Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1379/19.6BELRA
Secção:CT
Data do Acordão:10/08/2020
Relator:ANA PINHOL
Descritores:PRAZO DE PRESCRIÇÃO;
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO;
HIPOTECA;
HABITAÇÃO PRÓPRIA E PERMANENTE.
Sumário:I. Nos termos previstos na alínea b), do artigo 730.º do CC, a extinção da hipoteca, por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, depende da verificação cumulativa de dois prazos: o de vinte anos a partir do registo da aquisição e o de cinco anos a partir do vencimento da obrigação.

II. O n.º 2 do artigo 224.º do CPPT (na redacção da Lei 13/2016, de 23/05) estabelece uma regra especial quanto à venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO



I.RELATÓRIO

M............... interpôs o presente recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, que julgou improcedente a reclamação judicial por ela interposta ao abrigo do disposto nos artigos 276.º a 278.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), contra a decisão do órgão da execução fiscal, de penhora que incidiu sobre o prédio urbano constituído em propriedade horizontal, fracção A, sito na Travessa……………, n.° ….., Sismaria, com o valor patrimonial tributário no valor de 68.550,00€, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo……., da União das Freguesias de Marrazes e Barosa, para garantia do pagamento da quantia exequenda por dívida à C..............., no valor de 295.050,42€ e acrescidos.

Terminou a sua alegação formulando as seguintes conclusões:
«PRIMEIRA
O presente Recurso vem interposto da decisão da primeira instância que julgou provados os ponto 14; 15; 16; 19; 20; 23 e 24, bem assim improcedente a arguição da nulidade da citação; prescrição da hipoteca ou da dívida; ilegalidade da penhora; violação dos princípios da boa fé; abuso de direito e violação dos direitos à propriedade privada e habitação.
SEGUNDA
Deverá este Venerando Tribunal de Segunda Instância, ao abrigo do art. 662° n° 1, do CPC de 2013, ex vi art. 140° n.° 3, do CPTA (na redação dada pelo DL 214-G/2015, de 2/10, deverá proceder à alteração da decisão sobre a matéria de facto alterando-se para Não Provado o constante dos pontos 14); 15); 16); 19); 20) 23) e 24).
TERCEIRA
A recorrente nunca tomou conhecimento da existência da execução, nem foi citada para tal.
QUARTA
A 9 de abril de 2019, é a executada tomou conhecimento do auto de penhora, alegadamente, datado de 10.8.2015.
QUINTA
Naquele auto de penhora a recorrente figura como executada bem como outros já identificados nos autos.
SEXTA
A executada desconhecia o processo fiscal em curso contra si, tanto mais que nada deve à C..............., S.A.
SÉTIMA
De fls. 233 extrai-se que o ofício 73/1 de 5.1.2011 remetido para M............... veio devolvido, tendo sido remetido para a Quinta…………., 9, r/c A, ……..Sismaria.
A expedição foi registada a 6.1.2011, tendo o expediente devolvido com a menção “ausente”.
OITAVA
A fls. 270 procedeu-se à segunda tentativa de citação, com data de 25.1.2011, mas a recorrente nunca foi citada para proceder ao pagamento da quantia exequenda e para deduzir oposição à execução.
NONA
Pelo que a decisão a quo violou o disposto na lei sobre a a citação pessoal prevista no art. 192° do CPPT, que deverá observar as formalidades previstas no art. Artigo 225.° (art.° 233.° CPC 1961) n.° 2 do CPC.
DÉCIMA
Em face do exposto, a decisão da matéria de facto acima referida deverá ser alterada para Não Provada como impõem os documentos a fls. 233 e 270 .
DÉCIMA PRIMEIRA
A falta de citação da recorrente também resulta do facto de ser casada com C..............., o qual terá sito citado por expediente de 5.1.2011 remetido para Estrada ………..100 N……Azinheira.
DÉCIMA SEGUNDA
O tribunal a quo deveria ter apreciado a questão da nulidade de citação e não o fazendo violou o disposto no n.° 6 do art. 190° do CPPT e art. 35° n.° 2 do mesmo diploma.
DÉCIMA TERCEIRA
A recorrente arguiu a nulidade da citação da executada perante órgão de execução fiscal, de
acordo com o disposto no art. 204.° do CPPT; n.°s 1 e 2 do art. 191.° do Código de Processo Civil com
possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.° do
CPPT).
DÉCIMA QUARTA
A executada não foi citada, como resulta de fls. 233 e 270.
DÉCIMA QUINTA
Donde resulta que a falta de citação da recorrente é uma verdadeira nulidade insanável prevista no art. 165° n.° 1 a) do CPPT, que o Tribunal de primeira instância tinha de conhecer sob pena de violar o disposto 165° n.° 1 a) do CPPT.
DÉCIMA SEXTA
Também não colhe o argumento que o meio processual não é o próprio, dado que se impõe a declaração de nulidade observando-se o disposto nos art.s 199° n.° 1; 288° n.° 1 b); 493° n.° 2 e 494° b) todos do C.P.C.
DÉCIMA SÉTIMA
O Tribunal a quo deveria ter julgado como procedente a arguição da prescrição, pois pelo mero decurso do tempo se extrai que o registo de aquisição é de 1.8.1988, sendo certo que entre o registo da aquisição e o conhecimento pela recorrente, terceiro adquirente da execução decorreram mais de 30 anos.
DÉCIMA OITAVA
Decorrido mostra-se o prazo de prescrição ordinário de vinte anos e mais de cinco sobre o vencimento da obrigação, aplicável à aqui recorrente como terceiro adquirente.
DÉCIMA NONA
Assim sendo, deverá a decisão de primeira instância ser revogada julgando-se que a hipoteca extinguiu-se por efeito da prescrição, nos termos do art. 323°, 342°, e 730 al. b) todos do C.C. e art. 8° da LGT.
VIGÉSIMA
Sob a égide dos mesmos factos mostram-se prescritos os juros moratórios peticionados, nos termos do art. 323° e 785° do C.C., quadro normativo que a decisão a quo violou.
VIGÉSIMA PRIMEIRA
Ofende os princípios da boa fé, abuso de direito e violação dos direitos à propriedade privada e habitação que a execução prossiga contra o bem da executada que nada deve à exequente.
VIGÉSIMA SEGUNDA
No entanto, resulta dos autos que o mesmo bem foi adquirido para efeitos de habitação própria permanente da executada e do seu agregado, pelo que a venda é ilegal, nos termos do art. 244° n.° 2 do CPPT.
VIGÉSIMA TERCEIRA
Resulta da prova documental inserta nos autos que a executada celebrou contrato promessa para aquisição de imóvel em 2.12.1986 e que da obrigação contratual reciproca emerge que os vendedores prometeram vender o imóvel livre de ónus ou encargos, à data da escritura.
VIGÉSIMA QUARTA
Apesar do exposto, cerca de 31 anos depois da execução, é confrontada com a iminência da venda do imóvel que é sua pertença.
VIGÉSIMA QUINTA
A venda do único património da recorrente ofende o essencial basilar da boa fé, pelo que a exequente age em claro abuso de direito, previsto nos termos do art. 334° CC, interpretado no sentido de que a executada nada deve à exequente e a exequente disso tem conhecimento.
VIGÉSIMA SEXTA
Julgar o prosseguimento dos autos viola o disposto nos art.s 62° e 65° da CRP, na medida em que priva a executada do seu direito à habitação, dado que será iminente a venda do imóvel, pelo que o Tribunal a quo deveria ter julgado procedente a arguição de que a penhora de bens de terceiro viola o disposto no art. 65° da C.R.P.
VIGÉSIMA SÉTIMA
Os autos tramitaram durante mais de vinte anos sem que disso fosse dado conhecimento à Recorrente, que nada deve à exequente. O Tribunal a quo abstém-se de conhecer a nulidade da citação e julgar as nulidades e ilegalidades já citadas, pelo que a Recorrente vê precludido o seu direito ao acesso à Justiça, previsto no art. 20° da C.R.P., o que expressamente se invoca.

