Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:01949/09
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/20/2011
Relator:MAGDA GERALDES
Descritores:REENVIO PREJUDICIAL
DIREITO COMUNITÁRIO
DEDUÇÃO IVA DE SGPS
MÉTODO DE DEDUÇÃO PRO RATA
Sumário:Suscitada em processo que corra na jurisdição nacional questão de interpretação de normas da União Europeia, cumpre ao tribunal nacional decidir da pertinência das questões levantadas e da necessidade de decisão prejudicial do Tribunal de Justiça das Comunidades, a provocar nos termos do processo de reenvio prejudicial.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam no TCAS, Secção Contencioso Tributário, 2º Juízo


PORTUGAL ……………, SA, identificada nos autos, interpôs recurso jurisdicional da sentença do TAF de Lisboa que julgou parcialmente improcedente a impugnação judicial que deduziu contra liquidação de IVA, no montante de € 1.045.513,00, respeitante ao exercício fiscal de 2000, tendo demandado a FAZENDA PÚBLICA.

Em sede de alegações de recurso formulou as seguintes conclusões:
I. DAS NULIDADES DA SENTENÇA
1. A matéria de facto relevante para a decisão da causa, que se centra na questão da admissibilidade da aplicação do método de dedução directa e integral de IVA por parte da Recorrente, enquanto SGPS, nos inputs que apresentam uma relação directa e imediata com os redébitos tributados efectuados, no ano de 2000, às suas participadas, não foi levada à fundamentação da sentença recorrida, não constando, como deveria, dos “factos provados”.
2. Com efeito, a sentença ora recorrida é omissa quanto à generalidade dos factos essenciais e instrumentais pertinentes à apreciação do mérito da causa, assentando, inexplicavelmente, a apreciação do direito, em factualidade que nem sequer consta da matéria de facto (veja-se, na sentença, o ponto ii) do direito, com 4 parágrafos exclusivamente dedicados a factos que estão totalmente omissos no probatório).
3. Pelo exposto, o tribunal a quo não cumpriu o disposto nos artigos 123º, nºs 1 e 2 do CPPT e 659º, nºs 1 a 3 do CPC, pelo que a sentença padece de omissão de factos essenciais, para além de incongruências e desordem estrutural, vícios constitutivos de nulidade, ao abrigo dos artigos 125º, nº1 do CPPT e 668º, nº 1, alínea b) do CPC.
4. Acresce que, na sentença recorrida, o tribunal a quo conclui que as aquisições de serviços cujo IVA foi deduzido, apesar de terem um nexo directo com uma actividade complementar (prestação de serviços técnicos e de gestão) à actividade principal da SGPS (gestão participações sociais), não podem beneficiar do método da afectação real.
5. Deste modo, a sentença recorrida patenteia uma contradição lógica gritante visto que assume como bons e válidos todos os pressupostos essenciais à aplicação do método da afectação real (cfr. artigo 17º da Sexta Directiva e artigo 20º do Código do IVA) e, anacronicamente, acaba por concluir que o mesmo não se aplica ao caso concreto da Recorrente.
6. Pelo que a sentença padece, igualmente, de vício de nulidade, por contradição lógica nos seus próprios termos, estando os fundamentos em contradição com a decisão, conforme preceituado nos artigos 125º, nº1 do CPPT e 668º, nº1, alínea c) do CPC.
II. ERRO DE JULGAMENTO
7. A fundamentação de direito constante da sentença ora posta em crise é errónea e viola as normas de IVA vigentes, quer de direito interno, quer de direito comunitário, designadamente os artigos 20º, nº1 alínea a) do Código do IVA e 17º, nº 2, alínea a) da Sexta Directiva do IVA (77/388/CEE).
8. O tribunal a quo, aderindo à posição da Administração Tributária, retira uma incompatibilidade, que não existe, entre a aplicação do método da afectação real e a prossecução do objecto social genérico, consubstanciado na gestão de participações sociais de outras sociedades.
