Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:1711/21.2BELRA
Secção:CA
Data do Acordão:05/19/2022
Relator:JORGE PELICANO
Sumário:I - Por força do princípio do contraditório (art.º 3.º, n.º 3 do CPC), o Recorrente tinha o direito de ser ouvido sobre as excepções relativas à forma do processo e à incompetência do Tribunal.
II - A sentença recorrida é nula por força do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. d), parte final, do CPC.
III - No âmbito do procedimento de promoção por antiguidade a guarda-principal da GNR, o número de vagas postas a concurso é limitado (artigos 111.º, n.º 2, 112.º, n.º 1, 116.º e 234.º, todos do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo DL n.º 30/2017, de 22 de Março), o que significa que os militares potenciais interessados na promoção têm um interesse contraposto ao do Recorrente, devendo, por isso, ser considerados como contra-interessados.
IV - A forma de processo determina-se em função da pretensão deduzida na P.I., devendo a acção, no caso, seguir sob a forma do contencioso dos procedimentos de massa.
V - A competência dos tribunais fixa-se no momento da propositura da causa.
VI - O pedido deduzido a título subsidiário deve ser conhecido pelo tribunal que tem competência para conhecer o pedido principal, no caso, o TAC de Lisboa, por ser o Tribunal da sede da entidade demandada.
VII - O Tribunal que for incompetente para conhecer do mérito, apenas pode decidir a sua incompetência.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

M…, Guarda da GNR, vem interpor recurso da sentença de 28/12/2021, que, no âmbito da presente acção administrativa, declarou a incompetência, em razão do território, do TAF de Leiria para o conhecimento do mérito e determinou a remessa dos autos para o TAC de Lisboa, nos termos dos artigos 99.º, n.º 2, 4.º, n.º 3, 21.º, n.º 2, 2.ª parte, todos do CPTA.
Formulou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso:
“a) O Reclamante, intentou uma ação de condenação à prática de atos administrativos devidos contra o MAI / CARI - Comando da Administração dos Recursos Internos – Direção de Recurso Humanos da GNR, sob a forma de ação Administrativa de condenação à prática de actos devidos, não urgente.
b) O Reclamante deduziu quatro pedidos na sua PI.
c) O pedido vertido na alínea a), versa sobre a matéria controvertida a respeito da preterição da promoção do militar para vagas de 2018, tratando-se de um pedido principal, o pedido vertido na alínea b), versa sobre a matéria controvertida a respeito da preterição da promoção do militar para vagas de 2019, tratando-se de um pedido subsidiário, o pedido vertido na alínea c), versa sobre a submissão do militar à Junta Superior de Saúde, para efeitos de deferimento e efetivação da promoção no âmbito do procedimento promocional a Guarda-Principal para ocupação de vagas relativas ao ano de 2018 e, subsidiariamente, 2019, e o pedido vertido na d), versa sobre o pedido de condenação da Ré ao pagamento das custas processuais.



d) O Tribunal reclamado notificou o reclamante para indicar contrainteressados no processo.
e) O reclamante defende que ao caso não cabe a indicação de contrainteressados, por não existirem.

f) Para evitar o pré-anunciado indeferimento liminar do requerimento inicial e eventual alcance e efeitos legais decorrentes da extinção da instância o reclamante indicou nos autos 758 contrainteressados, correspondentes aos militares que integraram as listas de promoção de intenção e definitivas no procedimento promocional de promoção ao posto de Guarda-Principal, por antiguidade, para preenchimento de vagas relativas ao ano de 2018, por referência ao pedido principal deduzido na PI, e 15 contrainteressados, correspondentes aos militares que integraram as listas de promoção de intenção e definitivas no procedimento promocional de promoção ao posto de Guarda-Principal, por antiguidade, para preenchimento de vagas relativas ao ano de 2019, por referência ao pedido subsidiário deduzido na PI.
g) Após a indicação de contrainteressados, o Tribunal reclamado proferiu Sentença na qual julga-se incompetente em razão do território para conhecer da acção.

h) Na Sentença o Tribunal reclamado entende que a presente ação segue a forma de processo do contencioso para procedimentos de massas, nos termos previstos no artigo 99.º, n.º 1, al. a) do CPTA, em virtude de se tratar de um concurso de pessoal com mais de 50 participantes e que, havendo uma relação de subsidiariedade e de dependência na formulação dos pedidos, a acção deve ser proposta no tribunal competente para apreciar o pedido principal, que corresponde ao tribunal com jurisdição em Lisboa, o qual deverá apreciar os demais pedidos e a providência cautelar.

i) O reclamante discorda da Sentença proferida.

j) Com a posição defendida na Sentença reclamada os pressupostos e contornos da presente ação e providência cautelar que lhe está apensa, ganham toda uma nova configuração, em particular, no que respeita aos prazos de caducidade do direito de ação do A. que, no caso da ação administrativa de condenação à prática dos atos devidos (não urgente - artigo 37.º CPTA) se traduz em 3 meses, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º do CPTA, mas no caso do contencioso dos procedimentos de massa se cinge a 1 mês, nos termos do n.º 2 do artigo 99.º do CPTA.
k) A nova configuração da ação vai prejudicar os direitos de ação do militar uma vez que a sua ação foi projetada, construída e proposta como uma ação administrativa de condenação à prática de atos administrativos, sob a forma única (não urgente) nos termos do artigo 37.º do CPTA pois não era evidente que a ação fosse considerada contencioso de massa até porque não tem sido essa a forma de processo adotada pelos tribunais conforme resulta da jurisprudência consultada no portal www.dgsi.pt.

