Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:03740/10
Secção:CT-2º JUÍZO
Data do Acordão:09/15/2010
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
SUJEIÇÃO. SUBVENÇÕES.
Sumário:1.As subvenções recebidas pela contribuinte com sede nos Açores, no âmbito do Poseima, pela aquisição de atum para transformar em conservas, não constituem ajudas à produção, mas antes têm uma natureza de compensação dos custos suplementares gerados pela ultraperifericidade em relação ao escoamento de determinados produtos da pesca dos Açores, estando sujeitas a IVA pela norma do art.º 16.º, n.º5, alínea c) do CIVA, na interpretação dada pelo art.º 34.º, n.º4, da Lei n.º 127-B/97, de 20/12/1997), Lei do Orçamento do Estado para 1998), que expressamente as equipara a operações conexas com o preço das vendas;

2. As subvenções recebidas pela contribuinte através do INGA, relativas às denominadas restituições à produção, relativas aos montantes adquiridos com azeite para fabrico de conservas de peixe, não se encontram sujeitas a IVA, ao abrigo da mesma norma supra, por directamente, se reportarem ao fabrico, à produção das mesmas conservas, sendo atribuídas em função desses gastos de produção de azeite, não sendo estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:


A. O Relatório.
1. C…………..– Indústria ………………, SA, identificado nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:


A) Recorrente apresentou impugnação judicial contra acto da Fazenda Publica, em virtude da alegada falta de liquidação do IVA sobre o valor dos subsídios, no âmbito dos projectos POSEIMA e INGA, recebidos no ano de 2005, período de Janeiro a Abril:
B) A douta sentença ora recorrida confirma este entendimento, razão pela qual se recorre;
C) O juiz a quo conclui que “se por cada bem ou serviço que é vendido se concede determinada subvenção, então no preço real de cada produto vendido deverá ser incorporada essa subvenção. (...) Ora, parece que tais condicionalismos se verificam no presente caso já que a subvenção é atribuída com referência ao preço final dos bens transmitidos, sendo calculada em função das vendas.”
D) Padecendo de erro de julgamento.
E) O juiz a quo, limitou-se a decompor o artigo do CIVA aqui em causa, aplicando discricionariamente ao caso em apreço
F) A questão primordial que aqui está em causa é a de saber se esta incidência está prevista na disposição legal contida no art. 16° nº5, al. c) do Código do IVA (CIVA)
G) Ou seja, apenas serão tributadas as subvenções que digam respeito e que estejam directamente ligadas ao preço de cada operação, determinadas em função das unidades transmitidas/vendidas.
H) Isto é, serem estabelecidas com referência ao preço ou às quantidades transmitidas.
I) No que respeita ao Poseima - Pescas, o douto tribunal relativiza a questão da inclusão dessa norma de Tributação no art. 34° n° 4 da lei 127-B/97, de 20 de Dezembro, que aprova o Orçamento de Estado para o ano de 1998 afirmando que o argumento "nem convence nem adianta grande coisa na procura da solução correcta".
J) A norma aqui em causa é uma norma de aplicação temporal limitada, uma vez que tem uma vigência anual, correspondente à vigência do respectivo Orçamento de Estado, neste caso para 1998.
K) A mesma não estaria em vigor no ano em causa, ou seja, 2005.
