Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:7870/14.3BCLSB
Secção:CT
Data do Acordão:06/24/2021
Relator:VITAL LOPES
Descritores:LUCRO TRIBUTÁVEL;
LUCRO CONSOLIDADO;
GRUPO DE EMPRESAS;
INTERPRETAÇÃO DO ACTO ADMINISTRATIVO;
CADUCIDADE DO ACTO
Sumário:1. A extinção, por caducidade, da situação jurídica de tributação pelo lucro consolidado constituída por despacho do órgão competente, não opera ope legis devendo ser declarada pela AT em procedimento aberto para o efeito (art.º 59/7 do CIRC, na redacção do DL 251-A/91 de 16 de Julho).
2. Como assim, incorre em vício de lei por erro nos pressupostos a liquidação correctiva da tributação pelo lucro consolidado sem que tenha sido previamente e em procedimento próprio, verificada e declarada a caducidade da situação constituída.
Votação:UNANIMIDADE - DECLARAÇÃO DE VOTO
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:ACORDAM EM CONFERÊNCIA NA 2.ª SUBSECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DO TRIBUNAL CENTRAL ADMINISTRATIVO SUL


I. RELATÓRIO

O Exmo. Representante da Fazenda Pública, recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou procedente a impugnação apresentada por “A….., S.A.” contra a liquidação adicional de IRC relativa ao exercício de 1994, no montante de 317.995,26 Euros, incluindo juros compensatórios.

O Recorrente termina as alegações de recurso, formulando as seguintes e doutas conclusões:
«
I) A sociedade impugnante solicitou no ano de 1992 a autorização a que aludia o art° 59 do CIRC para que o lucro tributável em IRC fosse calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integram.”
II) Certo é que, caso ocorresse uma alteração do grupo, como se referia no art. 59° n.° 7 do CIRC, a sociedade dominante deveria obter a autorização para o novo grupo sob pena de caducar a autorização concedida à sociedade dominante a partir do exercício seguinte, inclusive.
III) No caso dos autos, constata-se que do grupo que foi autorizado não constava a sociedade A….., Lda. (adiante também referida como A…..), dado que não foi autorizada pela AF a inclusão desta sociedade no grupo, por entender, conforme ofício que comunica a autorização à Impugnante, que não se verificavam os condicionalismos que permitiam essa inclusão no exercício de 1992.
IV) E a Impugnante tendo sido notificada dessa decisão, ainda que da mesma discordasse, da mesma não reagiu nos prazos legais. Consolidando-se assim que a autorização concedida não abrangia a sociedade A….., Lda.
V) Ora Impugnante na sua reclamação graciosa, de cujo indeferimento deduziu a presente Impugnação, explicou que não solicitou a autorização para a sociedade A….. não devido a considerar que poderia manter-se a autorização concedida ao grupo devido ao teor literal da notificação, mas porque entendeu não ser necessário solicitar essa autorização na medida em que havia decidido o encerramento da sociedade em causa.
VI) Resultando da lei a obrigação de comunicar a integração daquela sociedade no grupo, em virtude de preencher as condições previstas no artigo 59° n.° 2 do CIRC, sob pena de caducidade da autorização concedida, a sociedade impugnante sabia, e tinha a obrigação de saber, que em face da exclusão do perímetro do grupo da sociedade A….., por esta não preencher as condições para a inclusão no exercício de 1992, teria de solicitar nova autorização nos termos do artigo 59° do CIRC.
VII) Não resultava da lei a possibilidade de opção quanto à inclusão ou não no grupo das sociedades que preenchessem aquelas condições, caso pretendesse a sociedade dominante a tributação nos termos do art. 59° do CIRC.