Termos em que revogando-se a sentença recorrida e julgando-se que a execução deverá ser extinta quanto à recorrente far-se-á a acostumada JUSTIÇA.».
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A C..............., S.A. exequente nos autos, notificada do recurso interposto, apresentou - alegações que concluiu como segue:

«A. Deverá ser indeferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso, por não ter sido prestada qualquer garantia pela Recorrente e por não ter sido fundamentada em que medida a não atribuição de efeito suspensivo ao presente recurso afecta o efeito útil do recurso.
B. Pretende a Recorrente seja alterada a resposta dada à matéria de facto provada quanto aos pontos 14 a 16, 19, 20, 23 e 24.
C. Na sentença recorrida indicou-se em concreto qual o documento que fundamenta quanto a cada um dos factos dados como provados a decisão.
D. A Recorrente não indica qual a prova documental concreta constante dos autos que impunha decisão diversa quanto aos factos que impugna
E. Termos em que deverá manter-se o bem decidido na sentença recorrida, quanto aos factos dados como provados 14 a 16, 19, 20, 23 e 24.
F. A Recorrente não invocou a nulidade da citação logo que teve conhecimento do processo executivo junto do Serviço de Finanças.
G. A reclamação apresentada pela Recorrente não foi o meio processual adequado à apreciação da alegada nulidade.
H. A Recorrente invoca que teve conhecimento da execução e da penhora em 09/04/2019. Porém, só em 07/05/2019 invocou a nulidade da citação.
I. Qualquer nulidade que pudesse existir, no que não se concede, sempre se teria por sanada, dado que a Recorrente interveio no processo sem arguir logo a falta da sua citação, atento o disposto no art. 189° do CPC, aplicável ex vi do disposto no art. 2° do CPPT.
J. Pelo exposto, deverá manter-se o bem decidido na sentença recorrida
K. Não ocorre a alegada prescrição da hipoteca.
L. A Recorrida instarou a presente execução em 29/07/1993, contra a mutuária dos empréstimos executados – S………, Lda - e contra vários adquirentes das frações hipotecadas, entre os quais a executada M...............
M. Nos termos do art. 323°,, n.°s 1 e 2 do CC, “a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence” , sendo que “se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.”
N. Assim, a prescrição da hipoteca encontra-se interrompida, não se verificando a prescrição da hipoteca.
O. A Recorrente limita-se a alegar a prescrição de juros moratórios, sem alegar qualquer facto que o tribunal possa apreciar e que importe a verificação de qualquer prescrição.
P. Os juros moratórios não se encontram prescritos, dado que com a entrada da execução se interrompeu qualquer prazo prescritivo em curso.
Q. Pelo exposto, não ocorre a alegada prescrição de juros moratórios, devendo manter-se o bem decidido na sentença recorrida
R. O disposto no art. 244°, n.° 2 do CPPT não tem aplicabilidade nos presentes autos.
S. A execução deu entrada em 29/07/1993 e trata-se de execução em que é exequente a C..............., SA e não a Fazenda Nacional.
T. A hipoteca encontrava-se e encontra-se registada sobre o imóvel em causa, pelo que a Recorrente só de má fé pode alegar não ter conhecimento da existência de tal hipoteca a favor da C..............., SA.
U. O imóvel penhorado garante dívida de terceiro, pelo que a alegação de que a Recorrida nada deve é irrelevante, dado apenas ter sido executada por ser a atual proprietária do bem penhorado.
V. Termos em que se deve manter o bem decidido na sentença recorrida.
W. Inexiste qualquer violação dos princípios da boa-fé, abuso de direito e violação dos direitos à propriedade privada e habitação.
X. A Recorrente não alega quaisquer factos que consubstanciem tais violações, limitando-se a invocar que existe tal violação, sem qualquer concretização.
Y. A Recorrente não tem no imóvel penhorado a sua habitação própria e permanente.
Z. Termos em que deve manter-se o bem decidido na sentença recorrida.
Junta: comprovativo do pagamento da taxa de justiça inicial.

Termos em que deve ser negado provimento ao presente recurso, só assim se assegurando a verdadeira
JUSTIÇA.»
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O Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso.
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Com dispensa de vistos, dada a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

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II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil) sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.
Assim, vistas as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que, no caso concreto, as questões a decidir são as seguintes:
(i) impugnação da matéria de facto;
(ii) se a sentença recorrida fez errado julgamento ao considerar que nulidade de citação enquanto fundamento autónomo, não pode ser apreciada em sede de reclamação de actos do órgão de execução fiscal.
(iii) se a sentença recorrida fez errado julgamento ao não declarar a prescrição da hipoteca;
(iv) se a sentença recorrida incorreu em errada interpretação e aplicação errada do artigo 244.º, n.º2 do CPPT;
(v) se a sentença ao decidir como decidiu violou os princípios da propriedade privada e direito à habitação consagrados nos artigos 62.º e 65.º da Constituição da República Portuguesa.