L) O Poseima a que se refere esta norma não é o mesmo tipo de projecto a que concorreu a Recorrente, uma vez que à data dos factos, o Poseima que se encontrava em vigor era o previsto no Regulamento (CEE) n° 1587/98 do Conselho de 17 de Julho.
M) Neste projecto passou a incluir-se as actividades relacionadas com os produtos da pesca.
N) Os motivos que levaram à criação destas subvenções, são vários tendo em conta as dificuldades do sector da pesca,
O) Estas medidas constituem intervenções destinadas a regularizar os mercados agrícolas.
P) São destinatários destas acções (...) os operadores do sector da transformação, afectados pelos custos suplementares do escoamento impostos ela situação gerada pela ultraperificidade,
Q) Sendo concedidos à produção.
R) Ora se estes são concedidos à produção, ficam fora da previsão do art. 16° do CIVA, bem como do art. 34° da Lei do OE para 1998.
S) É com base na necessidade de matéria-prima e sua aquisição que são calculados os subsídios em apreço.
T) O que nada tem a ver com o preço de venda praticado.
U) O subsídio é atribuído à produção, e para as necessidades dessa produção.
V) Assim também tem entendido o Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias.
W) Em suma, as subvenções que cobrem uma parte dos custos de funcionamento e impliquem uma diminuição do preço do bem são tributadas, havendo a tributação quando estejam em causa o preço da operação.
X) Ao ser aplicado o IVA a este subsídio, as entregas desses montantes sem mais indicação, teriam já incluído o respectivo valor.
Y) Ou seja, a Administração Fiscal reduz o benefício atribuído ela Comunidade Europeia sem que para tal tenha poder nem competência
I) Violando o princípio constitucional vigente no nosso ordenamento do intitulado primado do direito comunitário, previsto no art. 8° da Constituição da República Portuguesa.
AA) O Poseima a receber é apurado de acordo com as compras de pescado a nível nacional e comunitário.
BB) Na tipologia de destino do formulário, a Requerente candidata-se ao subsídio tendo em consideração às quantidades de produto adquirido (KG), para transformação. Esse é o requisito primordial, ainda que controlado a posteriori.
CC) Após análise, o IFADAP procede ao pagamento do aquisição da matéria-prima, e não com referência produto.
DD) No que diz respeito à questão do subsídio atribuído pelo INGA para a aquisição de azeite, existem semelhanças com o Poseima
EE) Subjacente à atribuição dessa subvenção é a da protecção da indústria do azeite, de modo a beneficiar a empresa a que o mesmo se destina, e subsidiando uma actividade agrícola nacional.
FF) Este é um subsídio à agricultura, ainda que seja utilizado na indústria transformadora.
GG) Consta do próprio impresso oficial de candidatura: "restituição à produção para o azeite utilizado no fabrico de conservas de peixe.
HH) O subsídio é apurado tendo em conta a utilização do azeite na produção de conservas de peixe.
II) Após análise por parte dos serviços, é pago o valor do subsídio.
JJ) Ambos os organismos acederam pagar o subsídio sem sequer ter solicitado a respectiva factura ou documento equivalente em termos de IVA.
KK) E sem sequer ter informado a Recorrente dessa implicação fiscal.
LL) Em caso de se considerar devidos estes montantes, torna-se necessário proceder à correcção do IRC relativo ao ano de 2005, uma vez que os proveitos do exercício a ter em conta são em número inferior.

