Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul | |
Processo: | 2258/05.0BELSB |
Secção: | CT |
Data do Acordão: | 04/29/2021 |
Relator: | JORGE CORTÊS |
Descritores: | CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO. CAUSA INTERRUPTIVA. |
Sumário: | Elevando a lei a fixação da matéria colectável por métodos indirectos a causa interruptiva do prazo de caducidade do direito à liquidação, este apenas volta a contar quando termina o efeito suspensivo do procedimento da liquidação que, por imperativo legal, está associado ao facto interruptivo. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: |
1 |
Decisão Texto Integral: | Acórdão
I- Relatório “SBSI - Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas” veio deduzir impugnação judicial contra as liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios, relativas aos anos de 2000 e 2001, nos montantes globais de €149 710,79 e €166 514,15. O Tribunal Tributário de Lisboa, por sentença proferida a fls. 332 e ss. (numeração do SITAF), datada de 06/02/2020, julgou procedente a impugnação, e anulou os actos de liquidação adicional de IVA dos períodos de 2000 e 2001 impugnados, nos montantes globais de € 149 710,79 e € 166 514,15, respetivamente, com as legais consequências: reconstituição da situação tributária da Contribuinte. A Fazenda Publica interpôs recurso contra a sentença. Alega, em síntese, nos termos seguintes: «Vem o presente Recurso interposto contra a douta Sentença proferida pelo Tribunal “a quo” em 06/02/2020, o qual julgou procedente a Impugnação Judicial apresentada nos autos à margem referenciados e, por consequência, determinou a anulação dos actos tributários de liquidação adicional de IVA referentes aos períodos de tributação de 2000 e 2001, por considerar que não tendo as liquidações sido emitidas e notificadas nos seis meses posteriores à duração legalmente estabelecida do procedimento inspectivo, caducou o direito à liquidação. B. Salvo o devido respeito que a douta Sentença nos merece, e que é muito, a Fazenda Pública entende que a douta Sentença padece de erro de julgamento da matéria de facto, na medida em que foram incorrectamente julgados os seguintes pontos de facto, que, encontrando-se demonstrados através da prova documental produzida nos autos de primeira instância, deveriam ter sido julgados provados e que se enunciam de seguida: i) O relatório de inspecção efectuado no âmbito do procedimento de inspecção tributária legitimado pelas Ordens de Serviço n.º 54414, 54415, 56486, 56484, 56485, 60928, 60929, 60930, 60931, 60932, 60933, 64515, 64691, 66161, 66692, 66693, 67689, 71915, 71916, 71917, 71918, 72431, 73327 e 75286 e a decisão de fixação do apuramento do IVA por métodos indirectos foram notificados ao sujeito passivo, pessoalmente, na pessoa da Dra. F......, técnica oficial de contas do sujeito passivo, no dia 06/08/2002 - conforme se encontra demonstrado com base no teor das fls. 1680 a 1683 do processo administrativo tributário; ii) A decisão do procedimento de revisão matéria tributável foi notificada ao sujeito passivo através de correio postal registado com aviso de recepção em 14/07/2003 - conforme fls. 138 do processo administrativo tributário; iii) As notificações das liquidações adicionais de IVA n.ºs…………, ………, ………, ………,………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ………, ……… e………, referentes aos períodos de tributação de 1200, 1100, 1000, 0900, 0800, 0700, 0600, 0400, 0300, 0200, 0100, 1101, 1001, 0901, 0801, 0701, 0601, 05010401, 0301, 0201 e 0101, respectivamente, foram notificadas ao sujeito passivo em 10/10/2003 - se encontra demonstrado com base no teor das fls. 1631 a 1648 do processo administrativo tributário. C. No que concerne à matéria de direito, o Ilustre Tribunal “a quo” olvidou que o Regime Complementar de Procedimento da Inspecção Tributária (doravante, RCPIT) tem natureza “essencialmente regulamentadora”, como aliás consta do preâmbulo do Dec.-Lei nº 413/98, de 13 de Dezembro, pelo que o prazo estabelecido no n.º 2 do art. 36.