Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:683/07.0BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:09/16/2021
Relator:MARIA CARDOSO
Descritores:CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO
IRREGULARIDADE DA FORMA DE NOTIFICAÇÃO EXIGIDA
Sumário:I. A lei apenas determina que se dê conhecimento da junção aos autos do processo administrativo (artigo 84.º, n.º 6 do CPTA ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT), e não de todo o conteúdo do processo administrativo.

II. A notificação da junção aos autos do processo administrativo no âmbito do processo de impugnação judicial é justamente para dar conhecimento à Impugnante da sua junção autos e permitir a consulta do mesmo.

III. Não havendo prova da identificação da pessoa que assinou o aviso de recepção e de que a notificação da decisão da reclamação graciosa chegou na data aposta no aviso de recepção ao conhecimento do seu destinatário, não pode funcionar a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT.

IV. Nas situações de mera irregularidade da forma de notificação exigida e em que o início do prazo para impugnação de um acto administrativo tributário depende da sua notificação ao contribuinte, como é o caso do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (então em vigor), tal prazo não começa, sem que se comprove que ela foi efectivamente efectuada.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que constituem a 1.ª Subsecção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I - RELATÓRIO

1. A C..., CRL veio interpor recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou intempestiva a impugnação judicial por si deduzida contra a liquidação adicional de IRC e respectivos juros compensatórios relativos ao ano de 1995 e a decisão de indeferimento tomada no processo de reclamação graciosa (RG) n.º 3255 – 01/400033.1.

2. A Recorrente apresentou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

«A) Vem o presente recurso interposto da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, em 21 de Junho de 2020, nos autos do processo de impugnação n.º 683/07.0BELRS, que correu termos na 2.ª Unidade Orgânica daquele Tribunal, através da qual julgou o Tribunal a quo improcedente, por intempestividade, a impugnação judicial deduzida.

B) De acordo com a matéria de facto dada como assente, a Recorrente foi notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa em 03 de Outubro de 2007 (número 2 da matéria assente), sendo que apenas em 19 de Outubro de 2007 deduziu impugnação judicial (número 3 da matéria assente).

C) Sucede, salvo o devido respeito, que há na decisão recorrida erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como provada, no que em concreto se reporta ao número 2 do probatório.

D) A excepção da intempestividade foi suscitada em sede da contestação deduzida pela AT, quer no que se refere à data da notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, quer no que se refere à data da apresentação da PI subjacente a estes autos.

E) A contestação, conforme notificada à aqui Recorrente, não se encontrava instruída de qualquer documento.

F) Através de requerimento de 08 de Setembro de 2008, a Recorrente respondeu à excepção da intempestividade, alegando expressamente ter sido notificada em 04 de Outubro de 2007 e comprovando que a data de entrada em juízo da PI remontava a 19 de Outubro de 2007.

G) O Tribunal a quo nunca notificou a Recorrente para que se pronunciasse sobre o aviso de recepção que agora se afirma em sede de sentença comprovar que a Recorrente terá sido notificada em 03 de Outubro de 2007 (do indeferimento da reclamação graciosa), em evidente violação do contraditório previsto no artigo 3.º, do CPC, aplicável ex vi alínea e), do artigo 2.º, do CPPT.

H) Nos termos do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º, do CPC, não só e, por um lado, a notificação da contestação deveria ter sido instruída com o aviso de recepção alegadamente ínsito no PAT, como, por outro lado, o Tribunal a quo deveria ter ordenado a notificação de cópia do mesmo à aqui Recorrente, de forma a disponibilizar-lhe todos os elementos necessários para que, querendo, pudesse exercer o seu contraditório com verdadeira razão de ciência.

I) Impunha-se saber - sem que a sentença recorrida o permita - que elementos existem e constam do referido aviso de recepção que permitiram ao Tribunal a quo, confirmar (sem mais) que aquela notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi efectivamente recebida pela Recorrente em 03 de Outubro de 2007,

J) Quando o referido aviso de recepção tem aposta manualmente a data 07/10/03, seguida de uma rúbrica, rúbrica essa que não permite perceber quem terá sido o seu autor.

K) Do aviso de recepção não consta qualquer menção ao documento de identificação de quem alegadamente terá recebido a notificação, ou sequer consta a sua identificação (nome que fosse).

L) O Tribunal a quo decidiu sem atender à desigualdade de armas a que submeteu a Recorrente, quando determinou que do referido documento - notificação de indeferimento da reclamação graciosa e respectivo aviso de recepção - não tinha a Recorrente que ser notificada, pese, aliás, o facto de no seu requerimento de 08 de Setembro de 2008, a Recorrente ter alegado expressa e categoricamente ter sido notificada do indeferimento da reclamação graciosa em 04 de Outubro de 2007.

