual que corporize efetivamente o requisito em questão (v.g (…) qual a estrutura de custos mensais suportados pelo requerente, quais as disponibilidades financeiras e rendimentos/proventos auferidos /realizados também mensal/anualmente, etc ;
8. Não tendo resultado demonstrado, pelo requerente, que a não suspensão do ato impugnado acarretaria irreparável prejuízo para o mesmo;
9. Na sentença recorrida é apenas referida a situação de facto consumado caso seja executada a pena disciplinar de suspensão, o que, salvo melhor entendimento, é manifestamente insuficiente;
10. E isto porque, o único facto consumado que se vislumbra é o efetivo cumprimento do tempo de suspensão que já não poderá ser revertido;
11. Sendo certo que, todos os outros efeitos da pena de suspensão são revertíveis, contudo nada foi alegado pelo Requerente a este respeito;
12. Ora, se fosse suficiente a verificação da situação de facto consumado, o requisito do periculum in mora quase que seria de verificação automática sempre que se estivesse na presença de uma pena disciplinar de suspensão, o que não acontece;
13. Quanto ao fumus bonu iuris também não está verificado, porquanto o facto de o Requerente ter invocado a prescrição, não significa que a mesma esteja verificada, e conforme decorre da oposição do requerido, o vicio invocado nem sequer é provável
14. Em face do supra exposto, a sentença recorrida padece de erro de julgamento na apreciação do critério que fez do requisito do periculum in mora.”
O Recorrido nas contra-alegações formulou as seguintes conclusões: “A. Vem o presente recurso interposto da douta sentença proferida em 12/01/2018 pelo TAF de Ponta Delgada, que concluiu pela procedência da Providência Cautelar apresentada pelo ora Recorrido, peticionando a declaração da suspensão de eficácia da decisão que determinou a aplicação da sanção disciplinar efetiva de 25 dias de suspensão ao Recorrido.
B. No entendimento do Recorrente, a douta sentença pelo Tribunal “a quo” enferma de nulidade por erro de julgamento na apreciação do requisito do “periculum in mora” exigido para o decretamento de providência cautelar, previsto no n.º 1 do artigo 120.º do CPTA.
C. Efetivamente, a concessão da providência cautelar depende, da demonstração do requisito “periculum in mora”, o qual se encontrará preenchido sempre que exista um fundado receio que, “quando o processo principal termine e sobre ele venha a ser proferida uma decisão, essa decisão já não venha a tempo de dar resposta adequada ou cabal às situações jurídicas e pretensão objecto de litígio, seja porque a evolução das circunstâncias durante a pendência do processo tornou a decisão totalmente inútil, seja porque tal evolução gerou ou conduziu à produção de danos dificilmente reparáveis”(Vd. Ac. TCAN n.º 00228/08.5BECBR- A de 11/12/2008).
D. Tal como tem vindo a ser sufragado pela jurisprudência administrativa, a existência de fundado receio depende ou da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o Requerente pretende assegurar no processo principal (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 25/07/2007, processo nº 0462/2007).
E. Conforme resulta da petição inicial da providência cautelar apresentada pelo Requerente, ora Recorrido, por força das normas conjugadas nos artigos 223.º e 225.º, n. 4 da LTFP, a eficácia do despacho proferido pelo Senhor Diretor-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, em 25 de maio de 2017, que aplicou ao Recorrido a sanção disciplinar efetiva de suspensão pelo período de 25 dias, suspendeu-se com a interposição de recurso hierárquico dirigido à Exma. Sra. Ministra da Justiça em 26 de fevereiro de 2017 e manteve- se suspensa até ao dia seguinte à notificação ao Requerente da decisão do recurso, ou seja, até ao dia 10 de outubro de 2017.
