Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:2106/14.0BESNT
Secção:CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO
Data do Acordão:07/11/2018
Relator:PAULO PEREIRA GOUVEIA
Descritores:APOSENTAÇÃO, ADVOGADO OFICIOSO OU NOMEADO, APROVEITAMENTO DO ATO ADMINISTRATIVO
Sumário:I - Os aposentados não podem exercer (1) qualquer tipo de atividade ou serviço remunerados, (2) com ou sem contrato, para (i) quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, (ii) empresas públicas, (iii) entidades públicas empresariais, (iv) entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e (v) demais pessoas coletivas públicas.
II - Os administradores judiciais integrantes de uma das listas oficiais previstas nos EAI e CIRE, para o exercício de tais funções no âmbito dos processos de revitalização e insolvência disciplinados pelo CIRE, não estão abrangidos pelo regime de incompatibilidade definido nos arts. 78.º e 79.º do EA.
III - a situação do autor como advogado oficioso ou nomeado, em sede de patrocínio judiciário no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais da Ordem dos Advogados, cabe nas normas jurídicas proibitivas resultantes dos artigos 78º e 79º do EA.
IV - Não é razoável anular um ato administrativo correto quando se chegue à conclusão segura de que a anulação a mais não conduziria do que à prática de outro ato com o mesmo conteúdo ou sentido. Assim, afasta-se a sanção jurídica prevista para o ato anulável, sem prejuízo de o ato continuar a ser ilícito.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na 1ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul:

I – RELATÓRIO
J...., m.i. a fls. 3, interpôs no T.A.C. de SINTRA a presente ação administrativa especial contra CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES, IP.
A longa pretensão compósita formulada na p.i. foi a seguinte:
a) A declaração de nulidade do ato administrativo de suspensão do pagamento da pensão ao A. praticado pela R. e respetiva comunicação ao A., de 10/03/2014;
b) A declaração de nulidade do ato administrativo de promoção do reembolso das pensões que o A. recebeu nos anos de 2011 e 2012, praticado pela Direção da R., em 30/06/2014, e respetiva comunicação ao A., de 10/07/2014;
c) A declaração de inconstitucionalidade dos aludidos atos administrativos, por violação do princípio da igualdade, do direito à aposentação e correlativa pensão, dos princípios da confiança jurídica e da boa fé e da segurança jurídica;
d) O reconhecimento do direito do A. a receber a sua pensão de reforma, vencidas e vincendas, por inteiro;
e) O reconhecimento do direito do A. a continuar a exercer as atividades de patrono/defensor oficioso no âmbito do SADT e de administrador judicial; e
f) O reconhecimento do direito do A. a cumular a pensão com os honorários, vencidos e vincendos, devidos pelo exercício das atividades mencionadas em e).
Caso assim não se entenda, o que não se admite, requer, por mera cautela, o seguinte:
a) A declaração de nulidade da decisão da R. de atribuir efeitos retractivos ao ato administrativo de promoção do reembolso das pensões que o A. recebeu nos anos de 2011 e 2012;
b) A notificação da R. para indicar as várias componentes da pensão do A.;
c) A notificação da R. para proceder a liquidação da quantia a devolver pelo A.; e
d) A notificação da R. para notificar o A. para devolver apenas e só a parte das pensões que o A. recebeu nos anos de 2011 e 2012 proporcional ao tempo de trabalho por este prestado na função pública.
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Após a discussão da causa, o T.A.C. decidiu absolver a ré dos pedidos.
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Inconformado com tal decisão, o autor interpôs o presente recurso de apelação, formulando na sua alegação as seguintes longas conclusões:
1) A sentença recorrida não se pronunciou sobre o vício de violação da regra da não retroactividade do acto prevista no artigo 127.º do antigo CPA.
2) O Apelante na acção administrativa especial que intentou contra a Apelada invocou a nulidade do acto administrativo por violação da regra da não retroactividade do acto prevista no artigo 127.º do antigo CPA, segundo a qual o acto administrativo produz os seus efeitos desde a data em que for praticado.
3) A regra da não retroactividade do acto radica nos princípios da legalidade e da segurança jurídica.
4) Comporta, porém, as excepções previstas no artigo 128.º do antigo CPA.
5) A nulidade do acto administrativo impugnado por violação da regra da não retroactividade era, portanto, uma das questões a decidir pelo tribunal recorrido.
6) A verificação deste vício implicaria a procedência da acção e a declaração de nulidade do acto administrativo de promoção do reembolso das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012.
7) Resulta do artigo 95.º, n.º 1, do antigo CPTA que "o tribunal deve decidir, na sentença ou acórdão, todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras".
8) Nos termos do disposto no n.º 2 do mesmo artigo 95.º "Nos processos impugnatórios, o tribunal deve pronunciar-se sobre todas as causas de invalidade que tenham sido invocadas contra o ato impugnado, excepto quando não possa dispor dos elementos indispensáveis para o efeito, assim como deve identificar a existência de causas de invalidade diversas das que tenham sido alegadas, ouvidas as partes para alegações complementares pelo prazo comum de 1 O dias, quando o exija o respeito pelo princípio do contraditório.".
9) Dispõe, por sua vez, o artigo 608.º, n.º 2, do CPC, subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 1.º do CPTA, que "O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras. ".
10) Sendo nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, cf. artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC.
11) O Apelante havia suscitado na petição inicial a questão da eficácia retroactiva do acto administrativo de promoção do reembolso das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012, argumentado que o acto impugnado era nulo por violação da regra da não retroactividade do acto prevista no artigo 127.º do antigo CPA.
12) A sentença recorrida não apreciou esta questão, de que deveria obrigatoriamente conhecer.
13) Tendo sido suscitada tal questão pelo Apelante, sem que a Apelada sobre ela se tenha pronunciado, ocorre omissão de pronúncia.
14) Assim sendo, e atento o disposto nos citados artigos 95.º, n.º 1 e n.º 2, do CPTA, e 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d), do CPC, há que concluir pela nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia.
15) O Apelante alegou na petição inicial que não foi ouvido previamente pela entidade administrativa sobre os projectos de decisão de suspender o pagamento da pensão de aposentação com efeitos a partir do mês de Abril de 2014 e de promover o reembolso das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012.
16) A não audição do Apelante no procedimento administrativo sobre tais projectos de decisão consubstancia violação dos princípios da participação no procedimento administrativo, da audiência prévia e do contraditório geradora de nulidade do acto impugnado (artigos 8.º, 59.º, 100.º, n.º 1 e n.º 2, 133.º, n.º 2, alínea d), e 135.º, n.º 2, todos do antigo CPA).
17) Sobre esta questão, o Tribunal recorrido decidiu que "a decisão administrativa, a considerar para efeitos de definição da situação jurídica do interessado, é efectivamente a comunicada pelos ofícios indicados na alínea f) do Probatório, ou seja a de que "a percepção de remuneração paga pelo IGFEJ - Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça, cumulativamente com a pensão de aposentação, é vedada pelos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação (EA), na redacção do decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de Dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 201 l ".
18) Mais decidiu que, a decisão de suspensão do pagamento da pensão de aposentação com efeitos a partir do mês de Abril de 2014 e a exigência de reposição das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012 são actos de execução daquela decisão.
19) A lei considera actos administrativos as decisões dos órgãos da Administração que ao abrigo de normas de direito público visem produzir efeitos jurídicos numa situação individual e concreta (artigo 148.º do anterior CPA).
20) A Lei Fundamental garante aos administrados o direito a impugnarem junto dos tribunais administrativos quaisquer actos ou condutas desenvolvidos pela Administração Pública que os lesem na sua esfera jurídica e independentemente da sua forma, cf. artigo 268.º, n.º 4, da CRP.
21) O n.º 1 do artigo 51.º do CPTA define como impugnáveis os actos administrativos com eficácia externa, especialmente aqueles cujo conteúdo seja susceptível de lesar direitos ou interesses legalmente protegidos.
22) Sendo que, eficácia externa, é a produção de efeitos na esfera jurídica de pessoas.
23) O artigo 51.º, n.º 1, do CPTA não impõe uma lesão efectiva, admitindo para a impugnação judicial, a susceptibilidade, a possível lesão, a aptidão dos actos para lesarem esses direitos ou interesses.
24) São impugnáveis os actos mesmo que inseridos num procedimento administrativo em decurso.
25) Nos presentes autos, impugnam-se os actos administrativos de suspensão do pagamento da pensão de aposentação com efeitos a partir do mês de Abril de 2014 e de promoção do reembolso das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012, decisões estas autoritárias, unilaterais, autónomas e independentes da decisão que considera legalmente vedada a percepção de remuneração paga pelo IGFEJ com a pensão de aposentação, que produzem efeitos lesivos de direitos e interesses do Apelado.