M) Tratando-se a questão da (in)tempestividade de matéria controversa - como resulta à evidência do confronto entre a contestação e o requerimento de 08 de Setembro de 2008 da Recorrente - foi prematura a decisão de indeferimento pela verificação da excepção da caducidade do direito de acção, sem que os autos fornecessem todos os elementos de facto suficientes à pronúncia sobre essa questão.

N) A sentença recorrida, com base nos elementos probatórios escalpelizados, errou ao fixar a data da citação da Recorrente como ocorrida no dia 03 de Outubro de 2007 e, mais ainda, ao servir-se desta como critério, exclusivo, para decidir sobre a tempestividade.

O) Pelo exposto e uma vez mais, salvo o devido respeito, mal andou o Tribunal a quo ao decidir como decidiu no que se refere à matéria dada como provada, "maxime" no que respeita ao número 2 do probatório, julgando em erro a matéria de facto.

P) A decisão de indeferimento com fundamento em caducidade do direito de impugnação só deve ser proferida quando, face aos elementos constantes do processo, seja possível formular um juízo (absolutamente) seguro quanto à intempestividade da petição, pelo que não se verificando no caso sub judice, impõe-se a revogação da decisão recorrida.

Q) A sentença recorrida bastou-se com um aviso de recepção - claramente insuficiente nos seus elementos - como a única base probatória do estabelecimento da data de notificação da Recorrente do indeferimento da reclamação graciosa em 03.10.2007.

R) Por outro lado, ainda, o princípio do contraditório, estabelecido no n.º 3, do artigo 3.º, do CPC, hoje entendido como "direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo", determina que o juiz assegure às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre os documentos passíveis de influenciar no exame ou na decisão a proferir na causa,

S) A falta de notificação desses documentos constitui a omissão de um acto exigido por lei que - sendo susceptível de influir no exame e na decisão da causa - constitui nulidade sujeita ao regime dos artigos 195.º, 197.º e 199.º, do CPC.

T) ln casu, e porque o Tribunal a quo omitiu a notificação à Recorrente de cópia da notificação do indeferimento da reclamação graciosa e respectivo aviso de recepção, violou o disposto nos artigos 415.º e 439.º, do CPC.

U) Por outro lado, ainda, não se poderá deixar de referir o princípio da investigação que traduz o poder/dever que o Tribunal tem de esclarecer e instruir os autos e que vai muito para além dos elementos carreados pelas próprias partes (cfr. artigo 99.º, da LGT e artigo 13.º, do CPPT).

V) Excepcionalmente, justifica-se a ora junção de documentos que demonstram e atestam que a Recorrente apenas foi notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa em 04 de Outubro de 2007, ao contrário do decidido na matéria de facto dada como assente no número 2 do probatório.

W) A sentença recorrida introduziu na acção um elemento de novidade que tornou necessária a consideração de prova documental adicional (cfr. artigo 651.º, do CPC).

X) A Recorrente é uma instituição bancária e nessa medida tem regras absolutamente rigorosas quanto à identificação da data de recebimento de qualquer documentação que lhe seja entregue, quer em mão, quer por correio.

Y) Qualquer documento entregue ou apresentado junto da Recorrente obedece à regra incontornável de aposição por várias pessoas, de vários carimbos, com data da respectiva entrada. (Cfr. Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2 que ora se juntam e se dão aqui por integralmente reproduzidos para os devidos efeitos legais)

Z) Apenas em 04 de Outubro de 2007 foi a Recorrente notificada da decisão de indeferimento da reclamação graciosa deduzida, pelo que o seu prazo de 15 (quinze) dias, para deduzir impugnação judicial, apenas se iniciou em 05 de Outubro de 2007 (Cfr. Doc. n.º 1) e teve o seu terminus em 19 de Outubro de 2007, data em que comprovadamente foi dirigida a PI subjacente aos presentes autos ao Tribunal (cfr. ponto número 3 do probatório). (Cfr. Doc. n.º 1 e Doc. n.º 2)

AA) Por esta ordem de razões e também por esta via, entende a Recorrente que o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento ao dar como provada a matéria do número 2 do probatório, pelo que deverá ser a sentença recorrida anulada e substituída por outra que faça uma correcta análise dos elementos de prova.

IV - Pedido:

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, deve ser revogada a sentença proferida em 21 de Junho de 2020, pelo Tribunal Tributário de Lisboa, tudo com as necessárias consequências legais.»