l) Se for determinado que o presente processo deve seguir a tramitação do contencioso dos procedimentos de massa e, consequentemente, se o tribunal territorialmente competente for o TAF de Lisboa, existe o risco sério de a pretensão do A. não proceder, dado que a presente ação, tempestivamente proposta dentro do prazo legal previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º conjugado com o artigo 37.º, ambos do CPTA, poderá vir a considerar-se extemporânea se se vier a considerar que não foi proposta dentro do prazo legal previsto no n.º 2 do artigo 99.º do CPTA.

m) O Autor entende que a forma processual correta, adequada e legalmente aplicável à pretensão do Autor é a ação administrativa de condenação à prática de atos administrativos não urgente e não o contencioso dos procedimentos de massa.

n) Se o processo for remetido para a jurisdição de Lisboa e o TAF considerar que a ação deve ser seguir a tramitação do contencioso dos procedimentos de massa e que é, por isso, extemporânea, não conhecerá do mérito da causa, o que vale por dizer, que tão-pouco não conhecerá do pedido subsidiário apresentado pelo A., o qual, por si só, não preenche sequer os critérios previstos no artigo 99.º do CPTA, uma vez que os militares que integraram o procedimento promocional cingem-se ao número total de 15 militares, sem contar com o A.

o) A Sentença reclamada foi proferida e notificada ao Reclamante sem que lhe tenha sido dada a possibilidade de se pronunciar sobre a questão de direito que, no entendimento do Tribunal, obsta a que conheça do mérito da causa.

p) O douto Tribunal reclamado deveria ter notificado o A. para se pronunciar sobre a forma do processo e, consequente, sobre a competência territorial, tratando-se de questões de direito que influem no mérito da causa e poderão obstar ao seu conhecimento por parte do Tribunal.

q) A falta de notificação do militar para se pronunciar sobre a incompetência territorial do TAF de Leiria e a convolação do processo em contencioso de massa configura uma violação ao disposto no artigo 3° do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, e muito em particular, o seu n.º 3, que, consagra o princípio do contraditório, o que fere, a sentença reclamada de vício de violação de lei.

r) Em concreto, era manifesta a necessidade de observância do princípio do contraditório.

s) O reclamante desistiu parcialmente do pedido, no que respeita ao procedimento promocional para vagas de 2018 ao abrigo do n.º 1 do artigo 283.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA.

t) O Tribunal reclamado não homologou a desistência do reclamante.

u) O despacho que indeferiu o pedido de desistência parcial do pedido do militar deve ser revogado e substituído por outro que o homologue nos termos peticionados pelo reclamante.

v) A Sentença reclamada é nula por omissão da prática de ato legalmente previsto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com as devidas adaptações, ex vi artigo 1.º do CPTA.

w) A Sentença reclamada deverá ser declarada nula com todas as consequências legais daí decorrentes.

x) Deverá providenciar-se pela notificação do Autor nos termos do artigo 3.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, para que possa pronunciar-se sobre a exceção de incompetência territorial do TAF de Leiria e sobre a convolação do processo em contencioso de massa.
y) A indicação de contrainteressados não é necessária.

z) A indicação de contrainteressados é inócua do ponto de vista substancial ou formal para os demais militares que integraram os procedimentos promocionais e respetivas listas de promoção, de intenção e definitivas, para as vagas de 2018 e de 2019.

aa) Na jurisprudência, no julgamento de ações semelhantes, os processos seguem a forma de ação administrativa para condenação à prática de atos devidos (não urgente – artigo 37.º do CPTA).

bb) O A. não encontrou na jurisprudência qualquer ação desta natureza que seguisse a forma de contencioso dos procedimentos de massa.

cc) Os procedimentos promocionais promovidos e despoletados pelos serviços da GNR para promoção dos militares que integram o efetivo da Guarda não são iguais, nem configura concursos de pessoal ou com os procedimentos de realização de provas ou com os procedimentos de recrutamento reservados ao funcionalismo público e previstos no artigo 99.º do CPTA, cujo regime regra se rege pelo artigo 33.º e ss. da Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas (Lei n.º 35/2014, de 20. 06) e pela Portaria n.º 125-A/2019, de 30 de Abril, que prevê a tramitação do procedimento concursal, por remissão do n.º 2 do artigo 32.º da LGTFP.

dd) O legislador afirma na exposição de motivos do EMGNR, na versão dada pelo Decreto-Lei n.º 30/2017, 22.03, que os militares da GNR encontram-se excluídos do funcionalismo público.

ee) A promoção dos militares da GNR, rege-se por Estatuto próprio, pelas regras e procedimentos administrativos nele constantes nos termos do artigo 107.º e ss do EMGNR.

ff) O procedimento promocional dos militares da GNR é um procedimento administrativo especial, previsto no EMGNR.
gg) O procedimento promocional dos militares da GNR está excluído do funcionalismo público.

hh) O procedimento promocional dos militares da GNR não configura qualquer dos concursos tipificados no artigo 99.º do CPTA (concurso de pessoal ou procedimento de realização de provas ou procedimento de recrutamento) e nos termos configurados pelo artigo 99.º do CPTA.

ii) Os militares são, independentemente da sua vontade ou iniciativa, integrados no procedimento promocional, e nas respetivas listas de promoção, em função dos critérios legais determinados no EMGNR e sujeitos a apreciação pelos serviços para efeitos de promoção de cada um, sendo que a situação de cada militar é feita de forma individual, sem que existam opositores, isto é, os militares não concorrem entre si para alcançar uma promoção, os militares são todos eles sujeitos a essa promoção, em função de critérios legais, gerais e especiais, comuns a todos militares (ao caso, preenchimento das condições gerais e especiais de promoção, por antiguidade – cfr. artigo 116.º do EMGNR) que figura um direito estatuário (direito à promoção), sendo apreciada a situação individual de cada militar indicado pelos serviços da GNR para esses efeitos.

