Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:224/11.5BEFUN
Secção:CT
Data do Acordão:06/04/2020
Relator:LURDES TOSCANO
Descritores:PRINCÍPIO DA PLENITUDE DA ASSISTÊNCIA DOS JUÍZES
CADUCIDADE DO DIREITO À LIQUIDAÇÃO
IRC – RENDIMENTOS COMERCIAIS
Sumário:I – Em sede de contencioso tributário o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão acometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que existe em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão. Só na recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114°, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cfr. artigo 13°, n.º 1 e alínea a).
II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”. Pelo que o prazo a ser considerado é o prazo de caducidade de quatro anos, previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, não tendo precludido o direito de a Administração Fiscal promover a liquidação do imposto.
III - Procedeu bem a Administração Tributária quando corrigiu os valores inscritos na declaração de IRC, pois que não se pode afirmar que, no caso, estejamos perante um aumento inesperado do valor dos activos patrimoniais. Ao invés, o ganho foi deliberadamente procurado no negócio de compra e venda, havendo intuito de rentabilização, de obtenção de lucro.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, os juízes que constituem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. RELATÓRIO

 Q….., LDA., com os sinais nos autos, veio, ao abrigo do n.º 3, do artigo 282.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que julgou improcedente a impugnação deduzida pela ora recorrente contra o acto de liquidação de IRC n.º ….., respeitante ao ano de 2007 e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública do pedido e mais condenou a impugnante nas custas (cfr n.ºs 1 e 2 do artigo 527.º do Código do Processo Civil).  

A Recorrente termina as alegações de recurso formulando as conclusões seguintes:

«


Atinentes à nulidade da sentença por violação dos princípios da plenitude da

assistência dos juízes, da imediação, do contraditório e do direito constitucional a

uma decisão substancialmente justa


1. A sentença a quo, que abarca a decisão sobre a matéria de facto, foi enunciada pela meritíssima juiz M….. enquanto a meritíssima juiz C….. presidiu ao julgamento e à inquirição das testemunhas - discrepância esta que só se constatou e constata no confronto entre o texto da sentença e a acta de inquirição de testemunhas de 20 de Março de 2013;

2. Esta inusitada separação entre, por um lado, o juiz que preside à produção da prova na audiência de inquirição de testemunhas e, por outro lado, o juiz que enuncia a decisão da matéria de facto e aplica o direito contraria em bloco o sentido e alcance dos princípios e regras que presidem à discussão e decisão da matéria de facto, designadamente os princípios da plenitude da assistência do juiz, da imediação e do contraditório este na sua dimensão relativa ao direito de influenciar a decisão no plano da prova;

3. Noutra óptica, esta decisão sobre a matéria de facto, como é apodíctico, viola o princípio da prevalência da substância sobre a forma que inere ao estado material de direito e transforma a sentença, que é pela sua própria natureza e função um acto analítico, crítico e selectivo, num acto meramente formal e perfunctório;

4. Nessa medida a decisão a quo viola também o direito constitucional a uma decisão substancialmente justa, uma das dimensões e corolários do direito de acesso aos tribunais e à justiça consagrado em termos amplos no art. 20.° da Constituição da República Portuguesa;

5. É elementar que o apontado desvio entre o formalismo processual seguido nos autos em relação ao formalismo processual prescrito na lei influi decisivamente no exame e na decisão da causa, o que determina a nulidade da sentença a quo;


Atinentes à impugnação da decisão sobre a matéria de facto

6. Os factos provados, no essencial, são relevantes para a boa análise, discussão e decisão da causa e estão correctamente formulados.

7. Porém, os factos descritos nas alíneas a. a i. das páginas 10 e 11 das alegações deste recurso, apesar de terem sido desconsiderados pela sentença a quo, são relevantes, foram admitidos como correctos pela Fazenda Pública e estão directamente comprovados em vários documentos adquiridos pelos autos e têm de ser atendidos e considerados até porque o sistema e a legislação processual actual pretende efectivar um julgamento de facto mais completo e fiel à realidade histórica efectivamente verificada;

8. Aliás, esses factos:

  • Foram plenamente aceites na sua materialidade fáctica pela Fazenda Pública, quer no relatório de inspecção quer na contestação;
  • São implicitamente assumidos e considerados pelo tribunal a quo, o que encontra demonstração cabal em várias passagens da sentença;

9. Do todo persuasivo resultante dos depoimentos da testemunha indicada pela impugnante a toda a matéria M….., técnica oficial de contas da Impugnante desde 2007, o seu depoimento encontra-se gravado na cassete 1, lado A, rotações 00.00 a 14.52, lado A, da mesma cassete, da testemunha indicada pela impugnante a toda a matéria M….., arquitecta, o seu depoimento encontra-se gravado na cassete 1, lado A, rotações 14.65 a 02.13, lado B da mesma cassete e da testemunha A….. - o seu depoimento encontra-se gravado na cassete 1, lado B, rotações 02.62 a 08.51, a partir das passagens indicadas na alegação deste recurso mas essencialmente da sua complexiva integralidade e dos poderes de indagação oficiosa desse Venerando Tribunal, terão de resultar provados os seguintes factos omitidos e desconsiderados na dimensão fáctica da sentença a quo:

a. A Impugnante está colectada, segundo o Código de Classificação das Actividades Económicas, na actividade identificada com o CAE 55118- R3 - vide também a certidão permanente online de fls. 62;

b. A sua única actividade efectiva e correntemente exercida pela Impugnante é a exploração da unidade hoteleira “Q…..”, localizada na Rua , Funchal…..;

c. A expansão da actividade da Impugnante para além dos limites originais da Q….. foi desde sempre almejada e projectada;

d. Nesse pendor, a Impugnante, no ano de 1995, na sequência da realização de estudos e projectos preliminares, adoptou a resolução gestionária de adquirir os referidos terrenos a sul;

e. Em face da superveniente inexequibilidade do projecto justificativo da sua aquisição e das dificuldades económicas e financeiras que a Impugnante experimentava, a fim de obter as receitas necessárias à sua sobrevivência, manutenção da actividade e preservação do maior número possível de postos de trabalho, viu-se forçada a vender os lotes adquiridos em Novembro de 1995;

f. Porém, a alienação desses terrenos foi preparada ainda de modo a efectivar e preservar as condições e a atractividade da existente Q….., designadamente a sua vista directa e sem confínamento sobre a cidade do Funchal e o recato e privacidade que proporciona aos seus hóspedes;

g. O modo de impedir que nos terrenos sob referência fossem construídos edifícios habitacionais em altura que constituíssem um confínamento da vista da Q…… sobre a baía do Funchal, foi o seu loteamento com a expressa menção de que nos lotes resultantes da operação só podiam ser construídas moradias unifamiliares isoladas;

h. Para tanto foram realinhadas e compatibilizadas com os novos dados da realidade as operações urbanísticas até então realizadas sobre os terrenos em causa.

10. Interessa ainda considerar o seguinte facto instrumental decorrente da discussão da causa: a impugnante nunca se dedicou à compra para revenda de bens imóveis nem comprou os terrenos em Novembro de 1995 com a intenção específica de revenda;

11. E complementar e concretizar o facto provado descrito no item 19 com a referência de que a inspecção foi meramente interna, questão relevante para a apreciação da questão da caducidade do direito à liquidação do imposto;

12. É portanto manifesto a todas as luzes que o tribunal a quo desatendeu e desconsiderou indevidamente da dimensão fáctica deste processo os factos acabados de descrever, os quais têm de ser considerados e julgados provados para efeitos de enunciação da sentença;


Atinentes à caducidade do direito à liquidação - Erro identificável na própria

declaração


13. Com o devido respeito, o tribunal a quo analisou e decidiu mal a questão da caducidade do direito à liquidação desde logo porque, como é óbvio, para a aplicação da norma da l.a parte do n.° 2 do art. 45.° da Lei Geral Tributária deve atender-se apenas à identificação ou detecção do erro (supondo que ele existe) e não ao conjunto de operações e diligências levadas a cabo pelos serviços da administração fiscal para, posteriormente à identificação e detecção do erro, procederem à correspondente correcção através da competente liquidação adicional aqui impugnada;

14. Ora no caso vertente decorre dos autos e é admitido pela Fazenda Pública que foi apenas a partir do que foi efectivamente preenchido na declaração pela impugnante que os serviços fiscais detectaram o (suposto) erro cuja correcção esteve na base da liquidação impugnada;

15. Aliás, essa ilação encontra demonstração igualmente na exiguidade do processo administrativo, que comporta apenas a informação do inspector tributário;

16. As diligências levadas a cabo posteriormente pela Administração Fiscal visaram apenas a correcção desse erro através da competente liquidação adicional aqui impugnada;

17. Noutra óptica, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova no direito fiscal fixados pelo artigo 74.° da Lei Geral Tributária, recaía sobre a entidade demandada o ónus da alegação e prova circunstanciada de que o erro em causa não era detectável, por um técnico medianamente cuidadoso, sagaz e preparado, mediante simples leitura ou análise sumária da declaração, sendo certo e óbvio que a Administração fiscal não cumpriu esse ónus de alegação e prova;

18. A situação vertente é portanto subsumivel ao “caso” de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo” e por isso é-lhe aplicável o prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, estabelecido no n.° 2 do artigo 45.° da LGT, ao invés do prazo-regra de 4 anos estabelecido no n.° 1 do mesmo preceito legal, o que encontra demonstração, além do mais, no facto do suposto erro ter sido detectado por análise interna e objecto de correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável.