3. A Recorrida não apresentou contra-alegações.

4. Recebidos os autos neste Tribunal Central Administrativo Sul, e dada vista ao Exmo. Procurador-Geral Adjunto, pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso.

5. Colhidos os vistos legais, vem o processo à Conferência para julgamento.

II – QUESTÕES A DECIDIR:

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir (i) como questão prévia da admissibilidade legal da junção de documentos com as alegações de recurso; (ii) da nulidade processual fundada em violação do princípio do contraditório; (iii) se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento de facto ao considerar verificada a caducidade do direito de acção.


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III - FUNDAMENTAÇÃO

1. DE FACTO

A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«1) A presente impugnação judicial tem por base o despacho de indeferimento proferido na Reclamação Graciosa (RG) apresentada pela ora Impugnante contra as liquidações adicionais de IRC de 1995 e respetivos juros compensatórios.

2) Cuja notificação à ora impugnante foi efetuada em 03.10.2007 - cf. docs. ínsitos no Processo Administrativo (PA), apenso a esta impugnação judicial, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

3) A presente impugnação judicial foi remetida a este tribunal por correio registado em 19 de Outubro de 2007 - cf. doc. de fls.119 do processo físico, cujo teor aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais.

Não se provaram outros factos com interesse para a apreciação da questão em apreço.


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Motivação:

No que respeita à factualidade considerada provada e relevante à decisão da questão em apreço, o Tribunal fundou a sua convicção na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e que não foram objeto de impugnação, assim como, em parte dos factos alegados pelas partes que não foram impugnados e que estão, igualmente, corroborados pelos documentos constantes dos autos (cf. artigos 74.º e 76.º n.º1 da Lei Geral Tributária (LGT) e artigos 362.º e seguintes do Código Civil (CC)) e, no Processo Administrativo, apenso a este processo.


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2. RECTIFICAÇÃO DO PONTO 2 DA MATÉRIA DE FACTO

Por o ponto 2 do probatório conter matéria conclusiva procede-se à sua alteração, passando a ter o seguinte teor:

2) A Direcção de Finanças de Lisboa remeteu à Impugnante a decisão de indeferimento da RG através de ofício com a referência n.º 080328, datado de 28/09/2007, sob registo n.º RS956...PT, com aviso de recepção (cfr. oficio e aviso de recepção juntos ao processo administrativo apenso).

3. ADITAMENTO OFICIOSO DA MATÉRIA DE FACTO

Em consequência da rectificação operada e ao abrigo do disposto no artigo 662.º, n.º 1 do CPC, adita-se a seguinte matéria de facto, que igualmente se encontra provada:

4) No aviso de recepção referido no ponto 2 supra consta a data de 03/10/2007, tem aposta uma assinatura cujo nome é ilegível, sem qualquer menção ao documento de identificação (cfr. aviso de recepção junto ao processo administrativo apenso);

5) A Impugnante foi notificada da contestação da Fazenda Pública e apensação do PAT, através de oficio datado de 12/08/2008, com o seguinte teor: «Fica V. Exa. notificado, na qualidade de MANDATÁRIO DO IMPUGNANTE, relativamente ao processo supra identificado, de todo o conteúdo da CONTESTAÇÃO APRESENTADA PELA REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA, - FLS. 71/114 da qual se junta cópia, ASSIM COMO DA APENSAÇÃO DO PAT.» (cfr. fls. 116 da numeração dos autos de suporte físico);

6) A Fazenda Pública invocou na contestação que o despacho de indeferimento da reclamação graciosa foi notificado em 03/10/2007, e que o prazo de 15 dias previsto no artigo 102.º, n.º 2 do CPPT terminou em 18/10/2007 (pontos 5, 6 e 7 da contestação);

7) Através de requerimento que deu entrada em 09/09/2008, a Impugnante respondeu à matéria de excepção (intempestividade da impugnação judicial) suscitada pela Fazenda Pública na contestação, sustentando a tempestividade da apresentação da petição inicial, referindo que a impugnação foi remetida a tribunal via correio postal registado, juntado documento comprovativo, e que a notificação da decisão de RG ocorreu em 04/10/2007 (cfr. fls. 117 a 118 da numeração dos autos de suporte físico).


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4. QUESTÃO PRÉVIA: Da junção de documentos com as alegações de recurso

A Recorrente juntou com as alegações dois documentos, pelo que previamente à apreciação das questões suscitadas haverá que apreciar da possibilidade de junção de documentos com as alegações do recurso.