VIII) E nem foi isso, nem poderia ser, o que se pretendeu comunicar à Impugnante quando a AF a informou que poderia esta (enquanto sociedade dominante do grupo) solicitar em 1993 nova autorização para a inclusão no grupo da sociedade A….., caso se mantivessem as condições de que dependia aquela inclusão.
IX) No caso dos autos, o grupo autorizado foi objecto de alteração, devendo ser apresentado o correspondente pedido de inclusão no grupo relativamente à sociedade A….., dado que à data da apresentação do requerimento esta sociedade não reunia os requisitos para integrar o grupo, não podendo funcionar aquele requerimento de 29/04/1994, como comunicação da integração desta sociedade no grupo.
X) Isto porque, foi o mesmo requerimento expressamente objecto de apreciação pela Administração Tributária e expressamente foi comunicada a não aceitação da integração no grupo da referida sociedade por não reunir as necessárias condições para o efeito.
XI) Ora, também relativamente ao ano de 1993 poderiam não se encontrar reunidas as condições para a sua inclusão no grupo, não se pronunciando sobre esta questão a Administração Tributária à data do despacho que autoriza a tributação pelo lucro consolidado e exclui dessa tributação a A…...
XII) Sendo que, embora tal não constasse da referida notificação, resultando no entanto directamente da lei, não sendo apresentada o pedido de inclusão da sociedade A….. no perímetro da consolidação fiscal, caso esta sociedade reunisse as condições para essa inclusão, caducaria de forma automática a autorização concedida uma vez verificada a ocorrência dessa situação.
XIII) Não tendo, pois, a sociedade A….. um tratamento diferenciado relativamente a uma outra qualquer sociedade que se encontrasse nas mesmas condições de integrar o grupo.
XIV) Nem tendo a Administração Tributária pretendido criar um regime de excepção para o tratamento da situação da sociedade A…...
XV) Até porque não dispunha de competência para afastar a aplicação das normas legais aplicáveis ao caso vertente.
XVI) Tendo sido alterada a composição do grupo que havia sido objecto de autorização, haveria que proceder à inclusão das sociedades que não faziam parte do grupo.
XVII) Não ficando na disponibilidade da Impugnante deixar de fora do grupo uma das sociedades susceptíveis de o integrar, tal como não ficava na sua disponibilidade escolher integrar no grupo apenas as sociedades que bem entendesse.
XVIII) E bem assim, não pretendeu a Administração Tributária ao comunicar a possibilidade de inclusão da sociedade A….. no grupo, estabelecer para esta sociedade um regime especial de excepção à previsão legal.
XIX) Com efeito, o regime legal aplicável à situação seria o mesmo quer constasse quer não constasse na notificação (no parágrafo referente à exclusão desta sociedade A…..) a indicação de que poderia ser solicitada a sua inclusão no ano de 1993, encontrando-se preenchidas as condições para a sua inclusão.
XX) A Administração Tributária apenas pretendeu dar a conhecer a possibilidade de integração da sociedade A….. no grupo relativamente ao ano de 1993, caso se verificassem as condições que possibilitavam a sua inclusão.
XXI) Isto no contexto da notificação à ora Impugnante de que por referência ao pedido por si apresentado essas condições de inclusão da sociedade A….. não se verificavam.
XXII) A sentença recorrida, ao assim não entender, não fez uma correcta apreciação da matéria de facto e de direito, em que assenta a decisão, não merecendo por isso ser confirmada.