jj) Os procedimentos promocionais indicados na PI, nunca poderiam configurar um concurso de pessoal ou procedimentos de realização de provas ou procedimentos de recrutamento à luz do artigo 99.º do CPTA e para efeitos da sua aplicação à ação em curso ou à providência cautelar que lhe está apensa.

kk) A presente ação e a providência cautelar não devem seguir a forma de processo de contencioso para procedimentos de massa, mas sim manter a forma de ação administrativa de condenação à prática de atos administrativos (não urgente – artigo 37.º do CPTA) conforme foi configurada pelo A. na sua PI.

ll) Os critérios de aplicação do artigo 99.º do CPTA são cumulativos, não bastando o número de participantes superior a 50, mas também que os procedimentos em causa se integrem nos domínios do concurso de pessoal ou procedimentos de realização de provas ou procedimentos de recrutamento, o que não é o caso.

mm) O Tribunal reclamado faz uma interpretação e aplicação errada do artigo 99.º do CPTA, ao caso concreto, violando o artigo 37.º, o n.º 1 e alíneas a) e b) do n.º 2 do artigo 2.º conjugado com as alíneas a) e c) do n.º 2 do artigo 4.º e com a alínea b) do n.º 1 do artigo 58.º, todos do CPTA, uma vez que a forma de ação de administrativa de condenação à prática dos atos devidos (não urgente – artigo 37.º do CPTA) é aquela que a presente ação deve seguir.

nn) A Sentença reclamada não pode ser mantida, dado que não configurando a presente ação um processo de contencioso para procedimentos de massa, mas uma ação administrativa de condenação à prática de atos administrativos devidos (não urgente – artigo 37.º do CPTA), o TAF de Leiria é o Tribunal competente em função do território para conhecer da ação e da providência cautelar que lhe está apensa.

oo) A Sentença reclamada deve ser revogada e substituída por outra que julgue o TAF de Leiria competente em função do território para conhecer da presente ação, ordenando-se o prosseguimento da ação nesse Tribunal sob a forma de ação administrativa de condenação à prática de atos administrativos devidos (não urgente – artigo 37.º do CPTA).

pp) Os atos impugnados pelo A., a título principal e a título subsidiário, tiveram apenas, e só, como destinatário o militar, aqui reclamante.

qq) Com a ação intentada ou com a providência cautelar apresentada não se pediu a anulação ou declaração de nulidade, ou a suspensão dos efeitos, de todo o procedimento promocional e seus atos (quer o de 2018, quer o de 2019), mas apenas do despacho definitivo de preterição proferido relativamente ao Autor e, como decorrência necessária, dos demais atos administrativos de que dependeu esse Despacho, sempre circunscritos à posição do A. individualmente considerada, logo, visando produzir efeitos jurídicos limitados à sua situação concreta e individual.

rr) A decisão que vier a ser tomada na presente ação apenas afetará a posição do militar, seja ou não favorável ao mesmo, não prejudicando ou beneficiando qualquer outro militar em detrimento do A. ou de outros militares, designadamente, os que foram promovidos ou preteridos na promoção e que integraram as listas de promoção de intenção e definitivas quer em 2018, quer em 2019.
ss) Na jurisprudência produzida pelos Tribunais Administrativos é inexistente a referência à indicação de contrainteressados ou ao enquadramento de ações administrativas desta natureza em ações de contencioso para procedimentos de massa (artigo 99.º do CPTA).

tt) O militar não contesta, nem pede qualquer alteração ao lugar dos demais militares nas listas de intenção e definitivas, das quais não foi excluído, nem pede a alteração, anulação ou nulidade da promoção dos seus colegas ou de qualquer ato administrativo que os pudesse afetar ou beneficiar

uu) Não há um ataque generalizado ao procedimento promocional, mas tão-só aos atos administrativos de preterição de promoção do Autor, que foram proferidos por referência ao militar e à sua situação individual e concreta.

vv) Considerando que não existem militares que possam ser beneficiados ou prejudicados com o desfecho da presente ação e da correspondente providência cautelar (apenso A do processo principal), não existe necessidade ou razão, de facto ou de direito, para manter como contrainteressados os militares indicados nos autos a instâncias do douto Tribunal reclamado.

ww) Nos termos legais aplicáveis, deverá determinar-se que se dê sem efeito a sua indicação de contrainteressados nos autos por desnecessária e inútil à ação, e por poder ser prejudicial ao andamento da ação.

xx) A presente ação e a providência cautelar que lhe está apensa, deverá seguir a forma da ação administrativa de condenação à prática de atos devidos (não urgente - artigo 37.º do CPTA) e não a forma de processo urgente de contencioso para procedimentos de massa (artigo 99.º do CPTA).