O recurso não é normalmente o meio próprio para juntar documentos aos autos, por a sede própria para a instrução da causa ser o tribunal de primeira instância, revestindo natureza excepcional a admissão de documentos nesta sede, uma vez que a reapreciação das decisões dever ser efectuada em função dos meios de prova constantes dos autos no momento da prolação das mesmas (artigo 627.º, n.º 1 do CPC).

Efectivamente, o recurso como meio de impugnação de uma decisão judicial, apenas pode incidir sobre questões que tenham sido anteriormente apreciadas e não sobre questões novas, salvaguardando-se sempre as questões de conhecimento oficioso.

Vejamos, então, o regime legal que se aplica à junção de documentos, em sede de recurso.

Nos termos do disposto no artigo 425.º CPC, depois de encerramento da discussão só são admitidos, no caso de recurso, os documentos cuja apresentação não tenha sido possível até aquele momento.

Por sua vez, o n.º 1 do artigo 651.º do mesmo diploma, determina que as partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações excepcionais a que se refere o artigo 425.º do CPC ou no caso da junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1.ª instância.

Em sede de recurso, é possível as partes juntarem documentos com as alegações, quando a sua apresentação não tenha sido possível até esse momento, em virtude de ter ocorrido superveniência objectiva (documento formado depois de ter sido proferida a decisão) ou subjectiva (documento cujo conhecimento ou apresentação apenas se tornou possível depois da decisão e ou se tenha revelado necessária em virtude do julgamento proferido) – cfr. entre outros, Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2014, p. 191 e segs.; Ac. STA de 27/05/2015, proc. n.º 0570/14, disponível em www.dgsi.pt/.

Como referido supra, a Recorrente juntou dois documentos com as respectivas alegações de recurso, constituídos, pelo oficio da DGCI de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, onde foi aposto um carimbo de recebido em 04/10/2007 e uma comunicação interna de envio do mesmo oficio, com a mesma data.

Não sofre dúvidas que tais documentos têm datas anteriores à prolação da sentença (21/06/2020), pelo que não se verifica, por isso, a superveniência objectiva do documento.

Importa apreciar se se verifica a sua superveniência subjectiva, ou seja, se a apresentação dos documentos apenas se revelou necessária em virtude do julgamento proferido.

Conforme afirmam Antunes Varela. J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, a lei não abrange, neste caso, a hipótese de a parte se afirmar surpreendida com o desfecho da acção (ter perdido, quando esperava obter ganho de causa) e pretender, com tal fundamento, juntar à alegação documento que já poderia e deveria ter apresentado na 1ª instância. O legislador quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida (vide Manual de Processo Civil. 2ª ed., pags. 533 e 534).

O advérbio ”apenas”, usado na disposição legal significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª instância.

Assim a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes não contavam (vide Antunes Varela, RLJ, ano 115º, pág. 95).

No presente caso, a decisão recorrida julgou a impugnação judicial intempestiva, com base em elementos juntos aos autos com a contestação da Fazenda Pública, que a Impugnante podia e devia ter considerado.

A Impugnante respondeu à excepção de caducidade do direito de acção que foi suscitada pela Fazenda Pública, onde é indicado expressamente como data da notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa o dia 03/10/2007, data que é a que consta do aviso de recepção, pelo que podia contar com a eventual relevância da factualidade que subjaz a tais documentos para a decisão que veio a ser proferida nos autos, sendo, nesse articulado de resposta à excepção, que devia ter procedido à sua junção aos autos.

No entanto, sempre se dirá que, da analise de tais documentos, não se descortina qual a relevância processual e/ou probatória, para a decisão dos presentes autos, uma vez que assenta em datas internas dos serviços da Impugnante.

Tais documentos encontravam-se posse da impugnante à data da apresentação da impugnação judicial, sendo certo que lhe competia, desde logo, justificar os motivos porque contou o prazo a partir da data constante do carimbo interno aposto no oficio que notificou a decisão de reclamação graciosa e em que alegadamente teve conhecimento da mesma e não da data que consta do aviso de recepção de notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa. Desta maneira, é de concluir que, no limite a Recorrente podia e devia ter apresentado tal alegação e respectiva prova quando respondeu à excepção de caducidade do direito à acção suscitado na contestação pela Fazenda Pública, pelo que a sua apresentação neste momento é extemporânea e legalmente inadmissível, o que impõe o respectivo indeferimento e desentranhamento dos autos.

Termos em que não se admite a junção dos documentos que acompanham as alegações de recurso, por inadmissibilidade legal.