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III. FUNDAMENTAÇÃO

A.DOS FACTOS
Na sentença recorrida fixou-se a matéria de facto e indicou-se a respectiva fundamentação nos seguintes termos:
«1) Encontra-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Leiria, pela Ap. 22/100283, através da cota G - 1, a favor da sociedade "S…………….., LD.a”, a propriedade do prédio rústico, que deu origem a urbano, sito em Sismaria, Quinta………, designado por "Lote 9”, da freguesia de Marrazes, Concelho de Leiria, inscrito na matriz predial urbana da respectiva freguesia sob o artigo……., que deu origem ao artigo …… e descrita na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o número……., a fls. 199, do Livro B-225, correspondente à descrição número ….. (caderneta predial urbana de fls. 44 verso e 45 do processo físico e certidão da Conservatória do Registo Predial de Leiria e certidão matricial de fls. 22 a 28, 194 a 196, 234 a 238 e 339 a 345 do processo administrativo).
2) Em 12/05/1983 a C............... celebrou, com a sociedade "S………., LD.a”, por instrumento notarial avulso, o contrato de empréstimo n.°……….., segundo o qual aquela emprestou-lhe o valor de 75.000.000$00, com a obrigação de o restituir, para investimento no imóvel em construção referido no número anterior (contrato de empréstimo de fls. 12 a 16 do processo administrativo).
3) Encontra-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Leiria, pela Ap………, através da cota C - 1, a constituição de hipoteca voluntária a favor da C..............., do empréstimo no valor de 75.000.000$00 referido no número anterior (certidão da Conservatória do Registo Predial de Leiria de fls. 22 a 28 do processo administrativo).
4) Encontra-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Leiria, pela Ap……., através da cota C - 2, a constituição de hipoteca voluntária a favor da C..............., do empréstimo no valor de 75.000.000$00 referido em 2) (certidão da Conservatória do Registo Predial de Leiria de fls. 22 a 28 do processo administrativo).
5) Em 17/04/1985 a C............... celebrou, com a sociedade "S.............., LD.a”, por instrumento notarial avulso, o contrato de empréstimo n.°…………., segundo o qual aquela emprestou-lhe o valor de 25.000.000$00, com a obrigação de o restituir, para investimento no imóvel referido em 1) (contrato de empréstimo de fls. 17 a 21 do processo administrativo).
6) Encontra-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Leiria, pela Ap……….., através da cota C - 3, a constituição de hipoteca voluntária a favor da C..............., do empréstimo no valor de 25.000.000$00 referido no número anterior (certidão da Conservatória do Registo Predial de Leiria de fls. 22 a 28 do processo administrativo).
7) Encontra-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Leiria, pela Ap….., através da cota F - 1, a constituição de propriedade horizontal do prédio urbano construído sobre o prédio rústico referido em 1), dividido em cave para garagens, rés-do-chão e do 1.° ao 9.° andares, direito e esquerdo, correspondendo às fracções autónomas "A” a "AO” (certidão da Conservatória do Registo Predial de Leiria de fls. 22 a 28 do processo administrativo).
8) Encontra-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Leiria, pela Ap…….., através da cota G - 2, a aquisição, por compra, das fracções do prédio urbano referido no número anterior, a favor de A.............., casado com V.............., no regime de comunhão geral de bens (certidão da Conservatória do Registo Predial de Leiria de fls. 22 a 28 do processo administrativo).
9) Encontra-se registada, na Conservatória do Registo Predial de Leiria, pela Ap……….., através da cota G - 1, a aquisição, por compra, da fracção designada pela letra "A”, correspondente ao rés-do-chão direito, do prédio urbano referido em 7), a favor de C..............., casado com a reclamante, no regime de comunhão geral de bens, residentes na Rua ………, n.° 16, Marinha Grande (certidão da Conservatória do Registo Predial de Leiria de fls. 22 a 28 do processo administrativo).
10) Corre termos, no Serviço de Finanças de Leiria 1, o processo de execução fiscal n.°…………, instaurado em 23/08/1993, com base em requerimento apresentado pela C............... datado de 29/07/1983, contra a sociedade "S.............., LD.a”, a reclamante e marido e outros, por dívida àquela, na quantia exequenda de 295.050,42€ e acrescidos (informação oficial de fls. 12 a 14 do processo físico, requerimento para instauração de execução, informação e citação de fls. 2 a 11, 189 e 233 do processo administrativo).
11) Por comunicação datada de 24/04/1988, o marido da reclamante solicitou informação à C..............., sobre o montante a pagar para levantamento da hipoteca que incide sobre a fracção por si adquirida, dado ser seu propósito regularizar, junto desta, a parte da dívida relativa à referida fracção (carta de fls. 112 do processo administrativo).