Pelo exposto e pelo muito que V. Exas doutamente suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e consequentemente ser revogada a sentença recorrida, só assim se fará
JUSTIÇA.


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


O Exmo Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser concedido provimento ao recurso, por as subvenções em causa recebidas pela ora recorrente no ano de 2005, se destinarem à aquisição de atum para transformação em conservas, tratando-se de uma compensação gerados pela ultraperificidade em relação ao escoamento de determinados produtos de pesca, tratando-se de uma subvenção à produção que não ao consumo, pelo que não se encontram sujeitas a IVA.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a decidir: Se as subvenções recebidas pela ora recorrente no âmbito do programa POSEIMA se encontram sujeita a IVA; E se as restituições à produção recebidas pela mesma recorrente, relativas às aquisições do azeite gasto na sua indústria de conservas de peixe, se encontram igualmente sujeitas a IVA.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual se passa a subordinar à seguinte alínea:
a) A Administração Fiscal procedeu a liquidação adicional de IVA, no montante de 33.192,39, acrescido de 808,84 € de juros, relativo ao valor de subsídios recebidos no ano de 2005 pela impugnante, atribuídos pelo IFADAP (relativo ao projecto Poseima-Pescas) e pelo INGA (aquisições de azeite).

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC), se acrescentam mais as seguintes alíneas, em ordem a apreender na totalidade os pressupostos da atribuição dessas subvenções:
b) A totalidade das subvenções recebidas pela ora recorrente, referidas em a) supra, no ano de 2005 (Maio a Novembro), importaram em € 863.001,56, e foi apurado em sede de exame à escrita efectuado em 4/7/2006 – cfr. doc. de fls 30 a 34 do PA apenso;
c) Dentro deste montante total, a importância de € 172.588,24 foi atribuída pelo INGA, como restituição à produção de azeite utilizado no fabrico de conservas de peixe – cfr. fls 31, 131 e 114 e segs do mesmo apenso e fl. 47 destes autos;
d) A impugnante e ora recorrente exerce a actividade de Conser. Prod. ………... Azeite Óleos com o CAE 015203, e tem a sua sede na ……………… – A………. – mesmos docs.


4. Para julgar improcedente a impugnação judicial deduzida considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que tais subsídios foram atribuídos em função das vendas dessa empresa transformadora que não à sua produção, pelo que a sua tributação cai na alínea c) do n.º5 do art.º 16.º do CIVA, pelo que a liquidação efectuada deve ser mantida.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, é contra este entendimento que se vem insurgir, por tais subvenções, quer os atribuídos no âmbito do POSEIMA quer do INGA, terem sido atribuídas à produção e tendo por pressupostos a situação gerada pela ultraperificidade, tendo em vista os custos acrescidos do escoamento do produto, nada tendo que ver com o preço de venda dos produtos produzidos, pelo que não cabe na norma de incidência do IVA contido no art.º 16.º, n.º5, alínea c) do CIVA.

Vejamos então.
O imposto sobre o valor acrescentado, abreviadamente IVA, tal como é praticado nos países que o adoptam é um imposto geral sobre o consumo. É um imposto plurifásico: aplica-se em várias fases do processo produtivo. O que caracteriza o IVA é o método de cálculo da dívida fiscal de cada operador, conhecido por método do crédito do imposto(indirecto, subtractivo ou das facturas): cada operador económico liquida imposto à taxa legal, sobre as transacções que efectua, mas em cada período de imposto recebe crédito do imposto que suportou nesse mesmo período nas aquisições dos "inputs" da sua produção. O imposto a entregar ao Estado é assim o que resulta da diferença entre o IVA liquidado nas facturas de venda e o IVA suportado, constante das facturas de compra(tudo referido a um determinado período de imposto). Não existem efeitos cumulativos, apesar de se tributarem todos os estádios produtivos: o imposto liquidado num estádio é deduzido pelo estádio seguinte. A taxa do imposto é a que gravar as transacções fiscais, no caso de serem de montantes diversos aos vários estádios de produção. A neutralidade do tributo apenas é afectada quando se prevêem isenções para certos operadores, ou certas transacções, e quando a concessão dessas isenções implica a não possibilidade legal de deduzir o imposto que o operador isento suportou na aquisição de "inputs" produtivos.
A génese do moderno IVA deve buscar-se nos sucessivos ajustamentos introduzidos nos impostos de tipo cumulativo, com a finalidade de minorar distorções fiscais que lhes eram próprias. A evolução mais característica verificou-se em França, a justo título considerado o País em que nasceu o IVA actualmente em vigor - cfr. POLIS - Enciclopédia Verbo da Sociedade e do Estado - Tomo 5, pág. 1478 e segs.

Em Portugal, o IVA começou a vigorar em 1.1.1986, tendo o respectivo Código sido aprovado pelo Dec-Lei n.º 394-B/84, de 26 de Dezembro.
Do seu preâmbulo, designadamente do seu ponto 4, quanto à incidência do imposto, o mesmo visa tributar todo o consumo em bens materiais e serviços, abrangendo todas as fases do circuito económico, desde a produção ao retalho, sendo, porém, a base tributável limitada ao valor acrescentado em cada fase. A dívida tributária de cada operador económico é calculada pelo método do crédito de imposto, traduzindo-se na seguinte operação: aplicada a taxa ao valor global das transacções da empresa, em determinado período, deduz-se ao montante assim obtido o imposto por ela suportado nas compras desse mesmo período revelado nas respectivas facturas de aquisição. O resultado corresponde ao montante a entregar ao Estado.