º do referido Diploma Legal, de seis meses, não constitui um prazo peremptório, mas sim meramente ordenador. D. Tendo o procedimento inspectivo um carácter meramente preparatório ou acessório dos actos tributários (art. 11º do RCPIT), para além da cessação dos efeitos suspensivos da caducidade, nos termos do nº 1 do artigo 46º da Lei Geral Tributária, não decorre da lei que o prolongamento de tal procedimento tenha qualquer outro efeito que se repercuta na validade do acto tributário que resultar das conclusões do relatório (art. 63º, nº 1, do RCPIT). E. Neste sentido se têm pronunciado os tribunais superiores - cfr. acórdãos do STA de 29/11/2006, 04/06/2008, 07/05/2008, 10/12/2008, 27/02/2008 e 25/02/2015, nos processos nºs 0695/06, 0103/08, 0102/08, 080/08, 0955/07 e 0709/14, respectivamente; E acórdãos do TCA Sul de 03/05/2007 (rec. nº 01652/07), de 27/02/2008 (rec. nº 0955/07), de 12/05/2009 (rec. nº 02961/09) e de 26/10/2010 (rec. nº 04170/10). F. Por outro lado, o Tribunal Constitucional pronunciou-se pela constitucionalidade da interpretação segundo a qual a ultrapassagem do prazo para a conclusão do procedimento não determina a caducidade do procedimento de inspecção tributária, nem tem efeito invalidante dos actos de liquidação de impostos baseados no mesmo procedimento (vide Acórdãos do Tribunal Constitucional nº 457/08 e 514/08). G. O mesmo raciocínio deve, em nosso entendimento ser aplicado à situação em que o procedimento de inspecção é de âmbito parcial ou univalente, verificando-se ilegalidades das prorrogações da acção inspectiva, como acontece no caso concreto. H. Meramente a título de exemplo, trazemos aqui à colação o Aresto proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo em 25/02/2015 (proc. n.º 0709/14), em 05/07/2008 (proc. n.º 0102/08), em 04/06/2008 (proc. n.º 0103/08) e em 10/12/2008 (proc. n.º 080/08), disponíveis em www.dgsi.pt. I. Nos casos em que o prosseguimento do procedimento inspectivo lese interesses do contribuinte tutelados por lei, este pode opor-se ao prolongamento da acção de inspecção mediante a impugnação do acto que autoriza a prorrogação da acção inspectiva - art. 11 º do RCPIT - o que não aconteceu no caso dos autos de primeira instância. J. Com efeito, nos autos de primeira instância não foram invocados pelo sujeito passivo quaisquer factos que permitam concluir pela violação de princípios constitucionais da legalidade, da proporcionalidade e da imparcialidade, nem sobre tal questão se pronuncia sequer o Ilustre Tribunal “a quo” (vide a este propósito, o Aresto do STA proferido em 27/02/2008, no âmbito do processo n.º 0955/07). K. Ainda que se entenda pela existência de qualquer irregularidade no procedimento de inspecção, o que apenas por mera hipótese de raciocínio se concede, tal irregularidade encontra-se suprida a partir do momento em que o prolongamento do procedimento inspectivo foi notificado ao sujeito passivo e o mesmo não veio impugnar o acto que autoriza a prorrogação da acção inspectiva, nem suscitar sequer tal em sede de direito de audição prévia. L. Pelo exposto, resolvida esta questão, perde autonomia e interesse saber se foi ou não ultrapassado o prazo do procedimento de inspecção, premissa que integra o raciocino silogístico adoptado pelo Ilustre Tribunal “a quo” na douta Sentença de que ora se recorre. M. Não obstante, é importante não esquecer, como olvidou o Ilustre Tribunal “a quo”, que a Lei n.º 15/2001, de 05 de Junho, não só introduziu no art. 45.º da LGT um prazo especial de caducidade do direito à liquidação (no seu n.º 5), como também previu expressamente uma nova causa interruptiva do prazo previsto no n.º 5 do art. 45.º: a notificação ao sujeito passivo da decisão de fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (alínea b) do n.º 3 do art. 46.º do mesmo Diploma Legal, que passou a ser o n.º 4 com a redacção dada pelo DL n.º 229/2002, de 31 de Outubro). N. Conforme consta dos factos que, em nosso entendimento, deverão resultar provados nos autos de primeira instância, o relatório de inspecção e a fixação da matéria colectável (in casu, o IVA) foram notificados ao sujeito passivo em 06/08/2002. O. Ora, e conforme supra mencionamos, nas situações interruptivas, a paralisação temporal surge acompanhada da inutilização do decorrido, em termos de se reiniciar uma nova contagem quando cessar a causa interruptiva (vide art. 326.