F. a execução do ato cuja suspensão foi peticionada no âmbito da providência cautelar em crise poderia – e iria - ser consumado antes do trânsito em julgado da ação principal (ou seja, logo a partir do dia 11/10/2017), com claro e irreparável prejuízo para o Requerente,
G. já que, em caso de procedência da ação, seria impossível reverter ou anular todos os efeitos ou consequências da aplicação da sanção decidida, nomeadamente o não exercício de funções pelo período de 25 dias (artigo 182.º, n. 2 da LTFP).
H. Nesta conformidade, apenas se poderá concluir pela verificação do requisito “periculum in mora”, previsto n. 1 do artigo 120.º do CPTA, pela verificação de fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado em momento anterior à decisão da causa principal.
I. No que diz respeito ao requisito “fumus boni iuris”, o qual o Recorrente – discretamente – também considera não estar preenchido por entender que, pese embora o Requerente, ora Recorrido, tenha invocado a prescrição do processo disciplinar que esteve na base do ato administrativo sob impugnação, tal não significa que tal instituto esteja verificado.
J. No entanto, e tal como tem vindo a ser defendido pela maioria das decisões proferidas pelos tribunais administrativos, a verificação do requisito “fumus boni iuris” no âmbito de providência cautelar basta- se com a verificação da aparência da existência do direito invocado pelo Requerente, sem que exista uma pronuncia aprofundada sobre a questão jurídica, sendo certo que esta análise ficará a cargo da ação principal.
K. No entender do Recorrido, a simples análise dos factos trazidos aos autos – nomeadamente o processo disciplinar junto – contêm prova suficiente da séria probabilidade (ou até certeza!) que a pretensão do Requerente, ora Recorrido, entretanto formulada nos autos de processo principal, viesse a ser julgada procedente atenta a (óbvia) prescrição de instauração do procedimento disciplinar e da “inexistência da infração disciplinar pela inobservância de divulgação do Manual de procedimentos para prestação de cuidados de saúde.
L. Concluindo-se que, o tribunal “a quo” - precisamente com base na forte probabilidade do direito de instauração de procedimento disciplinar se encontrar prescrito, bem como da existência de fortes indícios da inexistência de infração disciplinar pela não divulgação do Manual de procedimentos para prestação de cuidados de saúde em meio prisional - andou bem ao considerar verificado o requisito “fumus boni iuris”.

A DMMP apresentou a pronúncia no sentido da procedência do recurso.
O Recorrido vem apresentar requerimento, alegando que a DMMP não tinha o direito a emitir a supra- indicada pronúncia.
Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, vem o processo à conferência.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – OS FACTOS

Na decisão recorrida foi dada por assente, por indiciariamente provada, a seguinte factualidade, ora não impugnada:
A) Em 05.06.2009, foi emitida a Circular n.º 1/GDG/2009 (dado como provado com base em fls. 67 e 72 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
B) Em 03.11.2014, o Graduado de Serviço do Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada elaborou a informação n.º 758/2014, dirigida ao Director, com o seguinte teor:
“Assunto: Recusa de dar medicação aos reclusos por parte dos guardas pri sionais M. M. e J. O. na hora do silêncio
Exmo. Senhor Director
Relativamente ao assunto em epígrafe, venho por este meio informar a V. Exa., que nesta data, pelas 22h30, durante o apagar das luzes das camaratas (hora do silencio) os Guard as Prisionais M. P. C. M. e J. A. M. de O. recusaram dar a medicação (paracetamol) autorizada pelos serviços clínicos deste E.P. a alguns reclusos, tendo originado a ocorrência de algumas campainhas de várias camaratas de não pararem de tocar, onde também na Zona da Formação inclusive alguns reclusos deram pontapés na porta várias vezes como forma de revolta e protesto.
Saliento ainda que esta ocorrência pode por em causa a Ordem e a Segurança do E.P. À superior consideração de V. Ex.ª.”