Nos termos do disposto no art.º 1.º do respectivo Código, estão sujeitas a IVA:
a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efectuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal;
b) As importações de bens;
c) As operações intracomunitárias efectuadas no território nacional, tal como são definidas e reguladas no Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias.
2....
...
E são sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de produção, comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões livres e bem assim as que, do mesmo modo independente, pratiquem uma só operação tributável, desde que essa operação seja conexa com o exercício das referidas actividades, onde quer que este ocorra, ou quando, independentemente dessa conexão, tal operação preencha os pressupostos da incidência real de IRS e de IRC, seu art.º 2.º.

Por sua vez a questionada norma do art.º 16.º, n.º5, alínea c) do CIVA, subordinada à epígrafe, Valor tributável, Valor tributável nas transacções internas, tinha então a seguinte redacção que lhe havia sido então introduzida pelo Dec-Lei n.º 195/89, de 12 de Junho, e que dispunha:
As subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, considerando como tais as que são estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações.

Pelo art.º 34.º, n.º4, da Lei n.º 127-B/97, de 20/12/1997), Lei do Orçamento do Estado para 1998), veio a ser fixado pelo legislador o sentido e alcance da interpretação desta norma, tendo disposto:
Para os efeitos do disposto na alínea c) do n.º5 do artigo 16.º do Código do IVA, as ajudas concedidas no âmbito do POSEIMA são equiparadas a subvenções directamente conexas com o preço das operações.

E esta norma desta lei, ainda que de uma lei do orçamento se trate, ao tratar desta equiparação no âmbito do IVA, não se destina a ter aplicação durante o período de um ano apenas, mas para o futuro, enquanto não for revogada ou alterada, no âmbito geral do disposto no art.º 7.º, n.º1 do Código Civil, sendo por isso de aplicação no caso, ao contrário do invocado pela ora recorrente na matéria das suas conclusões I) a K), pelo que no caso, por força de tal equiparação, tais ajudas no âmbito desse programa não podem deixar de se encontrar incluídas no valor tributável do imposto e, como tal, sujeitas a IVA.

Porém, invoca a recorrente o primado do direito convencional ao abrigo do disposto no art.º 8.º, n.º4, da CRP, para pretender a aplicação das normas do Regulamento (CEE) n.º 1587/98 do Conselho, de 17 de Julho, e que, em contrário de tal norma da citada Lei, imporiam que tais subvenções tenham de ser qualificadas como de ajudas concedidas à produção, logo não subsumíveis na citada alínea c), do n.º 5, do art.º 16.º, do CIVA.

O citado Regulamento (CE) n.º 1587/98 do Conselho de 17 de Julho de 1998, instituiu um regime de compensação dos custos suplementares gerados pela ultraperifericidade em relação ao escoamento de determinados produtos da pesca dos Açores e da Madeira, das ilhas Canárias e dos departamentos franceses da Guiana e da Reunião, e em cujo art.º 1.º se pode ler:
É instituído um regime de compensação dos custos suplementares gerados pela ultraperifericidade em relação ao escoamento de determinados produtos de pesca dos Açores, da Madeira, das ilhas Canárias e dos departamentos franceses da Guiana e da Reunião (as espécies respectivas figuram em anexo).

Seu art.º 2.º:
1. Em relação aos Açores, o regime previsto no artigo 1.º consiste no pagamento dos seguintes montantes:
a) 177 ecus por tonelada de atum entregue à indústria local, relativamente a uma quantidade máxima de 10.000 toneladas por ano;
...

E a do seu art.º 3.º:
Os destinatários das acções previstas no presente regulamento são os produtores, proprietários de navios registados nos portos das regiões mencionadas no artigo 1.º, que nelas exerçam as suas actividades, ou as suas associações, bem como os operadores do sector de transformação, afectados pelos custos suplementares do escoamento dos produtos nele previstos resultantes da situação gerada pela ultraperifericidade.

Da análise destas normas do citado Regulamento, bem assim como de alguns trechos do preâmbulo do mesmo, conseguimos apreender, segundo cremos, que tais ajudas ou subvenções, não tiveram por fito, directo, imediato, a produção das conservas de atum, no caso, embora naturalmente, também, não pudessem deixar de as estimular ao fomentar um preço mais baixo, desta forma fazendo aumentar a sua procura, mas sim estimular o escoamento destes produtos ligados à pesca, tendo em conta a ultraperifericidade das regiões a que tais ajudas se destinaram e desde logo as enormes distâncias de localização dos mercados a que se destinariam, com o consequente aumento do custo dos transportes, donde resultava a sua menor competitividade em relação a outras empresas localizadas bem mais próximas desses mercados.