yy) Tem sido defendido por algumas vozes na doutrina que só após o decurso do prazo para constituição de contrainteressados se poderá aferir se o seu número supera 50, e nessa medida, só após o decurso do prazo para a constituição de contrainteressados é que se poderá concluir se a ação deve ou não seguir a forma de contencioso de massas, e a competência do Tribunal em função do território, em face do número de respostas obtidas.
Nestes termos e nos demais de Direito que V.ª Ex.ª doutamente suprirá, recebida a presente Reclamação, deverá a mesma ser julgada integralmente procedente, por provada, e em consequência:
a) Ser declarada a nulidade da sentença por omissão de ato legalmente previsto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com as devidas adaptações, ex vi artigo 1.º do CPTA, com as devidas consequências legais e providenciar-se pela notificação do Autor nos termos do artigo 3.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, para que possa pronunciar-se sobre a exceção de incompetência territorial do TAF de Leiria, e sobre a convolação do processo em contencioso de massa, oficiosamente suscitada pelo douto Tribunal reclamado, seguindo-se os posteriores termos legais.

b) Sem prescindir, e assim não entendendo V.ª Ex.ª, deverá revogar-se a Sentença reclamada e ser a mesma substituída por outra que determine a aplicação à ação em curso a forma de processo correspondente à ação administrativa de condenação à prática de atos devidos (não urgente – artigo 37.º do CPTA) e que julgue o TAF de Leiria territorialmente competente para conhecer da presente ação, ordenando-se o prosseguimento da ação no TAF de Leiria, sem intervenção de contrainteressados, só assim resultando melhor interpretada e aplicada a Lei e melhor aplicada a realização da Justiça.

c) Sem prescindir, e caso ainda assim, não se entenda, requer-se a V.ª Ex.ª a revogação do despacho que não admitiu o pedido de desistência parcial do pedido apresentado pelo reclamante e a homologação de desistência parcial do pedido apresentada nos autos, acima junta como Documentos 13 e 14, limitada à alínea a) do pedido e à alínea c) na parte referente ao procedimento promocional para vagas de 2018, prosseguindo o processo quanto ao pedido subsidiário apresentado na alínea b) do pedido da PI,
alínea d) na parte referente ao procedimento promocional para vagas de 2019 e à alínea c), produzindo os legais efeitos.”.


*
O Ministério da Administração Interna, aqui Recorrido, contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
“A. Pretende o Recorrente com o presente recurso obter “a) a nulidade da sentença por omissão de ato legalmente previsto, nos termos da alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, com as devidas adaptações, ex vi artigo 1.º do CPTA, com as devidas consequências legais e providenciar-se pela notificação do Autor nos termos do artigo 3.º do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA, para que possa pronunciar-se sobre a exceção de incompetência territorial do TAF de Leiria, e sobre a convolação do processo em contencioso de massa, oficiosamente suscitada pelo douto Tribunal reclamado, seguindo-se os posteriores termos legais.”;
Ou, caso assim não se entenda,
B. revogar-se a Sentença reclamada e ser a mesma substituída por outra que determine a aplicação à ação em curso a forma de processo correspondente à ação administrativa de condenação à prática de atos devidos (não urgente – artigo 37.º do CPTA) e que julgue o TAF de Leiria territorialmente competente para conhecer da presente ação, ordenando-se o prosseguimento da ação no TAF de Leiria, sem intervenção de contrainteressados, só assim resultando melhor interpretada e aplicada a Lei e melhor aplicada a realização da Justiça.”;

C. Mas se ainda assim o Venerando Tribunal não acolher nenhum dos pedidos supra, requer “a revogação do despacho que não admitiu o pedido de desistência parcial do pedido apresentado pelo reclamante e a homologação de desistência parcial do pedido apresentada nos autos, acima junta como Documentos 13 e 14, limitada à alínea a) do pedido e à alínea c) na parte referente ao procedimento promocional para vagas de 2018, prosseguindo o processo quanto ao pedido subsidiário apresentado ma alínea b) do pedido da PI, alínea d) na parte referente ao procedimento promocional para vagas de 2019 e à alínea c), produzindo os legais efeitos.”;

D. Importa ter presente que o aqui Recorrente, não se conformando com o despacho de preterição que decidiu preteri-lo no âmbito do procedimento promocional tendente a ocupação de vagas ocorridas em 2018 e em 2019, veio das mesmas apresentar, como ação principal, ação administrativa de impugnação de atos administrativos e providência cautelar requerendo a suspensão dos atos impugnados e restantes atos dele decorrente, nomeadamente das respetivas listas de intenção e definitivas de promoção;

E. Considerando o Tribunal a quo – E BEM – que o provimento da presente ação poderia diretamente prejudicar outros militares interessados nos mesmos procedimentos, por despacho proferido em 23/12/2021, notificou o Recorrente para vir aos autos indicar os contra-interessados a quem o provimento da presente ação pudesse prejudicar;

F. Em resposta, e aceitando que havia efetivamente contra-interessados, o Recorrente veio aos autos indicar os contra-interessados, referindo expressamente “requer-se a V.ª Ex.ª. sejam os mesmos citados no seu domicílio profissional, nas moradas infra indicadas”, não se entendendo como pode agora vir pugnar entendimento contrário!