9. Com efeito, quer o enquadramento das operações, para efeitos de IVA, quer a determinação da capacidade de dedução inerente à realização dessas mesmas operações, dependem da efectiva natureza e substância das operações realizadas, bem como da sua ligação às operações tributadas e não tributadas levadas a efeito pelo sujeitos passivos.
10. Note-se, aliás, que a jurisprudência do TJ relativa à temática da dedução confirma que sempre que exista uma relação directa e imediata entre os bens e serviços adquiridos e as operações tributáveis realizadas, deve ser assegurado o exercício do correspondente direito à dedução mediante o recurso ao método da afectação real. E essa relação existe no caso concreto.
11. Esta asserção não colide com o facto de uma sociedade realizar em simultâneo diversas actividades – principais e complementares – e de as operações por si efectuadas beneficiarem, em geral, o seu escopo social geral, constituído pelas sobreditas actividades.
12. Tendo em consideração que as operações tributadas efectuadas pela Recorrente às suas participadas configuram prestações de serviços que apresentam uma ligação directa e imediata com os serviços adquiridos em ordem à sua prestação, pode a Recorrente deduzir a totalidade do imposto incorrido naquelas aquisições através da aplicação do método de dedução da afectação real, pelo que, não tendo decidido em conformidade, a decisão do tribunal a quo enferma de erro de julgamento e deve ser, por conseguinte, revogada.
III. A TÍTULO SUBSIDIÁRIO – DO REENVIO PREJUDICIAL PARA O TJ
13. À cautela e subsidiariamente, para o caso de se entender estar subjacente ao presente processo uma questão de Direito Comunitário prejudicial ao conhecimento da matéria da causa, designadamente a clarificação do sentido e alcance do princípio da efectividade do direito comunitário e da consequente apreciação das normas nacionais relativas ao exercício do direito à dedução do IVA incorrido, em particular no contexto das SGPS, o reenvio da presente acção para o TJ para esclarecimento das seguintes questões:
(a) A correcta interpretação do artigo 17º, nº 2 da Sexta Directiva Conselho (77/388/CEE, de 17 de Maio de 1997, veda que a Administração Tributária portuguesa imponha à Recorrente – uma SGPS -, a utilização do método de dedução do pro-rata para a totalidade do IVA incorrido nos seus inputs, com fundamento no facto de o seu objecto social principal ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, mesmo quando esses inputs (serviços adquiridos) apresentam um nexo directo, imediato e inequívoco com operações tributadas – prestações de serviços – realizadas a jusante, no âmbito de uma actividade complementar, legalmente permitida, de prestação de serviços técnicos de gestão?
(b) Uma entidade que tenha a qualidade de SGPS e que incorra em IVA na aquisição de bens e serviços que, em seguida, são redebitados na totalidade, com liquidação de IVA, às suas participadas, consubstanciando esta uma actividade de carácter acessório – prestação de serviços técnicos de administração e gestão – à actividade principal desenvolvida – gestão de participações sociais –, poderá deduzir a totalidade do imposto incorrido naquelas aquisições, por via da aplicação do método de dedução da afectação real, previsto no nº2 do artigo 17º da Sexta Directiva?
Nestes termos, e nos mais de direito, deverá o presente recurso ser considerado procedente, e concretamente:
A. Revogar-se a decisão recorrida;
B. Proceder-se à determinação do pagamento de juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 30º e 43º da LGT e 61º do CPPT, por prestação de garantia bancária; ou, subsidiariamente,
C. Suspender-se a instância, procedendo-se ao reenvio, a título prejudicial, para o TJ das questões relativas à interpretação do direito comunitário – Sexta Directiva do IVA – no âmbito do método de dedução aplicável às SGPS, conforme explicitado na conclusão 13.”

Não foram apresentadas contra-alegações.

Neste TCAS, a Exma. Magistrada do MºPº emitiu parecer no sentido de os autos serem suspensos e proceder-se ao reenvio para o TJ.