É o que resulta do respectivo preâmbulo dos seguintes trechos, “considerando as dificuldades registadas no sector da pesca da União Europeia, especialmente agravadas pelos custos de transporte dos produtos de pesca para os mercados, devido ao afastamento e isolamento das regiões ultraperiféricas ...nomeadamente custos suplementares gerados pela ultraperifericidade relativamente ao escoamento de determinados produtos..., bem como desde logo do seu art.º 1.º, É instituído um regime de compensação dos custos suplementares gerados pela ultraperifericidade em relação ao escoamento de determinados produtos de pesca dos Açores, da Madeira, das ilhas Canárias e dos departamentos franceses da Guiana e da Reunião ...e no seu art.º 3.º...afectados pelos custos suplementares do escoamento dos produtos nele previstos resultantes da situação gerada pela ultraperifericidade», onde o objectivo primeiro de tais subvenções foi estimular o escoamento de tais produtos, no fundo, fazendo apagar ou diminuir, os custos suplementares gerados pelos transportes devido às maiores distâncias entre essas regiões e os mercados consumidores, desta forma tendo em vista alcançar iguais ou semelhantes condições de mercado para estas regiões em comparação com as que existiam nas regiões próximas desses mercados, no fundo, manter a competividade ao criar condições que anulem as desvantagens das distâncias entre todas as regiões da União, relativamente aos produtos por aquelas colocados nos mercados.

E exactamente igual regime foi mantido, quer pelo Regulamento (CE) n.º 579/2002 do Conselho de 25 de Março de 2002, que alterou o anterior Regulamento n.º 1587/98, quer pelo Regulamento (CE) n.º 2328/2003 do Conselho de 22 de Dezembro de 2003, ambos com idêntico preâmbulo e este último, também, com semelhante articulado, continuando a esgrimir com os custos suplementares que a ultraperificidade impõe para o escoamento de determinados produtos, como a razão primeira da atribuição de tais ajudas ao sector das pescas, extensível igualmente a jusante deste, no caso, à transformação dos respectivos produtos da pesca.

Mas embora tais subvenções não tenham a natureza de ajudas à produção, face a tal diploma, como pretende a ora recorrente, ainda assim, a mesma não seria subsumível à norma do art.º 16.º, n.º5. alínea c) do CIVA, porque as mesmas não foram concedidas ou estabelecidas em função do número de unidades transmitidas ou do volume dos serviços prestados e sejam fixadas anteriormente à realização das operações, como a mesma exige, para que fossem de qualificar como subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, logo sujeitas ao imposto.

Mas, face ao citado Regulamento não ter enquadrado tais subvenções como ajudas à produção, como se acima se viu, veio permitir a que o legislador português enquadrasse e viesse a equiparar tais subvenções como directamente conexas com o preço das operações, ou seja, fazendo-as subsumir no conceito legal de subvenções directamente conexas com o preço de cada operação, ou seja em operação onde tem lugar a aplicação do imposto, ao abrigo de tal alínea c), na interpretação introduzida por tal Lei do Orçamento.

E desta forma, também esta norma da citada Lei do Orçamento, não contende com qualquer norma de tal Regulamento e a que por força do primado do direito convencional haja de ser dada prevalência, ao abrigo do disposto no art.º 8.º, n.º4 da CRP, desta forma nada obstando a que a mesma tenha plena vigência na ordem jurídica portuguesa, nesta equiparação que faz dessas subvenções, a operações sujeitas a IVA, que no caso, assim é devido.


Assim, quanto a estas subvenções recebidas pela ora recorrente e relativas à compra do atum para transformar em conserva, encontram-se as mesmas sujeitas a IVA, sendo de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu, com a improcedência do recurso.