(dado como provado com base em fls. 5 e 6 do processo administrativo, apenso aos autos);
C) Em 25.11.2014 foi exarado despacho de concordância sobre a proposta de instauração de inquérito (dado como provado com base em fls. 20 do processo administrativo);
D) Em 08.03.2016, o Inspector – coordenador elaborou um documento com o seguinte teor: “ (…) A recusa de entrega de medicação a diversos reclusos, numa situação que em concreto se tenha revelado como imprescindível e inadiável, no quadro da determinação imposta pelos §132 e §133 e Anexo 21, do Manual de Procedimentos para a Prestação dos Cuidados de Saúde em Meio Prisional, aprovada pela Circular 1/GDG/2009, de 05/06, em conjugação com os supra referidos art.º 3.º, n.º 1, do Estatuto do Corpo da Guarda Prisional, e art. 73.º, n.º 1 e 2, a), e), f) e g), e n.º 3, 7, 8 e 9, LTFP, com a criação de perigo para a segurança do estabelecimento prisional em que os factos ocorreram, justifica assim a instauração do processo disciplinar contra os Guardas Prisionais J. A. M. de O. e M. P. C. M., o que se propõe a V. Ex.ª seja feito, a cargo do signatário, com aproveitamento dos actos praticados em sede do presente inquérito.” (dado como provado com base em fls. 74 a 76 do processo administrativo)
E) Em 13.03.2016, o Director-Geral elaborou o seguinte despacho: “Concordo.
Determino a instauração do processo disciplinar contra os guardas J. A. M. de O. e M. P. C. M. nos termos propostos designando para instrutor o Sr. Inspector – Coordenador J. M.. Mais determino o aproveitamento neste processo disciplinar dos actos praticados em sede de inquérito.” (dado como provado com base em fls. 77 do processo administrativo);
F) Em 02.09.2016, o instrutor do processo disciplinar deu por encerrada a instrução (dado como provado com base em fls. 141 do processo administrativo);
G) Em 05.09.2016 foi elaborada a acusação (dado como provado com base em fls.142 a 154 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
H) Em 24.10.2016, o aqui Autor apresentou defesa escrita (dado como provado com base em fls. 173 a 178 do processo administrativo, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
I) Em 11.05.2017, o instrutor do processo disciplinar n.º 1..-D/2016, em que é arguido, nomeadamente, o aqui Requerente, elaborou o Relatório Final (dado como provado com base no documento n.º 1 junto com a PI do processo principal, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
J) Em 25.05.2017 foi proferido pelo Director-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, o seguinte despacho: “Concordo com o Relatório final de fls. 302 e segs, bem como com o parecer antecedente cuja conclusões aqui dão-se por integralmente reproduzidas. Com base nos fundamentos de facto e de direito invocados nessas peças processuais (…) M. P. C. M. com a pena disciplinar de 25 (vinte e cinco) dias de suspensão (…)” (dado como provado com base no documento n.º 1 junto com a PI do processo principal, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
K) Em 02.06.2017, o aqui Requerente foi notificado da decisão de aplicação da pena disciplinar (dado como provado com base em fls. 355 do processo administrativo);
L) O Requerente apresentou recurso hierárquico (dado como provado com base no documento n.º 2 junto com a PI do processo principal, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
M) Por despacho de 27.09.2017, foi decidido não dar provimento ao recurso hierárquico apresentado pelo aqui Requerente (dado como provado com base no documento n.º 3 junto com a PI do processo principal, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
N) Em 23.10.2017, o Requerente apresentou o Requerimento inicial do presente processo cautelar (dado como provado com base em fls. 1 dos autos cautelares virtuais);

II.2 - O DIREITO

As questões a decidir neste processo, tal como vêm delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respectivas conclusões, são:
- aferir da invocação do Recorrido relativa ao direito processual da DMMP para a pronúncia que fez;
- aferir do erro decisório por não estar verificado o preenchimento dos pressupostos do art.º 120.º do CPTA, para o deferimento da providência cautelar formulada, designadamente, por não estarem verificados os requisitos periculum in mora e fumus boni iuris.

No que concerne ao direito de intervenção nos autos da DMMP, decorre o mesmo do preceituado no art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, que prevê essa possibilidade não apenas para efeito da defesa de algum dos valores ou bens referidos no art.º 9.º, n.º 2, do CPTA, mas, ainda, para defesa “dos direitos fundamentais dos cidadãos” e de “interesses públicos especialmente relevantes”.