12) Por comunicação emitida em data não apurada, a C............... respondeu ao marido da reclamante, que foi autorizada a expurgação da fracção "A” mediante a entrega, no prazo de 30 dias, da quantia de 10.918.000$00, acrescida de 1.011 $50 a partir de 16/05/1998, inclusive e ainda da quantia de 10.000$00, para a emissão do documento de cancelamento (comunicação de fls. 102 do processo administrativo).
13) Com base em informação previamente elaborada, da qual consta que o chamamento da sociedade "S.............., LD.a”, na qualidade de executada, ao processo de execução fiscal referido em 10), ocorreu em 23/08/1993, em 04/01/2011 foi proferido despacho, a determinar o chamamento dos restantes executados ao referido processo de execução fiscal (informação e despacho de fls. 189 e 190 do processo administrativo).
14) Por ofício n.° 75/1, datado de 05/01/2011, enviado à reclamante, por correio postal registado com a referência RC……….., foi-lhe comunicado que contra si corre o processo de execução fiscal referido em 10), com vista a cobrança da dívida aí referida, para pagar ou opor-se (citação e registo postal de fls. 233 e 239 do processo administrativo).
15) O aviso de recepção que acompanhou o correio registado referido no número anterior não foi assinado, tendo este sido devolvido ao remetente (aviso de recepção de fls. 241 do processo administrativo).
16) Por ofício n.° 501/1, datado de 25/01/2011, enviado à reclamante por correio postal registado com a referência RC…………., foi-lhe comunicado o seguinte (ofício e registo postal de fls. 270 e verso do processo administrativo):
“(…)
- CPPT. Art°. 193, n°. 2, e CPC, Art°. 236°.
Assunto: CITAÇÃO - 2a. TENTATIVA - ART°. 39°/5, DO CPPT
PEP ………..
Em cumprimento do supracitado normativo legal, repete-se, na sua própria pessoa a citação, tentada a coberto do ofício 75/01, de 05-012011, e devolvida pelos CTT com indicação de “não atendeu, às 10:50, em 10/01/20114” e não reclamada em 19/01/2011.
Segue junto, por fotocópia, e para o mesmo efeito, o conteúdo e a documentação conexa com a referida citação.
(…)’’.
17) O aviso de recepção que acompanhou o correio registado referido no número anterior não foi assinado, tendo este sido devolvido ao remetente (aviso de recepção de fls. 271 do processo administrativo).
18) Em 10/08/2015 foi lavrado auto de penhora, através do qual foi penhorado, sob verba única, a fracção A, correspondente ao rés-do-chão direito, destinado a habitação com 4 divisões, com a área bruta privativa de 121.50 m2; área bruta dependente de 18 m2, do prédio em regime de propriedade horizontal, situado na Travessa…………., n.° ….., Sismaria, com o valor patrimonial tributário de 68.550,00€, inscrito na matriz predial urbana da União das freguesias de Marrazes e Barosa sob o artigo……, proveniente do artigo …… da extinta freguesia de Marrazes e descrito na Conservatória do Registo Predial de Leiria sob o numero……., de que foi nomeado fiel depositário o marido da reclamante (auto de penhora de fls. 365 do processo administrativo).
19) Por ofício n.° 3093, datado de 10/08/2015, enviado à reclamante e marido por correio postal registado com a referência RF………. e aviso de recepção, foi-lhes dado conhecimento do auto de penhora referido no número anterior e da nomeação do marido da reclamante como fiel depositário (ofício e registo postal de fls. 367 do processo administrativo).
20) O aviso de recepção referido no número anterior foi assinado em 12/08/2015 por I.............. (aviso de recepção constante do processo administrativo).
21) Por requerimento enviado para o Serviço de Finanças de Leiria 1, por correio postal registado com a referência RD……….., em 18/08/2015, I.............. procedeu à devolução do ofício referido em 18), em virtude de a reclamante e marido residirem em África do Sul, tendo informado a respectiva morada (carta e envelope constantes do processo administrativo).
22) Em 21/08/2015, o Serviço de Finanças de Leiria 1 repetiu o envio do ofício referido em 18), por correio postal registado com a referência RF………, para a morada da reclamante e marido na África do Sul (ofício e registo postal constantes do processo administrativo).
23) Por ofício n.° 359_3, datado de 29/03/2019, enviado ao mandatário constituído pela reclamante por correio postal registado com a referência RF…………, cujo aviso de recepção foi assinado em 09/04/2019, foi-lhe dado conhecimento do auto de penhora referido em 18) (ofício, registo postal e aviso de recepção de fls. 43 e 44 do processo físico e constantes do processo administrativo).
24) A presente reclamação foi enviada para o Serviço de Finanças de Leiria 1, no dia 29/04/2019 por correio electrónico e em 03/05/2019, por correio postal (envelope de fls. 9 do processo físico e mensagens de correio electrónico, reclamação e envelope constantes do processo administrativo).