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3. DE DIREITO

3.1. Nulidade processual fundada em violação do princípio do contraditório

Apreciemos, então, se deve ser anulada a decisão recorrida por violação do princípio do contraditório.

A Recorrente alegou a violação do princípio do contraditório previsto no artigo 3.º do CPC por o Tribunal a quo não ter ordenado, previamente à decisão da questão da intempestividade, a notificação do Recorrente para se pronunciar sobre o aviso de recepção relativo à notificação do despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

Vejamos.

O princípio do contraditório encontra-se ínsito na garantia constitucional de acesso ao direito consagrado no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e traduz-se na possibilidade dada às partes de exercerem o seu direito de defesa e exporem as suas razões no processo antes de tomada a decisão e é basilar na concretização do princípio da igualdade das partes, encontrando ambos expressão nos artigos 3.º, n.º 3 e 3-º-A, do CPC.

Ao princípio do contraditório subjaz a ideia de que repugnam ao nosso processo civil decisões tomadas à revelia de algum dos interessados, regra que apenas sofre desvios quando outros interesses se sobreponham. Posto que a necessidade de observância do contraditório seja replicada em diversos preceitos avulsos, tal não diminui o relevo da sua enunciação como princípio geral que se impõe em todas as fases processuais, especialmente na fase dos articulados e na fase de apresentação e de produção meios de prova. (in Código de Processo Civil, vol. I, António Santos Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, nota 10, artigo 3.º).

Com efeito, é o princípio do contraditório que garante uma participação efectiva das partes no desenrolar do litígio num quadro de equilíbrio e lealdade processuais, que lhes assegura a participação em idênticas condições até ser proferida a decisão.

Este princípio proíbe as chamadas decisões-surpresa, isto é, impede que o tribunal tome conhecimento de questões, ainda que de apreciação oficiosa, sem que as partes tenham tido prévia oportunidade de sobre elas se pronunciarem, a não ser que a sua audição se revele manifestamente desnecessária.

Antes de decidir, o juiz deve facultar às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre a matéria, o que poderá evitar decisões precipitadas ou, no mínimo, decisões que surjam contra a corrente do processo ou contra as expectativas que legitimamente foram criadas pelas partes quanto à sua evolução no sentido da prolação de uma decisão de mérito (situação tanto mais grave quanto é certo que, em certos casos referidos no art. 97.º, nº 1, tal excepção pode ser conhecida a todo o tempo). O mesmo se verifica quando esta em causa uma diversa qualificação jurídica dos factos: sendo esta legítima, ao abrigo do art. 5.º, nº 3, não dispensa a necessidade do juiz auscultar as partes, na medida em que uma diversa qualificação jurídica pode contender com a posição que cada uma delas adoptou no processo, interferindo na tutela dos respectivos interesses. Sobre a matéria cf. a informação do AUJ Nº 13/96, onde se alude ao princípio do contraditório como instrumento destinado a evitar as decisões-surpresa (cf. ainda RC 12-9-17, 444/16). (ibidem, nota 15, pág 20).

Contudo, o exercício do contraditório só é justificável se puder gerar o efeito que com ele se pretende – permitir que a pronúncia das partes possa influenciar a decisão do Tribunal – pois, de outro modo, será inútil, tendo tal juízo de ser aferido em termos objectivos.

No caso em apreço, estamos ou não perante uma decisão-surpresa? A resposta a esta questão passa por saber se a Recorrente tinha a obrigação de prever que o tribunal podia decidir como veio a decidir.

Dos autos resulta que a Fazenda Pública apresentou contestação, tendo remetido para a posição expressa na informação prestada pela Divisão de Justiça Contenciosa e juntou aos autos o processo administrativo, em cumprimento do disposto nos artigos 110.º, n.º 4 e 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), que no caso engloba o procedimento de reclamação graciosa (cfr. 111.º, n.º 3 do CPPT).

Na referida informação oficial, na parte em que suscita a intempestividade da impugnação judicial, afirma-se no ponto 5 daquela peça o seguinte: «O acto tributário ora impugnado foi objecto de reclamação graciosa, Processo n.º 3255 20014000331 (Rec 5291701), nos termos dos artigos 68.º e 70.º, ambos do CPPT, relativamente à qual foi proferido despacho de indeferimento, em 27/09/2007, notificado em 03/10/2007.»

O Recorrente foi notificado da contestação, bem como da junção aos autos do processo administrativo e respondeu à excepção suscitada pela Fazenda Pública.