OS FACTOS

A sentença recorrida deu como assente a seguinte factualidade:
“1) Em resultado de uma acção de inspecção à escrita da ora impugnante (vd. Relatório de fls. 48 e seguintes do PAT apenso aos autos), a AT procedeu a correcções de natureza meramente aritmética resultantes de imposição legal, nos montantes de €1.980.224,39 (ao valor do resultado declarado para efeitos de IRC), €1.045.513,47 (ao valores do IVA), €874.016,11 (aos valores da colecta de IRC) e €237.874,36 (por IRC em falta de retenção na fonte).
2) Para a quantificação da correcção ao valor do IVA concorreu a aplicação de um coeficiente de dedução do IVA, calculado em 24,25 % da totalidade do IVA constante das aquisições da impugnante e que por esta foram consideradas como regularizações de IVA a seu favor, pelo montante de €1.380.215,80 na declaração periódica correspondente ao mês de Dezembro de 2000.
3) A percentagem de dedução atrás referida, que veio a ser considerada para dedução prorata para efeitos do disposto no artigo 23° do Código do IVA, é a que resulta do quociente que tem como numerador €14.963.936,91 (correspondente às prestações de serviços sujeitas a IVA) e como denominador €61.719.534,66 (correspondente ao conjunto dos proveitos da actividade), ou seja de 24,25 %, depois de efectuado o arredondamento previsto no n° 8 do artigo supra indicado ao valor encontrado de 24,245 % (vd. folha 70 dos autos).
4) Conforme demonstrado nos autos (a folhas 71), do montante das regularizações consideradas pelo sujeito passivo, agora impugnante, a seu favor como IVA dedutível, o montante de €1.380.215,80 x 24,25 % = €334.702,33 foi considerado IVA dedutível, enquanto que a diferença: €1.380.215,80 x (l - 24,25 % ) = €1.380.215,80 x 75,75 % = €1.045.513,47 foi corrigida a favor do Estado.
5) O relatório produzido pelos serviços de inspecção tributária foi notificado à agora impugnante, conforme esta reconhece em documento que anexou com o n° 3/1 (vd. folha 48 dos autos) e onde lhe foi dado conhecimento da remissão para o referido relatório da fundamentação das correcções efectuadas.
6) Da mesma notificação à ora impugnante constava a informação de que seria a breve prazo notificada da liquidação pelos Serviços da DGCI e da indicação dos prazos e meios de defesa contra a mesma liquidação.
7) Conforme documentos n° l que foram anexados à impugnação deduzida (vd. folhas 24 a 27 dos autos) foram notificados a liquidação do IVA, a liquidação dos juros compensatórios, as formas e prazos de pagamentos e os meios de defesa.
8) Ao longo da petição deduzida, a impugnante centrou o pedido de procedência quanto à anulação da correcção de €1.045.513,00 referente a IVA, da anulação do montante de 167.425,30 referente a juros compensatórios e no pagamento pela Administração Fiscal de juros indemnizatórios.
9) Em parecer e despacho proferidos sobre informação produzida em 18 de Janeiro de 2005 por funcionário da Equipa III da Divisão de Justiça Contenciosa e Administraria da Direcção de Finanças de Lisboa, foi proposto o deferimento parcial da impugnação na parte que corresponde à produção de efeitos da rectificação da percentagem prorata a utilizar, de 24,25 % para 25 %, em resultado da aplicação do disposto no n° 8 do artigo 23° do Código do IVA (arredondamento para a centésima imediatamente superior: de 0,24245 para 0,25) - folhas 101 a 112 do P AT 00013/04-GO.
10) A impugnante deduziu a presente impugnação em 08/07/2004.”
Relativamente aos factos não provados consta da sentença recorrida o seguinte:
Factos não provados:
Constituindo "matéria [...] relevante" para a solução da "questão de direito" -art. 511°, n° l, do Código de Processo Civil -, nenhum.”
Ao abrigo do disposto no artº 712º, nº1-a) do CPC, adita-se à matéria de facto os seguintes factos:
a) a impugnante é uma sociedade anónima que tem por objecto social a detenção e gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indirecta de exercício de actividades económicas bem como a prestação de serviços técnicos de administração e gestão às sociedades participadas (cfr. fls 55 dos autos);
b) as liquidações adicionais do imposto e juros compensatórios dos autos respeitam a situações em que se verificam operações de redébito de serviços técnicos de administração e gestão ;
c) no âmbito destas operações a impugnante adquiriu com IVA determinados recursos a fornecedores, facturando-os pelos mesmos montantes a uma ou várias das suas participadas, sujeitando os mesmos a tributação em sede de IVA;
d) com referência ao primeiro conjunto de operações (cfr. fls 73 a 75 dos autos), constam: a nota de débito nº ……………, de 21.12.2000, à sociedade I……. -Investimentos ………., Lda, com sede na Região Autónoma da ……….., mencionando "PAGAMENTO POR CONTA CONFORME ANEXO", sendo o 1° anexo constituído pela factura nº IBK/……., de 20.06.2000, do fornecedor Merrill ………….., empresa sediada na capital do Reino Unido (e que é identificada na própria factura como subsidiária da empresa Merrill ……. & ………., esta com sede no estado norte-americano de Delaware) e que menciona "For Finantial Advisory Services pursuant to our engagement letter dated 21 st February 2000", isto é: Por serviços de consultoria financeira conforme nossa carta de compromisso datada de 21 de Fevereiro de 2000. Esta factura que remete para o 2° anexo contendo as instruções de pagamento padrão (para as modalidades de transferência bancária ou pagamentos por cheque), contém a aposição, em 14.12.2000, da menção "deve pagar-se imediatamente e imputar-se à Inbrug";
e) o segundo conjunto de operações (cfr. fls 76 a 78 dos autos) está documentado com a nota de débito nº ……., de 29.12.2000, à sociedade PTI -Portugal ………….., com sede em Lisboa, mencionando "PAGAMENTO POR CONTA CONFORME ANEXO", sendo o 1º anexo constituído pela factura nº 5000014/2000 do fornecedor S…….. - Sociedade …………, Lda, com sede em Lisboa, e que menciona "Participação no Estudo "Estratégia Económica e Empresarial de Portugal em África". 2a e última prestação" e sendo o 2º anexo a cópia de um fax, datado de 13 dias após a data em que os respectivos efeitos já haviam sido produzidos (2001.01.11), contendo "Conforme decisão do [...] solicita-se que seja imputado à PTI o estudo efectuado pela S…….. [...], através da factura nº ……….que se junta em anexo, que se encontra lançada na P….., SÁ";
f) o terceiro conjunto de operações (cfr. fls 79 a 81 dos autos) está documentado com a nota de débito nº …………, de 31.01.2001, também à P….. -Portugal ………….., mencionando "PAGAMENTOS POR CONTA-CONTRATO CONSULTADORIA ESCOM", sendo o 2º e 3º anexos, respectivamente, constituídos pelas facturas números AAN-20001122 e AAN-20001201, mencionando ambas "Honorários com serviços de consultoria prestados de acordo com contrato de prestação de serviços na área das telecomunicações em Angola celebrado com V. Exas., em 20 de Novembro de 2000", emitidas pela empresa E……..-Espírito ………….. Ltd, (que se identifica com escritório registado na Ilha Virgínia Britânica e com uma filial em Lisboa), sendo as referidas facturas, no valor de US $2.000.000,00 (dois milhões de dólares americanos) cada, reportando ao pagamento à Compagnie ………., SÁ - Lausanne e à conta nº ……../00.04, sendo a primeira datada de 24-11-2000, dia em que foi visada e autorizado o pagamento pelo vice-presidente, e a segunda datada de 15-12-2000, sendo, pelo vice-presidente, visada e autorizado o pagamento em 18.12.2000;
g) a impugnante efectuou a dedução do IVA incorrido com a realização de operações tributadas – serviços técnicos de administração e gestão às suas participadas -, no montante de € 1.380.215,80, mediante a aplicação do método da afectação real (cfr. fls 54 dos autos).