A indicação da possibilidade de intervenção do MP para a defesa de “interesses públicos especialmente relevantes”, remete-nos para um conceito indeterminado e para uma cláusula aberta, que exigirá uma interpretação ampla. Ou seja, atendendo às competências do MP e àquela formulação legal, constante do art.º 146.º, n.º 1, do CPTA, o DMMP detém um direito processual de intervir na causa sempre que entenda que estão em causa interesses públicos especialmente relevantes. A apreciação do conceito ínsito ao indicado artigo pertence ao próprio DMMP, que nesta tarefa goza de uma larga margem de apreciação. Entretanto, só nas situações de erro grosseiro, manifesto ou de facto, poderá aquela mesma apreciação ser sindicada pelo tribunal.
Ora, no caso em apreço, discute-se a suspensão de eficácia de uma sanção disciplinar aplicada a um guarda prisional. Portanto, estando em causa interesses que se relacionam com a justiça, a ordem, a autoridade e a segurança das prisões, a intervenção do DMMP não poderá rotular-se de manifestamente errada.
Pelo exposto, claudica a alegação do Recorrido relativa à ilegalidade da intervenção da DMMP.

Os critérios para a atribuição de quaisquer providências cautelares – conservatórias ou antecipatórias – estão inscritos no art.º 120.º n.º 1, do CPTA.
Determina o art.º 120.º, n.º 1, do CPTA, na redacção dada pelo Decreto-Lei n° 214-G/2015, de 02-10, que para o decretamento de qualquer providência cautelar devam verificar-se de forma cumulativa dois requisitos: o periculum in mora e o fumus boni iuris. Ou seja, terá de ficar indiciariamente provado nos autos que existe um fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado, ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal e, ainda, que é provável que a pretensão formulada ou a formular nesse processo venha a ser julgada procedente.
O fumus boni iuris que ora se exige encontra-se na sua formulação positiva, requerendo-se que haja uma séria possibilidade de procedência da pretensão principal, que seja "provável" a aparência do bom direito. Por seu turno, esta apreciação deve ser feita em termos de summario cognitio, com base em juízos de verosimilhança, de mera previsibilidade ou razoabilidade, face aos factos e alegações (indiciários) que são trazidos pelo Requerente para os autos.
A falta de qualquer um daqueles requisitos faz logo claudicar a providência cautelar que tenha sido requerida
Mas ainda que se preencherem os dois requisitos referidos, haverá, depois, que ponderar os interesses em confronto, nos termos do n.º 2 do art.º 120.º do indicado preceito.
Diz o Recorrente que não está verificado o requisito periculum in mora, porque as alegações do A. e Recorrido quanto a esses prejuízos são meramente genéricas e conclusivas. Mais alega o Recorrente, que a indicação da decisão recorrida de que se estava frente a um facto consumado é manifestamente insuficiente.
Diga-se, desde já, que a decisão recorrida é para manter quando julgou pela verificação deste requisito.
Na situação em análise está-se frente a uma pena disciplinar de 25 dias de suspensão, que uma vez não suspensa ou efectivada, implica, no imediato, consequências gravosas para o Recorrido. Isto porque, a não suspensão da pena disciplinar implica a sua execução. Consequentemente, no caso de não ser decretada a providência requerida, obtendo o Recorrido ganho na causa principal, já teria certamente passado pelas onerosas sequelas de uma inactividade por 25 dias, decorrente da pena disciplinar.
Portanto, na situação em apreço, a não suspensão do acto punitivo, traz, sem dúvida, uma situação de facto consumado.
As sequelas da aplicação da dita pena decorrem da própria inactividade, da supressão da retribuição por esse tempo e das consequências sócio-profissionais que naturalmente decorrem da efectivação da pena disciplinar.
