Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:02912/09
Secção:CT - 2.º JUÍZO
Data do Acordão:03/27/2014
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:JUNÇÃO DE DOCUMENTOS AO PROCESSO EM FASE DE RECURSO.
ACTO TRIBUTÁRIO E FACTO TRIBUTÁRIO. NOÇÃO.
CONCEITO DE RENDIMENTO TRIBUTÁRIO EM SEDE DE C.I.R.S. (CONCEPÇÃO DE RENDIMENTO-ACRÉSCIMO).
NOÇÃO DE MAIS-VALIA (CFR.ARTº.10, DO C.I.R.S.).
ARTº.10, Nº.1, AL.A), DO C.I.R.S.
MAIS-VALIAS REALIZADAS COM A ALIENAÇÃO ONEROSA DE BENS IMÓVEIS.
ARTº.5, DO DEC.LEI 442-A/88, DE 30/11 (NORMA DE DIREITO TRANSITÓRIO).
Sumário:1. Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
a-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
b-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
c-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
d-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil);
e-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
2. A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal.
3. No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.al.d) supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.651, nº.1, do C. P. Civil, significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis manifestamente cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes de a decisão da 1ª. Instância ser proferida.
4. O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos. Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada.
5. Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva.
6. A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.).
7. O artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação da incidência. O preceito consagra um facto gerador de imposto (norma de incidência tributária) relativo às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis que tenha sido originada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, visto que só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial, portanto, um rendimento inserido na categoria B (cfr.artº.3, do C.I.R.S.). O normativo em exame tem, portanto, subjacente a ideia de que o proveito a considerar mais-valia será um ganho inesperado ou imprevisto. Por outro lado, quanto ao momento em que o imposto é exigível, vector que é essencial para imputar a mais-valia tributável a um determinado ano fiscal, rege o artº.10, nº.3, do C.I.R.S. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento da prática do acto que "realiza" a mais-valia.
8. O artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, exclui da tributação as mais-valias realizadas que não estavam sujeitas ao imposto de mais-valias que vigorava anteriormente à Reforma Fiscal de 1988 (Dec.Lei 46673, de 9/6/1965), quando tais activos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor do C.I.R.S., portanto 1/1/1989 (cfr.artº.2, do dec.lei 442-A/88, de 30/11). Ou seja, continuam não sujeitos a tributação em mais-valias os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1/1/1989, exceptuados os terrenos para construção, cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do C.I.R.S.


O relator

Joaquim Condesso
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:
ACÓRDÃO
X
RELATÓRIO
X
... E ... , com os demais sinais dos autos, deduziram recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pela Mmª. Juíza do T.A.F. de Almada, exarada a fls.212 a 217 do presente processo, através da qual julgou totalmente improcedente a impugnação intentada pelos recorrentes, visando uma liquidação de I.R.S. e juros compensatórios, relativa ao ano de 2002 e no montante total de € 166.658,91.