G. Efetivamente, entendendo que não havia nos presentes autos contra-interessados, na medida em que, segundo alega agora, nenhum militar pode ficar prejudicado com o deferimento da sua pretensão, deveria ter vindo aos autos defender esse entendimento, que seria dirimido pelo Tribunal ainda em pleno uso das suas competências;

H. Mas não o fez, o que levou a que levou o Tribunal a quo, perante a indicação dos contra-interessados e verificando existirem 786 contra-interessados identificados como tal pelo Recorrente, por sentença proferida em 28/12/2021, veio considerar que “, decorre do n.º 1 do artigo 99.º, do CPTA que o contencioso dos procedimentos de massa compreende as acções respeitantes à prática ou omissão de actos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, no âmbito, designadamente, dos concursos de pessoal. (…) Verifica-se assim uma cumulação de pedidos, tanto na acção cautelar como na acção principal, sendo que a suspensão do acto referente à promoção dos militares nas vagas de 2019 vem formulado em termos de subsidiariedade face ao pedido de suspensão do acto de promoção para preenchimento de vagas quanto ao ano de 2018, que se assume como o pedido principal.(…) Face ao exposto, julga-se este Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria incompetente em razão do território para conhecer a acção, ordenando-se, em consequência, a respectiva remessa para o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.”;

I. Contrariamente ao defendido pelo Recorrente entende-se que não havia lugar ao exercício do contraditório, desde logo porque dispõe o artigo 13.º do CPTA que a competência dos tribunais administrativos precede o de qualquer outra matéria e, verificada, determina a remessa oficiosa do processo ao tribunal competente de acordo com o artigo 14.º do mesmo normativo;

J. O Recorrente concordou que os procedimentos tinham contra-interessados, identificando-os;

K. O Tribunal a quo, verificando serem em número superior a 50 e entendendo tratar-se de um procedimento promocional que, embora regendo-se por legislação especial, não deixa de ser integrado na aceção de concursos de pessoal, porque efetivamente, e contrariamente ao alegado pelo Recorrente, a promoção de 1 militar vai implicar a não promoção de outro, além de que o deferimento da sua pretensão obrigatoriamente, além de ter como consequência o prejuízo de um militar por inexistência de vaga que passa a ser ocupada pelo aqui Recorrente, também haverá a considerar que o Recorrente seria, caso fosse concedido provimento à ação, integrado numa lista de promoção e promovido o que iria ocasionar que ficaria mais moderno que a maior parte dos contra-interessados, o que poderá implicar futuros prejuízos em procedimentos promocionais que se venham a efetuar, além dos prejuízos verificados logo no imediato, em matéria de colocações subsequentes à promoção;

L. Notificado da Douta Sentença proferida em 28/12/2021, o Recorrente, aceitando que se tratava de facto de um contencioso de procedimento de massa, também não contesta a decisão e, ao invés, vem apresentar junto do TAF de Leiria, requerimento onde requer a desistência dos pedidos formulados relativamente ao procedimento promocional tendente a ocupação de vagas verificadas em 2018, afirmando pretender apenas prosseguir com o pedido relativamente ao procedimento de 2019;

M. Ora concorda-se com o Recorrente no sentido em que efetivamente a desistência do pedido principal não obstará a que o processo siga para apreciação do pedido subsidiário, no entanto tal não obsta nem altera a competência do Tribunal que é previamente fixada nem a tipologia de ação a qual também é devidamente delimitada aquando da interposição;
N. Como bem refere o Douto Despacho proferido nos autos em 04/01/2022, de acordo com o disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 38.º da Lei da Organização dos Sistema Judiciário, a competência do Tribunal fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações, de facto e de direito, ocorridas posteriormente;

O. Haverá, por último, que esclarecer que o tribunal recorrido não se pronunciou quanto à admissibilidade da desistência do pedido e nem o poderia fazer, considerando o expendido no Douto despacho proferido em 22/02/2022, com o qual se concorda inteiramente, e que refere o poder jurisdicional do TAF de Leiria se esgotou com a prolação de sentença, a 28/12/2021, de acordo com o disposto no artigo 163.º n.º 1 do CPC, estando assim vedado ao tribunal o conhecimento do pedido de desistência;

P. Face ao exposto só se poderá assim considerar totalmente infundado de facto e de direito o recurso ora apresentado e o total acervo da decisão recorrida, a qual não merece qualquer reparo legal e não enferma de quaisquer vícios que determinem a sua revogação.”

*
O Ministério Público junto deste Tribunal foi notificado nos termos e para efeitos do disposto no art.° 146.° do CPTA.

Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, vem o processo submetido à Conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.

Objecto do recurso.
Há, assim, que decidir, perante o alegado nas conclusões de recurso, se a sentença recorrida:
- é nula nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, por não ter sido observado o princípio do contraditório;
- incorreu em erro de julgamento de direito ao ter entendido que a presente acção deve seguir sob a forma prevista para o contencioso dos procedimentos de massa, prevista no art.º 99º do CPTA;
- deve ser anulada e substituída por outra que determine que o presente processo deve prosseguir no TAF de Leiria como acção administrativa de condenação à prática de acto.
Para além disso, há ainda que decidir se é de revogar o despacho de indeferimento do pedido de desistência parcial do pedido, que o Recorrente diz ter sido proferido.
*
Provam os autos que:
1) A presente acção foi intentada como acção administrativa de condenação à prática de acto administrativo devido – cfr. fls. 1 dos autos;
2) O ora Recorrente formulou ali os seguintes pedidos:
a) Sejam as invalidades invocadas julgadas integralmente procedentes, por provadas, e declarado nulo o Despacho Definitivo de preterição do Guarda INF (209…….) M…, para ocupação de vagas relativas a ano de 2018, proferido em 14/05/2020, pelo Exmo. Sr. Comandante do CARI, no âmbito do procedimento promocional, bem como todos os despachos interlocutórios e atos administrativos instrutórios (deliberação da JSS de 24/09/2019 e deliberação do CSG de 09 de dezembro de 2019, pareceres e Despacho de Intenção, listas de intenção e listas definitivas) destinados a formar o sentido do referido Despacho, e respetivas listas de promoção provisórias e definitivas, com todas as consequências legais daí decorrentes, ou caso assim não se entenda, sejam os mesmos anulados, com todas as legais consequências daí decorrentes, e sejam os mesmos alterados em sentido favorável ao militar, promovendo-o ao posto de Guarda-Principal com todas as consequências legais daí decorrentes e condenar a Ré a promover de imediato o Autor com efeitos retroativos à data da efetivação da promoção a 01/10/2019 ao posto de Guarda- Principal no âmbito do procedimento promocional, por antiguidade, para ocupação da lista provisória e definitiva e das vagas relativas ao ano de 2018, independentemente da existência de vaga, indo ocupar na escala de antiguidade do novo posto, a mesma posição que teria se a promoção tivesse ocorrido dentro do prazo procedimental, com posicionamento remuneratório correspondente ao posto de Guarda-Principal e com ressarcimento e pagamento de todas a remunerações, suplementos e benefícios sociais respetivos que teria recebido caso a promoção se tivesse verificado nos termos que antecedem no competente prazo legal e procedimental, por se mostrarem preenchidas todas as condições gerais e especiais de promoção previstas no artigo 120.º, 121.º (em particular a alínea d) do n.º 1 do artigo 121.º) e 125.º do EMGNR, conjugadas
com alínea b) do artigo 234.º do EMNGR e demais normas invocadas, com todas as legais consequências daí decorrentes.