19. Em face da data da liquidação adicional impugnada e da respectiva notificação é portanto manifesta a consumação do prazo da invocada caducidade do direito à liquidação do imposto;

Atinentes aos vícios da sentença a quo na parte relativa à falta de fundamento para a liquidação impugnada

20. Neste domínio há que ter presente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto orientada para a ampliação e consideração devida dos factos acima descritos;

21. A sentença a quo assenta em premissas e ilações incorrectas além do mais porque o alvará de licenciamento de loteamento urbano com obras de urbanização n.° ….., de 11/12/1990 - fls. 126 a 128 dos autos - e o Alvará de Loteamento n.° ….. (fls. 124 e 125 dos autos) foram emitidos em nome da Sra. Dona C….. e não pela Impugnante Q…… que aliás só adquiriu os terrenos em causa em 20/11/1995 - facto provado descrito no item 3);

22.     As alterações ao loteamento requeridas pela Impugnante Q….. surgiram sempre depois de 14 de Abril de 2003 e na sequência do indeferimento do projecto de ampliação do empreendimento turístico;

23.     Se a intenção fosse a obtenção do lucro, então a impugnante teria maximizado as possibilidades edificativas dos lotes resultantes do loteamento, designadamente prevendo para eles habitação colectiva e em altura e não, como efectivamente fez, moradias unifamiliares isoladas e teria vendido os terrenos em 1995 ou em data próxima e não em 2007 e apenas depois da falta de aprovação dos projectos para a ampliação da unidade hoteleira;

24. O próprio tribunal a quo assume que os terrenos foram adquiridos para a expansão da actividade e não para o loteamento seguido da venda dos lotes;

25.     Apesar de constar do objecto social a “compra e venda de imóveis para revenda” o certo é que a Impugnante Q….. dedicava-se apenas à exploração hoteleira e não a esta actividade, como se viu na parte destas alegações relativas à impugnação da matéria de facto e está em consonância com o CAE 55118-R3, que corresponde apenas e só apartamentos turísticos com restaurante;

26. De acordo com as regras contabilísticas, quer no domínio do Plano Oficial de Contabilidade quer no domínio do Sistema de Normalização Contabilística, a classificação dos elementos do activo deve atender ao seu destino ou aplicação determinante da respectiva aquisição;

27.     Para o tribunal a quo, apesar dos lotes estarem integrados no activo imobilizado corpóreo da empresa, os resultados obtidos com a respectiva alienação deveriam ser considerados como venda de mercadoria ou prestação de serviços, decorrente do exercício normal e rotineiro da sua actividade empresarial;

28.     Todavia, temos de repudiar veementemente semelhante entendimento porque é óbvio que a operação de venda dos lotes em nada se compara, por exemplo, com a venda dos quartos, de uma refeição ou de um café no bar do hotel e é certo e seguro nos autos que a Impugnante, efectiva e concretamente, não se dedica à actividade imobiliária mas apenas e só à exploração hoteleira;

29.     O próprio CIRC determina o regime a que estão sujeitos os ganhos obtidos através de alienação de elementos do activo imobilizado - cf. arts. 43.° a 45.° do CIRC;

30.     Prevendo expressamente a sua tributação como mais-valias à taxa genérica do IRC, caso se verifique o reinvestimento do valor da realização em bens da mesma natureza - cf. art. 45.° do CIRC.

31.     Por isso, a Impugnante, ao dar aos resultados obtidos com a venda dos lotes de terreno o tratamento contabilístico e fiscal próprio c adequado aos ganhos derivados da transmissão onerosa de elementos do activo imobilizado - o das mais-valias - procedeu de acordo com a lei fiscal aplicável;

32.     Correlativamente, é destituída de todo e qualquer fundamento a decisão da Administração Fiscal e do tribunal a quo que considerou indevido ou incorrecto o tratamento fiscal que a Impugnante efectuou no atinente a esta espécie de proveitos;

33.     Por isso, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a correcção da matéria tributável declarada pela Impugnante concretizada pela liquidação de IRC impugnada padece de errónea qualificação dos factos tributários ou rendimentos que lhe estão subjacentes;

34.     Note-se que a própria Administração Fiscal, nem neste processo nem mesmo no processo por contra-ordenação, jamais invocou que a Impugnante, na prática dos actos e negócios jurídicos sob referência, agiu com o propósito essencial ou principal de, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, obter a redução, eliminação ou deferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, actos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou de obter vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios;

35.     E a ausência de semelhante invocação ou alegação é essencial do ponto de vista da apreciação, discussão e decisão da bondade da liquidação impugnada porque, de acordo com o disposto no artigo 38.° da Lei Geral Tributária, conjugado com os princípios e regras que definem o ónus da prova no direito fiscal, competia à Administração Fiscal alegar e provar que a Impugnante agiu com o propósito essencial ou principal de frustrar os direitos e interesses da Administração Fiscal, o que obviamente em tempo algum aconteceu.

36.     De resto, quer dos princípios gerais da interpretação das leis fiscais e dos factos a que as mesmas se aplicam - cf. art. 11.° da LGT - quer do disposto no artigo 100.°, n.° 1, do CPPT, onde se esclarece que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e qualificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado.” - há-de sempre de concluir-se pela ilegalidade da liquidação impugnada e pela procedência desta acção.

37.     Há ainda que ter presente que se presume a boa-fé e a veracidade das declarações da Impugnante - cf. arts. 59.°, n.° 2 e 75.° da LGT;

38.     A liquidação impugnada e a sentença a quo enfermam do erro de julgamento também na parte em que dão como certo que a compra e venda de imóveis para revenda insere-se no objecto social da impugnante e que os ganhos resultantes da alineação dos lotes posteriormente ao indeferimento administrativo do projecto tendente à ampliação da unidade hoteleira da Impugnante terão de ser considerados como parte integrante da actividade comercial da Impugnante e por isso devem ser tributados em sede de IRC como rendimentos comerciais e não enquanto mais-valias;

39.     Na verdade, como é óbvio, conforme aliás bem refere o tribunal a quo no 4.° parágrafo da página 34 da sentença recorrida, designadamente por exigência e em homenagem ao princípio do realismo económico que preside ao direito tributário, deve atender-se à substancia económica dos actos;

40.     Ora a essa luz impõe-se considerar a real, efectiva e corrente actividade económica e comercial da Impugnante, o que vai muito para além da mera referência às possibilidades abstractas descritas no pacto social e no registo comercial porque não basta mera descrição do objecto social para se inferir, sem mais, o exercício efectivo, sensível e rotineiro de todas as actividades aí descritas;

41. A sentença a quo violou os princípios e as regras jurídicas referidas nestas conclusões.

Termos em que, com o sempre mui douto suprimento de V. Exas. Venerandas, deve dar-se provimento a este recurso e, consequentemente, declarar-se a nulidade da sentença a quo, o que pode conduzir e determinar a repetição da prova em primeira instância.

Caso assim não se entenda, deve ser dado provimento a este recurso com todas as consequências daí decorrentes, o que implica a

1.  Alteração e ampliação da decisão sobre a matéria de facto nos termos acima propugnados;

2.  Revogação da sentença a quo com todas as consequências daí decorrentes, designadamente a declaração da caducidade da liquidação adicional impugnada ou, caso ainda assim não se entenda - hipótese que se repudia - anulada a liquidação de IRC relativa a 2007, no montante do imposto aqui impugnado, porque só desse modo será feita a costumada


Justiça!”


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  A Autoridade Tributária e Assuntos Fiscais da RAM, ora Recorrida, apresentou contra-alegações, nos termos e com os fundamentos seguintes:

1.   Reitera-se na íntegra a posição exarada na douta sentença ora recorrida,

2. e, assim sendo, pugna-se pela manutenção da mesma e improcedência do recurso jurisdicional, com todas as legais consequências.

Termos em que e nos mais de direito que Vossa Excelência doutamente suprirá:

Deve o presente recurso ser julgado improcedente, com o que se fará a sempre devida Justiça.


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Notificado, o Ministério Público junto deste Tribunal Central Administrativo emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso, com manutenção da sentença recorrida na ordem jurídica.


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Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir, considerando que a tal nada obsta.


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Sem prejuízo das questões que o Tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, é pelas conclusões com que o recorrente remate a sua alegação (art. 639º do C.P.C) que se determina o âmbito de intervenção do referido tribunal.

De outro modo, constituindo o recurso um meio impugnatório de decisões judiciais, neste apenas se pode pretender, salvo questões de conhecimento oficioso, a reapreciação do decidido e não a prolação de decisão sobre matéria não submetida à apreciação do Tribunal a quo.

Assim, atento o exposto e as conclusões das alegações do recurso interposto, temos que no caso concreto, o objecto do mesmo está circunscrito às seguintes questões:

- nulidade da sentença por violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da imediação, do contraditório e do direito constitucional a uma decisão justa;

- impugnação da decisão sobre a matéria de facto;

- caducidade do direito à liquidação;

- vícios da sentença na parte relativa à falta de fundamento para a liquidação impugnada.


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II. FUNDAMENTAÇÃO

II.1. De facto

A sentença recorrida deu por provados os seguintes factos:

«

1) Consta da certidão permanente, acessível através do código ….., que a Impugnante tem por objeto social: “Investimentos imobiliários e turísticos; compra e venda de imóveis para revenda; gestão e comercialização de empreendimentos turísticos” (cf. doc. 2 junto à contestação – fls. 62 a 65 dos presentes autos);

2) Em sede de IRC, a Impugnante encontra-se enquadrada no regime geral desse imposto, e em sede de IVA, é sujeito passivo misto com afetação real de todos os bens (cfr. doc. 1 junto à contestação – fls. 56 a 60);

3) Por escritura pública denominada de “compra e venda”, lavrada em 20/11/1995, no Terceiro Cartório Notarial do Funchal, J….., na qualidade de procurar e em representação de C….., declarou vender à Impugnante, representada por C….., que declarou aceitar, pelo preço global de 20.930.000$00, cinco prédios localizados à Rua ….., concelho do Funchal – 4 prédios com a natureza urbana, compostos de terreno destinado a construção, e um prédio urbano destinado exclusivamente a habitação, inscritos na matriz predial respetiva sob os artigos ….., ….., ….., ….. e ….., descritos na Conservatória de Registo Predial do Funchal, respetivamente sob o números ….. (lote n.º 9), ….. (lote n.º 10), ….. (lote n.º 15), ….. (lote n.º 18), ….. (lote n.º 19) (cfr. doc. 6 junto à petição inicial – fls. 24 a 29 dos presentes autos –, que se dá aqui por integralmente reproduzido);

4) Foi requerido alvará de licenciamento de loteamento urbano, conforme documento datado de 11/12/1990, do qual consta: (doc. 2 junto aos autos, através de requerimento da Impugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025),





(…)” (cfr. fls. 126 a 128 dos presentes autos);

5) Do “Alvará de Loteamento …..”, datado de 2/2/1999, consta o seguinte: (doc. 2 junto aos autos, através de requerimento da Impugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025), “(…)

(…)” (cfr. fls. 124 e 125 dos presentes autos);