26) Ao julgar tais actos sem conteúdo decisório e meramente executórios daquela decisão e, por isso, não sujeitos aos princípios da participação no procedimento administrativo, da audiência prévia e do contraditório, o Tribunal a quo violou na sentença recorrida o disposto nos artigos 51.º, n.º 1, do CPTA, e 268.º, n.º 4, daCRP.
27) Ficou cabalmente demonstrado nos autos que a Apelada não ouviu previamente o Apelante sobre os projectos de decisão de suspensão do pagamento da pensão de aposentação com efeitos a partir do mês de Abril de 2014 e de promoção do reembolso das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012.
28) A falta de participação procedimental e a preterição da audiência prévia e do contraditório tomam os actos administrativos descritos nulos, nos termos do disposto nos artigos 8.º, 59.º, 100.º, n.º 1 e n.º 2, 133.º, n.º 2, alínea d), 135.º, n.º 2, todos do antigo CPA, e 32.º, n.º 10, da CRP.
29) Tratando-se de actos administrativos, deveriam conter fundamentação, nos termos dos artigos 123.º, n.º 1, alínea d), 124.º e 125.º do antigo CPA.
30) Deles não consta qualquer fundamentação.
31) O Apelante invocou na petição inicial que, tais decisões padecem do vício formal de falta de fundamentação determinante da nulidade dos actos impugnados, atento o disposto nos artigos 133.º e 134.º do antigo CP A.
32) O Tribunal a quo julgou improcedente o invocado vício de falta de fundamentação quanto às aludidas decisões, uma vez que não se trata de ilegalidades próprias, a que alude o artigo 151.º, n.º 4, do antigo CPA.
33) Do acto administrativo deve constar a fundamentação, quando exigível (artigo 123.º, n.º 1, alínea d), do antigo CPA).
34) Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 124.º do antigo CPA, para além dos casos em que a lei especialmente o exija, devem ser fundamentados os actos administrativos que, total ou parcialmente, neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos.
35) As decisões de suspensão do pagamento da pensão de aposentação com efeitos a partir do mês de Abril de 2014 e de promoção do reembolso das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012, porque são actos decisórios lesivos de direitos e interesses legalmente protegidos do Apelado, são anuláveis por falta de fundamentação, atento o disposto nos artigos 133.º, 134.º e 135.º do CPA.
36) O Tribunal recorrido ao julgar improcedente o invocado vício de falta de fundamentação quanto às alegadas decisões violou os artigos 123.º, n.º 1, alínea d), e 124.º, n.º 1, alínea a), 133.º, 134.º e 135.º, todos do CPA.
37) O Tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação dos artigos 78.º e 79.º do EA.
38) Resulta do novo regime de incompatibilidades constante dos artigos 78.º e 79.º do EA, apenas aplicável ao desempenho de funções públicas, que os aposentados não podem exercer "funções públicas remuneradas".
39) Este regime aplica-se a quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas colectivas públicas.
40) A proibição do exercício de funções no sector público opera independentemente do tipo de título jurídico ao abrigo do qual tenha lugar.
41) O desempenho pelo Apelante das funções de patrono/defensor oficioso e de administrador judicial não integra o conceito de funções públicas.
42) O Apelante não celebrou qualquer contrato com o IGFEJ, IP, nem tem qualquer vínculo contratual com quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o sector empresarial regional e municipal e demais pessoas colectivas públicas, isto é, não tem qualquer vínculo à função pública.
43) O SADT destina-se a assegurar que a ninguém seja dificultado ou impedido, em razão da sua condição social ou cultural, ou por insuficiência de meros económicos, o conhecimento, o exercício ou a defesa dos seus direitos.
44) As funções de advogado exercidas no SADT inserem-se, assim, no âmbito da actividade pública necessária à administração da justiça.
45) Prestando serviços em concreto aos requerentes/beneficiários de protecção jurídica que carecem de meios económicos.
46) O advogado exerce tais funções com isenção e independência.
47) O Apelante jamais exerceu funções no IGFEJ, IP.
48) O Apelante é sempre nomeado pela OA após o deferimento do requerimento de protecção jurídica pelo ISS, IP.
49) Sem qualquer intervenção do IGFEJ, IP.
50) O advogado exerce, no SADT, funções remuneradas.
51) Cabe ao Estado garantir uma adequada compensação aos profissionais forenses que participem no SADT.
52) Sobre a remuneração do patrono/defensor oficioso dispõe o artigo 45.º, n.º 1, alínea j), e n.º 2, da Lei n.º 34/2004, de 29 de Julho, na redacção dada pela Lei n.º 47/2007, de 28 de Agosto, que "O pagamento da compensação devida aos profissionais forenses deve ser processado até ao termo do mês seguinte àquele em que é devido;" e "A admissão dos profissionais forenses ao sistema de acesso ao direito, a nomeação de patrono e de defensor e o pagamento da respectiva compensação, nos termos do número anterior, é regulamentada por portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.".
53) E dispõe o n.º 5 do artigo 66.º do CPP: "o exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado ( ... ). Pela retribuição são responsáveis, conforme o caso, o arguido, o assistente, as partes civis ou os cofres de Ministério da Justiça.".
54) Contudo, é a parte processual que suporta todos os encargos com o patrocínio oficioso, incluindo os honorários que forem devidos ao patrono/defensor oficioso.
55) Com excepção dos casos em que a parte processual beneficia de protecção jurídica, ou seja, nas situações em que esta não tem condições económicas para proceder ao pagamento da compensação do patrono/defensor oficioso, cabendo, então, esse pagamento integralmente ao Estado.
56) Só nestas situações é que intervém o Estado na sua função de previdência.
57) Apenas nalgumas situações a compensação do patrono/defensor oficioso é paga e/ou adiantada pelo IGFEJ, IP.
58) O mesmo acontece com a actividade de administrador judicial.
59) São os juízes que nomeiam os administradores judiciais, inscritos na Lista Oficial de Administradores Judiciais.
60) O administrador judicial exerce igualmente as suas funções com isenção e independência.
61) O administrador judicial tem direito à remuneração prevista no artigo 29.º do EA.
62) A remuneração do administrador judicial é suportada pela massa insolvente.
63) Apenas nas situações de insuficiência da massa insolvente, a remuneração do administrador judicial é paga pelo IGFEJ, IP.
64) O Apelante não está subordinado hierárquica ou administrativamente àquela ou qualquer outra entidade pública.
65) Pautando o exercício das suas actividades de patrono/defensor oficioso e de administrador judicial, no âmbito de uma prestação de serviços, definida enquanto aquela que não se encontra sujeita à direcção e disciplina de qualquer entidade pública ou privada, apenas se obrigando a um resultado do seu trabalho.
66) Não recebe qualquer remuneração periódica, certa e continuada.
67) Não cumpre horário.
68) Não está vinculado a qualquer ordem para exercer as suas funções em determinado local.
69) O Apelante recebe honorários pelo trabalho por si efectivamente prestado em cada caso concreto, nos termos e condições supra descritos.
70) Os honorários a pagar ao patrono/defensor oficioso no âmbito do SADT são os legalmente fixados pela tabela de honorários para a protecção jurídica.
71) O administrador judicial recebe a remuneração prevista no artigo 29.º do EAJ.
72) Os honorários devidos pelo exercício das funções quer de patrono/defensor oficioso no âmbito do SADT, quer de administrador judicial, são pagos em função dos actos concretamente praticados: o prestador recebe, a maior parte das vezes, ou dos beneficiários de protecção jurídica, ou das massas insolventes, e só em situações residuais o IGFEJ, IP adianta o pagamento dos seus honorários, sendo este Instituto posteriormente ressarcido das verbas que adiantou.
73) Não estão, assim, preenchidos os requisitos de remuneração mencionados em 78.º do EA.
74) As funções de advogado exercidas no âmbito do SADT e de administrador judicial não consubstanciam "funções públicas remuneradas" para os efeitos dos artigos 78.º e 79.º do EA.
75) Não se verifica, no caso concreto, a situação de incompatibilidade e acumulação de pensão e remuneração proibidas pelos aludidos artigos 78.º e 79.º do EA.
76) Mal andou, portanto, o Tribunal recorrido ao julgar as funções exercidas pelo Apelante como patrono/advogado oficioso e pagas pelo estado através do IGFEJ, IP públicas no conceito (abrangente) utilizado no artigo 78.º do EA
77) Consequentemente, o invocado vício de erro sobre os pressupostos de facto e de direito invocado pelo Apelante na petição inicial, deverá proceder, declarando­se, no caso sub judice, que o Apelante não exerce qualquer função pública remunerada susceptível de enquadrar a proibição de acumulação de remunerações pelo exercício de funções públicas ao aposentados imposta pelos artigos 78.º e 79.º do EA.
78) A pensão que o Apelante recebe da CGA é unificada e resulta do somatório da contagem dos tempos de trabalho na função pública, de cumprimento do serviço militar obrigatório e de trabalho no sector privado.
79) A Apelada interpelou o Apelante para proceder ao reembolso da totalidade das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012.