Termos em que, com o mui douto suprimento de V. Exas., deverá ser considerado procedente o recurso e revogada a douta sentença recorrida, como é de Direito e Justiça.».

A Recorrida apresentou contra-alegações, que culmina com as seguintes e doutas conclusões:
«
1. Por sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra, foi a impugnação judicial aduzida contra o contra o despacho que operou o indeferimento expresso da reclamação graciosa apresentada contra a liquidação adicional de IRC n.° ….., referente ao exercício de 1994, julgada totalmente procedente.
2. Porém, a Fazenda Pública, irrisignada com o sentido da decisão proferida, interpôs recurso jurisdicional, sobressaindo das conclusões que formulou que considera, ao contrário do que sustenta a sentença recorrida, que a autorização para a tributação pelo lucro consolidado caducou em virtude de ter ocorrido uma alteração na composição do grupo, sem que, para o efeito, tenha sido obtida a necessária autorização.
3. Todavia, o labor interpretativo subscrito pela recorrente carece de arrimo legal e, desde logo, porque tal como reconhece o douto tribunal a quo, a situação fáctica que existia aquando da formulação do pedido de autorização (29 de Abril de 1992) não foi objecto de alteração,
4. E que no requerimento que formulou, a sociedade impugnante indicou que era a entidade dominante das sociedades A….., Lda., A….., Lda., A….., Lda e da A….., Lda., tendo a Autoridade Tributária autorizado a consolidação fiscal pelo período e três exercícios (1992,1993 e 1994).
5. E incluiu a sociedade A….., Lda no perímetro de consolidação porque já a detinha na totalidade, desde 30 de Março de 1992 (cfr. escritura junta aos autos).
6. Contudo, e apesar de a sociedade A….. reunir os requisitos para integrar o Grupo de consolidação, a verdade é que a Administração Tributária, sem qualquer amparo legal, excluiu-a do grupo por considerar que, em 1 de Janeiro do mesmo ano (1992), a participação da dominante no capital social da participada era inferior a 90%.
7. Nao obstante, fez constar da notificação que efectuou à impugnante que, no exercício de 1993, podia apresentar novo pedido para a sua inclusão no grupo.
8. Ora, neste contexto, não se antolha como poderá a impugnante ter vilipendiado o regime jurídico ínsito no°7 do art.°59° do CIRC,
9. É que, resultando do mesmo que a autorização só é necessária no " caso de se verificar alteração na composição do grupo, designadamente por a sociedade dominante passar a ter o domínio total de uma ou mais sociedades que satisfaçam as condições do n.° 2 (...)" não estava a sociedade impugnante obrigada a formular novo pedido de autorização,
10. Na medida em que, em 29 de Abril de 1992, data em que requereu a autorização para a tributação pelo lucro consolidado, já detinha a sociedade F….. na totalidade.
11. Deste modo, e como bem sustenta a decisão recorrida, é, pois, inelutável que "a situação de facto que existia à data da autorização manteve-se inalterada, pelo que não pode a caducidade da autorização ser fundamentada com a existência no grupo de uma nova sociedade que, afinal, já existia à data da autorização, disso tendo a AF perfeito conhecimento". (Sublinhado e negrito nossos).
12. Não obstante, e ainda que assim não se entendesse, o que só por mera hipótese de raciocínio se concebe, mas não se concede, sempre se dirá que, in casu, não se operou a caducidade da autorização concedida para a tributação pelo lucro consolidado nos termos propugnados pela entidade recorrente.
13. E que, conforme se enfatizou em sede de impugnação judicial, o acto administrativo de autorização a que alude o art.°59° do C1RC, tem natureza constitutiva,
14. Pelo que, o despacho que declara a sua caducidade deve obedecer à mesma forma, isto é, devia ser declarada pelo (então) Director Geral dos Impostos e notificada por escrito ao interessado. O que não sucedeu.
15. Assim, não operando ope legis a caducidade a que alude o citado normativo não opera ope legis, e, não tendo a mesma sido declarada, a autorização que havia sido concedida não se extinguiu.
16. Face ao que antecede, conclui-se que a impugnante não vilipendiou o regime jurídico expresso no citado preceito legal e, por conseguinte, a sentença recorrida não padece do vício que lhe é apontado pela recorrente.

Nestes termos, deve ser negado provimento recurso, e em consequência, ser mantida a sentença recorrida com todos os legais efeitos.».

O Exmo. Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu mui douto parecer concluindo que o recurso merecerá provimento.

Colhidos os vistos legais e nada mais obstando, vêm os autos à conferência para decisão.

II. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações (cfr. artigo 635.º, n.º 4 e artigo 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2003, de 26 de Junho), sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Assim, analisadas as conclusões da alegação do recurso, são duas as questões que importa analisar: (i) se a sentença incorreu em erro de julgamento na interpretação que fez do conteúdo do despacho de 91.12.10 do Exmo. Senhor Subdirector-Geral que decidiu o pedido da impugnante de autorização para tributação no regime do lucro consolidado; (ii) se a caducidade daquele despacho assume carácter automático, isto é, produz efeitos ex lege, ou tem de ser declarada pela Administração tributária.
***

III. FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO

Na sentença recorrida deixou-se consignado em sede factual:
«
Com base na documentação junta aos autos e constante do processo administrativo, bem como na posição assumida pelas partes, consideramos provados os seguintes factos:

a) Em 30 de Março de 1992 a ora Impugnante, A….., S.A., por escritura pública exarada no Sexto Cartório Notarial de Lisboa, adquiriu a totalidade do capital social da sociedade “A….., Ldª” - Cfr. documento a fls. 37 do PAT apenso aos autos;
b) Por requerimento entregue em 29 de Abril de 1994 a Impugnante solicitou ao Ministro das Finanças a tributação com recurso ao regime da consolidação fiscal, tendo indicado que era entidade dominante das seguintes sociedades: A….., Ldª, A….., Ldª, A….., Ldª, A….., Ldª (sublinhado nosso) - Cfr. documento a fls. 84 do PAT apenso aos autos e que se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
c) Por via do Ofício n° ….., de 16 de Dezembro de 1992, a Impugnante foi notificada, pela AF, nos seguintes termos: “Assunto: TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO CONSOLIDADO
Em referência ao pedido formulado nos termos do art° 59° do CIRC, informa-se que o mesmo foi deferido por despacho de 92.12.10 do Exm° Senhor Subdirector-Geral, proferido por delegação, sendo a autorização válida por um período de três exercícios 1992/93/94, devendo a consolidação fiscal abranger também a Sociedade A….., SA.
A firma A….., Ldª, foi excluída do grupo por não cumprir o estipulado na alínea b) do n° 2 do art° 59° do CIRC, isto é, a participação no capital social é inferior a 90% à data da 01.01.92, podendo a sociedade dominante, satisfeita esta condição, apresentar no ano de 1993, novo pedido para a sua inclusão no grupo. (...) " - Cfr- documento a fls. 87 do PAT;
d) Na sequência de procedimento de análise interna à declaração de rendimentos modelo 22 de IRC relativa ao exercício de 1994 apresentada pela Impugnante, foram efectuadas correcções nos seguintes termos: “(...) Face à modificação na composição do grupo ocorrida no exercício de 1992, através da aquisição do domínio da sociedade “A….., Ldª”, em 30/03/92, verifica- se a caducidade da autorização para tributação pelo lucro consolidado, nos termos do n°s 6 e 7 do art° 59° do CIRC, para o grupo “A….., SGPS, SA , já que a sociedade dominante não deu cumprimento ao disposto no n°7 do artigo (...). A sociedade dominante não efectuou, nos exercícios de 1993 e 1994, qualquer pedido de autorização para tributação pelo lucro consolidado para o novo grupo.

Estas correcções decorrem do facto de, em 31/12/92, se ter verificado a caducidade do regime de tributação pelo lucro consolidado, cuja autorização tinha sido concedida, por despacho de 10/12/92 do Exm° Senhor Subdirector- Geral proferido por delegação, à sociedade dominante A….., SGPS, SA, para aplicação do referido de tributação, nos exercícios de 1992 a 1994. Como tal, procedeu-se à anulação da consolidação fiscal do exercício de 1994 do grupo, com a inerente passagem ao regime geral e tributação autónoma de todas as empresas que o integravam (liquidação individual das respectivas declarações de rendimento de 1994)(...). - Cfr. documento a fls. 33 do PAT apenso aos autos, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
e) Na sequência das correcções referidas na alínea antecedente, em 11 de Setembro de 1998, foi efectuada a liquidação de IRC n° ….., relativa a IRC do exercido de 1994, da qual resultou o valor a pagar de Esc. 63.752.325500, sendo 21.496.975500 respeitantes a juros compensatórios - Cfr. documento a fls. 34 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido;
f) Em 3 de Fevereiro de 1999 a ora Impugnante apresentou Reclamação Graciosa do acto de liquidação mencionado em e) - Cfr. carimbo aposto a fls. 2 do PAT;
g) Em 26 de Junho de 2003 foi proferido despacho, pelo Director de Finanças Adjunto da Direcção de Finanças de Lisboa, indeferindo a Reclamação Graciosa do acto de liquidação de IRC do exercício de 1994 — Cfr. documento a fls. 88 do PAT, o qual se dá, aqui, por integralmente reproduzido.
*
Não se provaram quaisquer outros factos passíveis de afectar a decisão de mérito, em face das possíveis soluções de direito, e que, por conseguinte, importe registar como não provados.
*
A convicção do Tribunal quanto aos factos considerados provados resultou do exame dos documentos, não impugnados, e das informações oficiais constantes dos autos, conforme referido no probatório.».

III. B) DE DIREITO

Mostra o probatório que no âmbito de um procedimento de análise interna à declaração de rendimentos mod.22 apresentada pela recorrida “A….., SGPS, S.A.”, sociedade dominante de um grupo de empresas, com referência ao exercício de 1994, a AT procedeu à anulação da tributação do grupo pelo regime do lucro consolidado com a inerente passagem ao regime geral de tributação autónoma de todas empresas que o integravam.

Explica a AT que “estas correcções decorrem do facto de, em 31/12/92, se ter verificado a caducidade do regime de tributação pelo lucro consolidado, cuja autorização tinha sido concedida, por despacho de 10/12/92 do Exmo. Senhor Subdirector-Geral (…) à sociedade dominante A….., SGPS, S.A., para aplicação do referido [regime] de tributação nos exercícios de 1992 a 1994”.