º do Código Civil). P. Pelo supra exposto, ainda que se entenda, como faz a douta Sentença, que o procedimento inspectivo deveria ter sido concluído no prazo de seis meses a contar da assinatura de Ordem de Serviço - ou seja, até 12/04/2002 -, não se poderá olvidar que no decurso do prazo de caducidade do direito à liquidação estabelecido pelo n.º 5 do art. 45.º da LGT, contado nos seis meses posteriores a 12/04/2002, ocorreu, como causa interruptiva do mesmo, a notificação da decisão de fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos (vide alínea b) do n.º 3 do art. 46.º da LGT, na redacção dada pela Lei n.º 15/2001). Q. Assim, com a devida vénia e em nosso entendimento, a solução adoptada no caso concreto não deveria ser a que foi proferida, ou seja, não se poderá a afirmar que a caducidade do direito à liquidação ocorreu a 12/10/2002 porque antes dessa data ocorreu a interrupção desse mesmo prazo de caducidade do direito à liquidação. R. E tal conclusão não é alterada pelo facto de a disposição da alínea b) do n.º 3 do art. 46.º da LGT (que corresponde à alínea b) do n.º 4 da mesma disposição legal, pela redacção dada pelo DL n.º 229/2002, de 31 de Outubro) ter sido revogada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, pois que, do n.º 2 do art. 12.º do Código Civil, aplicável subsidiariamente às relações jurídico tributárias por força do disposto na alínea e) do art. 2.º da LGT, resulta que, quando a Lei dispõe sobre os efeitos de factos, entende-se, em caso de dúvida, que só visa os factos novos. S. Por outro lado, e sem prescindir, ainda que assim não se entenda, não se poderá ignorar que, no decurso desse novo prazo de caducidade do direito à liquidação, a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro entra em vigor (01/01/2003), Diploma Legal que viria não só a revogar a disposição do então n.º 4 do art. 46.º da LGT, como também, conforme se apreende da douta Sentença de que ora se recorre, a revogar a disposição legal do n.º 5 do art. 45.º da LGT, ocorrendo, assim, uma nova vicissitude do prazo de caducidade do direito à liquidação. T. Em nosso entendimento e salvo melhor opinião, o que se mostra relevante no caso concreto, para apurar a lei aplicável ao prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA referente aos períodos de 2000 e 2001 é atender precisamente ao facto de, à data de entrada em vigor da Lei n.º 32- B/2002, de 30/12, se encontrar em curso esse mesmo prazo de caducidade, como acontece no caso concreto, conforme supra mencionamos, sendo, portanto, irrelevante a data em que terminou o procedimento inspectivo, precisamente porque a disposição do n.º 5 do art. 45.º da LGT é referente à caducidade do direito à liquidação e porque a Lei n.º 32-B/2002, de 30/12 não produziu qualquer alteração à disposição legal do n.º 2 do art. 36.º do RCPIT. U. Ora, aceite o pressuposto de que não é o início do prazo de caducidade, mas o seu integral decurso, o facto extintivo do direito à liquidação do tributo por parte da administração fiscal, pressuposto que nos parece inquestionável, impõe-se a conclusão, por aplicação da regra contida na parte final do n.º 2 do artigo 12.º do Código Civil, que a nova redacção do artigo 45.º da LGT, conferida pela Lei n.º 32-B/2002, é aplicável ao caso dos autos. V. A este respeito, trazemos à colação os Arestos proferidos pelo STA em 12/01/2012 (processo n.º 0749/11 e em 17/03/2011 (processo n.º 01076/09), disponíveis em www.dgsi.pt. W. No caso concreto, e considerando que, com a revogação do n.º 5 do art. 45.º da LGT, o prazo de caducidade do direito à liquidação se alongou, deixando de ser de seis meses e passando a ser de quatro anos, na contagem desse prazo, dever-se-á, em nosso entendimento e salvo melhor opinião, aplicar-se a disposição legal do n.º 2 do art. 297.