X
Os recorrentes terminam as alegações (cfr.fls.243 a 273 dos autos) do recurso formulando as seguintes Conclusões:
1-Entendeu o Tribunal a quo “que não se mostra provado que o terreno adquirido em 1987 sito em ... seja o mesmo sito em ... cuja transmissão foi objecto de tributação de mais valias" (sic);
2-O Tribunal recorrido reconhece, tendo em conta a prova testemunhal e documental junta aos autos, que "há um terreno que foi adquirido em 1987" sito em ... ;
3-O que o Tribunal não conseguiu apurar é que esse terreno, mais uma vez, frise-se adquirido em 1987, seja o mesmo que foi objecto de escritura pública outorgada em 19/1/1989 e sobre o qual incidiu a tributação em mais valias;
4-Tal dúvida, suscitada em fase de sentença, nunca foi suscitada durante os vários actos inspectivos;
5-Aquando do requerimento apresentado pelos ora recorrentes em 8/9/2006, foi alegada a existência de um documento de venda e bem assim recibo da quitação relativo a um imóvel sito em ... ;
6-O projecto de correcção do relatório de inspecção datado de 13/11/2006 que lhe seguiu, não colocou em crise que o documento de venda junto datado de 28/12/1987, e que o recibo junto sob o doc. nº.2, se referia ao mesmo imóvel constante de escritura pública de compra e venda datada de 19/1/1989;
7-A Administração Fiscal no Projecto de Correcção e Relatório de Inspecção, não colocou em crise que o imóvel a que aludiam os documentos juntos pelos sujeitos passivos, ora recorrentes, fosse o mesmo da escritura de compra e venda exarada em 19/1/1989;
8-Idêntica conclusão se poderá tirar do relatório/conclusão datada de 5/12/2006 que transcreve, literalmente, os trechos supra identificados;
9-Também da contestação apresentada em 18 de Setembro de 2007 pela Fazenda Púbica não se conclui pela existência de qualquer dúvida relativa à identidade dos imóveis - o descrito na declaração datada de 28/12/1987 e que se encontra junta aos autos e o descrito na escritura pública datada de 19/1/1989;
10-Efectivamente, nunca foi suscitada qualquer dúvida relativa aos imóveis em causa, mas sim relativamente à data de aquisição do mesmo e a sua natureza, o que infra se analisará;
11-Em sede de audiência de julgamento também a questão não se levantou nem a instâncias do representante da Fazenda Pública, nem a instância do próprio Tribunal, conforme se pode comprovar pela audição da cassete com a reprodução do julgamento;
12-Tendo sido com manifesta surpresa que a douta sentença em crise, ao arrepio do sobejamente explanado nos vários relatórios de Administração Fiscal, refere que não se mostra provado que o terreno adquirido em 1987 sito em ... , seja o mesmo do sito em ... ;
13-Em primeiro lugar, refere o Tribunal que os imóveis não têm as mesmas confrontações, em segundo, que o valor declarado na declaração emitida em 28/12/1987 refere o preço de 3.000.000$00 e o terreno rústico sito em ... foi escriturado por 1.450.000$00, não havendo identidade de preços;
14-Ora, pese embora as confrontações constantes da declaração exarada em 28/12/1987 não sejam, exactamente, as mesmas das que constam da escritura, tal facto, não poderá levar à conclusão sem mais que o imóvel não seja o mesmo;
15-Aliás, se atentarmos nos depoimentos das testemunhas, dúvidas não restam, que o imóvel a que se refere a declaração de 28/12/1987 é o mesmo do imóvel escriturado em 19/1/1989;
16-Efectivamente, o imóvel em causa foi denominado na declaração emitida em 28/12/1987 como ... , sendo que o imóvel descrito na escritura pública denomina-se ... ;
17-Pese embora existirem denominações diferentes, o imóvel é o mesmo, situando-se em Esteval ou também denominado ... ;
18-As duas designações eram utilizadas para caracterizar a zona onde o imóvel se encontrava, ou ... ou ... - cfr. doc.1 que se junta para todos os legais efeitos e que se refere ao cartão de criador do recorrente relativo à exploração suinícola onde se refere que o imóvel situa-se no concelho e freguesia do Montijo e no lugar Esteval -... ;