O Recorrido é guarda prisional. A aplicação de uma pena disciplinar a um guarda que desempenha as suas funções há mais de 13 anos (como decorre do art.º 4 da acusação, que foi dada por integralmente reproduzida na al. g) dos factos provados), acarreta certamente algum descrédito e uma mácula no seu trabalho frente aos respectivos colegas e aos seus subordinados. Sendo efectivada de imediato a pena disciplinar, caso o processo principal venha a lograr procedência, aqueles danos relativos ao descrédito e mácula que a aplicação da pena pressupõe, estarão já efectivados e terão efeitos irreversíveis.
Nesse sentido, para situações similares, já se pronunciou abundantemente a nossa jurisprudência superior, nomeadamente nos Acs. do STA n.º 900/11, de 20.12.2011, n.º 1217/09, de 06.01.2010, do TCAS n.º 10199/13, de 22.07.2013, n.º 4834/09, de 14.05.2009, do TCAN n.º 1168/10.3, de 11.02.2011, n.º 1014/04.4BECBR, de 20.11.2007 ou n.º 1840/06.2BEPRT (todos em www.dgsi.pt).
E tais sequelas também derivam da correlativa diminuição do rendimento durante aqueles 25 dias. O que por si só é outro dano imediato.
É certo – e aqui tem razão o Recorrente – que na PI o A. e ora Recorrido nada alegou de concreto quanto a outros prejuízos, designadamente os que pudessem indiciar que a suspensão de 25 dias de remuneração lhe trouxessem uma diminuição de rendimento no seu agregado familiar, que comprometesse ou dificultasse gravemente o seu trem de vida. Porque não alegados, tais prejuízos também não ficaram provados na decisão sindicada. Nada se sabe, porque o A. e Recorrido não alegou, acerca do seu agregado familiar, eventuais dependentes, situação financeira, ou acerca da existência de outros rendimentos para além dos advenientes do exercício da profissão de guarda prisional.
No entanto, face à prova trazida aos autos, deriva que o Recorrido é guarda prisional. É, deste modo, um trabalhador assalariado do MJ. Assim, há que presumir que um corte no valor de 25 dias do salário do Recorrido, que será a sua fonte de subsistência, implicará sempre um dano com consequências imediatas no montante pecuniário que mensalmente é colocado ao dispor do Recorrido para fazer face ao seu trem de vida, que ficará necessariamente prejudicado. Esses prejuízos terão, desde logo, que se presumir pelas regras da experiência comum, constituindo presunção judicial – cf. art.ºs. 349.º e 351.º do Código Civil (CC). E mais se diga, que mesmo que não se entendam tais factos como presunções judiciais, sempre deveriam ser considerados factos notórios, que não carecem de prova, nos termos dos art.ºs 412.º, n.º 1 e 2 do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA.
Consequentemente, se presente providência for recusada e se, posteriormente, o processo principal for julgado procedente, ter-se-ão verificado prejuízos de difícil reparação, pois durante o tempo em que o Recorrido viu o seu rendimento laboral suprimido certamente terá diminuído, durante esse tempo, as suas condições económicas.
No entanto, no caso dos autos, o periculum in mora existe, como acima se disse, desde logo por decorrência da própria aplicação da pena disciplinar, que constitui um facto consumado.
Por essa razão, apenas tem um relevo acrescido àquela circunstância a apreciação da situação económica do Recorrido e à privação dos seus rendimentos laborais por 25 dias, não sendo este o facto determinante para a verificação daquele periculum.
Em suma, há que confirmar a decisão recorrida quando julgou verificado o requisito periculum in mora, decorrente de, no caso, a execução do acto suspendendo provocar uma situação de facto consumado.

Vem também o Recorrente alegar um erro decisório quando a decisão recorrida considerou verificado o requisito fumus boni iuris, por ser provável que o processo disciplinar estivesse prescrito.