80) Não teve, no cômputo da alegada obrigação, em consideração a composição da pensão unificada, nem descontou no montante que o Apelante alegadamente terá que devolver a parte da pensão correspondente aos tempos de cumprimento do serviço militar obrigatório e de trabalho no sector privado, como impõe a lei.
81) O Apelante nunca teria que devolver à Apelada a totalidade das pensões pagas nos anos de 2011 e 2012 mas apenas a correspondente ao trabalho prestado no sector público.
82) Ao decidir diferentemente, o Tribunal a quo fez uma errada interpretação e aplicação da lei.
83) A Apelada não especificou os montantes parciais que compõem o montante que o Apelante alegadamente terá que devolver, nem lhe deu a conhecer os critérios, fundamentos e cálculos que estiveram na base do apuramento desse montante.
84) Não basta comunicar ao aposentado o montante que este terá que devolver, emitir a respectiva guia e interpelá-lo para pagar em determinado prazo.
85) É obrigatório proceder à liquidação da obrigação, identificar, especificar e discriminar os montantes parcelares que compõem o montante total a devolver e apresentar os cálculos que levaram ao apuramento daquele montante e não de outro.
86) A Apelada teria que proceder previamente à liquidação da obrigação, isto é, identificar, especificar e discriminar os montantes parcelares que compõem o montante global que o Apelante terá que devolver e apresentar os cálculos que levaram ao apuramento desses montantes parcelares e global.
87) Não é certo que o montante a devolver pelo Apelante seja aquele que a Apelada indica.
88) Esta omissão da Apelada obriga o Apelante a tentar e simular critérios, que podem não ser exactamente aqueles que foram utilizados pela Apelada, fazer vários cálculos, obtendo resultados diversos e, a final, a proceder à sua soma.
89) A discriminação de tais montantes parcelares na comunicação e/ou na respectiva guia, era essencial e determinante para esclarecer o Apelante e permitir-lhe verificar a exactidão dos cálculos efectuados pela Apelada e concluir sobre se deles é efectivamente devedor.
90) O credor deve especificar no documento de cobrança todos os valores que considera compreendidos na dívida, designadamente capital, juros, impostos, contribuições, descontos, entre outros.
91) A omissão da Apelada impede o Apelante de contradizer e defender-se.
92) Consubstanciando violações do direito de defesa e do princípio do contraditório.
93) Não tendo a Apelada indicado na notificação e guia anexa como apurou o montante de 47.140,42€ (quarenta e sete mil cento e quarenta euros e quarenta e dois cêntimos), não pode este ser exigível, por incerteza de que o mesmo seja devido.
94) O Tribunal recorrido julgou improcedente o vício de falta de liquidação invocado pelo Apelante na petição inicial, por este não justificar donde decorre a obrigação de liquidação.
95) Acontece que, ao autor cabe expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à acção (artigo 78.º, n.º 2, alínea f), do CPT A).
96) Dispõe o artigo 5.º, n.º 1, do CPC, aplicável subsidiariamente por força do artigo 1.º do CPTA, que "Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (. .. ).".
97) Por sua vez, o n.º 3 do mesmo artigo 5.0 estipula que "O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito.".
98) O Apelante na petição inicial alegou todos os factos que sustentam a existência do vício invocado, bem como indicou as normas jurídicas violadas - o direito de defesa e o princípio do contraditório, dando, assim, cumprimento ao disposto no artigo 78.º, n.º 2, alínea f), do CPTA e artigo 5.º, n.º 1, do CPC.
99) Pelo exposto, o invocado vício de falta liquidação da obrigação deverá ser julgado procedente, por provado, condenando-se consequentemente a Apelada a liquidar a obrigação.
100) O Apelante invocou na petição inicial que os actos impugnados violam o princípio constitucional da igualdade (artigo 13.º da CRP).
101) São inúmeros os aposentados da CGA que se encontram na mesma situação do Apelante, ou seja, a exercerem as actividades de advogado no âmbito do SADT e de administrador judicial, que, até à data, não foram notificados pela Apelada para optarem entre a pensão e a remuneração e/ou devolverem quantias alegadamente recebidas indevidamente.
102) Estamos, pois, perante violações repetidas do princípio da igualdade, princípio fundamental do Estado de Direito e constitucionalmente consagrado.
103) O Tribunal recorrido julgou improcedente tal vício de violação do princípio da igualdade, por o Apelante não ter identificado as situações em concreto que a Apelada terá agido de forma divergente.
104) Não cabe ao Apelante identificar tais situações.
105) O Apelante não é polícia, nem delator, para investigar e denunciar às entidades competentes eventuais situações de tratamento desigual dos cidadãos pelas entidades administrativas.
106) São muitos os aposentados da CGA que exercem funções de advogado no SADT e de administrador judicial.
107) A Apelada só não tem conhecimento desses casos porque não quer, pois bastava-lhe proceder ao cruzamento de dados, designadamente com outras entidades administrativas, para apurar eventuais situações de incompatibilidade proibidas pelos artigos 78.º e 79.º do EA.
108) Ao invés do Apelante que apenas conhece alguns aposentados na mesma situação.
109) É a entidade administrativa que, na aplicação da lei, compete garantir que situações idênticas têm tratamento igual.
110) Assim, forçoso será concluir que as decisões impugnadas violam o princípio da igualdade (artigo 13.º da CRP).
111) O Apelante alegou na petição que adquiriu o direito à aposentação e a correlativa pensão.
112) O Apelante descontou toda a sua vida para a CGA e para a SS, para quando chegasse o momento, receber uma pensão que lhe permitisse viver dignamente.
113) Direito que agora vê ser-lhe negado por decisão unilateral e ilegal da Administração.
114) O direito à aposentação é um direito social com protecção constitucional no artigo 63.º da CRP.
115) O direito à aposentação está indissociavelmente ligado à relação jurídica do emprego público dos trabalhadores da Administração Pública, com vínculo à Administração Pública a qualquer título.
116) A relação jurídica de aposentação e a relação jurídica de emprego público estão intimamente interligados, sendo ambas fontes de direitos adquiridos e em formação e de expectativas jurídicas, de que são titulares os trabalhadores da Administração Pública no activo e na reforma e que se radicam na sua esfera jurídica.
117) O direito à aposentação não pode ser livremente sacrificado pelo legislador.
118) A actuação do legislador está limitada pelo respeito dos princípios da confiança jurídica e da boa-fé, corolários do princípio da segurança jurídica, que estão todos eles ínsitos na ideia de Estado de Direito democrático constitucionalmente consagrado no artigo 2.º da CRP.
119) Ao proibir o exercício de funções públicas remuneradas aos aposentados, a actual redacção dos artigos 78.º e 79.º do EA põem em causa direitos adquiridos e expectativas jurídicas dos aposentados da CGA em geral e do Apelante em especial e é manifestamente inconstitucional por violação dos princípios da confiança jurídica, da boa-fé e da segurança jurídica.
120) O Apelante adquiriu, também, há muitos anos, o direito ao exercício das profissões de advogado inscrito no SADT e de administrador judicial, direito esse que a Apelada pretende agora retirar-lhe, apesar de tal lhe estar legalmente vedado, pois não cabe a esta proibir qualquer pessoa de exercer determinada profissão.
121) Decidiu o Tribunal recorrido que, também nestas questões, o Apelante não tem razão.
122) Discorda o Apelante do Tribunal recorrido, devendo reconhecer-se que as decisões impugnadas violam o direito do Apelante à aposentação e correlativa pensão e os princípios da confiança, da boa-fé e da segurança jurídica, pelo que são nulas.
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O recorrido contra-alegou, concluindo assim:
1. A douta Sentença recorrida fez correta interpretação e aplicação da lei, pelo que não merece a censura que lhe é dirigida pelo ora Recorrente.
2. Com efeito, como bem decidiu a douta decisão recorrida, devem improceder os invocados vícios de violação do princípio de audiência prévia e de falta de fundamentação, por não se verificar nenhum dos seus pressupostos.
3. Quanto à questão de fundo, o Autor, ora Recorrente, pretende, em suma, obter do Tribunal a declaração de nulidade do ato administrativo de suspensão do pagamento da pensão comunicado pelo ofício de 2014-03-13, bem como do ato administrativo que lhe ordenou o reembolso das pensões recebidas nos anos de 2011 e 2012, comunicado pelo ofício de 2014- 06-30, por entender que as funções de defensor/advogado oficioso e de administrador judicial não se encontram abrangidas pelo regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação. Porém, como bem decidiu a douta decisão recorrida, não lhe assiste, porém, qualquer razão.
4. É que, contrariamente ao defendido pelo Autor, não há qualquer dúvida de que as funções de profissional forense do âmbito do sistema de acesso ao direito e aos tribunais (SADT) e de administrador judicial consubstanciam “funções públicas remuneradas” nos termos e para os efeitos dos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação, na redação então em vigor, ou seja, a introduzida pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de dezembro.