6) A pedido da Impugnante, foi elaborado, por arquiteto, um documento intitulado de “memória descritiva e justificativa”, datado de 12/07/2002, relativo a empreendimento de “17 casas com distribuição T1 e T2, com garagem privativa” (cfr. doc. 7, junto à petição inicial – fls. 30 a 33 dos presentes autos , cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

7) Dá-se aqui por integralmente reproduzida a planta de implantação do projeto de ampliação da infraestrutura hoteleira (doc. 6 junto pela Impugnante, através de requerimento datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025 – fl. 176 dos presentes autos);

8) A impugnante dirigiu ao Presidente da Câmara Municipal do Funchal um requerimento do qual consta que entregou, para apreciação pela Câmara, “o projeto base (licenciamento) de um conjunto de 17 casas para turismo de cidade tipologia T1 e T2, conforme peças escritas e desenhadas em anexo”, o qual recebeu o carimbo de entrada n.º PC ….. p: ….. da Divisão Administrativa de Obras da Câmara Municipal do Funchal (cfr. doc. 8 junto à petição inicial – fls. 34 dos presentes autos);

9) Por ofício n.º ….., datado de 04/09/2002, o vereador da Câmara Municipal do Funchal solicitou ao Chefe de Gabinete do Sr. Secretário Regional do Turismo e Cultura, a emissão de parecer sobre “o projeto de 17 casas, tipo T1 e T2 para turismo de cidade – Rua …..” (cfr. doc. 9 junto à petição inicial – fls. 35 dos presentes autos);

10) Por ofício com n.º de saída ….., datado de 14/04/2003, o Chefe de Gabinete do Sr. Secretário Regional do Turismo e Cultura, A….., dirigiu comunicação ao Presidente da Câmara do Funchal, que recebeu o carimbo de entrada n.º PA ….. P: ….. da Divisão Administrativa de Obras da Câmara Municipal do Funchal, do qual consta o seguinte:

“(…)

Assunto: PROJECTO DE AMPLIAÇÃO DE EMPREENDIMENTO TURÍSTICO, SITUADO À RUA ….., FUNCHAL.

REQUERENTE: Q….. – EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS E TURÍSTICOS, LDA.

Sobre o assunto em epígrafe e reportando-me ao Vosso ofício acima referenciado, encarregam-me o Senhor Secretário Regional de transcrever a V. Exª. o seguinte parecer da Direcção Regional do Turismo, com o qual concordou, por despacho de 2003-03-28:

1. O Plano de Ordenamento Turístico (POT), aprovado através do Decreto Legislativo Regional nº. 17/2002/M, de 29 de Agosto, estipula no nº. 1 do artigo 1º. do Anexo 1 – Normas de Execução – que “(…) até ao ano de 2012, o limite máximo de alojamento turístico para a Região Autónoma da Madeira é fixado em 35 000 camas na Ilha da Madeira e 4 000 camas na Ilha de Porto Santo”.

2. A alínea a) do nº. 2 do mesmo artigo fixa em 23 000 camas o limite máximo para o concelho do Funchal.

3. Segundo informação da base de dados deste Serviço, no que concerne à capacidade de alojamento no concelho do Funchal, verifica-se que foram claramente ultrapassados os limites máximos definidos.

4. O n.º 4 do artigo 16.º do POT estipula que “(…) após a aprovação do POT, o Governo Regional, na Secretaria Regional do Turismo e Cultura, deverá promover o registo centralizado dos licenciamentos já realizados ou a realizar, bem como receber cópia autenticada do projecto de arquitectura aprovado, para efeitos do controlo dos limites de capacidade de alojamento estabelecidos no POT”.

5. Estabelece ainda o n.º 6 do mesmo artigo que a não efectivação deste registo, o não cumprimento dos prazos limites para arranque das obras, bem como a interrupção injustificada das mesmas, implicam a caducidade do licenciamento.

6. Neste sentido, estes Serviços oficiaram às Câmaras Municipais a pedir a informação referida no número anterior, através dos ofícios nº. ….., de 2002-09-11, da Direcção Regional do Turismo, e nº. ….., de 2002-10-21, do Gabinete do Secretário Regional do Turismo e Cultura, sem que até à data a Câmara Municipal do Funchal tenha enviado os elementos solicitados, indispensáveis à verificação de eventuais licenciamentos caducados, e que poderão permitir futuras novas aprovações.

7. Face ao exposto, estes Serviços são de parecer que ao processo em apreço, independentemente de reunir os requisitos mínimos exigíveis pelos regulamentos específicos dos empreendimentos turísticos para obtenção da classificação turística, não deverá ser emitido parecer favorável, sob pena de incumprimento do Decreto Legislativo Regional n.º 17/2002/M, de 29 de Agosto.

(cfr. doc. 10 junto à petição inicial – fls. 36 a 37 dos presentes autos);

11) Em 10/10/2003 foi emitido o “Alvará de Loteamento n.º …..”, o qual dispõe nos seguintes termos: (doc. 2 junto aos autos, através de requerimento da Impugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025)

“(…)






(…) (cfr. fl. 122 dos presentes autos);

12) Do aditamento ao Alvará de Loteamento n.º ….., datado de 12/02/2004, consta que “por despacho de 11 de Fevereiro de 2004, foi autorizado, a inclusão no supra mencionado alvará, do prédio Urbano inscrito na respetiva matriz sob o artigo n.º ….. (…) bem como áreas de cedência para o domínio público, e alteração do destino do lote n.º 22, passando o loteamento a ter as seguintes características: (…)

(…)” (cfr. doc. 2 junto aos autos, através de requerimento da Impugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025 – fl. 121 dos presentes autos);

13) Do aditamento ao Alvará de Loteamento n.º ….., datado de 06/09/2006, consta que “por despacho de 13 de Julho de 2006, foi autorizado a subdivisão do lote n.º 9 do supra mencionado alvará, atualmente descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º ….., inscrito na matriz Urbano, sob os artigos nºs ……, ….., ….. e ….. (…)” (cfr. doc. 2 junto aos autos, através de requerimento da Impugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025 - fl. 118 e 119 dos presentes autos);

14) Consta da Certidão n.º ….., da divisão administrativa de obras particulares, do Município do Funchal, que a Impugnante, “face ao despacho de vinte e cinco de Março de dois mil e quatro do Vereador do Pelouro do Urbanismo”, foi autorizada a “retificar a área dos lotes vinte e três e vinte e quatro, identificados na planta anexa, do Alvará de Loteamento número dezasseis barra dois mil e três de dez de Outubro de dois mil e três (…)” (cfr. doc. doc. 2 junto aos autos, através de requerimento da Impugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025 – fl. 120 dos presentes autos);

15) Em 04/01/2007, foi subscrito um documento intitulado de “compra e venda”, do qual consta que “T….. (…) agindo na qualidade de gerentes em representação” da Impugnante “mediante o preço global já recebido de novecentos mil euros, vendem à sociedade representada pelos segundos outorgantes [F….., Lda.], seis prédios urbanos, terrenos destinados a construção, ao sítio Q….. (…) um (…) inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo provisório ….. (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o número …… – freguesia de …… (…), outro (…) sob o artigo provisório ….. (…) descrito na referida Conservatória (…) sob o número ….. (…), outro (…) inscrito (…) sob o artigo provisório ….. (…) descrito na aludida Conservatória (…) sob o número ….. (…), outro (…) sob o artigo provisório ….. (…) descrito na predita Conservatória (…) sob o número ….. (…), outro (…) sob o artigo provisório ….. (…) descrito na mesma Conservatória (…) sob o número ….. (…), outro (…) sob o artigo provisório ….. (…) descrito na mencionada Conservatória (…) sob o número ….. – freguesia de S….. (…).

Constituem os lotes números vinte e cinco a trinta, do alvará de loteamento número três barra noventa e nove, de dois de Fevereiro e alterado pelo alvará número ….., de dez de Outubro e posteriormente alterado por despacho de treze de Julho de dois mil e seis (…)” (cfr. doc. 3 junto aos autos, através de requerimento daImpugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025 – fls. 129 a 133 dos presentes autos);

16) Em 11/04/2007, foi subscrito um documento intitulado de “compra e venda”, do qual consta que os representantes da Impugnante “mediante o preço já recebido de duzentos e quarenta e dois mil seiscentos oitenta e um euros e oitenta e sete cêntimos, vendem à sociedade representada do segundo outorgante [J….. Limitada], o prédio urbano, terreno destinado a construção, ao sítio da Q….. (…) inscrito na matriz predial respetiva sob o artigo provisório ….. (…) descrito na Conservatória do Registo Predial do Funchal sob o …..- freguesia de …..(…).

Constitui o lote números nove, do alvará de loteamento número três barra noventa e nove, de dois de Fevereiro e alterado pelo alvará número dezasseis barra dois mil e tês, de dez de Outubro e posteriormente alterado por despacho de treze de Julho de dois mil e seis (…)” (cfr. doc. 3 junto aos autos, através de requerimento da Impugnante, datado de 19/04/2013, com n.º de registo 37025 – fls. 135 a 138 dos presentes autos);

17) Consta do doc. 3, junto à contestação, uma planta, datada de 12/04/2011, relativa aos limites geográficas dos loteamentos (cfr. fl. 67 dos presentes autos , cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

18) Em 2008, a impugnante apresentou declaração de IRC relativa ao ano de 2007, na qual inscreveu € 496.154,36 no campo 274, respeitante a “mais-valias fiscais com intenção expressa de reinvestimento”, e € 1.029.619,35 no campo 229, respeitante a “mais-valias contabilísticas” (cf. doc. de fls. 113 a 117 dos presentes autos, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

19) Em 2011, a impugnante foi alvo de um procedimento de inspeção (cfr. Relatório dos Serviços de Inspeção Tributária, constante do processo instrutor);

20) Do “Relatório” elaborado no âmbito da inspeção tributária, consta o seguinte:

“Detetou-se (…) existirem diferenças entre o valor das vendas de prédios declaradas (…) [pela Impugnante] e o total das vendas de prédios constantes da base de dados existente neste serviço, relativamente ao exercício de 2007. (…) Por consulta efetuada à declaração Modelo 11, mais propriamente aos atos por outorgante, verificou-se que o sujeito passivo no exercício de 2007, alienou diversos prédios, conforme quadro que se segue:

Após análise desta operação verificamos que os prédios descritos no quadro supra se encontravam, à data da sua alienação, contabilizados no ativo imobilizado do S.P.