Na matéria das suas conclusões DD) e segs, vem também a ora recorrente invocar a não sujeição a IVA das subvenções concedidas pelo INGA, relativo ao azeite adquirido no mesmo período de tempo, utilizado na sua indústria transformadora de conservas de peixe, tal como articulara na matéria dos art.ºs 80.º e segs da sua petição de impugnação, apontando como seu invocado direito, a semelhança existente com as subvenções atribuídas ao abrigo do POSEIMA, da protecção da indústria do azeite e de se estar a subsidiar uma actividade não sujeita a IVA, a agricultura.

Porém, ainda que por esta fundamentação a impugnação judicial, nesta parte, não pudesse deixar de improceder, face à fundamentação supra expendida e ao facto de não nos encontrarmos, manifestamente, perante qualquer actividade agrícola como a mesma continua a invocar, o certo é que o juiz, no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, não se encontra sujeito às alegações das partes, nos termos do disposto no art.º 664.º do CPC, pelo que, face à legislação aplicável, designadamente face à disciplina do Regulamento (CCE) n.º 1963/79 da Comissão, de 6 de Setembro de 1979, passamos a conhecer se tais subvenções se encontram ou não sujeitas a IVA, por banda da ora recorrente.

Tal Regulamento, como da sua epígrafe ressalta, fixa as modalidades de aplicação da restituição à produção para o azeite utilizado no fabrico de certas conservas, com as conservas de peixe, como desde logo se vê do seu preâmbulo, tendo em vista as necessidades previstas nos respectivos planos de produção e salvaguardar as necessidades de tais empresas se abastecerem, instituindo um conjunto de regras, desde logo de natureza escritural, de molde a acompanhar e controlar as respectivas operações, e desta forma a apurar o azeite efectivamente consumido nessas conservas e, que como tal, cujos custos são susceptíveis de beneficiar desse reembolso (parcial).

Assim, dispõe a norma do seu art.º 1.º:
Para fins da concessão da restituição à produção, as empresas de fabrico de conservas de peixe e de produtos hortícolas ...estabelecem, relativamente a estas conservas, uma contabilidade-matéria diária, contendo, pelo menos as seguintes indicações:
a) Quantidade de azeite entrado na empresa ...
b) Quantidade de azeite utilizado no fabrico de conservas ...
c) ...
d) O peso líquido das conservas produzidas, com indicação do peso médio de azeite utilizado, por cada tipo de fabrico.

E o seu art.º 2.º:
Para beneficiar da restituição à produção, o fabricante deve depositar, junto da autoridade competente, um pedido de controlo ...
2. O pedido deve conter, pelo menos, as seguintes indicações:
a) ...
b) As datas previstas para o começo e o termo do fabrico em causa;
c) A quantidade e natureza previstas das conservas a fabricar;
e) A quantidade prevista de azeite a utilizar para esse fabrico, bem como a origem desse azeite;
3. ...
Quando o fabrico não possa ser efectuado nesse prazo, por razões de força maior, o organismo competente ...

E o seu art.º 4.º:
1. A restituição à produção é concedida mediante pedido do fabricante, apresentado no Estado-membro onde se efectua o fabrico de conservas.
2. O pedido referido no nº 1 deve indicar, nomeadamente, a quantidade de azeite utilizado no fabrico das conservas e a respectiva origem.

E o seu art.º 7.º:
Em caso de não correspondência entre a quantidade de azeite referida no pedido referido no artigo 4º e a quantidade de azeite utilizado, estabelecida no quadro de controlo referido no artigo 5º, o Estado-membro interessado estabelece a quantidade de azeite para a qual é reconhecido o direito à restituição.

No que às subvenções relativas às restituições à produção quanto aos montantes despendidos na aquisição do azeite utilizado na fabricação de tais conservas de peixe, no caso, desde logo ressalta, quer do preâmbulo do citado Regulamento, quer de diversos trechos do articulado do mesmo Regulamento, que as mesmas são concedidas directamente às empresas transformadoras, por conexão directa com o respectivo processo de fabricação, de produção dessas conservas, sem ter por referência o número de unidades vendidas, a respectiva data ou as respectivas circunstâncias dessas vendas, ou seja na posterior operação em que é sujeito passivo do imposto a ora recorrente – cfr. art.ºs 1.º e 2.º do CIVA - esta sim sujeita a IVA, de venda dessas mercadorias, pelo que as respectivas aquisições, assim legalmente configuradas como de apoio à produção, à fabricação, não se encontram sujeitas a IVA pela citada norma do art.º 16.º, n.º5, alínea c) do CIVA, pelo que a liquidação que nela repousa, não pode deixar de ser anulada.