O DIREITO

Das nulidades da sentença.

De acordo com o disposto no artº 668º, nº1-b) do CPC, “É nula a sentença quando: (...); b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão;”.
Por seu turno o artº 123º, nºs 1 e 2 do CPPT, estipula o seguinte: “ 1 – A sentença identificará os interessados e os factos objecto de litígio, sintetizará a pretensão do impugnante e respectivos fundamentos, bem como a posição do representante da Fazenda Púbica e do Ministério Público, e fixará as questões que ao tribunal cumpre solucionar. 2 – O juiz discriminará também a matéria provada da não provada, fundamentando as suas decisões.”
O nº 2 deste normativo legal impõe ao juiz o dever de discriminar a matéria de facto provada da não provada, fundamentando a sua decisão sobre a matéria fáctica apurada, não tendo, contudo, o dever de tomar posição sobre toda a matéria alegada, mas apenas sobre a que interessa para a decisão, segundo as várias soluções plausíveis de direito, seleccionando apenas os factos relevantes para essas soluções, tal como referem os artºs 508º-A, nº1-e), 511º e 659º do CPC.
A falta de discriminação dos factos provados e dos não provados constituirá, por si só, uma nulidade da sentença, de acordo com o disposto no artº 125º, nº1 do CPPT e artº 668º, nº1-b) do CPC, na parte em que se refere à não especificação dos fundamentos de facto da decisão, traduzindo-se tal caso em vício da sentença quanto à sua estrutura (neste sentido, José Lebre de Freitas, in CPC anotado, vol. 2º, 2ª ed., Coimbra Editora, pag. 703).
O artº 125º, nº1 do CPPT ao dispor que “1 – Constituem causas de nulidade da sentença (…), a não especificação dos fundamentos de facto (…).” , à semelhança do que se dispõe no artº 668º, nº1 – b) do CPC, referem-se à falta em absoluto da indicação dos fundamentos de facto, não constituindo nulidade da sentença para o efeito previsto nestes normativos a insuficiência ou deficiência da fundamentação de facto, ou a inclusão por parte do juiz de factos na sentença, ao arrepio da estrutura prevista no artº 659º, nº2 do CPC, mas que enquadram os fundamentos da decisão de direito.
Assim sendo, por não se verificar uma falta em absoluto da indicação dos fundamentos de facto, não ocorre a invocada nulidade da sentença recorrida, constituindo a apreciação do direito feita na sentença recorrida em factualidade que não consta da matéria de facto (tal como alega a recorrente “veja-se, na sentença, o ponto ii) do direito, com 4 parágrafos exclusivamente dedicados a factos que estão totalmente omissos no probatório”), uma mera irregularidade formal da sentença, não desejável é certo, mas não invalidante da mesma.
Improcedem, assim, as conclusões 1) a 3) das alegações de recurso.