No exercício de 2007, o S.P. procedeu à alienação dos prédios supra referidos, tendo apurado e contabilizado as mais-valias contabilísticas e efetuado as correções a que se refere o artigo 44.º do CIRC (redação à data), na declaração modelo 22 do exercício de 2007, de acordo com o quadro seguinte:








(…)




(…)”

21) Pelos Serviços de Inspeção Tributária, foi levantado “Auto de Notícia (n.º 1 do art.º 57.º do RGIT)”, contra a Impugnante, do qual consta que “Através de diligências efetuadas verificou-se que o sujeito passivo [a Impugnante] procedeu ao loteamento (Alvará de loteamento de 10/10/2003 - CMF) de uma parcela de terreno que havia adquirido no ano de 1995, do qual resultou os lotes (terrenos para construção) que vieram a ser alienados pelo sujeito passivo no exercício de 2007, e que o S.P. considerou o respetivo ganho das mais valias.

No entanto este enquadramento fiscal não foi adequado pois a venda dos lotes de terreno para construção urbana, após a sua urbanização, integra uma atividade objetivamente comercial, ainda que os mesmos fizessem parte do ativo imobilizado do S.P., pelo que os ganhos advindos destas alienações deverão ser considerados para efeitos de tributação como rendimentos comerciais tributáveis em IRC.

Desta forma iremos proceder à correção da situação descrita anteriormente, através da anulação dos valores inscritos nos campos 274 (496.154,36) e 229 (1.029.619,35) do Q07 do Modelo 22 do ano de 2007, corrigindo o lucro tributável declarado pelo S.P. de 295.243,58 para 828.708,57 obtendo assim um acréscimo à matéria tributável no montante de 535.464,99.

O S.P. apresenta uma situação económica normal” (cfr. doc. 4 junto à petição inicial – fls.

22 dos presentes autos);

22) A Impugnante foi notificada da instauração do processo de contraordenação, com base no auto de notícia levantado em 02/06/2011 (cfr. doc. 5 junto à petição inicial – fls. 23 dos presentes autos);

23) Por ofício com n.º de registo dos CTT *RY…..*, datado de 18/07/2011, a impugnante foi notificada da demonstração de liquidação de IRC n.º ….., datada de 11/07/2011, respeitante ao período de 2007 (cfr. doc. 1 junto à petição inicial – fls. 19 dos presentes autos e processo instrutor);

24) Por ofício com n.º de registo dos CTT *RY……*, datado de 15/07/2011, a Impugnante foi notificada da demonstração de liquidação de juros compensatórios, correlativa da demonstração de liquidação de IRC n.º ….. (cfr. doc. 2 junto à petição inicial – fls. 20 dos presentes autos e processo instrutor);

25) Por ofício com n.º de registo dos CTT *RY…..*, datado de 14/07/2011, a Impugnante foi notificada da demonstração de acerto de contas, correlacionada com a demonstração de liquidação de IRC n.º ….. e respetivos juros compensatórios, e para efetuar o pagamento do saldo apurado, no valor de € 134.457,90, até 17/08/2011 (cfr. doc. 3 junto à petição inicial – fls. 21 dos presentes autos e processo instrutor);

26) A presente impugnação deu entrada no tribunal em 12/08/2011 (cfr. fl. 1 dos presentes autos);

27) Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as certidões de registo predial constantes de fls. 89 a 102 dos presentes autos [prédios urbanos, localizados na freguesia de ….. inscritos na respetiva matriz predial sob os artigos 5776 – fl. 89 e 90, 5777 – fls. 91 e 91, 5778 – fls. 93 e 94, 5782 – fls. 95 e 96, 5780 – fls. 97 e 98, 5781 – fls. 99 e 100, 5779 – fls. 101 e 102];

28) Dão-se aqui por integralmente reproduzidas as certidões de registo predial constantes de fls. 139 a 137 dos presentes autos [lote 9 – fls. 1 a 5; lote 25 – fls. 6 a 10; lote – 26 – fls. 11 a 16; lote 27 – fls. 17 a 20; lote 28 – fls. 21 a 24; lote 29 – fls. 25 a 31; lote 30 – fls. 32 a 36];»


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No que respeita a factos não provados, consta da sentença: “[i]nexistem demais factos a dar como não provados com relevância para a decisão da causa.”.


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A convicção do Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, “resultou da análise dos documentos juntos aos autos, que não foram impugnados e da sua admissão pelas partes, consoante referido em cada um dos pontos do probatório, assim como do depoimento das testemunhas”


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II.2. De Direito

Em sede de aplicação de direito, a sentença recorrida julgou improcedente a impugnação e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública, por ter concluído que «procedeu bem a Administração tributária quando corrigiu os valores inscritos na declaração de IRC relativa ao ano de 2007, pois que não se pode afirmar que, no caso, estejamos perante um aumento inesperado do valor dos ativos patrimoniais. Ao invés, o ganho foi deliberadamente procurado no negócio de compra e venda, havendo intuito de rentabilização, de obtenção de lucro.

Em suma, não assiste razão à Impugnante, não tendo a AT incorrido em errónea qualificação do rendimento tributável, não existindo vício que fira a liquidação de ilegalidade a impor a respetiva anulação.

Pelo que a ação improcede.»

Inconformada, a impugnante “Q….. – Empreendimentos Imobiliários e Turísticos, Lda.” veio recorrer da referida decisão invocando, antes do mais, a nulidade da sentença por violação dos princípios da plenitude da assistência dos juízes, da imediação, do contraditório e do direito constitucional a uma decisão justa.

Invoca a recorrente [conclusões de recurso nºs 1. a 5.] que a sentença a quo, que abarca a decisão sobre a matéria de facto, foi enunciada pela meritíssima juiz M….. enquanto a meritíssima juiz C….. presidiu ao julgamento e à inquirição das testemunhas - discrepância esta que só se constatou e constata no confronto entre o texto da sentença e a acta de inquirição de testemunhas de 20 de Março de 2013; Esta inusitada separação entre, por um lado, o juiz que preside à produção da prova na audiência de inquirição de testemunhas e, por outro lado, o juiz que enuncia a decisão da matéria de facto e aplica o direito contraria em bloco o sentido e alcance dos princípios e regras que presidem à discussão e decisão da matéria de facto, designadamente os princípios da plenitude da assistência do juiz, da imediação e do contraditório este na sua dimensão relativa ao direito de influenciar a decisão no plano da prova; Noutra óptica, esta decisão sobre a matéria de facto, como é apodíctico, viola o princípio da prevalência da substância sobre a forma que inere ao estado material de direito e transforma a sentença, que é pela sua própria natureza e função um acto analítico, crítico e selectivo, num acto meramente formal e perfunctório; Nessa medida a decisão a quo viola também o direito constitucional a uma decisão substancialmente justa, uma das dimensões e corolários do direito de acesso aos tribunais e à justiça consagrado em termos amplos no art. 20.° da Constituição da República Portuguesa; É elementar que o apontado desvio entre o formalismo processual seguido nos autos em relação ao formalismo processual prescrito na lei influi decisivamente no exame e na decisão da causa, o que determina a nulidade da sentença a quo.

Adianta-se, desde já, que não assiste razão à recorrente.

A recorrente invoca a violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes, actualmente consagrado no artigo 605.º do Código de Processo Civil (e anteriormente à última grande reforma processual, no artigo 654.º do mesmo diploma legal), corolário dos princípios (da imediação e da oralidade), de que resulta que só podem intervir na decisão da matéria de facto os juízes que tenham assistido a todos os actos de instrução e discussão praticados na audiência final.

O princípio da imediação traduz-se no contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova, isto é, o principio da imediação diz-nos que deve existir uma relação de contacto directo, pessoal, entre o julgador e as pessoas cujas declarações irá valorar, com as coisas e documentos que servirão para fundamentar a decisão da matéria de facto, permitindo-lhe que se aperceba de todos os factos pertinentes para a resolução do litígio e uma valoração da prova expurgada, pelo menos tendencialmente, dos factores de falseamento e erro que as transmissões de conhecimento podem envolver. [1]

O princípio da oralidade, que constitui matriz do nosso regime processual civil, reporta-se ao modo de produção da prova e significa que a prova produzida sob a égide deste princípio é a realizada oralmente.

Aqui chegados, importa, antes de mais, ter em consideração que, no caso em apreço, a inquirição de testemunhas ocorreu em 20 de Março de 2013, conforme “Acta de Inquirição de Testemunhas”, a fls. 85 a 87 do processo físico. Significa isto, que a referida inquirição ocorreu antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil que entrou em vigor em 1 de Setembro de 2013, cfr. art. 8º da Lei nº 41/2013, de 26 de Junho.

Esta questão – da violação do princípio da plenitude da assistência dos juízes - encontra-se já tratada em vários Acórdãos do STA a que iremos fazer apelo para apreciação da mesma.

No Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário proferido em  12/12/2012, Proc. 01152/11, disponível em www.dgsi.pt, escreveu-se no seu Sumário, o seguinte:

«I - O princípio da plenitude da assistência dos juízes, estabelecido no artº 654.º do CPC, só tem aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto.

II - Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verifica em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
III - Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.

IV - Ainda assim, o princípio da imediação sofria limitações, pois em tempos não muito distantes, mas em que não existia a nova tecnologia da videoconferência, sempre se utilizou a inquirição por carta precatória concretizada em meios escritos ou áudio que não proporcionavam a imediação na sua plenitude do juiz julgador com a testemunha mas valorizados e aproveitados na busca da verdade material influenciando a fixação do probatório e a realização da justiça.

V - Tais limitações continuam a justificar-se sobretudo quando se tem de ponderar, também, os inconvenientes de um “desaforamento” generalizado de processos ou a sua remessa para prolação de sentença a Magistrados entretanto destacados para equipas extraordinárias de recuperação de processos como as criadas pela Lei n.º 59/2011 de 28 de Novembro.