Não se conformando com as correcções efectuadas à tributação pelo lucro consolidado, a impugnante, ora recorrida, no seguimento da liquidação efectuada, apresentou reclamação graciosa, que mereceu despacho de indeferimento.

No seguimento da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, apresentou impugnação judicial, pugnando na P.I. pela ilegalidade das correcções, quer por não ter ocorrido qualquer facto determinante da caducidade do despacho de 92.12.10 do Sr. Subdirector-Geral, que autorizou a consolidação fiscal para o triénio 1992/93/94, quer porque, em qualquer caso, a caducidade não produz efeitos ex lege, devendo ser declarada por acto administrativo, o que não sucedeu.

A sentença veio a dar razão à pretensão anulatória da impugnante com base na interpretação que fez do conteúdo do referido despacho de 92.12.10 do Sr. Subdirector-Geral, que autorizou a consolidação fiscal do grupo para o triénio 1992/93/94.

Com tal interpretação não se conforma a recorrente Fazenda Pública, para quem o facto determinante da caducidade da autorização para tributação com recurso ao regime do lucro consolidado se apreende contextualmente do despacho que a concedeu.

Vejamos.
Inserido na Subsecção II, relativa à “Tributação pelo lucro consolidado”, dispunha o art.º 59.º do Código do IRC, na redacção aplicável do DL n.º 251-A/91, de 16 de Julho, no trecho pertinente:
«Artigo 59.º
Âmbito e condições de aplicação

1 - Existindo um grupo de sociedades, a sociedade dominante poderá solicitar ao Ministro das Finanças autorização para que o lucro tributável em IRC seja calculado em conjunto para todas as sociedades do grupo mediante a consolidação dos balanços e das demonstrações de resultados das sociedades que o integram.

2 - A autorização referida no número anterior só poderá ser concedida quando se verifique cumulativamente que:

a) As sociedades pertencentes ao grupo têm todas a sua sede e direcção efectiva em território português;

b) A sociedade dominante tem, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, o domínio total das demais sociedades do grupo;

c) A totalidade dos rendimentos das sociedades do grupo está sujeita ao regime geral de tributação em IRC.

3 - O pedido de autorização mencionado no n.º 1 deverá ser formulado pela sociedade dominante até 30 de Abril do ano para o qual se solicita a aplicação do regime de tributação pelo lucro consolidado.

4 - A autorização pode ser condicionada à observância de determinados requisitos, nomeadamente quanto aos critérios de valorimetria adoptados pelas sociedades do grupo e ao método de consolidação.

5 - A autorização é válida por um período de três exercícios, devendo a sociedade dominante efectuar novo pedido nos termos referidos no n.º 3, caso deseje que a mesma seja prorrogada.

6 - A autorização caduca, porém, logo que deixe de se verificar alguma das condições referidas no n.º 2 ou não se satisfaçam os requisitos mencionados no n.º 4, não sendo já aplicável o regime previsto neste artigo no exercício em que o facto determinante dessa caducidade se verificar, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.

7 – No caso de se verificar alteração na composição do grupo, designadamente por a sociedade dominante passar a ter o domínio total de uma ou mais sociedades que satisfaçam as condições do n.º 2, deverá obter-se autorização, nos termos do n.º 3, para que o novo grupo seja abrangido pelo regime deste artigo, sob pena de a autorização concedida à sociedade dominante caducar a partir do exercício seguinte, inclusive, àquele em que se verificou a alteração da composição do grupo.

8 – (…)».

Por outro lado, relativamente à interpretação do acto administrativo podemos dizer que “o fim da interpretação do acto administrativo é o apuramento do sentido que o seu autor lhe quis dar”, mas “o resultado da interpretação não pode ir além daquilo que uma pessoa média, colocada na posição concreta do destinatário do acto poderia compreender” (vd. MARCELO REBELO DE SOUSA e ANDRÉ SALGADO DE MATOS, “Direito Administrativo Geral”, Dom Quixote, Lisboa, Tomo III, p. 138), à semelhança do que estabelecem os artigos 236/1 e 238/1 do Código Civil para os actos jurídicos em geral (art.º 295.º do Código Civil).