5. Não faz igualmente qualquer sentido o argumento de que a devolução das pensões indevidamente recebidas pelo Autor nos anos de 2011 e 2012 apenas poderia respeitar à parte proporcional correspondente ao tempo em que trabalhou para o setor público, excluindo-se assim, desse dever de reposição, a parcela da pensão relativa ao tempo em que o Autor trabalhou para o setor privado.
6. Na verdade, conforme resulta do Decreto-Lei nº 361/98, de 18 de novembro, o regime da pensão unificada baseia-se na totalização dos períodos de pagamento de contribuições e quotizações para o regime geral de segurança social e para a Caixa Geral de Aposentações para efeito de atribuição de uma pensão única, como aliás, decorre da sua própria designação.
7. Sendo uma pensão única, não é possível decompô-la e aplicar-lhe diferentes regimes, resultando claramente da lei que à pensão de aposentação unificada, na sua totalidade, são aplicáveis as regras do regime de previdência que atribui a pensão.
8. No caso, é a CGA que atribui a pensão unificada a favor do Autor, pelo que são aplicáveis à pensão, na sua totalidade, o regime de incompatibilidades previsto nos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação.
9. Também não colhe a invocada inexigibilidade do crédito, por falta de liquidação, na medida em que a atividade da CGA não se pauta pelas mesmas regras que as aplicáveis à Administração Tributária (como parece estar subentendido na tese do Autor), não impendendo, pois, sobre a ora Ré o invocado dever legal de proceder à liquidação dos montantes a cobrar.
10. Quanto à violação do princípio da igualdade, não pode, de forma alguma proceder, tanto mais que o Autor, ora Recorrente, não identifica as situações que, alegadamente, terão tido tratamento divergente ao seu. Em todo o caso, sempre se dirá, a este respeito, que o princípio da igualdade só opera no contexto da legalidade, ou seja, não existe direito à igualdade na ilegalidade.
11. E quanto à invocada violação do direito do Autor à aposentação e correlativa pensão e dos princípios da confiança jurídica e da boa fé e da segurança jurídica, conforme bem decidiu a douta decisão recorrida, vigora, desde há muito, no nosso ordenamento jurídico, o princípio geral de proibição da acumulação de remunerações pelo exercício de funções públicas (latu senso) por aposentados, pelo que não se verificam os vícios imputados pelo ora Recorrente às decisões impugnadas.
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Cumpridos os demais trâmites processuais, importa agora apreciar e decidir em conferência.
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DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO:
Os recursos, sendo dirigidos contra a decisão do tribunal recorrido e respetivos fundamentos, têm o seu âmbito objetivo delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação de recurso (cf. artigos 144º/2 e 146/4 do CPTA, artigos 5º, 608º/2, 635º/4/5, e 639º do CPC/2013, “ex vi” artigos 1º e 140º do CPTA), alegação que apenas pode incidir sobre as questões de facto e ou de direito que tenham sido apreciadas pelo tribunal recorrido ou que devessem ser aí oficiosamente conhecidas. Sem prejuízo das especificidades do contencioso administrativo (cf. artigos 73º/4, 141º/2/3, 143º e 146º/1/3 do CPTA).
Por outro lado, nos termos do artigo 149.º do CPTA, o tribunal “ad quem”, em sede de recurso de apelação, não se limita a cassar a decisão judicial recorrida, porquanto, ainda que a revogue ou a anule (isto no sentido muito amplo utilizado no CPC), deve decidir o objeto da causa apresentada ao tribunal “a quo”, conhecendo de facto e de direito, desde que se mostrem reunidos nos autos os pressupostos e condições legalmente exigidos para o efeito.
Assim, as questões a resolver neste recurso - contra a decisão recorrida – são as identificadas no ponto II.2, onde as apreciaremos.
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II – FUNDAMENTAÇÃO
II.1 – FACTOS PROVADOS
A) O Autor encontra-se inscrito na Ordem dos Advogados e está inscrito no Sistema de Acesso ao Direito dos Tribunais (SADT) desde 1998 – acordo (ar. 3º da p.i / 1º da contestação);
B) É administrador judicial, integrando a lista oficial dos Administradores Judiciais, desde 1999 - acordo (art. 4º e 5º da p.i / 1º da contestação);
C) O Autor encontra-se aposentado pela CGA desde 01.10.2000, auferindo a respetiva pensão, conforme despacho de 2000.09.12, da Direção da CGA – cf. fls. 7 do processo administrativo apenso;
D) Pelo ofício, datado de 13.03.2014, com a referência “EAC 322GL467 834-00 a CGA comunicou ao Autor o seguinte:
Assunto: Novo regime de incompatibilidade de remuneração e pensão
A Caixa Geral de Aposentações tomou conhecimento de que V. Exª exerceu funções no IGFEJ, o que configura uma situação de acumulação prevista no artigo 78º do Estatuto da Aposentação, impondo-se o dever de optar entre a suspensão do pagamento da pensão e a suspensão da remuneração, nos termos do artigo 79º do mesmo Estatuto, na redação dada pelo Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de dezembro.
Ora, dado que a Caixa não recebeu, até à presente data qualquer comunicação sobre o assunto, e não podendo deixar de dar cumprimento à lei, informo V. Exª de que, até que efetue aquela opção ou preste a devida informação, a pensão que lhe está a ser abonada ficará suspensa a partir do próximo mês de março, sem prejuízo da regularização do passado – cf. fls. 64 do processo administrativo apenso;
E) O Autor pronunciou-se por carta datada de 26.03.2014, nos termos constantes de fls. 66/67 do processo administrativo apenso, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
F) Por ofícios datados de 10.07.2014 e 22.07.2014, a CGA enviou comunicação ao Autor, nos seguintes termos:
Assunto: Novo regime de incompatibilidade de remuneração e pensão. Reposição à CGA
A Caixa Geral de Aposentações (CGA) perfilha o entendimento que a perceção de remuneração paga pelo IGFEJ – Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos de Justiça, cumulativamente com a pensão de aposentação, é vedada pelos artigos 78º e 79º do Estatuto da Aposentação (EA), na redação do Decreto-Lei nº 137/2010, de 28 de dezembro, com efeitos a partir de 1 de janeiro de 2011.
Assim, face à omissão, por parte de V. Exª de opção expressa por qual das prestações pretende abdicar, referida no nº 2 do supracitado artigo 79º do EA., informo V. Exª, de que por decisão de 2014-07-03, da Direção da CGA (…) urge promover o reembolso das pensões que recebeu nos anos de 2011 e 2012, no montante de €47.140,42, para o que se junta a correspondente guia (…).
Considerando que V. Exª já se pronunciou sobre a referida questão pela carta de 2014.03.26, não há lugar à audiência prévia, nos termos do disposto no artigo 103º/02/a, do CPA. (…) ]– cf. fls. 73 do processo administrativo apenso.
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II.2 – APRECIAÇÃO DO RECURSO
Considerando o sistema jurídico relativo à atividade de administração pública, isto é, à atividade orientada primacialmente para os interesses públicos e o bem comum como definido pela lei fundamental e pela legislação infraconstitucional; considerando que a administração pública tem como características ser uma atividade de conformação social ativa, através de medidas concretas que, orientadas pelo interesse geral e suportadas por dinheiros públicos, se destinam à regulação de casos individuais e à materialização de determinados projetos de interesse geral nos termos da lei; ou seja, considerando que o Direito administrativo é um meio de servir o fim prático de um governo efetivo desejado pelos cidadãos; podemos concluir que (1º) o princípio (estruturante) democrático, (2º) o princípio fundamental da vinculação do juiz à lei e (3º) o princípio geral da prossecução do interesse geral ou bem comum são diretrizes na utilização do método jurídico que imposto, i.a., pelas regras jurídicas resultantes do artigo 9º do CC para que, do modo menos subjetivo possível, atribuamos os corretos significados jurídicos aos enunciados linguísticos que constituem as fontes de direito. Dessa forma metodologicamente correta poderá a jurisdição administrativa fazer valer o princípio fundamental da juridicidade administrativa, no quadro de um Estado de Direito em que o poder legislativo assenta na legitimidade democrática e em que os poderes do Estado estão racionalmente divididos (primazia da lei sobre todos os atos de administração pública; a lei como o pressuposto de toda a atividade de administração pública; vinculação particularmente intensa da atividade administrativa à legislação oriunda da reserva de lei parlamentar; bem comum e interesse público como razão de ser e único fim da atividade de administração pública; princípio geral da limitação da discricionariedade administrativa; ausência de presunção de legalidade da atividade administrativa; princípio fundamental da tutela jurisdicional plena e efetiva).
Considerada a factualidade dada por assente, importa, agora, entrar na análise dos fundamentos do recurso.