º do Código Civil, sendo, portanto, a Lei nova aplicável ao prazo em curso, mas computando-se ao prazo em curso todo o tempo decorrido desde o momento inicial. X. Ora, considerando todo o supra exposto, nomeadamente a causa interruptiva do prazo de caducidade do direito à liquidação que ocorreu com a notificação da decisão de fixação da matéria tributável (in casu, o IVA) por métodos indirectos - em 06/08/2002 -, verifica-se que até à data de entrada em vigor da Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro, haviam decorrido aproximadamente 5 meses do referido prazo de caducidade do direito à liquidação, pelo que, computando-se ao prazo em curso o tempo decorrido, à data de entrada em vigor do referido Diploma Legal, restaria o prazo total de caducidade do direito à liquidação de 3 anos e 7 meses (cessando assim o prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA referente aos períodos de tributação de 2000 e 2001 em Julho do ano de 2006). Y. Assim sendo e com base em todo o supra exposto, dever-se-á entender que, à data em que os actos de liquidação identificados nos autos de primeira instância foram notificados ao sujeito passivo (10/10/2003), os referidos prazos de caducidade do direito à liquidação ainda não haviam decorrido. X O recorrido contra-alegou, expendendo conclusivamente o seguinte: «A. Constitui objecto do presente recurso a Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 6 de Fevereiro de 2020, no âmbito do processo de Impugnação Judicial n.º 2258/05.0BELSB e que considerou totalmente procedente o pedido formulado pelo RECORRIDO. B. Nos presentes autos encontra-se em discussão a (i)legalidade de Liquidações adicionais de IVA dos anos de 2000 e 2001, e de juros compensatórios, que foram emitidas e notificadas ao RECORRIDO depois de decorrido o respectivo prazo de caducidade. C. Ora, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 88.º do CIVA “só poderá ser liquidado imposto nos prazos e nos termos previstos nos artigos 45. º e 46.º da LGT." D. À data dos factos, e particularmente à data em que decorreu o procedimento de inspecção tributária de que o RECORRIDO foi objecto, dispunha o n.º 5 do artigo 45.º da LGT que “instaurado o procedimento de inspecção tributária, o direito de liquidar os tributos incluídos no âmbito da inspecção caduca no prazo de seis meses após o termo do prazo fixado para a sua conclusão, sem prejuízo das prorrogações previstas na lei reguladora daquele procedimento, a não ser que antes dessa ocorra a caducidade prevista no prazo geral fixado no n.º 1. “. E. Simultaneamente, estabelecia o número 2 do artigo 36.º do RCPIT, que o procedimento de inspeção é contínuo e deve ser concluído no prazo máximo de seis meses a contar da notificação do seu início pela Administração tributária. F. Ora, conforme se encontra provado os presentes autos, o procedimento de inspecção tributária em apreço teve início em 12 de Outubro de 2001, com a assinatura pelo técnico de contas do RECORRIDO das ordens de serviço. G. Assim sendo, este procedimento deveria ter sido concluído no prazo de seis meses, ou seja, em 12 de Abril de 2002, H. E as eventuais liquidações daí decorrentes deveriam ter sido emitidas e validamente notificadas ao Recorrido no prazo de seis meses a contar de 12 de Abril de 2002, ou seja, até 12 de Outubro de 2002. I. Sucede, porém, que as liquidações impugnadas apenas foram emitidas em 29 de setembro de 2003 e notificadas ao RECORRIDO em momento posterior. J. É, assim, inequívoco que, aquando da emissão das liquidações impugnadas já há muito havia decorrido o prazo especial de caducidade para a liquidação dos tributos incluídos no âmbito da inspecção, estabelecido no n.º 5 do artigo 45.º da LGT. K. Pretenderia, contudo, a Administração tributária sustentar que tal prazo de caducidade não teria decorrido, na medida em que o procedimento de inspecção em apreço teria sido objecto de prorrogação. Não lhe assiste, porém, qualquer razão. L. Com efeito, a acção de inspeção externa de que emanaram as liquidações impugnadas foi prorrogada por duas vezes e por prazos sucessivos de três meses. M. Sucede que, de acordo com o estabelecido nos artigos 14.º e 36.º do RCPIT, na redacção em vigor à data dos factos, tal prorrogação do procedimento de inspecção não era legalmente admissível, na medida em que o procedimento de inspecção de que o RECORRIDO foi objecto era de âmbito parcial. N. Sobre a matéria, o número 3 do artigo 36.º do RCPIT, na redacção em vigor à data dos factos, ou seja, antes da alteração imposta pela Lei n.