Como decidiu o Supremo Tribunal Administrativo português, no acórdão de 3 de Março de 1999, Proc.º 041889, “a interpretação do acto administrativo não se esgota no seu teor literal, sendo elementos igualmente relevantes para a fixação do seu sentido e alcance, as circunstâncias que rodearam a sua prolação, nomeadamente os seus antecedentes procedimentais, o tipo de acto, bem como os elementos posteriores que revelem o sentido que a própria Administração lhe atribuiu, na medida em que se deve presumir que esta agiu coerentemente e de boa fé”.

Ora, conforme transcrito na alínea c) do probatório, a impugnante, ora recorrida, foi notificada do acto administrativo em matéria tributária que autorizou a tributação do grupo de que é a sociedade dominante com recurso à consolidação fiscal, nos seguintes termos:
«Assunto: TRIBUTAÇÃO PELO LUCRO CONSOLIDADO
Em referência ao pedido formulado nos termos do art° 59° do CIRC, informa-se que o mesmo foi deferido por despacho de 92.12.10 do Exm° Senhor Subdirector-Geral, proferido por delegação, sendo a autorização válida por um período de três exercícios 1992/93/94, devendo a consolidação fiscal abranger também a Sociedade A….., SA.
A firma A….., Ldª, foi excluída do grupo por não cumprir o estipulado na alínea b) do nº 2 do artº 59° do C IRC, isto é, a participação no capital social é inferior a 90% à data da 01.01.92, podendo a sociedade dominante, satisfeita esta condição, apresentar no ano de 1993, novo pedido para a sua inclusão no grupo. (...)”
Na interpretação da impugnante e recorrida, que a sentença acolheu, como na data de 29/04/1992 (e não 1994, como por evidente e manifesto lapso se fez constar do probatório) em que foi solicitado o recurso ao regime de consolidação fiscal já a sociedade “A….., Lda.” reunia as condições do n.º 2 para integrar o perímetro de consolidação, não se pode aceitar, em vista do conteúdo do despacho de autorização, a verificação do apontado facto determinativo da caducidade da autorização (“a sociedade dominante passar a ter o domínio total”), previsto no n.º 7 do art.º 59.º do CIRC.

Salvo o devido respeito, não acompanhamos esta leitura, porquanto, a nosso ver se apreende acessivelmente (cf. 123/2 do CPA à época vigente, actual 151/2) do conteúdo do despacho de autorização que as condições de integração no perímetro de consolidação, referidas no n.º 2 do art.º 59.º do CIRC, foram aferidas pela AT com referência à data de 01.01.92 (que corresponde ao inicio do ano para que é apresentado o pedido de consolidação fiscal) e não à data de apresentação do pedido, no caso, 29/04/1992 (cf. n.º 3 do art.º 59.º do CIRC).

De resto, a posição da AT, a nosso ver expressada no despacho de autorização, é a que melhor se compagina com o regime legal, porquanto não faria sentido que empresas que reunissem condições de integração no perímetro de consolidação da sociedade dominante apenas à data de apresentação do pedido (até 30 de Abril, conforme n.º 3 do art.º 59.º do CIRC) mas não à data de 1 de Janeiro do ano para que é pedida a autorização, pudessem integrar o perímetro de consolidação nesse mesmo ano e nos dois seguintes.

Concluindo, nem o despacho que concedeu autorização para tributação pelo lucro consolidado enferma de erro nos pressupostos, nem dele se colhe a leitura que a recorrida e a sentença dele fazem, no sentido de que como a sociedade “A….., Lda.” já reunia condições de integração no perímetro de consolidação da sociedade dominante à data de apresentação do pedido (29/04/1992), não se verificou alteração superveniente na composição do grupo, designadamente por a sociedade dominante passar a ter o domínio total da sociedade excluída, condição esta de que (a seu ver) o despacho fazia depender a apresentação de novo pedido para o ano de 1993.

Assim, haverá que dar razão ao Recorrente quando pugna pela ocorrência do facto determinativo da caducidade, previsto no n.º 7 do art.º 59.º do CIRC, não se colhendo diferente leitura do conteúdo do despacho que concedeu autorização para tributação no regime do lucro consolidado.

Sucede, porém, que a impugnante, ora recorrida, argumenta que a caducidade, a ter-se por verificado o facto extintivo da autorização concedida, tem de ser declarada por despacho, não opera ope legis, pelo que não poderia a AT corrigir com relação ao exercício de 1994 a tributação do lucro consolidado e determinar a tributação autónoma do rendimento das empresas do perímetro de consolidação.