19-Junta-se ainda o doc. nº.2 para prova de que o prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artº.49 secção "O" da freguesia do Montijo se situa em ... também denominado por ... em Montijo;
20-Junta-se ainda para prova do alegado certidão emitida pelo Serviço de Finanças do Montijo onde se refere que à data de 1989 o sujeito passivo não tinha inscrito nenhum bem imóvel sito em ... ou ... ;
21-Relativamente à diferença de confrontações, refira-se, que o documento/declaração trata-se de um documento não formal, elaborado entre as partes pelo que as confrontações foram descritas atendendo ao conhecimento das partes dos proprietários confinantes e não tendo em conta o que consta na certidão predial;
22-Acresce que muitas vezes as confrontações constantes da ficha na Conservatória do Registo Predial não estão correctas e actualizadas, pelo que não se pode concluir sem mais, como o fez o Tribunal recorrido, que pelo facto das confrontações constantes da ficha na Conservatória do Registo Predial e as descrições constantes do documento/declaração não serem exactamente iguais que o prédio não é o mesmo;
23-Aliás, se verificarmos o depoimento das testemunhas, facilmente, se conclui que o imóvel vendido pela declaração e que o sujeito passivo destinava a agricultura e gado (cfr.ponto 14 da matéria assente pelo Tribunal) é o mesmo do vendido à ... , Lda.;
24-Estando provado que o imóvel alienado pelo documento datado de 28/12/1987 é o mesmo do constante da escritura pública datada de 19/1/1989, provado estará que o mesmo foi adquirido em 1987, como aliás assim o considerou o Tribunal recorrido;
25-Na verdade, ao considerar o Tribunal recorrido que o terreno em ... foi adquirido em 1987, e considerando-se provado que o terreno sito em ... é o mesmo do sito em ... , teremos que, forçosamente, concluir que o prédio escriturado em 1989 foi adquirido em 1987;
26-Na verdade, dúvidas não podem haver que os sujeitos só eram titulares de um único prédio que era o sito no ... , ou Salgueiro;
27-Admitindo que o terreno é o mesmo, dúvidas não restam que a sua aquisição foi anterior a entrada em vigor do DL 442-A/88, de 30 de Novembro;
28-A jurisprudência recente, bem como no âmbito de informações vinculativas prestadas pela Administração Fiscal, tem-se entendido que se considera haver transmissão desde que haja promessa de compra e venda e, desde que, verificada a tradição da coisa;
29-Efectivamente, para se considerar haver transmissão é necessário haver um contrato, independentemente, de forma, e por outro lado, tem de haver a "traditio" da mesma;
30-No caso "sub iudice", verifica-se a existência dos dois requisitos, razão pela qual o Tribunal recorrido entendeu que o imóvel sito em ... tinha sido adquirido em 1987;
31-Assim quanto ao requisito temporal, verificamos que o imóvel foi adquirido pelos sujeitos passivos antes da entrada em vigor do decreto lei 442-A/88;
32-Nos termos do nº.1 do artº.5 do DL 442-A/88, encontra-se excluído de tributação em sede de IRS, relativamente à realização de mais valias para alienação do imóvel, em causa, uma vez que o anterior regime não o tributava em mais valias;
33-Outra questão que foi colocada pela Administração Fiscal e que nem sequer foi apreciada pelo Tribunal recorrido, porquanto, o mesmo liminarmente, entendeu que o terreno adquirido em 1987/1988 não era o mesmo que foi vendido em 2002, prende-se com de o terreno à data de aquisição e de alienação ser rústico mas ter havido uma operação de loteamento relativa ao prédio alienado e que foi aprovado;
34-Pelo que, no entender da Administração Fiscal as partes sabiam na data da escritura de alienação que o terreno se destinava a construção;
35-A construção jurídica é absurda e aliás quer na jurisprudência recente, quer nas informações vinculativas de administração fiscal, se tem entendido que são terrenos para construção os situados em zonas urbanizáveis ou compreendidos em planos de urbanização já aprovados e os assim declarados no título aquisitivo;