Do que acima se expôs resulta que são as seguintes AS QUESTÕES A RESOLVER contra a decisão jurisdicional ora impugnada:
- Nulidade da sentença, por omissão de conhecimento (artigos 95º/1 CPTA e 608º/2 e 615º/1-d) CPC) da questão da não retroatividade dos atos administrativos, ao abrigo dos artigos 127º e 128º do CPA/91;
- Erro de julgamento quanto à questão da falta de audiência prévia;
- Erro de julgamento quanto à questão da falta de fundamentação do ato administrativo;
- Erro de julgamento quanto à interpretação-aplicação dos artigos 78º e 79º do E.A., uma vez que as atividades de administrador judicial e de patrono judiciário oficioso não têm natureza de funções públicas;
- Erro de julgamento quanto à questão da não decomposição, para efeitos de suspensão do pagamento e de reposição, da pensão unificada auferida pelo autor.
Passemos, assim, à análise do recurso de apelação.
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1 – Sobre a nulidade da sentença, por omissão de conhecimento (artigos 95º/1 CPTA e 608º/2 e 615º/1-d CPC) da questão da não retroatividade dos atos administrativos, ao abrigo dos artigos 127º e 128º do CPA/91
Na p.i. o autor invocou como causa de invalidade dos atos administrativos de março e junho de 2014 a violação da proibição de retroatividade como estava prevista nos artigos 127º e 128º do CPA/91 (vd. hoje os artigos 155º e 156º CPA).
Mas o TAC não a apreciou.
Pelo que, violando assim os artigos 95º/1 do CPTA e 608º/2 do CPC, cometeu a nulidade prevista no artigo 615º/1-d) do CPC. A sentença, é, pois, nula.
Vamos apreciar agora aquela questão a resolver no presente processo.
A E.D. decidiu em 2014 suspender o pagamento da pensão do autor e decidiu determinar a reposição das pensões auferidas em 2011 e 2012, invocando para tal a violação da proibição resultante dos artigos 78º e 79º do E.A.
Retroatividade jurídica quer dizer regular situações jurídicas já constituídas. Aqui, refere-se não à suspensão, mas obviamente à reposição das pensões recebidas em 2011 e 2014. Neste sentido vai o artigo 127º/2-c) do CPA/91,
No caso presente, a reposição está prevista no artigo 79º/5 do E.A. Como a suspensão do pagamento está prevista no artigo 79º/2 do E.A.
Assim, a CGA não violou a regra do artigo 127º/1 do CPA, uma vez que atuou ao abrigo dos artigos 78º e 79º/2/5 do E.A.
Pelo que improcede esta questão a resolver.

2 – Sobre o erro de julgamento quanto à questão da falta de audiência prévia
A audiência prévia é um dever da A.P. e um direito do destinatário do ato administrativo, nos termos dos artigos 100º ss do CPA/91.
A sua violação, ao contrário do entendido pelo autor, é causa de anulabilidade do ato (cf. artigo 135º CPA) e não de nulidade.
No caso presente, há 2 atos administrativos: a suspensão do pagamento da pensão decidida em março de 2014 e a ordem de devolução das pensões recebidas em 2011 e 2012 decidida em junho de 2014.
Ora, resulta do probatório que em nenhum dos casos a CGA enviou ao autor o seu projeto de decisão, para efeitos de o autor se pronunciar. A CGA decidiu cada uma das situações sem antes ouvir o visado, o aqui autor.
Pelo que a CGA violou o seu dever de dar audiência prévia ao ora autor-recorrente.
Assim, procede esta questão a resolver.

3 - Sobre o erro de julgamento quanto à questão da falta de fundamentação do ato administrativo
Aquilo que é invocado na p.i. não é (i) a falta de fundamentação dos atos administrativos impugnados – importante aspeto referente à validade e anulabilidade das decisões administrativas, mas sim (ii) que as notificações das decisões subjudice não continham a fundamentação dos atos administrativos (cf. artigos 66º ss CPA/91, maxime artigo 68º) – aspeto este que é referente à eficácia do ato, o que releva para efeitos de, i.a., caducidade do direito de ação (esta intentada em 14-10-2014).
São realidades bem distintas.
A questão colocada pelo autor resolve-se não com a invalidade dos atos administrativos (que, aqui, estão fundamentados, como se vê no p.a. e no probatório), mas, sim, resolve-se de acordo com o previsto no artigo 60º do CPTA, preceito este que o autor terá ignorado apesar do disposto nos artigos 58º e 59º.
Os atos administrativos não são, assim, ilegais pelo facto de as respetivas notificações o serem eventualmente.
Pelo que improcede esta questão a resolver.

4 - Sobre o erro de julgamento quanto à interpretação-aplicação dos artigos 78º e 79º do E.Apos., uma vez que as atividades de administrador judicial e de patrono judiciário oficioso não têm natureza de funções públicas
4.1.
O teor de tais preceitos legais é o seguinte:
Artigo 78º
1. Os aposentados não podem exercer funções públicas remuneradas para quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas, exceto quando haja lei especial que o permita ou quando, por razões de interesse público excecional, sejam autorizados pelos membros do governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública.
2. Não podem exercer funções públicas nos termos do número anterior:
a) Os aposentados que se tenham aposentado com fundamento em incapacidade;
b) Os aposentados por força de aplicação da pena disciplinar de aposentação compulsiva.
3. Consideram-se abrangidos pelo conceito de exercício de funções:
a) Todos os tipos de atividade e de serviços, independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração;
b) Todas as modalidades de contratos, independentemente da respetiva natureza, pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços.
4. A decisão de autorização do exercício de funções é precedida de proposta do membro do Governo que tenha o poder de direção, de superintendência, de tutela ou influência dominante sobre o serviço, entidade ou empresa onde as funções devam ser exercidas, e produz efeitos por um ano, exceto se fixar um prazo superior, em razão da natureza das funções.
5. [Revogado].
6. O disposto no presente artigo aplica-se igualmente ao pessoal na reserva fora de efetividade ou equiparado.
7. Os termos a que deve obedecer a autorização de exercício de funções prevista no n.º 1 pelos aposentados com recurso a mecanismos legais de antecipação de aposentação são estabelecidos, atento o interesse público subjacente, por portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da Administração Pública, sem prejuízo do disposto nos números anteriores.
Artigo 79.º
1. Os aposentados, bem como os referidos no n.º 6 do artigo anterior, autorizados a exercer funções públicas não podem cumular o recebimento da pensão com qualquer remuneração correspondente àquelas funções.
2. Durante o exercício daquelas funções é suspenso o pagamento da pensão ou da remuneração, consoante a opção do aposentado.
3. Caso seja escolhida a suspensão da pensão, o pagamento da mesma é retomado, sendo esta atualizada nos termos gerais, findo o período da suspensão.
4. O início e o termo do exercício de funções públicas são obrigatoriamente comunicados à Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), pelos serviços, entidades ou empresas a que se refere o n.º 1 do artigo 78.º no prazo máximo de 10 dias a contar dos mesmos, para que a CGA, I. P., possa suspender a pensão ou reiniciar o seu pagamento.
5. O incumprimento pontual do dever de comunicação estabelecido no número anterior constitui o dirigente máximo do serviço, entidade ou empresa, pessoal e solidariamente responsável, juntamente com o aposentado, pelo reembolso à CGA, I. P., das importâncias que esta venha a abonar indevidamente em consequência daquela omissão.

Em síntese, ao abrigo do artigo 9º do CC, tais preceitos legais significam que os aposentados não podem exercer
(1) qualquer tipo de atividade ou serviço remunerados,
(2) com ou sem contrato,
para (i) quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, (ii) empresas públicas, (iii) entidades públicas empresariais, (iv) entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e (v) demais pessoas coletivas públicas.
4.2.
Socorrendo-nos do Ac. do STA de 13-02-2017, P. nº 01456/16, e do Ac. do STA de 18-01-2018, P. nº 0353/17, diremos ainda o que segue relativamente à atividade de administrador judicial.
Ali, nos cits. artigos do EA, “funções públicas” abarca todas as relações/vínculos de emprego estabelecidas entre uma pessoa física com uma pessoa coletiva pública e cuja disciplina jurídica, podendo ser juslaborais ou jusadministrativas, tenha, todavia, na base e enquanto denominador comum, um regime juspublicista. Abrange também o exercício de cargos públicos, mormente, daqueles que, fora de subordinação jurídica, exercem cargos diretivos ou são titulares de órgãos administrativos. E ainda todos os tipos de atividade e de serviços [independentemente da sua duração, regularidade e forma de remuneração], bem como todas as modalidades de contratos [independentemente da respetiva natureza - pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços] com quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, empresas públicas, entidades públicas empresariais, entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e demais pessoas coletivas públicas.
Os administradores judiciais, constantes das listas oficiais, exercem nos processos de revitalização e de insolvência para os quais são nomeados e presente todo o quadro normativo atrás apontado funções de representação judicial e extrajudicial em vários domínios e níveis, de controlo, de coerção e de apreensão, de coadjuvação e auxiliar do juiz, de fiscalização, de gestão, liquidação e pagamento da massa insolvente, elaborando, produzindo e participando a vários títulos e em vários atos e diligências.