Nenhum outro facto foi considerado provado ou não provado com interesse para a presente decisão.

A convicção do Tribunal baseou-se nos elementos documentais existentes nos presentes autos e no processo administrativo, tal como indicados à frente de cada facto provado, que foram considerados credíveis.»

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Da impugnação da matéria de facto.

Entende a reclamante (doravante recorrente) que o Tribunal «a quo» julgou incorrectamente os seguintes factos 14), 15), 16), 19), 20), 23) e 24), dados como provados, quando no seu entendimento deveriam ter sido dados como não provados.

Na impugnação da matéria de facto, recai sobre o recorrente “um especial ónus de alegação”, devendo especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspetiva, impunham decisão diversa da recorrida (artigo 640.º, n.º 1, do CPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exatidão as passagens da gravação em que se funda (artigo 640.º, n.º 2, al. a), do CPC).

No caso sub judice, a recorrente nas alegações de recurso e respectivas conclusões limitou-se a indicar os factos que em seu entende foram mal julgados e a remeter em bloco para os documentos juntos aos autos a fls. 233 e 270, de molde a suportar a pretendida alteração.

Ora, a mera indicação genérica da prova em relação a um conjunto de factos, sem que se especifique quais as provas produzidas quanto a cada um dos factos que, por as ter como incorretamente apreciadas, não cumpre o estabelecido no artigo 640.º, nº 1, alínea b) do CPC. (Neste sentido vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 20.12.2017, 2 05.09.2018, proferidos respectivamente nos processo n.º 299/13.2TTVRL.C1.S2 e 15787/15.8T8PRT.P1.S2, disponíveis em texto integral em www.dgsi.pt).

Na mesma linha de entendimento, afirma Abrantes Geraldes que ao dar nota que a possibilidade de alteração da matéria de facto deixou de ter carácter excepcional, refere que acaba « (…) por ser assumida como uma função normal do Tribunal da Relação, verificados os requisitos que a lei consagra”, logo prossegue advertindo que “Nesta operação foram recusadas soluções que pudessem reconduzir-nos a uma repetição do julgamento, tal como foi rejeitada a admissibilidade de recursos genéricos contra a errada decisão da matéria de facto, tendo o legislador optado por abrir apenas a possibilidade de revisão de concretas questões de facto controvertidas relativamente às quais sejam manifestadas e concretizadas divergências pelo recorrente» (Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. p. 123/124) .