36-Face ao exposto, ter-se-á de concluir, também, que o imóvel adquirido pelos recorrentes e posteriormente alienado era um prédio rústico e não um terreno para construção;
37-Tendo-se logrado provar que o único imóvel propriedade dos recorrentes, sito em ... , ... foi adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, que antes de 1/1/1989, e sendo certo que as mais valias resultantes da alienação dos prédios rústicos estavam isentas de tributação nos termos do DL 46373, certo, é que no caso "sub iudice" não estão os recorrentes sujeitos a tributação de mais valias;
38-Refira-se mais uma vez que no prédio sito em ... ou ... era um prédio rústico, aliás, sendo no mesmo exercida a actividade agrícola, como aliás ficou provado (ponto 13 e 14 da matéria de facto provada constante da douta sentença em crise), sendo que a natureza do bem deve-se aferir à data da entrada em vigor do CIRS;
39-Atendendo a que ficou provado que:
- Em 1987/1988 a propriedade ... destinava-se a agricultura e gado (ponto 13 da matéria de facto);
- O recorrente após a aquisição vedou o terreno que se destinava a agricultura para criar gado (ponto 14 da matéria de facto)
- Que o imóvel em causa foi adquirido antes da entrada em vigor da CIRS;
- E que o prédio no regime anterior estava isento de tributação de mais valias;
- E Tendo em conta que o CIRS entrou em vigor em 1.1.1989, temos de concluir que à data de entrada do mesmo o prédio, em causa, refira-se o prédio, pois é de um único prédio que se está a falar, seja ele denominado ... ou Salgueiro, era um prédio rústico e como tal não sujeito a tributação em sede de mais valias;
40-Termos em que nos melhores de direito deverá o presente recurso ser considerado procedente por provado revogando-se a douta decisão recorrida e assim se fazendo Justiça.
X
Não foram produzidas contra-alegações.
X
O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no sentido do provimento do presente recurso (cfr.fls.293 e 294 dos autos).
X
Corridos os vistos legais (cfr.fls.295 do processo), vêm os autos à conferência para decisão.
X
FUNDAMENTAÇÃO
X
DE FACTO
X
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.213 a 216 dos autos):
1-Com data de 28 de Dezembro de 1987 foi emitida por ... uma declaração particular na qual menciona que vendeu a ... uma propriedade rural situada no ... , em Montijo pelo preço de 3.000.000$00, tendo recebido como sinal a importância de 374.000$00 sendo o restante pago no acto da escritura (cfr.teor do documento junto a fls.83 dos presentes autos);
2-Na declaração referida no ponto anterior consta expressamente o seguinte: "(...) uma propriedade rural situada no ... em Montijo e que confronta com ... , com ... e um outro a sul. (...)" (cfr. teor do documento junto a fls.83 dos presentes autos);
3-Em 28 de Dezembro de 1987 ... emitiu o recibo no qual declara ter recebido de ... o montante de 374.000$00 (cfr.documento junto a fls.84 dos presentes autos);
4-Em 8/06/1988 foi lavrado no Serviço de Finanças do Montijo o termo de declaração para efeitos de liquidação de sisa apresentado por ... na qual declara que vai comprar pelo preço de 1.450.000$00 a ... , o prédio rústico sito no ... , freguesia e concelho do Montijo inscrito na matriz sob o artigo 49, da Secção "O", e o prédio urbano de rés-do-chão, sito em ... , freguesia e concelho do Montijo, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3300 (cfr. documento junto a fls.86 dos presentes autos);
5-Em 19/01/1989 foi outorgada no Cartório Notarial do Montijo a escritura de compra e venda entre ... na qualidade de vendedor e ... na qualidade de comprador tendo por objecto o prédio misto no sítio do ... , freguesia e concelho de Montijo, descrito na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o nº.10 a fls.6 do livro B-1 e inscrito na respectiva matriz cadastral sob o artº.49 secção O e na matriz predial urbana sob o artigo 3300, pelo preço de 1.450.000$00 (cfr.cópia de escritura junta a fls.87 a 90 dos presentes autos);