VI - Sopesando as vantagens e inconvenientes, sempre por atenção ao quadro legal supra exposto, o qual, reitera-se, não encerra norma própria que imponha a aplicação do dito princípio na pureza enunciada e, atendendo também à especialidade do processado da impugnação judicial que não tem uma fase autónoma de fixação dos factos provados e não provados somos levados a considerar, numa interpretação sistemática, também pautada por critérios de justiça e equidade, que se justificam as referidas limitações consubstanciadas na prática em dever ser o juiz a quem o processo está distribuído a elaborar a sentença no momento em que a mesma tem de ser proferida

Mas se alguma dúvida restasse sobre esta questão, o Acórdão do STA de 03/07/2019, Proc. 0499/04.6BECTB, disponível em www.dgsi.pt, dissipou-as quando escreveu no seu Sumário:

«I - Antes da entrada em vigor do novo CPC o princípio da plenitude de assistência do juiz só tinha aplicabilidade para a decisão sobre a matéria de facto (artº 654º do antigo CPC).

II - Em sede de contencioso tributário/processo de impugnação, o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito sempre estiveram cometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que se verificava em processo civil, entre a fase de audiência final, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.
III - Embora o princípio da plenitude da assistência dos juízes seja um corolário dos princípios da oralidade e da imediação, na apreciação da prova, sendo preferível que ocorra contacto directo, imediato, entre o juiz e a testemunha, tal princípio não é absoluto.

IV - Com as alterações introduzidas através do artº 605 do novo CPC o referido princípio passou a aplicar-se à fase da audiência final pois que o julgamento da matéria de facto passou a conter-se nesta.

V - Estas alterações aplicam-se aos processos pendentes mas não têm eficácia retroactiva.

VI - As ditas alterações não influenciam o julgamento em sede de impugnação judicial se, como no caso dos autos, a inquirição de testemunhas ocorreu antes de 2013 e antes da entrada em vigor do novo CPC

VII - Em consequência, se a recolha da prova em sede tributária, foi efectuada no domínio do anterior CPC é admissível, ponderadas as circunstâncias do caso concreto, que o juiz que elaborou a sentença não seja o mesmo que procedeu à inquirição de testemunhas.

VIII - Se assim sucedeu, não ocorre, nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa.»

Os dois Acórdãos, cujos Sumários se transcreveram, têm inteira aplicação ao caso dos presentes autos.

Aqui, como nos processos que estavam em causa naqueles, a inquirição de testemunhas ocorreu antes da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, como referimos supra.

Assim sendo, e na esteira dos Acórdãos que temos vindo a citar, as alterações introduzidas através do art. 605º do novo CPC passaram a aplicar-se aos processos pendentes mas não têm eficácia retroactiva, pelo que as referidas alterações não influenciam o julgamento em sede de impugnação judicial se a inquirição ocorreu antes da entrada em vigor do novo CPC, como aconteceu nos presentes autos.

Mas mais, tal como é referido nos Acórdãos que temos vindo a citar, em sede de contencioso tributário o julgamento da matéria de facto e o julgamento de direito estão acometidos ao juiz que profere a sentença, não existindo a dicotomia que existe em processo civil, entre a fase de audiência de julgamento, onde são produzidas as provas para a determinação dos factos e a da prolação da decisão, onde é feito o enquadramento jurídico dos factos determinados ao caso e afirmada a consequente decisão.

Tanto assim é, que no muito recente Acórdão do STA proferido em 04/03/2020, Proc. 0259/10.5BELRS, disponível em www,dgsi.pt, se escreveu:

«Sobre a questão da prevalência do princípio da plenitude da assistência do juiz, no âmbito do contencioso tributário, já este Supremo Tribunal se pronunciou nos seus acórdãos datados de 12.12.2012, recurso n.º 01152/11 e mais recentemente no acórdão datado de 03.07.2019, recurso n.º 01522/15.

Em ambos se concluiu que no processo tributário o juiz a quem compete elaborar a sentença é aquele a quem o processo está distribuído e não necessariamente aquele que presidiu às diligências de prova, face à singularidade do próprio processo tributário em confronto com o regime existente no Código Processo Civil.

É certo que a aproximação do regime estabelecido no novo Código de Processo Civil ao regime que desde sempre vigorou no processo tributário, no tocante ao regime da prova e elaboração das sentenças, veio suscitar dúvidas, infundadas, de resto, sobre se também no processo tributário haveria que passar a fazer-se de modo diferente.

Porém, e face, como se disse, à singularidade do processo tributário, a questão colocada já se encontrava resolvida pela doutrina deste Supremo Tribunal e veio mesmo a ser confirmada pelo legislador, na recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114°, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cfr. artigo 13°, n.º 1 e alínea a).

Ou seja, não só a doutrina deste Supremo Tribunal sempre foi no sentido de que, no processo judicial tributário, o juiz competente para a elaboração da sentença era aquele a quem o processo se encontrava atribuído, como o próprio legislador apenas pretendeu que se fizesse de modo diferente nos processos entrados em juízo após a entrada em vigor da referida Lei n.º 118/2019.»

Deste modo, a Jurisprudência do STA, deixou claro que só na recente alteração ao CPPT, que passou a prever expressamente, no artigo 114°, que também no processo tributário passava a vigorar o princípio da plenitude da assistência do juiz, mas apenas para todos processos que dessem entrada em juízo após a entrada em vigor da Lei n.º 118/2019, de 17.09, cfr. artigo 13°, n.º 1 e alínea a).

 Face ao exposto, forçoso é concluir que, pelo facto do juiz que proferiu a sentença não ter sido o mesmo que procedeu à inquirição das testemunhas, não ocorre nenhuma nulidade que possa influir no exame ou na decisão da causa, nem nenhuma violação do direito constitucional a uma decisão justa.

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

- Da impugnação da matéria de facto

Vem a recorrente impugnar a matéria de facto, embora reconheça que os factos provados, no essencial, são relevantes para a boa análise, discussão e decisão da causa e estão correctamente formulados.

Alega a recorrente [conclusões de recurso nºs 7. e 8.] que Porém, os factos descritos nas alíneas a. a i. das páginas 10 e 11 das alegações deste recurso, apesar de terem sido desconsiderados pela sentença a quo, são relevantes, foram admitidos como correctos pela Fazenda Pública e estão directamente comprovados em vários documentos adquiridos pelos autos e têm de ser atendidos e considerados até porque o sistema e a legislação processual actual pretende efectivar um julgamento de facto mais completo e fiel à realidade histórica efectivamente verificada; Aliás, esses factos:

  • Foram plenamente aceites na sua materialidade fáctica pela Fazenda Pública, quer no relatório de inspecção quer na contestação;
  • São implicitamente assumidos e considerados pelo tribunal a quo, o que encontra demonstração cabal em várias passagens da sentença.

Importa, antes de mais, referir que embora a recorrente refira os factos descritos nas alíneas a. a i. das páginas 10 e 11 das alegações, o fará certamente por lapso, uma vez que os referidos factos – que também constam da conclusão de recurso nº 9 – só são indicados factos de a. a h.

Vejamos.

«Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e de conhecimento das pessoas. Somente quando a força probatória de certos meios se encontra pré-estabelecida na lei (v.g.força probatória plena dos documentos autênticos - cfr.artº.371, do C.Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação (cfr.artº.607, nº.5, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, IV, Coimbra Editora, 1987, pág.566 e seg.; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.660 e seg.).

Relativamente à matéria de facto, o juiz não tem o dever de pronúncia sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de seleccionar apenas a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor (cfr.artºs.596, nº.1 e 607, nºs.2 a 4, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6) e consignar se a considera provada ou não provada (cfr.artº.123, nº.2, do C.P.P.Tributário).

O erro de julgamento de facto ocorre quando o juiz decide mal ou contra os factos apurados. Por outras palavras, tal erro é aquele que respeita a qualquer elemento ou característica da situação “sub judice” que não revista natureza jurídica. O erro de julgamento, de direito ou de facto, somente pode ser banido pela via do recurso e, verificando-se, tem por consequência a revogação da decisão recorrida. A decisão é errada ou por padecer de “error in procedendo”, quando se infringe qualquer norma processual disciplinadora dos diversos actos processuais que integram o procedimento aplicável, ou de “error in iudicando”, quando se viola uma norma de direito substantivo ou um critério de julgamento, nomeadamente quando se escolhe indevidamente a norma aplicável ou se procede à interpretação e aplicação incorrectas da norma reguladora do caso ajuizado. A decisão é injusta quando resulta de uma inapropriada valoração das provas, da fixação imprecisa dos factos relevantes, da referência inexacta dos factos ao direito e sempre que o julgador, no âmbito do mérito do julgamento, utiliza abusivamente os poderes discricionários, mais ou menos amplos, que lhe são confiados (cfr. ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 11/6/2013, proc.5618/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 10/4/2014, proc.7396/14; Prof. Alberto dos Reis, C.P.Civil anotado, V, Coimbra Editora, 1984, pág.130; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, 9ª. edição, 2009, pág.72).
Ainda no que diz respeito à disciplina da impugnação da decisão de 1ª. Instância relativa à matéria de facto, a lei processual civil impõe ao recorrente um ónus rigoroso, cujo incumprimento implica a imediata rejeição do recurso, quanto ao fundamento em causa. Ele tem de especificar, obrigatoriamente, na alegação de recurso, não só os pontos de facto que considera incorrectamente julgados, mas também os concretos meios probatórios, constantes do processo ou do registo ou gravação nele realizadas, que, em sua opinião, impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, diversa da adoptada pela decisão recorrida (cfr.artº.685-B, nº.1, do C.P.Civil, “ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.61 e 62; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. edição, Almedina, 2009, pág.181; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 20/12/2012, proc.4855/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).

Tal ónus rigoroso deve considerar-se mais vincado no actual artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6 (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 31/10/2013, proc.6531/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 14/11/2013, proc.5555/12; ac.T.C.A. Sul-2ª.Secção, 27/02/2014, proc.7205/13).»[2]

Vejamos o que dispõe o art. 640º do CPC:

Artigo 640.º (art.º 685.º-B CPC 1961)
Ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto

1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.os 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.

No presente caso, o que a recorrente pretende é uma ampliação da matéria de facto, pelo que a alínea a) do nº 1, do art. 640º do CPC, não tem aqui aplicação.