º 50/2005, de 30 de Agosto, era cristalino ao apenas admitir que o prazo de inspecção pudesse ser prorrogado no caso de procedimento geral ou polivalente. O. Contra isto alega a Administração tributária que “não resulta da Lei que o referido prazo de seis meses seja um prazo peremptório, mas sim meramente ordenador." P. Contudo, ao contrário do pretendido pela Administração tributária, a lei é taxativa relativamente às situações em que a prorrogação do prazo do procedimento de inspecção tributária tem efeito suspensivo do prazo de caducidade. Q. E, essa taxatividade, não está na disposição dos contribuintes, nem da Administração tributária. R. Assim sendo, verificado (e provado) que está que a prorrogação do procedimento de inspecção tributária não tinha, no caso em apreço, efeito suspensivo do prazo de caducidade, a não produção desse efeito não é susceptível de convolação, já que os actos de prorrogação jamais poderiam ter um efeito (suspensivo) que a lei nunca lhes reconheceu. S. Além disso, no caso em apreço, a ilegalidade das liquidações não emerge imediatamente do facto de ter sido ultrapassado o prazo de duração, inicial e de seis meses, do procedimento de inspecção, mas sim do facto de as liquidações terem sido notificadas ao Recorrido após o decurso do prazo legal de caducidade do imposto. T. Sem prescindir, sempre se dirá que, no caso em apreço, sempre se estaria perante uma intolerável violação dos princípios norteadores da actividade da Administração tributária, nomeadamente o princípio da legalidade e o princípio da confiança e da segurança jurídica, decorrentes da noção de Estado de Direito Democrático, conforme previsto no artigo 2.º da CRP. U. Aliás, o entendimento da Administração Tributária viola, desde logo, o princípio da proporcionalidade, na tripla dimensão da adequação, necessidade e proporcionalidade stricto sensu e, bem assim, o princípio da imparcialidade, previstos nos termos do artigo 266.º da CRP. V. Além disso, conforme, já, referido, a suspensão do prazo de caducidade do direito à liquidação, iniciada com a notificação do início de inspecção externa, só se manterá durante um máximo de seis meses, conforme melhor resulta da lei, e essa suspensão ficará inutilizada caso tal inspecção ultrapasse este prazo (perdendo-se o efeito suspensivo). W. Tal visa, além do mais, impedir que a Administração tributária iniciasse procedimentos de inspecção sem a mínima intenção de os prosseguir ou concluir e com o único propósito de, por essa via, prolongar o prazo de caducidade do imposto durante seis meses adicionais. X. E a verdade insofismável nos presentes autos é que a Administração tributária violou prazo especial de caducidade da liquidação que se encontrava postulado no n.º 5 do artigo 45.º da LGT. Y. E sobre os efeitos da violação desse prazo, em nada obsta a alegação de que, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 91.º da LGT, o pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos tem efeito suspensivo da liquidação do tributo. Z. Isto porque o pedido de revisão jamais poderia ter efeitos suspensivos de um prazo cujo computo integral havia já decorrido... AA. De igual modo, a Administração Tributária, veio alegar - pela primeira vez - que ao abrigo da alínea b) do número 3 do artigo 46.º da LGT, o prazo de caducidade interrompeu-se com a notificação da Decisão de fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos. BB. Sucede que, também a notificação desta Decisão ocorreu após o decurso do prazo de caducidade, ou seja, depois depois de 12 de Outubro de 2002. CC. Portanto, a interrupção decorrente do artigo 36.º do RCPIT não tem qualquer aplicabilidade no caso em apreço. DD. De todo o exposto resulta que o Recurso interposto pela Administração tributária carece de absoluto fundamento e que o enquadramento jurídico e material por si efectuado não encontra o devido respaldo legal e factual. EE. De igual modo, conclui-se de forma clara e inequívoca, que a douta Sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa e, aqui, em crise, corporiza a única solução jurídica possível e a justa composição do litígio que opunha o, aqui, Recorrido à Administração tributária, não merecendo, por isso, qualquer censura. FF. Deverá, pois, ser negado integral provimento ao Recurso interposto pela Administração tributária, confirmando-se a Sentença recorrida e a anulação das liquidações impugnadas, com as demais consequências legais daí decorrentes.