Resulta da matéria factual fixada, que em 03-11-2014 foi feita uma participação ao Director do Estabelecimento Prisional que deu origem à instauração de um inquérito, determinado por despacho de 25-11-2014. Entretanto, em 08-03-2016, findo esse inquérito, por despacho do Director-Geral, de 13-03-2016, foi instaurado o processo disciplinar.
Conforme factos provados, a participação feita em 03-11-2014 não revela a qualificação dos factos como passíveis de infracção disciplinar, com uma dada qualificação.
O conhecimento da prática da infracção pelo superior hierárquico, para ocorrer, tem de reportar-se a ”todos os elementos caraterizadores da situação [«não bastar o mero conhecimento dos factos na sua materialidade, antes se tornando necessário o conhecimento destes e do circunstancialismo que os rodeia, por forma a tornar possível um juízo fundado de que integraria infração disciplinar»], de modo a poder efetuar uma ponderação criteriosa, e para se determinar, de forma consciente, quanto a usar ou não do poder sancionador [cfr., entre os mais recentes, os Acs. do STA de 23.05.2006 (Pleno) - Proc. n.º 0957/02, de 22.06.2006 (Pleno) - Proc. n.º 02054/02, de 23.01.2007 (Pleno) - Proc. n.º 021/03, de 13.02.2007 - Proc. n.º 0135/06, de 01.03.2007 - Proc. n.º 0205/06, de 19.06.2007 - Proc. n.º 01058/06, 14.05.2009 - Proc. n.º 01012/08, de 09.09.2009 - Proc. n.º 0180/09, de 14.04.2010 - Proc. n.º 01048/09, de 26.01.2012 - Proc. n.º 0450/09 todos in: «www.dgsi.pt/jsta»; Acs. do TCA Norte de 08.11.2007 - Proc. n.º 354/04.0BEBRG (inédito), de 19.11.2009 - Proc. n.º 02161/08.1BEPRT, de 20.01.2012 - Proc.º 00851/07.5BEPRT, de 10.05.2012 - Proc. n.º 00370/10.2BECBR, de 14.12.2012 - Proc. n.º 00493/06.2BECBR in: «www.dgsi.pt/jtcn»]” – in Ac. do STA n.º 02269/10.3BEPRT, de19-04-2013. Cf. em sentido idêntico, o Ac. do TCAS .º 07290/11, de 10-10-2013.
Portanto, a data de 03-11-2014 não pode ser entendida com a do conhecimento da infracção pelo superior hierárquico do ora Recorrido para efeitos da contagem do prazo de 60 dias, para a instauração do processo disciplinar, referido no art.º 179.º, n.º 2, da Lei Geral de Trabalho em Funções Públicas (LGTFP).
Logo, é admissível que só no termo do inquérito aquele conhecimento pelo superior hierárquico tenha efectivamente ocorrido, sendo que em 13-03-2016, quando foi determinada a instauração do processo disciplinar, ainda não tinha decorrido o prazo de 60 dias do referido no art.º 179.º, n.º 2, da LGTFP.
Por seu turno, praticada a infracção em 03-11-2014, passados 15 dias úteis, em 25-11-2014, é determinada a abertura do processo de inquérito, que faz suspender por 6 meses, isto é, até 25-05-2015, a contagem do prazo de 1 ano indicado no n.º 1 do art.º 178.º da LGTFP (cf. n.º 3 do preceito).
Assim, na data de 13-03-2016, em que foi instaurado o processo disciplinar, ainda não havia decorrido o prazo de 1 ano, contado a partir da prática da infracção, referido no n.º 1 do art.º 178.º da LGTFP.
Igualmente, instaurado o processo disciplinar em 13-03-2016, em 25-05-2017 foi determinada a aplicação da pena disciplinarão ora Recorrido e este foi notificado daquela decisão em 02-06-2017, pelo que não decorreu entre essas duas datas os 18 meses indicados no n.º 5 do art.º 178.º da LGTFP.
Ou seja, contrariamente ao aduzido na decisão recorrida, não é seguro que proceda a invocada prescrição do processo disciplinar.