Já quanto às alíneas b) e c) do nº 1, da referida norma, a recorrente cumpre o ónus que se lhe impunha, pois indica a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, bem como o concreto meio probatório constante do processo ou de registo de gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados, e que à excepção do facto indicado no ponto a. (em que o meio probatório é documental), todos os outros se apoiam nos depoimentos testemunhais  de M….., M….. e A…... Quanto ao previsto na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo, que estipula a necessidade de indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o recurso, embora a recorrente não o tenho feito com o rigor que se impunha, dá-se o mesmo por cumprido uma vez que estando em causa vários factos, indicou onde se encontrava gravado o depoimento de cada testemunha que respondeu a toda a matéria.

Apreciando.

Antes de mais, importa dizer que o depoimento de A….. não tem valor probatório, uma vez que o mesmo não tem qualquer conhecimento directo dos factos. Como o próprio reconheceu em sede de audiência, embora seja TOC, nunca teve qualquer intervenção na actividade da sociedade recorrente, e só foi chamado a este processo para dar a sua opinião à gerência quando “o problema foi levantado” pela Administração Fiscal. Mais informou o tribunal que o seu conhecimento lhe advém “pela boca da D.T…..”.

Quanto ao depoimento de M…., é TOC da sociedade impugnante desde Maio de 2007. Em sede de audiência disse que não participou nem teve conhecimento directo da venda, pois quando entrou como TOC para a sociedade já os terrenos tinham sido vendidos. Uma vez que teve intervenção no preenchimento do Mod.22, teve de se inteirar do caso e questionou qual foi a transacção efectuada. No seu depoimento, quando inquirida, nas suas frases inclui, por vezes, a palavra “disseram”, como por exemplo “disseram que foi por impossibilidade”. Não tem conhecimento directo do loteamento e da venda dos lotes.

Por último, quanto ao depoimento de M….., arquitecta, declarou que foi ela quem fez o projecto de ampliação das instalações em 2006. Mais disse ser amiga de uma das sócias, a D. T…... E foi por causa dessa amizade, que numa visita que a referida sócia e o marido fizeram à Quinta ….., da qual é sócia, que nasceu a ideia de fazerem uma ampliação daquele tipo. Falou das intenções do projecto, que seria de aumentar a oferta, da Q….., a turismo da 3ª idade, mas que não foi autorizado, pois depois de apresentado na Câmara Municipal do Funchal esbarrou no plano de ordenamento turístico. Afirmou que a partir dessa altura deixou de colaborar tecnicamente com a sociedade. Mais afirmou que acabaram por lotear e vender os lotes. Deu alguns pormenores técnicos do terreno, dizendo que era uma zona de média densidade e que não tencionavam construir blocos de apartamentos para não tirar a vista do hotel e o sossego da zona.

Importa, ainda referir que «no que concretamente diz respeito à produção de prova testemunhal, refira-se que se a decisão do julgador estiver devidamente fundamentada e for uma das soluções plausíveis, segundo as regras da lógica, da ciência e da experiência, ela será inatacável, visto ser proferida em obediência à lei que impõe o julgamento segundo a livre convicção (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 16/4/2013, proc.6280/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 7/5/2013, proc.6418/13; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/7/2013, proc.6505/13).»[3]

Aqui chegados, importa analisar os factos que a recorrente pretende que sejam aditados ao probatório.

No âmbito da vigência do actual CPC, a decisão sobre a matéria de facto deve estar expurgada de afirmações genéricas, conclusivas ou que comportem matéria de direito.

Sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas que definem o objecto da acção, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, o mesmo deve ser eliminado.

A supressão das expressões de cariz jurídico-conclusivo, não tem a virtualidade de afastar a valoração dos concretos factos que constem da matéria de facto provada, pois é com base em factos concretos que pode sustentar-se o juízo e não a partir de expressões conclusivas que representam conceitos/conclusões que não podem ser objecto de prova.[4]


Vejamos, agora, em concreto os factos que a recorrente pretende que sejam aditados ao probatório:

a. A Impugnante está colectada, segundo o Código de Classificação das Actividades Económicas, na actividade identificada com o CAE 55118- R3 - vide também a certidão permanente online de fls. 62;

Compulsada a referida certidão permantente o que dela consta é “CAE Principal: 55118-R3”.

Assim, ao abrigo do art. 662º do CPC, adita-se ao probatório, o seguinte facto:

29) A Impugnante está colectada, segundo o Código de Classificação das Actividades Económicas, na actividade identificada com o CAE Principal: 55118- R3 - vide também a certidão permanente online de fls. 62;

b. A sua única actividade efectiva e correntemente exercida pela Impugnante é a exploração da unidade hoteleira “Q…..”, localizada na Rua ….., Funchal;

Facto valorativo e conclusivo.

c. A expansão da actividade da Impugnante para além dos limites originais da Q….. foi desde sempre almejada e projectada;

Facto opinativo e conclusivo.

d. Nesse pendor, a Impugnante, no ano de 1995, na sequência da realização de estudos e projectos preliminares, adoptou a resolução gestionária de adquirir os referidos terrenos a sul;

Facto valorativo e conclusivo.

e. Em face da superveniente inexequibilidade do projecto justificativo da sua aquisição e das dificuldades económicas e financeiras que a Impugnante experimentava, a fim de obter as receitas necessárias à sua sobrevivência, manutenção da actividade e preservação do maior número possível de postos de trabalho, viu-se forçada a vender os lotes adquiridos em Novembro de 1995;

Facto opinativo e conclusivo.

f. Porém, a alienação desses terrenos foi preparada ainda de modo a efectivar e preservar as condições e a atractividade da existente Q….., designadamente a sua vista directa e sem confínamento sobre a cidade do Funchal e o recato e privacidade que proporciona aos seus hóspedes;

Facto opinativo e conclusivo.

g. O modo de impedir que nos terrenos sob referência fossem construídos edifícios habitacionais em altura que constituíssem um confínamento da vista da Q….. sobre a baía do Funchal, foi o seu loteamento com a expressa menção de que nos lotes resultantes da operação só podiam ser construídas moradias unifamiliares isoladas;

Facto valorativo e conclusivo.

h. Para tanto foram realinhadas e compatibilizadas com os novos dados da realidade as operações urbanísticas até então realizadas sobre os terrenos em causa.

Facto opinativo e conclusivo.

Os pontos b. a h. estão condenados ao insucesso, pois que, como é incontornável, tratam-se, em qualquer dos casos, de asserções conclusivas e/ou opinativas/valorativas que não se assumem como factos, no sentido de acontecimentos externos, internos ou psíquicos, tanto os reais, como os simplesmente hipotéticos.

Por outro lado, é a adjectivação utilizada sempre de forma opinativa ou valorativa que leva às asserções conclusivas.

Importa, ainda, dizer que algumas das asserções/conclusões foram inclusivamente retiradas pelo TAF ao longo da fundamentação adoptada, como o próprio recorrente reconhece quando alega que esses factos foram implicitamente assumidos e considerados pelo tribunal a quo.

Portanto, quanto a estes pontos, tal como indicados, não cabe também proceder a qualquer aditamento à matéria de facto.

Quanto ao facto instrumental[5], indicado pela recorrente como sendo decorrente da discussão da causa, do mesmo modo, é indicado de forma opinativa e conclusiva.

Por outro lado, o aditamento ao item 19 pretendido pela recorrente, no sentido de constar que a inspecção foi meramente interna é completamente irrelevante para a apreciação da questão da caducidade do direito à liquidação do imposto, como veremos mais adiante.

Termos em que improcede o presente fundamento de recurso.

- Da caducidade do direito à liquidação

Invoca a recorrente [conclusões de recurso 13. a 19.] que o tribunal a quo analisou e decidiu mal a questão da caducidade do direito à liquidação desde logo porque, como é óbvio, para a aplicação da norma da 1ª parte do n.° 2 do art. 45.° da Lei Geral Tributária deve atender-se apenas à identificação ou detecção do erro (supondo que ele existe) e não ao conjunto de operações e diligências levadas a cabo pelos serviços da administração fiscal para, posteriormente à identificação e detecção do erro, procederem à correspondente correcção através da competente liquidação adicional aqui impugnada; Ora no caso vertente decorre dos autos e é admitido pela Fazenda Pública que foi apenas a partir do que foi efectivamente preenchido na declaração pela impugnante que os serviços fiscais detectaram o (suposto) erro cuja correcção esteve na base da liquidação impugnada; Aliás, essa ilação encontra demonstração igualmente na exiguidade do processo administrativo, que comporta apenas a informação do inspector tributário; As diligências levadas a cabo posteriormente pela Administração Fiscal visaram apenas a correcção desse erro através da competente liquidação adicional aqui impugnada; Noutra óptica, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova no direito fiscal fixados pelo artigo 74.° da Lei Geral Tributária, recaía sobre a entidade demandada o ónus da alegação e prova circunstanciada de que o erro em causa não era detectável, por um técnico medianamente cuidadoso, sagaz e preparado, mediante simples leitura ou análise sumária da declaração, sendo certo e óbvio que a Administração fiscal não cumpriu esse ónus de alegação e prova; A situação vertente é portanto subsumivel ao “caso” de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo” e por isso é-lhe aplicável o prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, estabelecido no n.° 2 do artigo 45.° da LGT, ao invés do prazo-regra de 4 anos estabelecido no n.° 1 do mesmo preceito legal, o que encontra demonstração, além do mais, no facto do suposto erro ter sido detectado por análise interna e objecto de correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável. Em face da data da liquidação adicional impugnada e da respectiva notificação é portanto manifesta a consumação do prazo da invocada caducidade do direito à liquidação do imposto;

Mais uma vez não assiste razão à recorrente.

No seu entendimento, a situação vertente é portanto subsumivel ao “caso” de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo” e por isso é-lhe aplicável o prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, estabelecido no n.° 2 do artigo 45.° da LGT, ao invés do prazo-regra de 4 anos estabelecido no n.° 1 do mesmo preceito legal, o que encontra demonstração, além do mais, no facto do suposto erro ter sido detectado por análise interna e objecto de correcções meramente aritméticas efectuadas à matéria tributável.

Veja-se sobre esta matéria o que foi decidido no Acórdão do STA de 24/05/2016, Proc. 0991/15, disponível em www.dgsi.pt, onde se escreveu no seu Sumário:

«I - A aplicação do prazo de caducidade do direito à liquidação de 3 anos, estabelecido no n.º 2 do artigo 45.º da LGT, ao invés do prazo-regra de 4 anos estabelecido no n.º 1 do mesmo preceito legal, pressupõe a subsunção do caso dos autos ao “caso” de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”.