X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal, notificado para o efeito, emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso. X Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta. X II- Fundamentação. A sentença recorrida considerou provados os factos seguintes:
b) Factos não provados Os factos constantes das precedentes alíneas consubstanciam o circunstancialismo que, em face do alegado nos autos, se mostra provado nos autos com relevância, necessária e suficiente à decisão final a proferir, à luz das possíveis soluções de direito.
IV- Motivação da Decisão de Facto A decisão da matéria de facto, consoante ao que acima ficou exposto, efetuou-se com base nos documentos e informação constantes do processo e das testemunhas ouvidas, que os confirmaram.» X A recorrente impugna a decisão da matéria de facto assente. Pretende o aditamento de elementos que identifica. Compulsados os autos e uma vez que tais elementos são úteis à correcta instrução da causa, impõe-se deferir o requerido. Passam a constar do probatório as alíneas seguintes: GGG) O relatório de inspecção efectuado no âmbito do procedimento de inspecção tributária legitimado pelas Ordens de Serviço n.º 54414, 54415, 56486, 56484, 56485, 60928, 60929, 60930, 60931, 60932, 60933, 64515, 64691, 66161, 66692, 66693, 67689, 71915, 71916, 71917, 71918, 72431, 73327 e 75286 e a decisão de fixação do apuramento do IVA por métodos indirectos foram notificados ao sujeito passivo, pessoalmente, na pessoa da Dra. F......, técnica oficial de contas do sujeito passivo, no dia 02/08/2002 – cfr. fls. 1680 a 1683 do processo administrativo tributário. HHH) A decisão do procedimento de revisão matéria tributável foi notificada ao sujeito passivo em 14/07/2003 - cfr. fls. 138 do processo administrativo tributário (data do carimbo de recepção do ofício). III) Em finais de 2003, a recorrida foi notificada das liquidações adicionais de IVA em causa nos autos – artigos 37.º e 38.º da petição inicial, bem como a posição da recorrente, formulada na contestação. Os registos da recorrente são inscrições internas, desprovidos, enquanto tais, de força probatória. X 2.2. Direito 2.2.1. A presente intenção recursória centra-se sobre o alegado erro de julgamento de direito em que terá incorrido a sentença recorrida. 2.2.2. A sentença anulou os actos de liquidação de IVA de 2000 e 2001, com base no vício da preterição do prazo de caducidade do direito à liquidação. Considerou, em síntese, que «a Impugnante foi alvo de procedimento de inspeção tributária externa, de âmbito parcial que teve início em 2001.10.12, com a assinatura pelo técnico de contas do Impugnante das ordens de serviço e deveria estar concluída no prazo de seis meses, i.e., em 2002.04.12. // Tratando-se de procedimento de inspeção tributária externa, de âmbito parcial, nos termos dos artigos 14/1 e 36º RCPIT, não podia ser prorrogada. // (…) // Não tendo a liquidação sido emitida e notificada nos seis meses posteriores, caducou o direito à liquidação, como defende a Impugnante». 2.2.3. A recorrente censura o veredicto que fez vencimento na instância, imputando-lhe erro de julgamento quanto ao direito aplicável. Considera que deve ser considerado facto interruptivo da caducidade do direito à liquidação relativo à notificação da decisão de quantificação da matéria colectável por métodos indirectos. O que, no seu entender, preclude o raciocínio segundo o qual a notificação das liquidações em apreço em finais de 2003 não assume eficácia interruptiva do prazo. Apreciação. Antes de entrarmos na apreciação do mérito do recurso, importa dar conta da evolução legislativa no que respeita aos normativos relevantes. A redacção inicial do artigo 45.º da LGT (“Caducidade do direito à liquidação”) era a seguinte: A Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, aditou um n.º 5 ao artigo 45º da LGT, com a seguinte radacção: Por força do disposto no artigo 11.