6-O prédio rústico sito em ... encontra-se registado na Conservatória do Registo Predial de Montijo sob o nº.10 a fls. 6 do Livro B-1 com a descrição de "prédio rústico - Sito em ... , 15.040m2 de horta, árvores de fruto, oliveiras, vinha e cultura arvense" - com as seguintes confrontações: norte, ... com Caminho que o separa do mesmo e Caminho que o separa de ... ; sul, ... ; nascente, Caminho que o separa de ... e poente, ... e ... (cfr. certidão de teor junta a fls.202 e 203 dos presentes autos);
7-Em 11/12/2002 foi outorgada no Cartório Notarial do Alandroal a escritura de compra e venda entre ... e mulher, na qualidade de vendedores e ... em representação da sociedade "... - Compra e Venda de Imóveis, L.da.", na qualidade de compradora, pelo preço de € 750.000,00 do prédio rústico denominado ... , sito na freguesia do Montijo, concelho do Montijo, inscrito sob o artigo 49, secção O e descrito na Conservatória do Registo Predial do Montijo sob o n° 10 a fls. 6 do livro B-1, mais constando da referida escritura que "O prédio transmitido não confina com qualquer outro dos vendedores nem o mesmo integra qualquer exploração agrícola economicamente viável." (cfr.cópia de escritura junta a fls.91 a 94 dos presentes autos);
8-Em 20/07/2003 foi requerido pela sociedade "... - Compra e Venda de Imóveis, L.da.", à Câmara Municipal do Montijo o licenciamento da operação de loteamento do terreno sito em ... , no Montijo (cfr.documento junto a fls.29 do processo instrutor apenso);
9-Os ora impugnantes foram objecto de uma acção de inspecção visando a análise da situação tributária de I.R.S. no ano de 2002, de que resultou o apuramento de uma mais-valia sujeita a tributação no montante de € 368.129,06 (cfr.teor do relatório de inspecção junto a fls.40 a 48 do processo instrutor apenso);
10-Os serviços de inspecção consideraram que o prédio inscrito na matriz rústica sob o artigo 49, secção O foi alienado pelos ora impugnantes em 11/12/2002 à sociedade "... - Compra e Venda de Imóveis, L.da.", pelo preço de € 750.000,00 através de escritura pública realizada no Cartório Notarial do Alandroal e que o referido prédio havia sido adquirido pelos impugnantes em 19/01/1989 pelo valor de € 7.232,57 por escritura de compra e venda realizada no Cartório Notarial do Montijo. Mais consideraram que os documentos apresentados pelos impugnantes não demonstravam clara e inequivocamente a posse do imóvel na data invocada de 08/09/1988 e concluíram que "tendo em conta o princípio da verdade material, que deve estar subjacente a qualquer transmissão, o prédio alienado (artigo 49 da secção O) é na verdade um terreno para construção, pelo que, ainda que por mera hipótese se considerasse a aquisição antes de 1/01/1989, não aproveitaria a exclusão de tributação prevista no artigo 5° do D.L n° 442-A/88 de 30 de Novembro, porque a transmissão de terrenos para construção era tributada pelo anterior Código das Mais-Valias aprovado pelo Decreto-Lei n° 46373 de 9 de Junho de 1965" (cfr.teor do relatório de inspecção junto a fls.40 a 48 do processo instrutor apenso);
11-Em 7/12/2006 foi efectuada a liquidação nº.5004589109 referente ao IRS do ano de 2002 de que resultou o valor de imposto a pagar de € 164.651,93 e, após acerto de contas, resultou o montante a pagar de € 166.658,91 sendo a data limite de pagamento 2007/01/22 (cfr.documentos juntos a fls.71 e 72 dos presentes autos);
12-Em 29/03/2007 foi apresentada (via fax) a petição de impugnação de fls.2 a 20 dos presentes autos (cfr.data de envio de fax constante de fls.2 dos presentes autos);
13-Em 1987/1988 a propriedade em ... destinava-se a agricultura e gado (cfr.depoimentos das 1a e 3a testemunhas);
14-O sr.... após ter comprado o terreno ao sr.... vedou o terreno, que se destinava a agricultura e para criar gado (cfr.depoimento da 2a testemunha).