II - O critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza”, pois que “Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro”.»

Na esteira do Acórdão supra citado, o critério legal para a redução para três anos do prazo de caducidade não é o da desnecessidade de recurso a fiscalização externa, antes o de se tratar de “erro evidenciado na declaração do sujeito passivo”, o que pressupõe que se trate de erro “que é detectável mediante simples análise dessa declaração”, de erro “que a Administração tributária possa detectar por um mero exame da coerência dos seus elementos, sem recurso a qualquer outra documentação externa, mesmo quando esta esteja em poder da administração tributária, e obtida por inspecção interna ou externa ou por meios de qualquer outra natureza.

Ora, no presente caso, basta compulsar o Relatório de Inspecção para se concluir que a Administração Tributária teve de recorrer a documentação externa e que não se tratou de um “erro detectável mediante simples análise da declaração”. De facto, a fls. 5 do RIT consta que: «Através de diligências efectuadas junto da Câmara Municipal do Funchal verificou-se que o sujeito passivo procedeu ao loteamento (Alvará de loteamento de 10/10/2003) de uma parcela de terreno que havia adquirido no ano de 1995, do qual resultou os lotes (terrenos para construção) que vieram a ser alienados pelo sujeito passivo no exercício de 2007, e que o S.P. considerou o respectivo ganho das mais valia referidas.»

“Só quando o erro resultar exclusivamente do exame da declaração e seus anexos se justifica o previsto encurtamento do prazo de caducidade, porque o próprio contribuinte pôs de imediato à disposição da Administração Tributária os meios necessários a uma atempada detecção do erro” (ANTÓNIO LIMA GUERREIRO, Lei Geral Tributária Anotada, Rei dos Livros, s/ data - mas 2000, p. 214 – nota 2 ao artigo 45.º da LGT).

Assim sendo, bem andou a sentença recorrida quando concluiu que o prazo a ser considerado é o prazo de caducidade de quatro anos, previsto no artigo 45.º, n.º 1, da LGT, não tendo precludido o direito de a Administração Fiscal promover a liquidação do imposto.

Termos em que improcede na totalidade o presente fundamento de recurso.

- Dos vícios da sentença na parte relativa à falta de fundamento para a liquidação impugnada

Como bem invoca a recorrente, neste domínio há que ter presente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto orientada para a ampliação e consideração devida dos factos acima descritos.

Ora, acontece que a impugnação da matéria de facto improcedeu quase na sua totalidade. Pelo que as asserções que a mesma queria que fossem aditadas ao probatório, não o foram, com excepção do aditamento do nº 29 do probatório.

Neste capítulo que a recorrente apelida de “vícios da sentença” mais não é que a discordância da mesma quanto ao decidido. Na realidade, não são invocados nenhuns vícios da sentença mas sim discordâncias com a fundamentação da mesma.

Segundo julgamos perceber, temos invocado o erro de julgamento.

Não se alcança o que pretende a recorrente quando alega que os alvarás de licenciamento e de loteamento (conclusão de recurso nº 21) foram emitidos em nome da Sra. D. C….. e não pela impugnante Q…., sendo certo que a referida senhora era uma das sócias da impugnante.

Nunca o tribunal a quo pôs em causa que os terrenos tinham como propósito a expansão da actividade, tanto assim que apresentaram projecto com essa intenção, que não foi deferido.

Do mesmo modo, se aceita que as alterações ao loteamento foram requeridas pela impugnante na sequência do indeferimento do projecto de ampliação do empreendimento turístico.

O que não se compreende e aceita é que a intenção da sequente venda não tenha sido o lucro.

Na conclusão de recurso 23., a recorrente vem alegar que se a intenção fosse a obtenção do lucro, então a impugnante teria maximizado as possibilidades edificativas dos lotes resultantes do loteamento, designadamente prevendo para eles habitação colectiva e em altura e não, como efectivamente fez, moradias unifamiliares isoladas e teria vendido os terrenos em 1995 ou em data próxima e não em 2007 e apenas depois da falta de aprovação dos projectos para a ampliação da unidade hoteleira.

Com o devido respeito, tal alegação não é muito sustentável.

A impugnante não vendeu os terrenos em 1995, porque segundo se apurou na factualidade pretendia ampliar as suas instalações.

Obviamente, ao ter visto as suas expectativas defraudadas, depois do indeferimento do projecto de ampliação do empreendimento turístico decidiu vender e, como em qualquer actividade comercial, visou o lucro.

Não maximizou as possibilidades edificativas dos lotes resultantes do loteamento, designadamente, em habitação colectiva e em altura porque isso iria desvalorizar o seu hotel pois o mesmo ficaria sem vista sobre o Funchal, bem como acabaria com o sossego do local, que são duas das grandes mais valias do hotel.

Vem, ainda, a recorrente invocar (conclusões de recurso 25. e 26.) que apesar de constar do objecto social a “compra e venda de imóveis para revenda” o certo é que a Impugnante Q….. dedicava-se apenas à exploração hoteleira e não a esta actividade, como se viu na parte destas alegações relativas à impugnação da matéria de facto e está em consonância com o CAE 55118-R3, que corresponde apenas e só apartamentos turísticos com restaurante; De acordo com as regras contabilísticas, quer no domínio do Plano Oficial de Contabilidade quer no domínio do Sistema de Normalização Contabilística, a classificação dos elementos do activo deve atender ao seu destino ou aplicação determinante da respectiva aquisição.

Tendo em conta que a matéria de facto não foi alterada, com excepção do aditamento do nº 29, e que concordamos inteiramente com a sentença recorrida, quanto a esta matéria, transcreveremos excertos da mesma:

«Dos rendimentos obtidos pela Impugnante com a alienação dos imóveis

A Impugnante é uma sociedade por quotas que tem por objeto social “Investimentos imobiliários e turísticos; compra e venda de imóveis para revenda; gestão e comercialização de empreendimentos turísticos”, conforme se pode constatar através da informação constante da certidão permanente junta aos autos.

Ao abrigo do disposto no artigo 160.º do Código Civil, aplicável ex vi artigo 2.º do Código das Sociedades Comerciais (CSC), e no artigo 6.º do CSC, que dispõem sobre a capacidade de exercício das pessoas coletivas em geral e das sociedades em particular, respetivamente, “A capacidade das pessoas coletivas abrange todos os direitos e obrigações necessários ou convenientes à prossecução dos seus fins”, excetuando aqueles que sejam vedados por lei ou sejam inseparáveis da personalidade singular.

Dispõe o artigo 980.º do Código Civil que o “Contrato de sociedade é aquele em que duas ou mais pessoas se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício em comum de certa atividade económica, que não seja de mera fruição, a fim de repartirem os lucros resultantes dessa atividade”. Daqui resulta que, em conformidade com o Princípio da especialidade dos direitos e obrigações necessários à prossecução dos fins, ínsito ao disposto nos artigos 160.º do Código Civil e 6.º do CSC, a capacidade de exercício da Impugnante não pode consistir na mera fruição de bens, mas sim na obtenção de lucro.

Conforme disposto no artigo 2.º do Código Comercial “Serão considerados atos de comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio ato não resultar”.

Ao abrigo do disposto no artigo 463.º do Código Comercial, 4.º parágrafo, “São consideradas comerciais (…) as compras e revendas de bens imóveis ou de direitos a eles inerentes, quando aquelas, para estas, houverem sido feitas”, pelo que a venda será considerada um ato de comércio objetivo, quando para esse fim a sua compra haja sido destinada.

(…)

O conceito de comércio adotado pelo legislador fiscal não se identifica com o conceito jurídico-privado do Código Comercial.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem entendido que a atividade comercial consiste na “ação de mediação entre a oferta e a procura com suscetibilidade de gerar lucros, ganhos, rendimentos para quem nela se lança, suscetibilidade que pode não vir, no final, a concretizar-se e pode mesmo gerar perdas” (cfr. Acórdão n.º 0580/15, do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 24/02/2016, disponível em www.dgsi.pt).

Assim, desde que se verifique um “acréscimo de valor advindo para um património por virtude do exercício de uma atividade económica (mesmo que expressa em um só ato) traduzida em criação de uma utilidade económica, resultante de uma qualquer relação do agente/contribuinte com terceiro em que, satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele (mediação entre oferta e procura) haverá uma atividade comercial”.

(…)

Conforme disposto na alínea i) do artigo 2.º do Regime Jurídico de Urbanização e Edificação, entende-se por “«operação de loteamento», as ações que tenham por objeto ou por efeito a constituição de um ou mais lotes destinados, imediata ou subsequentemente, à edificação urbana e que resulte da divisão de um ou vários prédios ou do seu reparcelamento”.

Não encontra consagração nos alvarás de loteamento o propósito de a Impugnante prosseguir a atividade de turismo, naturalmente, todavia, a atribuir uma finalidade ao loteamento dos terrenos visados no “projeto de ampliação de empreendimento turístico”, num momento anterior ao indeferimento do pedido de licenciamento, será a constante do projeto, de onde se poderá concluir que a intencionalidade subjacente à aquisição dos referidos terrenos não terá sido a revenda com lucro, mas sim a de continuação do prosseguimento do seu escopo social, como meio de obtenção de receitas para financiamento do seu projeto turístico a neles implantar.

Uma vez que o licenciamento do referido projeto foi indeferido, os ganhos resultantes da alienação dos lotes, numa fase posterior à do indeferimento, terão visado o lucro? Haverá que considerar que os ganhos daí advindos integram a atividade comercial da Impugnante? Serão tais ganhos tributáveis em sede de IRC enquanto maisvalias ou rendimentos comerciais?

O conceito de comércio adotado pelo legislador fiscal, como se disse, é um “conceito próprio de natureza económica”, “dentro dele cabe toda a atividade (expressa mesmo que em um só ato) que tenha por fim objetivo um lucro” (Acórdão n.º 02290/08 do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 17/06/2008, disponível em www.dgsi.pt).

Todavia, o lucro apenas será de relevar economicamente quando o acréscimo de valor resulte da relação do agente com terceiro, em que satisfazendo-se necessidades económicas deste, saia aumentado o património daquele – “mediação entre a oferta e procura ou incorporação de novas utilidades com o objetivo de obtenção de lucros”.