E assim sendo, incumprindo a recorrente o ónus previsto no artigo 640.º, nº 1, alínea b) do CPC, está pois este Tribunal de recurso impedido de sindicar o julgamento da matéria de facto.

Impõe-se, pois e sem mais, a rejeição do recurso, na parte respeitante à pretendida alteração da matéria de facto, nenhuma alteração havendo a fazer à sentença recorrida.


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B.DE DIREITO

Aqui chegados e, considerando-se definitivamente assente a matéria de facto, vejamos das demais questões suscitadas no presente recurso.

Da nulidade da citação

Antes de mais, recordemos que o Tribunal «a quo» fazendo o enquadramento jurídico da questão centrada em torno da invocada nulidade da citação, que apreciou e decidiu, veio a considerar que enquanto fundamento autónomo, não pode ser apreciada em sede de reclamação de actos do órgão de execução fiscal, sem que antes a mesma tenha sido invocada perante o órgão de execução fiscal, no âmbito do respectivo processo de execução fiscal. Concluindo, assim, que não tendo a recorrente demonstrado ter invocado a nulidade da citação junto do órgão da execução fiscal, não podia conhecer diretamente de tal nulidade.

Porém, não concorda a recorrente com o entendimento preconizado na sentença recorrida, porquanto por incorrer em erro de julgamento por violação do artigo 190.° n.º 6 do CPPT e artigo 35.° n.° 2 do mesmo diploma.

Como constitui jurisprudência pacífica dos nossos tribunais superiores, à qual se adere, a nulidade do processo executivo por falta de citação do executado nos termos do n.º 6 do artigo 190.º do CPPT tem de ser primariamente arguida perante o órgão de execução fiscal, intervindo o tribunal na apreciação da questão se, na sequência do indeferimento administrativo dessa arguição, a sua intervenção for requerida através de reclamação judicial deduzida nos termos dos artigos 276.º e seguintes do CPPT. (Neste sentido, veja-se, entre outros, o Acórdão Supremo Tribunal Administrativo de 12.01.2011, proferido no processo n.º 969/10, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

Ora, embora recorrente afirme que arguiu a nulidade da citação « (…) perante órgão de execução fiscal, de acordo com o disposto no art. 204.° do CPPT; n.°s 1 e 2 do art. 191.° do Código de Processo Civil com possibilidade de reclamação para o tribunal tributário de eventual decisão desfavorável (art. 276.° do CPPT.» não resulta, contudo, demonstrado que tal tivesse ocorrido.

Por conseguinte, porque a nulidade da citação não pode ser sindicada no Tribunal sem antes ter sido previamente arguida junto do órgão da execução fiscal, e tem de ser arguida dentro do prazo para a dedução da oposição à execução fiscal, ou seja, trinta dias a contar da citação, em conformidade com o que dispõem os artigos 191.º, n.º 2, do CPC e 203.º, n.º 1, do CPPT, nenhuma censura merece o decidido em 1.ª Instância.

Contudo tem vindo a entender-se que assim já não será quando tal nulidade seja invocada como vício invalidante do próprio acto reclamado ao abrigo do artigo 276.º do CPPT. (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 24.07.2013, proferido no processo n.º 1211/13, disponível em texto integra em wwww.dgsi.pt).

No caso concreto dos autos, da leitura atenta dos artigos da petição inicial e pedidos nela formulados, resulta que a recorrente veio reagir directamente contra a nulidade da citação enquanto fundamento autónomo da reclamação e não como fundamento invalidante do acto de penhora reclamado, e daí que não possa ser conhecida porque não foi objecto prévio de arguição perante o órgão de execução fiscal.

Da prescrição

Vem provado que a execução fiscal reportada nestes autos foi instaurada em 29.07.1993, tendo por base o requerimento executivo apresentado pela C..............., contra a mutuária dos empréstimos «S.............., LDA.», e vários adquirentes das fracções hipotecadas, entre os quais a aqui recorrente.

É hoje indiscutível que a dívida em causa não tem natureza tributária, mas civil, pese embora possa ser cobrada coercivamente através do processo de execução fiscal, esse facto não implica que fique sujeita ao prazo ou ao regime de prescrição da dívida tributária.

A este propósito, é esclarecedor o que se exarou no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 1.3.2000, proferido no processo n.º 024545: «Com a possibilidade de cobrança dos créditos através do processo de execução fiscal, pretendeu-se dar à C….. um meio mais expedito de cobrança dos seus créditos, em atenção às suas funções de interesse público, e não alterar a natureza dos seus créditos nem o regime substantivo que os regula.

Por outro lado, a atribuição deste regime especial de cobrança, (…), visou privilegiar a C..... em relação às outras entidades com intervenção no comércio bancário, atento o interesse público subjacente a essa cobrança.

Sendo essa a finalidade dessa atribuição, seria incongruente que, concomitante e contraditoriamente, se fosse atribuir-lhe um estatuto diminuído a nível do direito substantivo (…)» (disponível em texto integral emwww.dgsi.pt).