Da análise do regime normativo disciplinador das condições de exercício de funções de administrador judicial, constantes do EAI na sua articulação com o CIRE e com aquilo as regras definidoras dos regimes de vinculação dos trabalhadores que exercem funções públicas, não resulta que, da inclusão numa das listas oficiais como administrador judicial, após concurso, prestação de provas e graduação final [hoje, ainda, mediante formação inicial e estágio - cfr. arts. 3.º a 10.º da Lei n.º 22/2013 e DL n.º 134/2013], derivasse ou derive para aquele a constituição de um qualquer vínculo de trabalho subordinado de natureza administrativa, de algum vínculo de emprego público, porquanto, presente o próprio princípio da tipicidade dos vínculos jurídicos constitutivos das relações de emprego na Administração Pública, aquele ato nomeação não figura entre o leque dos atos jurídicos que, legalmente, conferiam tal vínculo [nomeação, comissão de serviço, ou contrato de trabalho em funções públicas], nem a relação que por efeito dele se estabelece envolve uma qualquer relação jurídica ou estatuto funcional de emprego público.
É que inexiste, in casu, uma atividade de prestação de trabalho subordinado, uma relação de dependência desenvolvida no quadro ou integrada numa estrutura organizacional e sujeita a uma direção e autoridade disciplinar, na certeza de que da celebração de contrato de prestação de serviços, mormente, nas modalidades de avença e de tarefa, não envolvendo uma situação de subordinação ou de dependência jurídica, não deriva também dela a constituição de um vínculo de emprego público [cfr., atualmente, o disposto no art. 10.º, n.ºs 3 e 4, da LTFP].
E de tal inclusão como administrador judicial numa dessas listas oficiais não resulta, de igual modo, a constituição de uma qualquer relação contratual laboral de natureza privatística, sujeita e disciplinada pelo Direito de trabalho, já que inexiste, também aqui, uma prestação de trabalho subordinado no quadro de um contrato individual de trabalho que haja sido celebrado, com sujeição ou conformação, quanto ao modo como tal prestação se deve realizar, à autoridade e direção do empregador, à autotutela laboral disciplinar deste.
Aliás, o regime legal estatutário dos administradores de insolvência/administradores judiciais expressamente dispõe no n.º 6 do art. 5.º que «[a] inscrição nas listas oficiais não investe os inscritos na qualidade de agente nem garante o pagamento de qualquer remuneração fixa por parte do Estado».
Temos, assim, que o exercício de funções como administrador de insolvência/administrador judicial corresponde ao exercício de uma tarefa que reveste de manifesto interesse público, já que corresponde ao exercício, em múltiplos planos, de funções variadas no quadro de processos de revitalização ou de insolvência [esta enquanto execução universal tendo por finalidade a satisfação dos credores pela forma prevista num plano de insolvência – cfr. art. 1.º do CIRE] por sujeito privado, por um particular, de um determinado serviço por tempo indeterminado e sem limite máximo de processos [cfr. n.º 1 do art. 3.º do EAI] e não conferidor de qualquer vínculo de subordinação [cfr., nomeadamente, n.º 6 do art. 5.º do mesmo Estatuto], para que foi investido, em decorrência de o mesmo se mostrar dotado de especiais conhecimentos e qualidades que o habilitam à realização daquele serviço, por ato procedimental ou processual [de nomeação ou de indicação].
Com efeito, não envolvendo a constituição de um qualquer vínculo de subordinação jurídica e hierárquica no quadro de relação de emprego [público ou privado], deverá entender-se como um exercício por conta própria, enquanto sujeito privado/particular, de funções no quadro de uma prestação dum serviço, que se estabelece, em termos ocasionais, através de atos de indicação e de nomeação proferido pelo juiz do processo [cfr. arts. 32.º, 36.º, e 52.º do CIRE], sem qualquer regularidade, e que está sujeita a regime privado de responsabilidade civil pelos danos causados ao devedor e aos credores da insolvência e da massa insolvente pela inobservância culposa dos deveres que lhe incumbem definido pelo art. 59.º do CIRE.
E pela prestação ou exercício daquelas funções, realizadas mediante sucessivas intervenções judiciais e extrajudiciais, orais e escritas, nas várias fases e momentos de cada processo de insolvência, é devida remuneração variável, fixada de modo diverso e por diferentes sujeitos em função também dos múltiplos tipos de situações do insolvente e da sua massa e da complexidade do processo, bem como são reembolsadas as despesas necessárias ao cumprimento das mesmas funções [cfr. arts. 19.º a 24.º, 26.º e 27.º do EAI, 32.º, n.º 3, 53.º, n.º 1, 55.º, n.º 7, 60.º, 155.º, n.º 1, al. d), e 220.º, n.º 5, todos do CIRE, 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do RCP].
Na atividade que tais administradores de insolvência/administradores judiciais desempenham, os mesmos não desenvolvem a sua função no âmbito ou enquanto sujeitos integrados em qualquer dos sujeitos ou entes previstos no n.º 1 do art. 78.º do EA ou que os mesmos prestem um qualquer serviço que, concretamente, os beneficie ou se destine aos mesmos na prossecução das suas atribuições e funções, pois, inexiste no caso uma prestação de função para qualquer daqueles sujeitos ou entes.
É que aqueles são nomeados pelo juiz do processo, dispõem de independência funcional, já que designados de entre uma lista oficial de cidadãos sujeitos a inibição e impedimentos vários, sendo-lhes exigida a emissão e prática de vários atos e diligências que nada têm que ver com o exercício de uma função para um concreto serviço dos identificados no n.º 1 do art. 78.º do EA e que exigem dos mesmos a detenção de especiais e elevados conhecimentos técnicos e garantias de idoneidade [cfr., nomeadamente, arts. 6.º a 11.º do EAI].
Trata-se, assim, de exercício de funções de grande responsabilidade, corporizando uma atividade funcionalizada à realização de vários interesses, mormente públicos, prosseguidos nos processos de revitalização e de insolvência nas suas várias fases, confirmada pelos referidos requisitos habilitacionais e garantias de imparcialidade e de idoneidade não só para a sua seleção e inclusão numa das listas oficiais, mas, também, para o exercício de funções.
Assim, ainda que a atividade de administrador de insolvência/administrador judicial se mostre desenvolvida por particulares e seja feita no quadro de tarefa ou incumbência que é também pública, já que finalizada ou revertível à prossecução de interesses gerais da coletividade, temos, todavia, que tal atividade não resulta integrada na previsão do n.º 1 do art. 78.º do EA, porquanto não estamos em face do exercício de uma função remunerada para algum dos sujeitos ou entes elencados no preceito e no desenvolvimento, quadro e funções por estes prosseguidas.
É que, se à luz do n.º 3 do art. 78.º do EA se mostram irrelevantes a duração, regularidade e forma de remuneração da atividade e serviço ou a natureza pública ou privada, laboral ou de aquisição de serviços do concreto vínculo contratual, temos que aquela atividade ou serviço desenvolvido pelos administradores de insolvência/administradores judiciais terá de se integrar ou de aproveitar/beneficiar os entes/sujeitos públicos previstos no n.º 1 citado preceito, naquilo que sejam as concretas atribuições e funções pelas mesmas prosseguidas ou desenvolvidas.
Inexistindo uma tal integração ou aproveitamento/benefício não poderemos falar num exercício de funções para qualquer daqueles entes/sujeitos públicos, mas, no fundo, para o assegurar nos processos de revitalização e de insolvência da promoção ou realização da função jurisdicional efetuada através dos tribunais, na certeza de que todo o regime de disciplina da exigência e pressupostos da autorização a conferir pelo membro de governo responsável pelas áreas das finanças e da Administração Pública [cfr. arts. 78.º, n.ºs 1, 4, 6 e 7, e 79.º do EA], enquanto exceção à regra da incompatibilidade, revela-se como dificilmente conciliável, até como mesmo oposto, face àquilo que é a função das listas oficiais e, bem assim, àquilo constituem as competências e o regime insertos no CIRE quanto à indicação e à nomeação dos administradores de insolvência/administradores judiciais para o exercício das funções de que são investidos no âmbito daqueles processos judiciais, mormente, daquilo que são as competências de juízes e de outros atores e intervenientes no quadro dos referidos processos, tal como também ao próprio regime de incompatibilidades, de impedimentos, de suspeição e de idoneidade, da sua arguição e declaração constantes do EAI e na sua articulação com o CIRE.
Mas, para além disso, exigir-se-ia ainda para o preenchimento da previsão da incompatibilidade de funções por parte de aposentado/reformado que as mesmas sejam remuneradas, sendo que tal remuneração de funções carece de ser feita com dinheiros públicos para que opere uma tal incompatibilidade no estatuto daquele.