Sobre o tema, pode ler-se no Acórdão do STA de 24/4/96, Recurso nº 27415, que “um dos modos de extinção dos actos administrativos é a caducidade... e que pode ser objecto de um acto verificativo pelo qual a Administração declara essa situação jurídica, tornando-a certa e incontestada”.

Também no sumário doutrinal do Acórdão do mesmo alto tribunal de 03/28/2001, tirado no proc.º 038188, se deixou consignado: «O acto final do procedimento administrativo que não satisfaz pretensão formulada pelo interessado, mesmo que tenha natureza declarativa, não pode deixar de considerar-se lesivo, para efeitos de admissibilidade de impugnação contenciosa.
Um acto que declara a caducidade de um direito ou de uma situação jurídica, embora tenha natureza de acto declarativo, vem criar uma situação de maior «certeza» sobre a existência dos pressupostos da caducidade, que é corolário da força da autoridade pública de quem o praticou que, só por si, pode ser considerada potencialmente lesiva para o particular interessado».

Também na doutrina, para SÉRVULO CORREIA, “Noções de Direito Administrativo”, Editora Danúbio, Lda., Lisboa, 1982, I, p. 472, “a caducidade pode ser objecto de um acto verificativo – denominado declaração de caducidade – pelo qual a Administração declara essa situação jurídica, tornando-a certa e incontestável”.

Na linha dos citados arestos e da doutrina referida, propendemos para o entendimento de que a caducidade não produz efeitos imediatos (ex lege), ou seja, não é uma manifestação automática de eficácia legal, mas um efeito que se faz valer por vontade da Administração, dito de outro modo, o efeito extintivo da situação jurídica (consolidação fiscal) depende de uma declaração administrativa no âmbito de um procedimento prévio.

Podemos dizer que o carácter não automático que a caducidade assume em geral no direito administrativo advém, como já se referiu, da presença da Administração e da sua vinculação à prossecução do interesse público, de modo a evitar o sacrifício de interesses, bem como soluções injustas e absurdas.

Na verdade, o automatismo resolutivo é gerador de insegurança jurídica, pois deixa sem que se saiba se o acto administrativo se extinguiu ou não. Além disso, não é compaginável com qualquer juízo de ponderação, com vista a averiguar se o efeito extintivo é adequado e exigível (princípio da proporcionalidade) no confronto com o interesse público e outros bens jurídicos em jogo no caso concreto.

Regressando aos autos e aplicando os considerandos feitos, constatada em procedimento de análise interna a existência de facto extintivo da autorização de consolidação fiscal deveria a Administração tributária – ao invés de corrigir imediatamente o regime de consolidação seguido e proceder à tributação autónoma do rendimento das empresas do grupo – abrir procedimento tendente à declaração da caducidade da situação jurídica de consolidação fiscal, o que, a cumprir-se, teria a virtualidade de essa declaração se fazer com conhecimento da posição do contribuinte, retomando-se só então e sendo o caso, o procedimento de liquidação oficiosa dos rendimentos de 1994 corrigindo-se a tributação das empresas com recurso ao lucro consolidado.

Na medida em que corrigiu os rendimentos da impugnante, tributando-a pelo regime normal, sem procedimento prévio de verificação e declaração de caducidade da situação jurídica de tributação pelo lucro consolidado constituída pelo despacho do Sr. Subdirector-Geral de 92.12.10 (cf. alínea c) do probatório), a AT incorreu em vício de lei por erro nos pressupostos, o que determina a invalidade, por anulabilidade, da liquidação de IRC/94 impugnada.

Com os fundamentos expostos, é de negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, ao que se provirá no dispositivo do acórdão.

IV. DECISÃO

Por todo o exposto, acordam em conferência os juízes da 2.ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Sem custas por isenção legal da recorrente Fazenda Pública (processo anterior a 2004).

Lisboa, 24 de Junho de 2021

DECLARAÇÃO DE VOTO:

"Voto a decisão, mas não a fundamentação na parte respeitante à interpretação do n.º 6 e 7, do art. 59.º do CIRC, na medida em que entendo que a caducidade da autorização opera automaticamente, verificados os pressupostos legais. Confirmaria a sentença recorrida face às circunstâncias concretas em que foi proferido o despacho em causa, e face ao princípio da boa-fé que deve nortear a atuação da AT." – Cristina Flora

[O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes Juízes–Desembargadores integrantes da formação de julgamento, Luísa Soares e Cristina flora].

Vital Lopes