b) Caso assim não se entenda, o que não se concede, subsidiariamente, sejam as invalidades invocadas julgadas procedentes, por provadas, e anulado o Despacho Definitivo de preterição do Guarda INF (20……) M…, para ocupação de vagas relativas a ano de 2019, proferido em 28/06/2021 pelo Exmo. Sr. Comandante do CARI, no âmbito do procedimento promocional, bem como todos os despachos interlocutórios e atos administrativos instrutórios (deliberação da JSS de 24/09/2019 e deliberação do CSG de 09 de dezembro de 2019, pareceres e Despacho de Intenção, listas de intenção e listas definitivas) destinados a formar o sentido do referido Despacho, e respetivas listas de promoção provisórias e definitivas, com todas as consequências legais daí decorrentes, ou caso assim não se entenda, sejam os mesmos declarados nulos, com todas as legais consequências daí decorrentes, e sejam os mesmos alterados em sentido favorável ao militar, promovendo-o ao posto de Guarda-Principal com todas as consequências legais daí decorrentes e condenar a Ré a promover de imediato o Autor com efeitos retroativos à data da efetivação da promoção, em 03/09/2020, ao posto de Guarda-Principal no âmbito do procedimento promocional, por antiguidade, para ocupação da lista provisória e definitiva e das vagas relativas ao ano de 2019, independentemente da existência de vaga, indo ocupar na escala de antiguidade do novo posto, a mesma posição que teria se a promoção tivesse ocorrido dentro do prazo procedimental, com posicionamento remuneratório correspondente ao posto de Guarda-Principal e com ressarcimento e pagamento de todas as remunerações, suplementos e benefícios sociais respetivos que teria recebido caso a promoção se tivesse verificado nos termos que antecedem no competente prazo legal e procedimental, por se mostrarem preenchidas todas as condições gerais e especiais de promoção previstas no artigo 120.º, 121.º (em particular a alínea d) do n.º 1 do artigo 121.º) e 125.º do EMGNR, conjugadas com alínea b) do artigo 234.º do EMNGR e demais normas invocadas, com todas as legais consequências daí decorrentes.
c) Seja determinada a submissão do Autor à Junta Superior de Saúde, com caráter de urgência, para confirmação da sua aptidão física, e retificação de qualquer lapso que se imponha corrigir relativamente às deliberações e despachos interlocutórios e listas provisórias e definitivas anteriores à prolação dos despachos definitivos impugnados, para efeitos de deferimento e efetivação da promoção no âmbito do procedimento promocional a Guarda-Principal para ocupação de vagas relativas ao ano de 2018 e, subsidiariamente, 2019.

d) Seja a Ré condenada ao pagamento das custas e encargos processuais decorrentes da presente ação, seus apensos ou incidentes, bem como ao reembolso de todas as despesas e custos suportados pelo Autor com a presente ação para a defesa dos seus direitos.” – cfr. fls. 5 dos autos;

3) A 23/12/2021 foi proferido despacho pela Mmª Juíza do TAF de Leiria, que convidou o ora Recorrente a indicar os contra-interessados, sob pena de se proceder à extinção da instância com fundamento em ilegitimidade passiva – fls 456.
4) O Recorrente, em resposta ao referido despacho, veio indicar os contra-interessados, que, segundo a sentença recorrida, são 785 militares que participaram no procedimento de promoção por antiguidade para ocupação de vagas relativas ao ano de 2018 e 32 militares que participaram no procedimento de promoção por antiguidade para ocupação de vagas para o ano de 2019 – fls. 627, 661 e 666 dos autos;
5) A 28/12/2021, foi proferida sentença que declarou o TAF de Leiria territorialmente incompetente para o conhecimento do mérito, por entender que a acção deve seguir sob a forma do contencioso de procedimentos de massa, a que se refere o art.º 99.º do CPTA, tendo declarado que o TAC de Lisboa é o territorialmente competente, por ser o da sede da entidade demandada – fls. 666;
6) A 03/01/2022, o Recorrente apresentou requerimento de desistência do pedido formulado sob a al. a) e c), na parte que respeita às vagas de 2018 e requereu que os autos prosseguissem no TAF de Leiria para conhecimento dos pedidos deduzidos sob as alíneas b) e c), na parte que respeita às vagas de 2019 e al. d) do pedido – fls. 758;
7) A 04/01/2022 foi proferido despacho que rejeitou conhecer o referido requerimento, por se encontrar esgotado o poder jurisdicional do juiz, nos termos do artigo 613.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 1.º, do CPTA – fls. 688;
8) A 16/02/2022 o Recorrente apresentou novo requerimento em que requereu que fosse decidido o pedido de desistência do pedido anteriormente formulado – fls. 1058;
9) A 22/02/2022 foi proferido despacho em que se reiterou a decisão que rejeitou conhecer o referido requerimento, admitiu o presente recurso e determinou que se procedesse à citação do Recorrido e dos contra-interessados para efeitos do recurso e para da causa – cfr. fls. 1073.