Nas conclusões 4 a 6 das alegações de recurso é imputada à sentença recorrida a nulidade por contradição lógica nos seus próprios termos, alegando-se estarem os fundamentos em contradição com a decisão, conforme preceituado nos artigos 125º, nº1 do CPPT e 668º, nº1, alínea c) do CPC.
A nulidade prevista nestes normativos legais – fundamentos em oposição com a decisão – verifica-se quando os fundamentos invocados pelo julgador deveriam conduzir logicamente a resultado oposto ao expresso na sentença, ou seja, é necessário que a fundamentação da decisão aponte num sentido e que a decisão tomada seja em sentido oposto, ou pelo menos, em direcção diferente, verificando-se no raciocínio do julgador um vício real.
A sentença deve constituir um silogismo lógico-jurídico, em que a decisão deverá ser a consequência ou conclusão lógica da norma legal (premissa maior) com os factos (premissa menor).
Fundamenta a recorrente tal nulidade no facto seguinte: “na sentença recorrida, o tribunal a quo conclui que as aquisições de serviços cujo IVA foi deduzido, apesar de terem um nexo directo com uma actividade complementar (prestação de serviços técnicos e de gestão) à actividade principal da SGPS (gestão participações sociais), não podem beneficiar do método da afectação real.”
Ora, este facto alegado não configura qualquer vício anulatório da sentença recorrida, a qual não pode ser considerada nula por contradição entre os seus fundamentos e a decisão, pois a alegada contradição não se verifica na construção do silogismo judiciário contido na sentença recorrida, cuja decisão de improcedência se mostra lógica com os fundamentos nela contidos, e que são os de não haver lugar à aplicação do método de afectação real no apuramento do imposto em causa nos autos, estando-se eventualmente perante um erro de julgamento o que não inquina de nulidade a sentença.
Improcedem, deste modo, as conclusões 4 a 6 das alegações de recurso, não ocorrendo a nulidade da sentença recorrida.

Do mérito do recurso.

Do reenvio prejudicial para o TJCE.