Dito isto, vejamos então se ocorreu, ou não, a prescrição da hipoteca.

Prescreve o artigo 730.º, alínea b) do CC, que a hipoteca se extingue por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, decorridos vinte anos sobre o registo da aquisição e cinco anos sobre o vencimento da obrigação.

Nesta matéria ensinam Pires de Lima e Antunes Varela: «[É] uma figura de fundamento análogo ao da usucapio libertatis a que se refere o artigo 1574.º, e que se baseia na proteção que merece, nestes casos, o interesse do terceiro adquirente, mais do que o interesse do credor, que pode facilmente assegurá-lo por outras vias. Trata-se, porém, de um caso de prescrição, nos termos expressos da lei, embora sempre nos tivesse parecido (Pires de Lima) mais rigoroso considerá-lo de caducidade. As disposições aplicáveis são, assim, as dos artigos 300.º e seguintes, incluindo as relativas à suspensão e interrupção da prescrição.

Estabelecem-se dois prazos cumulativos para a prescrição: o de vinte anos a partir do registo da aquisição e o de cinco anos a partir do vencimento da obrigação. O decurso de qualquer deles, de per si, é irrelevante.» (Código Civil Anotado, I, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 675).

No caso dos autos, resulta demonstrado que a recorrente adquiriu mediante compra a fracção autónoma designada pela letra "A”, correspondente ao rés-do-chão direito, do prédio urbano indicado no ponto 7) do probatório que registou, a seu favor, em 1.08.1988.

Por conseguinte, contrariamente ao sustentado pela recorrente à data da instauração da execução (29.07.1993), não haviam decorrido mais de vinte anos sobre o registo da aquisição, encontrando-se, assim, não verificada a situação prevista no artigo 730º, alínea b), 1ª parte, do CC. Ora, basta a não verificação deste prazo para não se poder invocar a prescrição ao abrigo do mencionado preceito, já que como vimos supra, estamos perante pressupostos cumulativos.

Prosseguindo.

À prescrição da hipoteca aplicam-se as regras do instituto da prescrição, designadamente, quanto à interrupção do respetivo prazo de prescrição [cfr. artigo 300º e ss., do CC] (Neste sentido vide: Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 675).

A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, inutilizando-se todo o prazo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo [cfr. artigos 323º, nº 1, e 326º, nº 1, do CC].

Prescreve, todavia, o nº 2 do citado artigo 323.º que, «se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.».

O efeito interruptivo estabelecido neste nº 2 assenta em três pressupostos:

1 – Que o prazo prescricional ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação;

2 – Que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias;

3 – Que o retardamento na efetivação desse acto não seja imputável ao Autor. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.01.2017, proferido no processo nº 4143/14.0T8LSB.L1.S1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Como se evidencia na sentença recorrida e resulta do probatório (cfr. 10) do probatório) a exequente (C...............) procedeu à instauração da execução fiscal em 29.07.1993, tendo levado a efeito várias tentativas de citação da recorrente e marido( cfr. 14) a 17 do probatório).

Como a citação não se fez dentro de cinco dias depois de ter sido requerida por causa não imputável à exequente, a prescrição interrompeu-se logo que decorridos esses cinco dias [cfr.artigo 323.º, n.ºs 1 e 3 CC], ou seja, em 03.08.1993.

Interrompido o prazo de prescrição, inutiliza-se o tempo decorrido anteriormente e inicia-se nova contagem do prazo prescricional a partir do acto interruptivo [cfr.artigo 326.º CC], sem prejuízo, porém, de, tendo a interrupção resultado de citação, o novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo [cfr.n.º 1 do artigo 327.º CC].

Assim e como bem se decidiu na sentença, não se mostra, pois, verificada a prescrição da dívida exequenda.

Quanto aos juros moratórios respeitantes a dívida de natureza civil, é de aplicar o prazo de cinco anos, estabelecido no artigo 310.°, alínea d) do C.C..

Esta prescrição curta, (cinco anos), aplica-se, além do mais, a quaisquer outras prestações periodicamente renováveis - alínea g) do artigo 310.° do CC - como é o caso dos juros moratórios, tendo em vista evitar que «o credor retarde demasiado a exigência de créditos periodicamente renováveis, tornando excessivamente pesada a prestação a cargo do devedor» ( Teoria Geral, de Manuel de Andrade, 1996, pág. 452.).

É, este também o caminho da nossa mais jurisprudência. Nesse sentido, vai (entre outros) o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo datado de 06.08.2014, proferido no processo n.º 0807.14: «[t]endo sempre presente que estamos perante obrigações que não têm natureza tributária, prescrevem no prazo de 5 anos os juros convencionais ou legais, ainda que ilíquidos [alínea d) do art. 310.º do CC], contado, segundo a regra do art. 306.º do mesmo Código, a partir da exigibilidade da obrigação. Isto, independentemente da natureza dos juros, mencionando expressamente a lei os juros convencionais ou legais e não distinguindo sequer entre juros moratórios, compensatórios ou outros.» (disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

E concluindo-se pela aplicação ao caso do disposto no nº 2 do artigo 323.º do CC, há, consequentemente, que concluir, também, que o prazo de prescrição encontra-se interrompido nos cinco dias posteriores ao da instauração da execução (03.08.1993).