º da Lei n.º 15/2001, o prazo definido no n.º 5 deste artigo 45.º contava-se a partir da sua entrada em vigor, que ocorreu em 05.07.2001. A Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, eliminou este n.º 5 e alterou o n.º 4, ficando o artigo 45.º com a redacção seguinte: A Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, alterou os n.ºs 3 e 4, passando o artigo 45.º a ter a redacção seguinte (nos números que relevam): Por seu turno, o artigo 46.º da LGT (“Suspensão do prazo de caducidade”), tinha, na versão originária, o teor seguinte: A Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, alterou a epigrafe do artigo 46.º da LGT para «Suspensão e interrupção do prazo de caducidade» e aditou um n.º 3, que dispõe o seguinte: «O prazo de caducidade referido no n.º 5 do artigo anterior interrompe-se: Com o Decreto-Lei n.º 229/2002, de 31 de Outubro, o artigo 46.º citado, na parte que releva, passou a ter a redacção seguinte: Com a Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro, o preceito em referência assumiu a epigrafe “Suspensão do prazo de caducidade” e passou a ter a redacção seguinte: Por seu turno, o artigo 36.º/3 e 4, do RCPIT (versão decorrente do Decreto-Lei n.º 413/98, de 31 de Dezembro, anterior à Lei 50/2005, de 30 de Agosto), estabelecia que: O artigo 14.º do RCPIT, relativo ao âmbito do procedimento de inspeção, estabelece que «pode ser: // a) Geral ou polivalente, quando tiver por objecto a situação tributária global ou conjunto dos deveres tributários dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários; // b) Parcial ou univalente, quando abranja apenas algum ou alguns tributos ou algum ou alguns deveres dos sujeitos passivos ou dos demais obrigados tributários». Não está em causa nos autos que o procedimento inspectivo em referência é de âmbito parcial e univalente[1]. Feita recensão dos normativos relevantes, cumpre apreciar os fundamentos do recurso em presença. A questão que se suscita consiste em saber se as liquidações de IVA de 2000 e 2001, notificadas em Dezembro de 2003, observaram o prazo de caducidade do direito à liquidação de 4 anos, previsto no artigo 45.º/1, da LGT. A sentença respondeu à questão colocada, invocando o disposto no artigo 45.º/5, da LGT (versão conferida pela Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho). Considera que «a inspeção teve início em 2001.10.12, com a assinatura pelo técnico de contas da Impugnante das ordens de serviço. // E, deveria estar terminada no prazo de seis meses, i.e., em 2002.04.12. A liquidação deveria ter sido emitida nos seis meses seguintes, i.e., 2002.10.12». Sucede, porém, que a Lei n.º 15/2001, de 5 de Junho, introduziu o n.º 3 ao artigo 46.º, da LGT, com o teor seguinte: «O prazo de caducidade referido no n.º 5 do artigo anterior interrompe-se: (…) b) Com a notificação da decisão de fixação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos». Na tese da recorrente, o inciso em apreço, aplicado ao caso, teve o efeito de interromper a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação, o que determinou a postecipação do mesmo de forma a que o seu esgotamento tivesse sido interrompido pela notificação das liquidações em apreço. Por seu turno, a sentença segue o entendimento oposto. O raciocínio da sentença, em síntese, assenta na observação de que «a Impugnante foi alvo de procedimento de inspeção tributária externa, de âmbito parcial que teve início em 2001.10.12, com a assinatura pelo técnico de contas do Impugnante das ordens de serviço e deveria estar concluída no prazo de seis meses, i.e., em 2002.04.12. // Tratando-se de procedimento de inspeção tributária externa, de âmbito parcial, nos termos dos artigos 14/1 e 36º RCPIT, não podia ser prorrogada. // (…) // Não tendo a liquidação sido emitida e notificada nos seis meses posteriores, caducou o direito à liquidação, como defende a Impugnante (8)». Vejamos. A questão que se suscita nos autos consiste em saber se a notificação do relatório inspectivo, em 06.08.2002, bem como a notificação da decisão de fixação da matéria colectável por métodos indirectos, na sequência do procedimento de revisão da matéria colectável, em 14.07.2003, assumem (ou não) eficácia interruptiva do prazo de caducidade do direito à liquidação[2], prazo esse previsto no artigo 45.