Assim, havendo um incremento do património do sujeito passivo que não se materialize no escopo objetivo da relação com o terceiro, ficará de fora do conceito de comércio relevado pelo legislador fiscal.

(…)

Julga-se, pois, que foram incorporados nos respetivos terrenos, aptidões urbanísticas e construtivas, que correspondem à satisfação de necessidades económicas da compradora.

Do Acórdão n.º 02290/08, do Tribunal Central Administrativo Sul, datado de 17/06/2008 (embora a respeito de IRS), consta que “(…) sabido que um terreno com um pedido de licenciamento para loteamento já deferido tem, necessariamente, um valor superior do que teria se ainda o não tivesse, valorizando assim ou visando tal fim (…)”, por atividade do Impugnante, o património do comprador, essa valorização “não pode considerar-se assim, ocasional ou fruto do acaso ou da sorte, ainda que o ora recorrido não se dedique a essa atividade, normal e habitualmente, ou seja a título profissional”.

(…)

Assim, o processo de loteamento que levou a cabo a Impugnante, traduz, ainda que ocasionalmente, o exercício de uma atividade objetivamente comercial, com o fito de obter lucro, enquadrando-se no conceito de rendimento comercial, para efeitos fiscais.

Atente-se que a venda dos lotes não pode deixar de se subsumir no escopo social da Impugnante, de “compra e venda de imóveis para revenda”, muito embora não haja sido ad initio, a finalidade preconizada para os referidos lotes, pelo que os correspondentes ganhos obtidos não poderiam deixar de ser enquadrados no âmbito da sua atividade comercial e, como tal, no âmbito do disposto nos artigos 3.º, n.º 1, e 17.º, do CIRC, sendo sujeitos a IRC.

Conforme constitui entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul (Acórdão n.º 04225/10, datado de 07/04/2011), “A intenção de revenda que preside à venda mercantil, não constitui elemento que tenha de existir desde a respetiva aquisição, bem podendo surgir em momento posterior, e antes da mesma ocorrer”, sendo que “Também o fim a que o revendedor destina os proventos obtidos (se ao prosseguimento da sua atividade normal ou se a serem distribuídos como dividendos), não constitui elemento relevante para qualificar a venda de comercial e sujeita a tributação em sede de IRC”.

A Impugnante adquiriu os terrenos, obteve o deferimento dos pedidos de loteamento dos mesmos e alienou os referidos terrenos.

Os ganhos obtidos com a venda dos imóveis constituem lucro da Impugnante, integrando-se na sua atividade comercial de “compra e venda de imóveis para revenda”, muito embora a intenção de revenda haja surgido em momento posterior à aquisição dos terrenos.

Dispõe o artigo 43.º do CIRC que “Consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas relativamente a elementos do ativo imobilizado mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere, e, bem assim, os derivados de sinistros ou os resultantes da afetação permanente daqueles elementos a fins alheios à atividade exercida.”

Num momento anterior à alienação dos lotes, mas posterior ao indeferimento do “projeto de ampliação de empreendimento turístico”, os lotes, ainda que pudessem estar inscritos no ativo imobilizado da Impugnante, já não se destinavam a tal fim de reserva da empresa. O que constituía imobilizado foi transformado em mercadoria destinada a venda, passando a ser objeto de ato comercial gerador de lucros.

A Impugnante adquiriu os terrenos, tendo projetado o seu loteamento para expansão da sua atividade. Frustrado o seu projeto, decidiu vender os lotes. Assim, a Impugnante transformou o terreno, destinando-o à formação de lotes para venda, com intuitos lucrativos. Se o lucro seria destinado a fazer face a prejuízos anteriormente obtidos, tal já não releva nesta sede e nem sequer foi demonstrado. A Impugnante atuou de modo a potenciar as utilidades e valências dos bens transacionados.

Em obediência ao Princípio do Realismo Económico que preside ao direito tributário, previsto no artigo 11.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária, deve atender-se à substância económica. No caso concreto, os lotes destinavam-se a ser alienados, com o intuito de obtenção de lucro, como é típico das sociedades comerciais, independentemente do fim direto a que o mesmo fosse destinado, o qual já não faz parte dos requisitos de venda mercantil, pelo que os ganhos haveriam de ser tributados em sede de IRC como rendimentos comerciais, não como mais-valias, já que tais ganhos não poderiam considerar-se como inesperados, fortuitos ou acidentais.

Os ganhos advindos da alienação dos lotes resultaram da atividade da Impugnante, da transformação dos terrenos em frações autónomas com vista à venda, atribuindo- lhe um cariz mercantil.

Conforme disposto no Acórdão referido supra, parafraseando a jurisprudência preconizada pelo Supremo Tribunal Administrativo, “a retirada do bem do ativo imobilizado (formal ou substancialmente), como reserva, implica que o mesmo passe a fazer parte do seu ativo permutável e enquadrado no seu objeto social, como era o caso, de se enquadrar no âmbito do exercício da sua atividade de natureza comercial, pelo que tais proventos não podem deixar de constituir o lucro da mesma e tributável em IRC”.

Assim, não terá aqui aplicação o disposto no artigo 100.º, n.º 1, do CPPT, que dispõe que “Sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o ato impugnado ser anulado”, uma vez que dúvidas não há sobre o enquadramento dos lucros obtidos com a alienação nos rendimentos obtidos no exercício da sua atividade comercial de venda de imóveis e como tal subsumíveis no conceito de lucros, sujeitos a tributação em IRC, que não em mais-valias.

Não se olvida que que a existência de loteamento e alienação pode não implicar, por si só, como consequência automática e inexorável, a verificação de um escopo lucrativo. Terá de haver um acréscimo de valor advindo para um património, por virtude do exercício de um atividade económica, o que no caso sub judice sucedeu, independentemente das razões que lhe deram azo.

Assim, procedeu bem a Administração tributária quando corrigiu os valores inscritos na declaração de IRC relativa ao ano de 2007, pois que não se pode afirmar que, no caso, estejamos perante um aumento inesperado do valor dos ativos patrimoniais. Ao invés, o ganho foi deliberadamente procurado no negócio de compra e venda, havendo intuito de rentabilização, de obtenção de lucro.»

Concorda-se inteiramente com os fundamentos da sentença recorrida acabados de transcrever, que fazemos nossos, por ser um acto inútil reproduzir, de novo, o que já foi escrito.

Importa, ainda, apreciar a alegação do objecto social da impugnante de “compra e venda de imóveis para revenda”, em que a recorrente alega que só se dedicava à exploração hoteleira e não a esta actividade, como se viu na impugnação da matéria de facto e está em consonância com o CAE 55118-R3, que corresponde apenas e só a apartamentos turísticos com restaurante.

Conforme se aditou ao probatório, o CAE Principal da impugnante é 55118-R3, desconhecendo-se se tem CAE secundários. Sobre o CAE Principal pode dizer-se que respeita apenas à actividade que representa a maior importância no conjunto das actividades, mas pode haver outras, as chamadas secundárias.

De qualquer modo, o código CAE é atribuído em função da atividade (objecto social) que a pessoa coletiva em causa se propõe prosseguir.

Ora, constando do objecto social da impugnante “compra e venda de imóveis para revenda” terá de ser o CAE que tem de corresponder a esse objecto social, e não o contrário.

Por outro lado, o CAE não é algo imutável podendo ser alterado ou rectificado, relevando sempre o que consta no objecto social. O objecto social é decisivo.

Pelo que improcede a presente alegação.

Alega, ainda a impugnante [conclusões de recurso 32. e 33.] que é destituída de todo e qualquer fundamento a decisão da AT e do Tribunal a quo que considerou indevido ou incorrecto o tratamento fiscal que a impugnante efectuou no atinente a esta espécie de proveitos. Por isso, ao contrário do decidido pelo tribunal a quo, a correcção da matéria tributável declarada pela impugnante concretizada pela liquidação de IRC impugnada padece de errónea qualificação dos factos tributários ou rendimentos que lhe estão subjacentes.

Sobre esta matéria, já supra nos pronunciámos quando aderimos, sem reservas, ao decidido pelo Tribunal a quo, pelo que apenas acrescentamos que não não assiste razão à recorrente quando invoca que a liquidação de IRC impugnada padece de errónea qualificação dos factos tributários, e que bem procedeu a AT quando corrigiu os valores inscritos na declaração de IRC/2007 pois não estamos perante um aumento inesperado do valor dos activos patrimoniais, mas sim, de um ganho deliberadamente procurado no negócio de compra e venda, com intuito de obtenção de lucro.

Pelo que improcede a presente fundamentação.

Por fim, alega a recorrente que a AT nunca invocou que a impugnante na prática dos actos e negócios jurídicos sob referência agiu com o propósito principal de obter a redução ou eliminação dos impostos.

Nesta alegação a recorrente remete, genericamente, para o art. 38º da LGT e para os princípios e regras que definem o ónus da prova no direito fiscal, mas sem, contudo, concretizar, quer os números da norma que indica, quer quais são os princípios e regras que invoca.

Termos em que improcede a presente alegação.

Em conclusão, a sentença não padece do erro de julgamento que lhe vem imputado.

Termos em que improcede na totalidade o presente recurso.


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III – DECISÃO

Termos em que, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo Sul, em negar provimento ao recurso, e em consequência, manter a sentença recorrida.

Custas pela recorrente.

Registe e notifique.

                                                             Lisboa, 4 de Junho de 2020


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                   [Lurdes Toscano]

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                 [Maria Cardoso]

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               [Catarina Almeida e Sousa]


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[1] Neste sentido, entre muitos outros, os Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Outubro de 2008, proferido no processo n.º 7P4822, da Relação de Lisboa de 22 de Abril de 2009, proferido no processo n.º 2912/06.9TALRA.C1 e desse Tribunal Central Administrativo Sul, de 12 de Junho de 2014, proferido no processo n.º 6485/12. Todos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt
[2] Acórdão do TCAS de 10/07/2015, Proc. 08473/15, disponível em www.dgsi.pt
[3] Acórdão do TCAS de 25/06/2019, Proc. 2459/14.0BESNT, disponível em www.dgsi.pt
[4] Acórdão TRE de 28/06/2018, Proc. 170/16.6T8MMN.E1, disponível em www.dgsi.pt
[5] São factos instrumentais aqueles que, sem fazerem directamente a prova dos factos principais, servem indirectamente para prová-los, pela convicção que criam da sua ocorrência.