Finalmente, argumenta a recorrente o bem imóvel penhorado, foi adquirido para habitação própria e permanente da executada e do seu agregado, pelo que a venda é ilegal, nos termos do artigo 244.º nº2 do CPPT e por ofensa do disposto nos artigos 62.° e 65.° da Constituição da República Portuguesa.

Cremos, porém, não assistir-lhe qualquer razão.

Vejamos porquê.

O artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa visa garantir, antes de mais, «(…) o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família.» (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, pág. 1325 e ss.).

Por sua vez, o artigo 244.º, nº 2 do CPPT, com a redação que lhe foi dada pela Lei nº 13/2016 de 23 de Maio, estabeleceu restrições à venda executiva no âmbito das execuções fiscais, quando esteja em causa a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar (com as excepções previstas no nº 3 desse preceito), não podendo a Administração Tributária promover a venda do bem imóvel aí penhorado.

Pois bem, nos termos da factualidade apurada, verifica-se de imediato que o imóvel penhorado não constituía a residência habitual e permanente da recorrente, pois que como a própria admite aí não reside, mantendo a sua residência habitual e permanente, bem como a do seu marido, na África do Sul, sendo irrelevante, como bem sublinhou a sentença recorrida, para este efeito, que no futuro, próximo ou longínquo, ali pretenda residir com habitualidade e permanência (pontos 19) a 23 do probatório).

O artigo 65.º da Constituição da República Portuguesa visa garantir, antes de mais, «(…) o direito a uma morada digna, onde cada um possa viver com a sua família.» (Jorge Miranda, Rui Medeiros, Constituição Portuguesa Anotada, Tomo I, 2.ª ed., Coimbra, 2010, pág. 1325 e ss.)

Ora, o bem imóvel em causa nestes autos apenas se encontra penhorado, não tendo sido realizada qualquer diligência tendente à respectiva venda, (cfr.ponto 18 do probatório) e o artigo 244.º, n.º 4 do CPPT, não afasta a regra geral de que todo o património penhorável do executado constitui garantia geral da dívida tributária. (Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02.09.2020, proferido no processo n.º 0307/20.0BESNT, disponível em texto integral em www.dgsi.pt).

De resto, a admissibilidade da penhora não atenta contra o direito constitucional à habitação porquanto «O direito à habitação não se confunde com o direito a ter uma habitação num imóvel da propriedade do cidadão, como porque a penhora, só por si, não priva de habitação quem na casa de morada de família possa habitar.» (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 7.05.2003, proferido no processo n.º 1267/06-1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt)

Por outra banda, como referem Pereira Coelho e Guilherme Oliveira: «No direito português actual - ao contrário do que se passava nos anos vinte e trinta, em que as leis estabeleciam a impenhorabilidade do “casal de família“ - a casa de morada de família não está protegida contra uma penhora.» (Curso de Direito da Família, Volume I, págs. 390 a 391)

É certo que, de acordo com o preceituado no n.º1 do artigo 62.º da Constituição, o direito de propriedade bem como a sua transmissão em vida ou por morte é garantido “nos termos da Constituição” o que significa que tem de se compaginar com outros imperativos constitucionais, sofrendo as limitações impostas por estas exigências.

Aliás, como se concluiu no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 649/99, de 24/11/1999, «O que se afiguraria como desproporcionado era que, no balanceamento do direito do credor a ver satisfeitas coercivamente - como no caso acontece - as obrigações assumidas pelo devedor (direito esse, repete-se, ancorado no nº 1 do artigo 62º da Constituição), e de um eventual «direito» deste último a conservar a titularidade do direito de propriedade de um imóvel onde se situa a sua habitação, o primeiro fosse postergado em nome do segundo, (sendo mesmo certo, aliás, que, ainda que não ocorra uma tal postergação, o «direito a continuar a habitar» o imóvel não é retirado imediatamente ao mencionado devedor com a penhora).» (www.tribunalconstitucional.pt).

Desde modo não tem sustentação a alegada ilegalidade da penhora, não se descortinando, também, violação dos preceitos constitucionais invocados.

Concluindo, improcede o recurso.

IV.CONCLUSÕES

I. Nos termos previstos na alínea b), do artigo 730.º do CC, a extinção da hipoteca, por prescrição, a favor de terceiro adquirente do prédio hipotecado, depende da verificação cumulativa de dois prazos: o de vinte anos a partir do registo da aquisição e o de cinco anos a partir do vencimento da obrigação.

II.O n.º 2 do artigo 224.º do CPPT (na redacção da Lei 13/2016, de 23/05) estabelece uma regra especial quanto à venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar.

V.DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em negar provimento ao recurso, confirmando a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.


Lisboa, 8 de Outubro de 2020.

[A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, os Desembargadores Isabel Fernandes e Jorge Cortês]


Ana Pinhol