A referência a que no art.º 1.º, alínea d) do citado Regulamento se faz ao «peso líquido das conservas produzidas, com indicação do peso médio de azeite utilizado, por cada tipo de fabrico», tem em vista obter a quantidade total de azeite utilizada nesse processo de fabrico, que constitui a base sobre que incide tal restituição à produção, que não de fazer depender esse montante de restituição da quantidade dessas conservas produzidas e vendidas, ou seja, inexiste directa conexão entre as quantidades de conservas produzidas e vendidas e os montantes dessas restituições à produção, para que tais subvenções pudessem encontrar-se abrangidas pela citada norma do CIVA(1), mas sim, entre o total despendido no custo desse azeite efectivamente consumido nessas conservas de peixe e os montantes dessas restituições.

Por outro lado também, na matéria relativa a estas subvenções, apenas existe a norma do citado art.º 16.º, n.º5, alínea c) do CIVA, para nela fazer subsumir tais concretos montantes atribuídos pelo INGA à ora recorrente, já que a norma do art.º 34.º, n.º4, da citada Lei do Orçamento apenas se reporta às ajudas concedidas no âmbito do POSEIMA que são equiparadas a subvenções directamente conexas com o preço das operações, onde estas se não incluem, pelo que nem se coloca a questão de tal norma desta Lei ter vindo equiparar aquelas a operações tributáveis, e da prevalência das normas do direito convencional sobre as normas de direito interno.


Quanto aos acórdãos do TJCE citados pelo Exmo RMP, junto deste Tribunal, no seu parecer, que em sua opinião teriam decidido em sentido contrário ao entendimento ora sufragado na questão das subvenções destinadas à aquisição de atum para transformação em conserva, os mesmos antes se reportam a forragens verdes e secas, que não de verbas concedidas no âmbito do POSEIMA, que tiveram por fim estimular o escoamento destes produtos ligados à pesca, tendo em conta a ultraperifericidade das regiões a que tais ajudas se destinaram e desde logo as enormes distâncias de localização dos mercados a que se destinariam, com o consequente aumento do custo dos transportes, donde resultava a sua menor competitividade em relação a outras empresas localizadas bem mais próximas desses mercados, como acima se disse, pelo que não vemos como a doutrina dos mesmos pudesse servir para aplicar no recebimento destas subvenções.


Quanto à questão trazida pela ora recorrente na matéria da sua alínea LL), relativa à necessidade de fazer reflectir estes custos em sede de IRC, caso a impugnação fosse julgada improcedente, é questão que se encontra fora do âmbito do conhecimento do presente recurso, já que não foi conhecida na sentença recorrida, ainda que tenha sido articulada na matéria da sua petição de impugnação no seu art.º 100.º, a ora recorrente não imputou à mesma sentença o vício formal de omissão de pronúncia, o qual não é de conhecimento oficioso (2), desta forma se sanando, sendo por isso uma questão nova, fora do objecto do presente recurso, de reexame da decisão recorrida, já que também não é de conhecimento oficioso.


É assim de conceder parcial provimento ao recurso e de revogar a sentença recorrida na parte das verbas relativas à restituição à produção, pagas pelo INGA, nesta parte se anulando a liquidação respectiva, e mantendo-se no demais.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em conceder parcial provimento ao recurso e em revogar a sentença recorrida na parte em que julgou a impugnação improcedente quanto aos montantes concedidos pelo INGA, cuja liquidação se anula, e em manter a sentença recorrida no demais.


Custas pela recorrente na medida do decaimento, neste recurso, e na 1.ª Instância, por ambas as partes, na medida do decaimento.


Lisboa, 15 de Setembro de 2010
Eugénio Sequeira
Rogério Martins
Pereira Gameiro

(1)Cfr. neste sentido o acórdão do STA de 1/4/1998, recurso n.º 20.647.
(2) Cfr. neste sentido, entre outros, o acórdão do STA de 22/9/1999, recurso 23.837.