No contexto do regime normativo em referência e dos fins pelo mesmo prosseguidos, ou dos interesses que com o mesmo se visam promover ou acautelar, apenas faz sentido o estabelecimento de uma tal incompatibilidade quando a remuneração das funções exercidas seja feita com recurso a dinheiros públicos, já que do que falamos, ou o que está em causa, prende-se com realização de despesa pública, com o dispêndio de dinheiros provenientes de orçamentos públicos nos pagamentos de pensões/reformas a aposentados/reformados e das funções/tarefas ou atividades pelos mesmos desenvolvidas em acumulação para sujeitos ou entidades públicas.
Foi essa, aliás e como vimos supra, a motivação alegada pelo legislador no preâmbulo do aludido DL n.º 137/2010 justificadora da alteração do regime legal do EA nesta matéria, ou seja, a eliminação da possibilidade de acumulação de vencimentos públicos com pensões do sistema público de aposentação norteada pelas necessidades de redução da despesa pública e do reforço/aceleração da estratégia de consolidação orçamental.
Ora as funções dos administradores de insolvência/administradores judiciais constituem atividade/serviço remunerado, tal como se extrai do cotejo e da análise do regime inserto nos arts. 60.º do CIRE, 19.º a 24.º, 26.º e 27.º do EAI em articulação com a Portaria n.º 51/2005, de 20.01, e artigos 16.º, n.º 1, als. h) e i), 17.º, 25.º, n.º 2, al. c), e 26.º, todos do RCP.
Da análise deste regime ressalta que a remuneração dos administradores judiciais, inscritos numa das listas oficiais no quadro dos processos de revitalização e insolvência, e ainda as despesas pelos mesmos havidas para a realização da sua atividade não se pode concluir como claro e inequívoco que venham ou tenham de ser suportados em termos finais com recurso a dinheiros públicos.
Se na sequência do atrás referido não se poderá, com propriedade, afirmar que estamos perante uma remuneração devida por uma atividade ou um serviço prestado a um ente ou sujeito previsto no art. 78.º, n.º 1, do EA, já que nos movemos num quadro de atividade ou exercício de funções ou serviço prestado à e na realização da função parajurisdicional, temos também que a remuneração e despesas havidas não terão de ser suportados necessariamente por dinheiros públicos.
Desde logo, existem diferenças nos regimes remuneratórios dos administradores judiciais, nomeadamente, quanto à sua estrutura, composição, e momento, em função de serem nomeados por juiz ou nomeados pela assembleia de credores ou a massa insolvente compreender a gestão de estabelecimento [cfr. arts. 20.º, 21.º e 22.º do EAI em articulação com a Portaria n.º 51/2005], sendo diverso o regime de remuneração da elaboração do plano de insolvência [cfr. art. 23.º do EAI] e do administrador judicial provisório [cfr. art. 24.º do EAI].
Depois, nos termos do previsto nos n.ºs 1 e 4 do art. 26.º do EAI, a remuneração do administrador da insolvência/«administrador judicial e a remuneração pela gestão, e, bem assim, o reembolso das despesas, são suportados pela massa insolvente, tanto mais que as mesmas são dívidas da massa insolvente [cfr. al. b) do n.º 1 do art. 51.º do CIRE e artigo 29º do EAJ], sendo que tal remuneração e as provisões das despesas são adiantadas também pela mesma massa [cfr. n.ºs 5 e 6 do mesmo preceito], e os credores podem, igualmente, assumir o encargo de adiantamento daquela remuneração ou das respetivas despesas, adiantamento esse a ser reembolsado depois pela referida massa [cfr. n.ºs 9 a 11 do citado preceito].
Deste regime-regra ressalvam-se apenas as situações de insuficiência da massa insolvente e de encerramento por insuficiência da massa insolvente [cfr. arts. 39.º e 232.º do CIRE e 27.º do EAI] em que a remuneração e reembolso de despesas é suportado pelo IGFEJ.
Por outro lado, os custos havidos com adiantamentos de remunerações daqueles administradores e das despesas por estes realizadas no exercício das suas funções no âmbito dos processos de revitalização e de insolvência constituem despesas e encargos e, como tal, depois entram em regra de custas, como encargos a imputar na conta de custas, para serem pagos pela massa insolvente dado se tratarem de suas dívidas [cfr. arts. 527.º, 529.º, 532.º, 533.º, todos do CPC, 24.º, 25.º, 26.º, 29.º e 30.º do RCP, 32.º, n.º 3, 51.º, 248.º e 304.º do CIRE].
Daí que não possamos afirmar que as despesas destinadas ao pagamento dos custos havidos com o exercício de funções pelos administradores judiciais seja feita normalmente ou sempre e necessariamente com dinheiros públicos, não podendo o Estado, através do IGFEJ, deixar de liquidar a remuneração e despesas devidos a tais administradores quando aposentados/reformados, ao arrepio de todo o regime de custas, regime este que nem contém normas que possam contender com o que se disciplina no EA.
Mas também aqui o regime previsto nos arts. 78.º e 79.º do EA quadra mal com aquilo que constitui o regime próprio disciplinador do exercício de funções dos referidos administradores abrangidos pelo EAI e pelo CIRE, porquanto tal implicaria que a autoridade judiciária pudesse ou tivesse competência para “excluir” das listas oficiais de administradores de insolvência/administradores judiciais os aposentados/reformados designando para o efeito apenas os administradores ainda no ativo.
Nessa medida, em consonância com tudo o atrás exposto, os administradores judiciais integrantes de uma das listas oficiais previstas nos EAI e CIRE, para o exercício de tais funções no âmbito dos processos de revitalização e insolvência disciplinados pelo CIRE, não estão abrangidos pelo regime de incompatibilidade definido nos arts. 78.º e 79.º do EA.
Pelo que o ato impugnado padece, já que prolatado em infração do disposto nos referidos artigos, na sua articulação com o demais quadro normativo convocado, de ilegalidade geradora de anulabilidade [cfr. art. 135.º do CPA].
E, assim sendo, a sentença decidiu incorretamente esta concreta questão.
Pelo que procede esta questão a resolver.
4.3.
Passemos à atividade de patrono judiciário oficioso, no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais da Ordem dos Advogados.
Relevam aqui a Lei nº 34/2004, alterada em 2007 (lei de acesso ao direito e aos tribunais) e a Portaria n.º 10/2008 (regulamento da lei de acesso ao direito).
De acordo com o artigo 36º da cit. lei de acesso ao direito e aos tribunais, sempre que haja um processo judicial, os encargos decorrentes da concessão de proteção jurídica, em qualquer das suas modalidades, são levados a regra de custas a final; e os encargos decorrentes da concessão de apoio judiciário nas modalidades previstas nas alíneas b), c), e) e f) do n.º 1 do artigo 16.º (nomeação e pagamento da compensação de patrono, pagamento da compensação de defensor oficioso, nomeação e pagamento faseado da compensação de patrono, pagamento faseado da compensação de defensor oficioso) são determinados nos termos de portaria do membro do Governo responsável pela área da justiça.
De acordo com o artigo 2º da cit. portaria, o regulamento da lei de acesso ao direito, a nomeação de patrono ou de defensor é efetuada pela Ordem dos Advogados, podendo ser realizada de forma totalmente automática, através de sistema eletrónico gerido por esta entidade; os tribunais, as secretarias ou serviços do Ministério Público, os órgãos de polícia criminal e os serviços de segurança social devem solicitar a nomeação de patrono ou de defensor à Ordem dos Advogados, sempre que, nos termos da lei, se mostre necessária.
Ou seja, o Estado delegou na O.A. a cit. nomeação.
Nos termos do artigo 10º do regulamento da lei de acesso ao direito, a candidatura para participar no sistema de acesso ao direito é voluntária; a seleção dos profissionais forenses para participar no sistema de acesso ao direito é efetuada em termos a definir pela Ordem dos Advogados; a seleção deve procurar assegurar a qualidade dos serviços prestados aos beneficiários de proteção jurídica no âmbito do sistema de acesso ao direito.
Ou seja, o Estado delegou na O.A. a cit. seleção.
E, de acordo com o artigo 28º do regulamento da lei de acesso ao direito, o pagamento da compensação devida aos profissionais forenses deve ser processado pelo IGFIJ, I. P., até ao termo do mês seguinte àquele em que é confirmada no sistema, pela secretaria do tribunal ou serviço competente junto do qual corre o processo, a prática dos factos determinantes da compensação, tendo em conta a informação remetida pela Ordem dos Advogados ao IGFIJ, I. P.
Ou seja, o orçamento do Estado e do referido instituto público pagam aos cits. profissionais forenses.
Não há, pois, dúvidas de que se trata de uma atividade paga por dinheiros públicos e de uma atividade prestada ao Estado em sentido amplo, onde se incluem os institutos públicos como o IGFEJ e as associações profissionais como a O.A. (pessoas coletivas públicas).
Não é uma atividade prestada ao cidadão sem intervenção decisiva, anterior e posterior, de entidades públicas, porque de permeio estão os tribunais, o M.J., o IGFEJ e a O.A. Esta associação pública nomeia o patrono judicial e o IGFEJ, I.P. procede ao pagamento devido pelo Estado ao patrono nomeado por aquela associação pública.