Em suma, há que proceder o recurso quando se invoca um erro decisório por se ter considerado verificado o fumus boni iuris relativamente a invocação da prescrição do procedimento disciplinar.
Porém, na acção, para se fundar a pretensão que vinha formulada acrescentou-se, ainda, como razões para o bom direito, a alegação da inexistência de uma infracção disciplinar. Tal inexistência, segundo o A. e Recorrido, resulta do facto de a conduta omitida pelo arguido não lhe ser exigível e de inexistir fundamento para a decisão punitiva.
Com estas alegações o A. e Recorrido terá querido alegar um erro nos pressupostos de facto e de direito, que, no entanto, não qualifica nestes moldes.
Na decisão recorrida considerou-se que se “indiciava” a inexistência de infracção disciplinar porque no relatório final se admitiu que o Manual de Procedimentos para Cuidados de Saúde no Meio Prisional não foi publicitado junto ao arguido e porque aí não se refere que a situação tenha causado instabilidade no meio prisional.
Porém, apreciada a matéria factual, constata-se, que naquele mesmo Relatório justifica-se a razão porque se considera que o arguido não cumpriu os seus deveres, apontando-se esse incumprimento quer pela prática existente, regulamentada, que teria de ser do conhecimento do arguido, quer, ainda, pelo bom senso e atitude profissional, porquanto terá sido recusado aos reclusos a entrega de um simples analgésico para dores.
Ou seja, da matéria factual apurada não resulta seguro que a acção que se diz que o Recorrido omitiu e que deu lugar à infracção disciplinar seja uma conduta que não está incluída nos seus deveres profissionais. Da mesma forma, não resulta seguro que não seja lícito à entidade patronal do arguido exigir-lhe tal conduta.
Identicamente, quanto à falta de formação do Recorrido para entregar aos reclusos a medicação em causa (paracetamol), enquanto esta alegação se reconduza a um erro nos pressupostos de facto, da factualidade indiciariamente provada – e que aqui não é impugnada – não resulta a existência clara e manifesta de tal erro, pois não é crível que a entrega de tais comprimidos, na dosagem em questão, exija uma formação específica na área dos cuidados de saúde.
Assim sendo, também quanto a estas últimas alegações não se pode considerar que exista uma séria possibilidade de a acção principal proceder. Ou seja, a decisão recorrida volta a errar quando aceita a verificação do fumus boni iuris com base na invocação relativa à inexistência da infracção e à falta de fundamento para a sua aplicação.
No caso dos autos, contrariamente ao decidido, dever-se-á entender que não está preenchido o critério do fumus boni iuris, na sua vertente positiva, agora exigido pelo art.º 120.º do CPTA, pois não existe aqui uma probabilidade suficientemente séria e forte do bom direito, sendo provável que a decisão a proferir no processo principal seja julgada procedente.
Em suma, há que revogar a decisão recorrida quando julgou verificado o fumus boni iuris. por ocorrer a prescrição do processo disciplinar e inexistir infracção disciplinar.
Claudicando essa verificação, fraqueja necessariamente a providência requerida, pois os critérios exigidos pelo art.º 120.º do CPTA são cumulativos.
Fica, portanto, prejudicado o conhecimento dos restantes pressupostos do art.º 120.º do CPTA.

III- DISPOSITIVO

Pelo exposto, acordam:
- em conceder provimento ao recurso interposto, revogando a decisão recorrida e,
- em substituição, julga-se improcedente o pedido de suspensão de eficácia formulado na presente acção cautelar e absolve-se o R. o indicado pedido;
- custas pelo Recorrido, em 1.ª e 2.ª instância, sem prejuízo do benefício de apoio judiciário de que goza (cf. art.ºs. 527.º n.ºs 1 e 2 do CPC, 7.º, n.ºs. 1 e 4 e 12.º, n.º 2 e tabela II, do RCP e 189.º, n.º 2 do CPTA).

Lisboa, 19 de Abril de 2018.
(Sofia David)

(Nuno Coutinho)

(José Correia)