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Da nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório. O Recorrente começa por defender que a sentença recorrida é nula por ter sido proferida sem que tivesse sido previamente notificado para se pronunciar sobre as excepções relativas à forma de processo e à incompetência territorial, alegando que foi violado o princípio do contraditório.
No n.º 3 do art.º 3.º do CPC, estabelece-se que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
Sobre o alcance do princípio do contraditório, refere o Professor J. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil anotado”, Coimbra Editora, 1999, vol. I, pág. 7 e 8, quenão se trata já apenas de, formulado um pedido ou tomada de uma posição por uma parte, ser dada à contraparte a oportunidade de se pronunciar antes de qualquer decisão e de, oferecida uma prova por uma parte, ter a parte contrária o direito de se pronunciar sobre a sua admissão ou de controlar a sua produção. Este direito à fiscalização recíproca das partes ao longo do processo é hoje entendido como corolário duma concepção mais geral da contraditoriedade, como garantia da participação efetiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, em termos de, em plena igualdade, poderem influenciar todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação, direta ou indireta, com o objeto da causa e em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão”.
Por força do princípio do contraditório as partes têm o direito a influenciar a decisão a tomar pelo Tribunal, seja ao nível dos factos, da prova, ou das questões de direito propriamente ditas, ainda que de natureza meramente adjectiva. Apenas assim não será nos casos de manifesta desnecessidade.
No caso, impunha-se que o Recorrente tivesse sido previamente ouvido sobre as excepções relativas à forma do processo e à incompetência do Tribunal.
Desde logo porque a presente acção administrativa foi interposta sob a forma de acção administrativa de condenação à prática de acto e o Tribunal a quo acabou por assumir entendimento diverso, considerando que a forma processual adequada é a do contencioso dos procedimentos de massa.
Sendo que um dos pressupostos de que depende a adopção da forma de processo do contencioso dos procedimentos de massa prende-se com a natureza do procedimento administrativo em causa, que se deve reconduzir a um dos três tipos de procedimento previstos no art.º 99.º, n.º 1 do CPTA, o que impunha que se tivesse ouvido previamente o A., ora Recorrente, uma vez que não se trata de uma situação em que o exercício do contraditório se apresente como manifestamente desnecessário.
Não tendo o Recorrente tido oportunidade de se pronunciar sobre as referidas excepções, há que concluir que foi violado o art.º 3.º, n.º 3 do CPC e que a sentença recorrida é nula por força do art.º 615.º, n.º 1, d), in fine, do CPC (sobre a questão veja-se Miguel Teixeira de Sousa em “Nulidades do processo e nulidades da sentença: em busca da clareza necessária”, https://blogippc.blogspot.com).
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Tendo o Recorrente exercido, nas alegações de recurso, o contraditório sobre as questões que queria ver ponderadas pelo Tribunal a quo e atendendo ainda ao regime previsto no art.º 149.º do CPTA, que determina que, em caso de nulidade da sentença recorrida, se conheça em substituição de tais questões, passa-se, de seguida, a conhecer da forma do processo e da competência do Tribunal.
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Da forma do processo.
O Recorrente defende que os actos que impugna foram proferidos no âmbito de procedimentos em que não há contra-interessados e que não estamos perante qualquer dos procedimentos previstos no art.º 99.º do CPTA, pelo que entende que o processo deve seguir sob a forma de acção administrativa de condenação à prática de actos administrativos devidos, prevista no art.º 37.º do CPTA.
Começa por dizer que os actos impugnados foram praticados no âmbito de procedimentos especiais, que se regem pelo Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, que são distintos e não se confundem com os procedimentos do funcionalismo público. Alega que os militares da GNR não se candidatam a qualquer concurso de pessoal ou outro, uma vez que são integrados no procedimento independentemente da sua vontade ou iniciativa e que, por isso, não existem opositores no procedimento, não concorrendo os militares entre si para alcançar a promoção ao posto seguinte, estando todos eles sujeitos a essa promoção em função de critérios legais gerais e especiais, comuns a todos militares.
Alega ainda que, com “a ação intentada ou com a providência cautelar apresentada, não se pretendeu, nem pretende, a anulação ou declaração de nulidade, ou a suspensão da eficácia dos efeitos de todo o procedimento promocional e seus atos (quer o de 2018, quer o de 2019), mas apenas do despacho definitivo de preterição proferido relativamente ao Autor e, como decorrência necessária, dos demais atos administrativos de que dependeu esse Despacho, sempre circunscritos à posição do A. individualmente considerada, logo, visando produzir efeitos jurídicos limitados à sua situação concreta e individual”.
Contrariamente ao defendido pelo Recorrente, estamos perante um procedimento concorrencial, em que a eventual procedência dos pedidos por ele deduzidos pode vir a prejudicar a promoção de outros militares interessados na promoção.