Trata-se, assim, de uma atividade económica de um jurista para o Estado, autorresponsabilizado pelo apoio judiciário, atividade essa que é realizada através da Ordem dos Advogados e que é paga pelo erário público.
Esta conclusão não é beliscada por causa da especificidade, longe de ser o habitual aliás, prevista no artigo 66º/5 do CPP: “O exercício da função de defensor nomeado é sempre remunerado, nos termos e no quantitativo a fixar pelo tribunal, dentro de limites constantes de tabelas aprovadas pelo Ministério da Justiça ou, na sua falta, tendo em atenção os honorários correntemente pagos por serviços do género e do relevo dos que foram prestados. Pela retribuição são responsáveis, conforme o caso, o arguido, o assistente, as partes civis ou os cofres do Ministério da Justiça.”.
Portanto, a situação do autor como advogado oficioso ou nomeado, em sede de patrocínio judiciário no âmbito do Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais da Ordem dos Advogados, cabe nas normas jurídicas proibitivas resultantes dos artigos 78º e 79º do E.A.
É que, como já dissemos, os aposentados não podem exercer (1) qualquer tipo de atividade ou serviço remunerados, (2) com ou sem contrato, para (i) quaisquer serviços da administração central, regional e autárquica, (ii) empresas públicas, (iii) entidades públicas empresariais, (iv) entidades que integram o setor empresarial regional e municipal e (v) demais pessoas coletivas públicas.
Portanto, apesar da brevidade excessiva, a sentença analisou corretamente este ponto, bem como a CGA.
Pelo que improcede esta questão a resolver.

5 - Sobre o erro de julgamento quanto à questão da não decomposição, para efeitos de suspensão do pagamento e de reposição, da pensão unificada auferida pelo autor
O que resulta claro dos artigos 78º e 79º do EA é que está em causa a pensão atribuída ao pensionista.
A proibição nada tem a ver com a origem privada ou pública das bases privadas ou públicas da única pensão atribuída. A pensão é sempre paga, hoje, com dinheiros públicos.
O que a lei visa e determina é a proibição de receber a pensão (unificada ou não) a pagar pela CGA.
Não é, assim, permitido acumular qualquer pensão paga pela CGA com o exercício da atividade de patrono judiciário oficioso ou nomeado.
Pelo que improcede esta questão.

6 – Outras questões colocadas na p.i.
Relativamente à alegada violação do princípio da igualdade (art. 13º da CRP), certo e decisivo é que não identificou o Autor as situações em concreto em que a ED terá agido de forma iníqua, sendo ainda lógico que o princípio da legalidade administrativa não tolera uma igualdade na ilegalidade.
Por outro lado, o autor afirmou que foram violados os princípios da confiança e boa-fé, na medida em que decidiu pela sua reforma antecipada por lhe assistir a possibilidade de se inscrever na lista oficial de gestores e liquidatários judiciais, como fez, para assim prestar os serviços em causa e receber a correspondente remuneração. Pelo que, concluiu o Autor, a limitação ou impedimento do recebimento da remuneração pelo exercício dessa atividade efetuada pela aplicação do disposto no artigo 78.º do Estatuto da Aposentação violaria os cits. princípios gerais da atividade legislativa.
Ora, é certo que o ser humano carece, para além de liberdade, de segurança, para poder planificar e conformar de forma autónoma e responsável a sua vida.
Daí que a efetivação do princípio do Estado de Direito, no nosso quadro constitucional, impõe que seja assegurado um certo grau de calculabilidade e previsibilidade dos cidadãos sobre as suas situações jurídicas, ou seja, que se mostre garantida a confiança na atuação dos entes públicos (neste sentido, cf. Acórdão do STA de 09.07.2014, no processo nº 02561/13).
Não obstante, por vezes, a alteração normativa que afeta as expetativas dos cidadãos pode ser imposta atenta a prossecução ou salvaguarda de outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos e que, na dicotomia com os afetados, estes se mostrem prevalecentes.
Nos termos melhor expressados na jurisprudência do Tribunal Constitucional, entende-se que a expectativa de cumular os montantes remuneratórios pelo exercício das funções de perito judicial ou de administrador judicial com a pensão de aposentação tenha de ceder em face da tutela de um interesse público contrastante de maior peso, que consiste em evitar que o Estado suporte o pagamento de uma pensão pela aposentação a uma pessoa a quem, simultaneamente, lhe pague remunerações com dinheiros públicos.
Com efeito, o propósito da alteração legislativa introduzida no Estatuto da Aposentação foi o de evitar que pessoas às quais foi reconhecido o direito à aposentação (atendendo à idade e à duração da carreira contributiva) e ao recebimento da respetiva pensão se mantenham, todavia, no exercício de atividades económicas em que é o erário público a suportar o encargo com a pensão de aposentação e as remunerações por aquelas atividades.
Refira-se, por fim, que o princípio da não acumulação de pensões de aposentação com remunerações pelo exercício de funções públicas, já vem sendo considerado pelo legislador há muito tempo, desde a versão originária do Estatuto da Aposentação, sendo somente admissível a titulo excecional inicialmente, e tendo vindo posteriormente a sofrer uma maior restrição face à evolução das “novas realidades”, designadamente da diversidade de entidades públicas ou detidas por capitais públicos, e face aos princípios da justiça intergeracional e da sustentabilidade da segurança social (cfr., v.g., o Acórdão 396/2011 do Tribunal Constitucional, no processo 72/11).
Pelo que a proibição atualmente contida nos artigos 78º e 79º não viola os princípios da confiança e da boa-fé.
Em consequência de tudo o exposto, conclui-se que o pedido cumulado sob b) não está em causa e que são infundados os pedidos subsidiários sob b) e c).

7 – Consequência
Como vimos, apurou-se uma ilegalidade procedimental e uma ilegalidade substantiva a propósito dos atos administrativos impugnados.
Mas também concluímos que a acumulação da pensão com a atividade de patrono judiciário nomeado era e é proibida.
Isto tem como consequência jurídica o seguinte: a CGA estava vinculada pelos cits. artigos 78º e 79º do E.Ap. a decidir no sentido impugnado pelo autor, suspendendo o pagamento da pensão e exigindo o reembolso das pensões recebidas em 2011 e 2012; aliás, assim sendo, como é, nada mais havia a explicar ou destrinçar, ao contrário do pressuposto nas conclusões 83 ss das conclusões do recurso. É que o autor não podia estar na situação de acumulação da pensão com a atividade de patrono judiciário nomeado.
Portanto, o vício procedimental da falta da audiência prévia do ora autor (fonte de anulabilidade – artigo 135º CPA/91) deve ser aqui inoperante, para aproveitamento do ato administrativo anulável, por motivos de racionalidade e economia de procedimentos, naquilo que depois veio a ser consagrado no artigo 163º/5-a) do CPA/2015: não se produz o efeito anulatório quando o conteúdo do ato anulável não possa ser outro, por o ato ser de conteúdo vinculado (…).
E, por outro lado, sendo ilegal um dos fundamentos invocados pela CGA, é legal e vinculado o outro fundamento, ou seja, o da natureza pública (nos termos referidos) da atividade de patrono judiciário nomeado, impondo-se assim o aproveitamento do ato administrativo (anulável, por força das duas ilegalidades apuradas - artigo 135º CPA/91), não naquilo que depois veio a ser consagrado no artigo 163º/5-c) do CPA/2015 (não se produz o efeito anulatório quando se comprove, sem margem para dúvidas, que, mesmo sem o vício, o ato teria sido praticado com o mesmo conteúdo), mas ainda e de novo na cit. al. a) (cf. MÁRIO AROSO, T.G.D.A., …, 3ª ed., nºs 101, 102 e 121; H. MAURER, Derecho Administrativo, Parte General, trad. da 17ª ed. de 2009, public. Marcial Pons, 20011, pp. 290 ss)
Com efeito, não é razoável anular um ato administrativo correto quando se chegue à conclusão segura de que a anulação a mais não conduziria do que à prática de outro ato com o mesmo conteúdo ou sentido. Assim, afasta-se a sanção jurídica prevista para o ato anulável, sem prejuízo de o ato continuar a ser ilícito.
*
III - DECISÃO
Por tudo quanto vem de ser exposto e de harmonia com os poderes conferidos no artigo 202º da Constituição, acordam os juizes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul em declarar a nulidade da sentença recorrida por omissão de pronúncia, negar provimento ao recurso e, conhecendo em substituição do tribunal a quo (artigo 149º CPTA) com a fundamentação acabada de expor, decidir absolver a ré de todos os pedidos.
Custas a cargo do autor e recorrente nas duas instâncias.
Registe-se e notifique-se.
Lisboa, 11-07-2018
Paulo H. Pereira Gouveia – Relator

Catarina Jarmela

Conceição Silvestre