Na motivação do presente recurso jurisdicional a recorrente imputa à sentença recorrida erro de julgamento de direito, alegando que “a fundamentação de direito constante da sentença ora posta em crise é errónea e viola as normas de IVA vigentes, quer de direito interno, quer de direito comunitário, designadamente os artigos 20º, nº1 alínea a) do Código do IVA e 17º, nº 2, alínea a) da Sexta Directiva do IVA (77/388/CEE).”
Suscita, assim, a questão da conformidade do artº 20º, nº1-a) do CIVA com o artº 17º, nºs 2 – a) da 6ª Directiva do Conselho de 17.05.77 (77/388/CEE).
Importa apreciar desde já esta questão por a mesma ser prejudicial.
Na sentença recorrida o tribunal a quo fundamentou sua decisão, designadamente, em que “(…) nem a Directiva Comunitária, nem o Código do IVA, nem tão pouco nenhum dos autores pela Impugnante referidos veio rejeitar a aplicação do método de dedução prorata, sendo sempre o mesmo reconhecido como válido para garantir a neutralidade fiscal em sede de IVA, nas situações de simultaneidade de actividades económicas em que umas são sujeitas e outras isentas de IVA em que as aquisições (inputs) contribuam para a realização da globalidade do objectivo social e os proveitos (outputs) sejam emanação desse mesmo objectivo global.”
Considerou, deste modo, como legal a actuação da AT quando procedeu à liquidação do imposto impugnado, por esta entender, em suma, que “O objectivo fundamental das SGPS será a realização de operações isentas, por estarem abrangidas pelo disposto no nº28º do artº 9º do CIVA. Como, para além destas operações, é possível admitir, como actividade acessória, a realização de outras que serão tributadas (prestações de serviços técnicos de administração e gestão a todas ou algumas das sociedades participadas),no fundo, não exercem senão uma e mesma actividade, já que a gestão da carteira de participações permanente exige normalmente o recurso a um apurado “know how” de gestão que preste um auxílio (serviço) efectivo às unidades participadas podendo afirmar-se que as prestações de serviços técnicos de administração e gestão são indissociáveis da própria gestão das participações. Por isso, não será de aceitar à PT(..), SGPS a opção pelo método de afectação real, mas sim pelo método do pró-rata. Face ao exposto, e tendo ainda em consideração que é sempre possível admitir-se a existência de custos relativos à manutenção da estrutura administrativa da empresa, comuns à globalidade da actividade e indissociáveis dessa globalidade, será de efectuar a correcção do IVA deduzido pelo método da afectação real para o montante permitido pelo método da percentagem de dedução ou “prorata”. (cfr. fls. 62 dos autos).
Desta fundamentação discorda a recorrente, alegando que a mesma colide com a disciplina constante do artº 20º do Código do IVA e do artº 17º da Sexta Directiva.
A liquidação do imposto em causa funda-se essencialmente na aplicação, por parte da AT, para efeitos do cálculo do IVA suportado a montante susceptível de dedução pela ora recorrente, do método constante do nº1 do artº 23º do CIVA – método pró-rata.
A questão fulcral nos presentes autos situa-se em saber qual o método a ser utilizado para determinação do IVA dedutível no contexto da actividade desenvolvida pela ora recorrente, e que esta entende dever ser o método da afectação real, por ser o que garante o estrito cumprimento do princípio da neutralidade em sede de IVA, “alicerce substancial do sistema tributário indirecto instituído pela Sexta Directiva do Conselho (77/388/CEE), de 17 de Maio de 1997.”
Assim sendo e na prática, o que se pretende saber é se, ao impor-se indiscriminadamente às SGPS’s o método de dedução de IVA por pro-rata, sem considerar as possibilidades de utilização do método de dedução por afectação real, ficando as SGPS’s limitadas ao recurso ao método do pró-rata para o exercício do direito à dedução do IVA, tal limitação é conforme com o artº 17º, nºs 2 – a) da 6ª Directiva do Conselho de 17.05.77 (77/388/CEE).
Daqui resulta que se questiona a interpretação de preceitos comunitários, concretamente, do citado artigo da referida Directiva.
A questão a resolver mostra-se pertinente para a decisão dos autos, carece de esclarecimento, desconhecendo-se jurisprudência do TJCE sobre a mesma.
Considerando o princípio comunitário da interpretação conforme, entende-se, por isso, necessário pronúncia do Tribunal de Justiça das Comunidades, nos termos do disposto no artº 234º do Tratado de Roma, sendo o reenvio obrigatório, uma vez que da decisão deste Tribunal não cabe recurso, no Direito Interno, salvo no caso, que pode não se verificar, de oposição de acórdãos
Impõe-se, pois, a formulação das seguintes questões ao Tribunal da Justiça das Comunidades:
(a) A correcta interpretação do artigo 17º, nº 2 da Sexta Directiva Conselho (77/388/CEE, de 17 de Maio de 1997, veda que a Administração Tributária portuguesa imponha à Recorrente – uma SGPS -, a utilização do método de dedução do pro-rata para a totalidade do IVA incorrido nos seus inputs, com fundamento no facto de o seu objecto social principal ser a gestão de participações sociais de outras sociedades, mesmo quando esses inputs (serviços adquiridos) apresentam um nexo directo, imediato e inequívoco com operações tributadas – prestações de serviços – realizadas a jusante, no âmbito de uma actividade complementar, legalmente permitida, de prestação de serviços técnicos de gestão?
(b) Uma entidade que tenha a qualidade de SGPS e que incorra em IVA na aquisição de bens e serviços que, em seguida, são redebitados na totalidade, com liquidação de IVA, às suas participadas, consubstanciando esta uma actividade de carácter acessório – prestação de serviços técnicos de administração e gestão – à actividade principal desenvolvida – gestão de participações sociais –, poderá deduzir a totalidade do imposto incorrido naquelas aquisições, por via da aplicação do método de dedução da afectação real, previsto no nº2 do artigo 17º da Sexta Directiva?”

Nestes termos, acordam os juízes do TCAS, Secção Contencioso Tributário, 2º Juízo em:
a) – não declarar nula a sentença recorrida;
b) – decidir suspender a instância até à pronúncia do TJUE e ordenar a passagem de carta, a dirigir pela Secretaria deste TCAS à daquele Tribunal, com pedido de decisão prejudicial, acompanhado do translado do processo, incluindo cópias da petição inicial, da sentença, das alegações de recurso da recorrente e todas as peças processuais posteriores, bem como fotocópia dos diplomas legais mencionados no presente acórdão;
c) – custas a final.

LISBOA, 20.09.11

Magda Geraldes

Pedro Vergueiro

Aníbal Ferraz