Assim sendo, o Recorrente tinha perfeito conhecimento de que a Administração Tributária considerava a ora Recorrente notificada do despacho de indeferimento da reclamação graciosa, no dia 03/10/2007, com base na data aposta no aviso de recepção da carta registada que notificou o despacho de indeferimento da reclamação graciosa.

Porém, lido o requerimento de resposta à excepção de caducidade do direito de acção, a Recorrente limita-se a contrapor que foi notificada do referido despacho em 04/10/2007, sem que tenha invocado quaisquer factos que esclareçam e justifiquem essa data, nem juntou qualquer documento para prova da mesma, quando o podia e devia ter feito.

Por outro lado, a lei apenas determina que se dê conhecimento da junção aos autos do processo administrativo (artigo 84.º, n.º 6 do CPTA ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT), e não de todo o conteúdo do processo administrativo (cfr. neste sentido Jorge Lopes de Sousa, in Código do Procedimento e do Processo Tributário, Anotado e Comentado, 6.ª edição, 2011, nota 13 ao artigo 110.º e nota 11 ao artigo 115.º, págs. 237 e 261).

A notificação da junção aos autos do processo administrativo no âmbito do processo de impugnação judicial é justamente para dar conhecimento à Impugnante da sua junção autos e permitir a consulta do mesmo.

Com efeito, a Impugnante, através do seu mandatário, podia ter requerido a confiança do processo do processo administrativo (artigo 165.º do CPC) ou a emissão de certidão de elementos que considerasse relevantes (artigo 163.º do CPC), o que não sucedeu.

Ora, do procedimento de reclamação graciosa consta, para além do mais, o oficio de notificação do despacho de 27/09/2007, que indeferiu a RG, cuja notificação foi realizada por registo com aviso de recepção.

Como vemos, ao contrário do que defende a Recorrente, não havia lugar à notificação do aviso de recepção relativo à notificação do despacho de indeferimento da RG, que lhe foi feita, não sendo aplicável ao caso dos autos os artigos 415.º e 439.º do CPC.

Assim sendo, não se vislumbra como defender que a Recorrente não pudesse prognosticar que o Tribunal iria analisar a tempestividade da presente impugnação com base nos elementos ínsitos no processo administrativo, até porque se lhe impunha essa apreciação, não constituindo o “aviso de recepção” elemento de novidade, nem prova documental adicional, pois, respeita a notificação da decisão de RG efectuado à Impugnante e mostra-se junto ao processo administrativo, remetido aos autos com a contestação.

Cabe, assim, concluir que a lei não impõe a notificação de documentos constantes do processo administrativo (com excepção das informações oficiais) quando foi dado oportuno conhecimento à Impugnante da apensação do PA aos autos.

Concluindo não se verifica a invocada violação do princípio do contraditório.

Termos em não pode proceder neste segmento o Recurso.

4.2. Do erro de julgamento

A Recorrente alega, em suma, que a sentença do Tribunal Tributário de Lisboa errou no julgamento de facto ao fixar a data de notificação do despacho de indeferimento da RG em 03/10/2007 (pontos 2 e 4 do probatório), e em servir-se desta como critério para decidir sobre a tempestividade, por a Recorrente apenas em 04/10/2007 foi notificada do citado despacho.

Nos termos do n.º 1 do artigo 640.º do CPC, quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios constantes do processo ou do registo de gravação nele realizada que imponham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

Igualmente, face à lei em vigor, sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o «recorrente deixará expressa, na motivação, a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, tendo em conta a apreciação critica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação (…).» (António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2018, pág. 166).

No caso concreto o Recorrente especificou o concreto ponto de facto que considerou incorrectamente julgado – o ponto 2 (com a rectificação efectuada, actual ponto 4) – dos factos provados.

Vejamos.

Consta do ponto 4 dos factos provados, após rectificação e aditamento nesta sede recursiva:

«4) No aviso de recepção referido no ponto 2 supra consta a data de 03/10/2007, tem aposta uma assinatura cujo nome é ilegível, sem qualquer menção ao documento de identificação (cfr. aviso de recepção junto ao processo administrativo apenso);»

Pretende a Recorrente a alteração da data da recepção da notificação para 04/10/2007.

A questão que importa, então, decidir é a de saber se a sentença incorreu em erro de julgamento de facto ao não considerar a data indicada pela ora Recorrente no articulado de resposta à excepção de intempestividade da impugnação deduzida pela Fazenda Pública.

A sentença recorrida atendeu à data de 03/10/2007 indicada pela Fazenda Pública, e que corresponde à data da assinatura do aviso de recepção relativo ao registo postal do oficio de notificação do despacho de indeferimento da RG, enquanto a Recorrente guia-se pelo dia 04/10/2007.