º/5, da LGT[3]. Atendendo a que tais factos, de forma conjugada, ocorrem aquando o prazo de caducidade em apreço está em curso, a resposta à presente questão é afirmativa. O regime da fixação da matéria colectável por métodos indirectos não permite a emissão da liquidação do imposto emergente das correcções em causa até à notificação da decisão de fixação da matéria colectável, suspendendo a liquidação do tributo (artigo 91.º/1 e 2, da LGT). Pelo que o efeito interruptivo associado à notificação do relatório inspectivo (06.08.2002) elimina o prazo já corrido e apenas permite a contagem de novo prazo com a notificação ocorrida em 14.07.2003 da decisão de fixação da matéria colectável, uma vez terminado o procedimento de revisão. Mais se refere que em 01.01.2003, a norma do n.º 5, do artigo 45.º da LGT, foi revogada. Tal revogação implica a eliminação do prazo especial de caducidade do artigo 45.º/5, da LGT quando o mesmo ainda estava a decorrer, dado que tal prazo foi sujeito à interrupção, ocorrida em 06.08.2002. O que determina a contagem do prazo de caducidade segundo a regra geral dos quatro anos, nos termos do artigo 45.º/1 e 4, da LGT. Sem embargo, seja o prazo do artigo 45.º/5, seja o prazo do artigo 45.º/1, ambos são interrompidos pela notificação das liquidações ocorrida em finais de 2003. Pelo que o mesmo não se esgotou. Não podendo a sua alegada preterição ser fundamento procedente da presente impugnação. Ao julgar em sentido discrepante, a sentença incorreu em erro de julgamento, pelo que deve ser substituída por decisão que aprecie do mérito da impugnação, sem julgar procedente o presente fundamento da mesma. O que determina também a revogação do segmento anulatório relativo à liquidação de juros compensatórios. Na petição inicial, a impugnante invocou contra as liquidações os vícios seguintes: i) incompetência do autor do acto tributário; ii) violação da regra da anualidade do imposto; iii) violação do artigo 92.º/6, da LGT; iv) ilegalidade na aplicação dos métodos indirectos; v) ilegalidade na decisão de aplicação dos métodos indirectos; vi) erro na quantificação da matéria colectável. Foi arrolada prova testemunhal. O conhecimento destas questões, no caso concreto, não pode ser realizado. Com efeito, as questões em apreço não foram dirimidas pelo tribunal recorrido, nem existe especificação da matéria de facto que permita a este tribunal conhecer, em substituição, das mesmas. Ou seja, falta uma base probatória necessária ao conhecimento dos fundamentos da impugnação, pelo que está obstado o conhecimento em substituição (artigo 665.º/2, do CPC). O duplo grau de jurisdição exige, no caso, a devolução dos autos à instância para que se proceda às diligências instrutórias necessárias, à fixação da matéria de facto relevante e ao proferimento de sentença que conheça dos fundamentos da impugnação. Termos em que se julgam procedentes as presentes conclusões de recurso.
DISPOSITIVO Face ao exposto, acordam, em conferência, os juízes da secção de contencioso tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul em revogar a sentença recorrida, devendo, por isso, os autos ser devolvidos ao tribunal a quo, para que proceda à diligência instrutórias necessárias e à prolacção de nova sentença que conheça do mérito da impugnação. Custas pela recorrida. Registe. Notifique.
O Relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Lurdes Toscano e Maria Cardoso.
(Jorge Cortês - Relator)
_____________________
|