Trata-se de um procedimento de promoção por antiguidade a guarda-principal em que, por força do disposto nos artigos 111.º, n.º 2, 112.º, n.º 1, 116.º e 234.º do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana, aprovado pelo DL n.º 30/2017, de 22 de Março, o número de vagas é fixado pelo comandante-geral, não podendo a lista de promoção que integra o número de militares a promover ser superior ao dobro das vagas disponíveis para o ano a que respeitam. A promoção por antiguidade depende da existência de vaga e da satisfação das condições gerais e especiais de promoção, pelo que se trata de um procedimento concorrencial em que nem todos os militares que preenchem tais condições podem vir a ser promovidos.
Significa isso que, contrariamente ao defendido pelo Recorrente, os restantes militares, potenciais interessados na promoção, têm um interesse contraposto ao seu e, por isso, devem ser considerados contra-interessados.
Conforme refere Ana F. Neves, em anotação ao ac. do TCA Sul de 05/07/2017, P. 60/16.2BEPDL, “Contencioso dos procedimentos de massa: pressuposto processual específico e erro na forma de processo”, CJA n.º 128, a doutrina (que ali é citada) tem entendido que “O concurso de pessoal é um "procedimento de seleção" (…) em que os participantes disputam entre si emprego, cargo público ou vantagem associada a um destes, sendo avaliados por comparação (…)” e que “Um procedimento é de recrutamento quando se trata de admitir um trabalhador para um posto de trabalho ou emprego (identificado num mapa de pessoal; seja para o trabalhador o seu primeiro emprego público ou não, consubstancie ou não uma promoção, uma forma de mobilidade, (...).” “2.12. Um procedimento de recrutamento pode corresponder a um concurso (ou não) ou desdobrar-se em subprocedimentos concursais. E um procedimento concursal pode não ser de recrutamento, embora em regra o seja (…)”.
À luz de tais ensinamentos, os procedimentos de promoção a guarda-principal são de classificar como de recrutamento (uma vez que se trata de ascender a um posto superior, previsto na categoria de guardas - cfr. art.º 234.º do EMGNR), que decorrem no âmbito de concursos de pessoal.
Em face dos pressupostos previstos no art.º 99.º do CPTA, em nada releva a circunstância de estarmos perante procedimentos regulados por normas específicas do Estatuto dos Militares da Guarda Nacional Republicana.
A forma de processo determina-se em função da pretensão deduzida na P.I..
Estatuindo o n.º 1 do art. 99.º do CPTA que “(…) o contencioso dos atos administrativos praticados no âmbito de procedimentos de massa compreende as ações respeitantes à prática ou omissão de atos administrativos no âmbito de procedimentos com mais de 50 participantes, nos seguintes domínios: a) Concursos de pessoal; (…) c) Procedimentos de recrutamento”, conclui-se que o pedido principal deduzido pelo Recorrente na P.I., deve ser apreciado no âmbito de uma acção que siga sob a forma do contencioso dos procedimentos de massa.
O pedido deduzido a título subsidiário, diz respeito ao procedimento de promoção a guarda-principal do ano de 2019, em que intervieram participantes em número inferior a 50, pelo que não se encontra preenchido um dos pressupostos previstos no n.º 1 do art. 99.º do CPTA.
No entanto, por força da relação de subsidiariedade existente com o pedido principal (expressamente assim configurada na P.I.), deve ser conhecido pelo Tribunal que tem competência para conhecer este último pedido, nos termos do n.º 2 do art.º 21.º do CPTA.
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Da competência territorial.
Estatui o n.º 1 do art.º 5.º do ETAF que “a competência dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal fixa-se no momento da propositura da causa, sendo irrelevantes as modificações de facto e de direito que ocorram posteriormente.”.
Tendo-se concluído que, em face da pretensão deduzida na P.I., a forma processual a observar é a correspondente ao contencioso dos procedimentos de massa, há que aplicar o disposto no n.º 2 do art.º 99.º do CPTA, que determina que a competência cabe ao Tribunal da sede da entidade demandada, no caso, o TAC de Lisboa – n.º 2 do art.º 99.º do CPTA.
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Da desistência do pedido principal.
Contrariamente ao alegado pelo Recorrente, o Tribunal a quo não conheceu do pedido de desistência do pedido principal, que aquele apresentou nos autos após a prolação da sentença.
Alegou o Tribunal a quo que se tinha esgotado o seu poder jurisdicional, conforme disposto no art.º 613.º, n.º 1 do CPC.
Tendo a sentença sido declarada nula, tal argumento para não conhecer do mencionado requerimento deixou de subsistir.
No entanto e ainda assim, não podia o Tribunal a quo conhecer do referido pedido.
É que o Tribunal que é incompetente para conhecer do mérito, apenas pode decidir a sua incompetência. Não pode decidir outras questões, como seja o pedido de desistência que foi formulado.
No presente recurso, o TCAS decide em substituição, nos termos do art.º 149.º do CPTA, pelo que só pode pronunciar-se sobre as questões que poderiam ter sido conhecidas pelo Tribunal a quo.
Assim, no presente recurso, o TCAS, também não pode conhecer do mencionado pedido de desistência, o qual deve ser decidido em primeiro lugar pelo TAC de Lisboa, por ser o Tribunal competente para conhecer do mérito da acção.
Decisão
Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da secção de contencioso administrativo do TCA Sul em anular a sentença recorrida e, em substituição, declarar a incompetência do TAF de Leiria para conhecer do mérito, devendo os autos ser remetidos para o TAC de Lisboa para aí prosseguirem os ulteriores termos, por ser o territorialmente competente.

Lisboa, 19 de Abril de 2022
Jorge Pelicano

Ana Paula Martins

Carlos Araújo