Como vimos, resulta dos autos que a Impugnante na sequência da notificação da contestação veio responder à excepção da caducidade do direito de acção suscitada naquele articulado por remissão, referindo que foi notificada no dia 04/10/2007.

De acordo com o artigo 108.º n.º 1 do CPPT e artigo 5.º do CPC cabe à Impugnante alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas, sendo, embora, ainda considerados pelo Juiz os factos instrumentais que resultam da instrução da causa, os factos que sejam complemento ou concretização do que as partes hajam alegado e resultem da discussão da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar, bem como os factos notórios e aqueles de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.

Consoante declararam Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa na sentença, no segmento em que se pronuncia sobre os factos provados e não provados, o juiz deve ponderar, mesmo oficiosamente, os factos complementares (constitutivos do direito ou integrantes da excepção, embora não identificadores dos mesmos) e os factos concretizadores de anteriores afirmações de pendor mais genérico que tenham sido feitas, acautelando substancialmente o exercício do contraditório(in Código de processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, 2018, pág. 27).

O Tribunal a quo nada diz sobre a data indicada pela Impugnante como a de recebimento da notificação em causa.

Como se vê pela analise do aviso de recepção, o mesmo tem aposta a data de 03/10/2007, seguida de uma rúbrica e sem qualquer menção ao documento de identificação de quem assinou e recebeu a notificação (cfr. ponto 4 da matéria de facto dada como provada), como também foi agora alegado pela Recorrente nas conclusões J) e K) das conclusões da alegação de recurso.

Por outro lado, o carimbo dos CTT de devolução do aviso de recepção à Administração Tributária também não é legível quanto à data da sua devolução e, assim, não permite dar luz sobre a efectiva data em que ocorreu a notificação.

Nos termos do n.º 3, do artigo 39.º do CPPT, havendo aviso de recepção considera-se efectuada na data em que ele for assinado e tem-se por efectuada na própria pessoa do notificado, mesmo que o aviso de recepção haja sido assinado por terceiro presente no domicílio do contribuinte, presumindo-se neste caso que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário.

Por sua vez, o n.º 4 do citado artigo 39.º do mesmo diploma legal preceitua o distribuidor do serviço postal procederá à notificação das pessoas referidas no número anterior por anotação do bilhete de identidade ou de outro documento oficial.

O n.º 1 do artigo 36.º do CPPT sanciona com a não produção de efeitos uma notificação que não seja válida, isto é, que não obedeça aos requisitos estipulados legalmente.

Conforme reflecte Jorge Lopes de Sousa, em anotação ao artigo 39.º do CPPT:

(in Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado e comentado, 6.º edição, Áreas Editora, vol. I, nota 5, artigo 39.º, pág. 384).

No caso em apreço, conforme decorre dos autos e é admitido pela Recorrente, temos por certo que a notificação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa foi entregue na sede da Recorrente.

Porém, por não ter sido cumprido o formalismo determinado pelo n.º 4, do artigo 39.º do CPPT, não se conhece a identidade da pessoa que assinou o aviso de recepção, e dos autos não resulta provado que aquela notificação chegou efectivamente ao conhecimento do seu destinatário na data aposta no aviso de recepção.

Se não se demonstrar por qualquer meio que o acto que se pretende notificar chegou, efectivamente, ao seu destinatário, a preterição da formalidade de identificação da pessoa que recebeu a notificação a que alude o n.º 4 do artigo 39.º do CPPT, importa a não degradação de tal formalidade em formalidade não essencial e, em consequência, a invalidade da notificação.

Porém, no caso em apreço resulta provado que que a decisão da Reclamação Graciosa chegou ao conhecimento da ora Reclamante, pelo que é irrelevante a irregularidade cometida, que deve considerar-se sanada, uma vez que, as formalidades processuais são meios de garantir objectivos e não finalidades em si mesmas.

Mas, não havendo prova da identificação da pessoa que assinou o aviso de recepção e de que a notificação da decisão da reclamação graciosa chegou na data aposta no aviso de recepção ao conhecimento do seu destinatário, não pode funcionar a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT.

Nas situações de mera irregularidade da forma de notificação exigida e em que o início do prazo para impugnação de um acto administrativo tributário depende da sua notificação ao contribuinte, como é o caso do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (então em vigor), tal prazo não começa, sem que se comprove que ela foi efectivamente efectuada.

Sobre a questão em apreciação nos autos pronunciou-se o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 20/04/2016, processo n.º 01476/15, em sede de recurso por oposição de acórdãos, cujas conclusões se transcrevem:

«I - Procedendo a AT a notificação por carta registada com aviso de recepção (A/R) mas não tendo sido cumprido o formalismo previsto no nº 4 do art. 39º do CPPT (não se procedeu à identificação da pessoa que assinou o A/R, por anotação do BI ou outro documento oficial) a notificação será inválida e irregular se não se demonstrar, por qualquer outro meio, que a carta chegou, efectivamente, ao seu destinatário.

II -Provando-se que a notificação chegou, efectivamente, ao conhecimento do contribuinte, a apontada formalidade degrada-se em formalidade não essencial, sendo a partir dessa data do conhecimento que deve contar-se o prazo para sindicar a respectiva decisão e não a partir da data da assinatura do A/R por terceiro.» (disponível em www.dgsi.pt/).

Do exposto só se pode extrair a conclusão de que sendo a notificação irregular por preterição da formalidade de identificação da pessoa que assinou o aviso de recepção não pode funcionar a presunção previstas no n.º 3, do artigo 39.º do CPPT, não podendo contar-se o prazo de 15 dias a partir da data aposta no aviso de recepção, e admitindo a Recorrente que foi notificada em 04/10/2007, é partir daqui que se conta o aludido prazo e, assim, é a impugnação tempestiva.

Face ao exposto, não pode a decisão da primeira instância ser mantida.

Assim, merece provimento o recurso.

Aqui chegados, há que indagar, de acordo com o artigo 665.º, n.º 2, do CPC, aplicável nos termos do artigo 2º, alínea e) do CPPT, se no presente processo se poderá exercer a regra da substituição do Tribunal ad quem ao Tribunal recorrido, quanto ao mérito da impugnação, dado existir no processo prova documental.

O conhecimento em substituição, apenas pode ter lugar quando o tribunal recorrido tenha conhecido e fixado o competente quadro probatório atinente à matéria do fundo da causa, já que o Tribunal superior pode alterar a matéria de facto fixada no probatório da sentença recorrida, mas não se pode substituir por completo aquele, no julgamento de tal matéria (cfr. artigo 662.° do CPC).

Acontece que o Tribunal a quo apenas fixou matéria factual relativa à caducidade do direito de acção.

Assim, não tendo o tribunal a quo fixado na sentença recorrida matéria relevante para decidir as restantes questões suscitadas, os presentes autos terão de baixar à 1.ª Instância para o cabal julgamento da matéria de facto e ser proferida nova decisão em conformidade.


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Conclusões/Sumário:

I. A lei apenas determina que se dê conhecimento da junção aos autos do processo administrativo (artigo 84.º, n.º 6 do CPTA ex vi artigo 2.º, alínea c) do CPPT), e não de todo o conteúdo do processo administrativo.

II. A notificação da junção aos autos do processo administrativo no âmbito do processo de impugnação judicial é justamente para dar conhecimento à Impugnante da sua junção autos e permitir a consulta do mesmo.

III. Não havendo prova da identificação da pessoa que assinou o aviso de recepção e de que a notificação da decisão da reclamação graciosa chegou na data aposta no aviso de recepção ao conhecimento do seu destinatário, não pode funcionar a presunção estabelecida no n.º 3 do artigo 39.º do CPPT.

IV. Nas situações de mera irregularidade da forma de notificação exigida e em que o início do prazo para impugnação de um acto administrativo tributário depende da sua notificação ao contribuinte, como é o caso do n.º 2 do artigo 102.º do CPPT (então em vigor), tal prazo não começa, sem que se comprove que ela foi efectivamente efectuada.

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IV – DECISÃO

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes da 1.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, em:

a) Julgar inadmissível, porque ilegal, a junção aos autos dos documentos anexos às alegações de recurso e, em consequência, determina-se o desentranhamento de tais documentos e a sua devolução ao apresentante;

b) Conceder provimento ao recurso;

c) Ordenar a baixa dos autos para conhecimento das questões que ficaram prejudicadas, fazendo-se o necessário julgamento da matéria de facto e respetivas diligências de prova.

Custas pela Recorrida, que não incluem a taxa de justiça, uma vez que não contra-alegou.

Custas do incidente a cargo da Recorrente pelo mínimo.

Notifique.

Lisboa, 16 de Setembro de 2021.


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A Relatora,
Maria Cardoso
(assinatura digital)

(A Relatora consigna e atesta, nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, o voto de conformidade com o presente Acórdão das restantes Juízas Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Senhoras Juízas Desembargadoras Catarina Almeida e Sousa e Hélia Gameiro Silva).