X
A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: “…Não se mostra provado que o terreno adquirido em 1987 sito em ... seja o mesmo sito em ... cuja transmissão foi objecto de tributação de mais-valias.
Dos elementos documentais verifica-se que os terrenos não têm as mesmas confrontações, que o valor de aquisição é divergente dado que na declaração emitida em 28 de Dezembro de 1987 referente a uma propriedade rural situada no ... em Montijo é mencionado o preço de 3.000.000$00, e, quer do termo de declarações para efeitos de liquidação de sisa quer da própria escritura de compra e venda de 1989 referente ao terreno rústico sito em ... é mencionado o preço de 1.450.000$00.
Não se mostra provado que o terreno rústico sito em ... tenha sido adquirido pelos impugnantes em data anterior a 19/01/1989…”.
X
Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: “…A convicção do tribunal formou-se com base no teor dos documentos juntos ao processo bem como dos depoimentos das testemunhas (melhor identificadas na acta de inquirição de testemunhas de fls.139/141), acima expressamente referidos em cada um dos pontos do probatório…”.
X
Levando em consideração que a decisão da matéria de facto em 1ª. Instância se baseou em prova documental constante dos presentes autos e apensos, este Tribunal julga provada a seguinte matéria de facto que se reputa, igualmente, relevante para a decisão e aditando-se, por isso, ao probatório nos termos do artº.662, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6 (“ex vi” do artº.281, do C.P.P.Tributário):
15-O prédio misto identificado no nº.5 do probatório supra, situa-se em ... , também denominado por ... , na freguesia do Montijo (cfr.documentos juntos a fls.276 e 277 dos presentes autos);
16-Em 31/12/1989, figurava como titular do prédio misto identificado no nº.5 do probatório, para efeitos tributários, o recorrente ... (cfr. requerimento e cópia de certidão emitida pelo Serviço de Finanças do Montijo juntos a fls.278 e 279 dos presentes autos).
X
Alicerçou-se a convicção do Tribunal, no que diz respeito à matéria de facto aditada, no teor dos documentos referidos em cada um dos números do probatório.
X
ENQUADRAMENTO JURÍDICO
X
Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida considerou, em síntese, julgar totalmente improcedente a presente impugnação e, consequentemente, manter o acto tributário objecto do processo (cfr.nº.11 do probatório).
X
Antes de mais, se dirá que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal “ad quem”, ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, redacção da Lei 41/2013, de 26/6; artº.282, do C.P.P. Tributário).
Com as alegações de recurso, os recorrentes juntaram aos presentes autos quatro documentos (cfr.fls.275 a 279 do processo) através dos quais, segundo alegam, visam fazer prova, nomeadamente, de que o prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artº.49 secção "O" da freguesia do Montijo se situa em ... , local também denominado por ... , na freguesia do Montijo (cfr.conclusões 18 e 19 do recurso).
Assim, a primeira questão que se impõe decidir, de natureza adjectiva, consiste em saber da possibilidade legal de tal junção e da manutenção dos referidos documentos nos autos.
Vigora no direito português o modelo de apelação restrita, de acordo com o qual o recurso não visa o reexame, sem limites, da causa julgada em 1ª. Instância, mas tão- somente a reapreciação da decisão proferida dentro dos mesmos condicionalismos em que se encontrava o Tribunal “a quo” no momento em que proferiu a sentença. Como resulta de uma jurisprudência uniforme e reiterada, os recursos são meios processuais de impugnação de anteriores decisões judiciais e não ocasião para julgar questões novas. Em princípio, não pode alegar-se matéria nova nos Tribunais Superiores, em fase de recurso, não obstante o Tribunal “ad quem” tenha o dever de apreciar as questões de conhecimento oficioso. Daí que, não devam ser juntos documentos novos na fase de recurso. A lei, porém, prevê excepções que passamos a analisar.
Dispõe o artº.523, do C.P.Civil (cfr.artº.423, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), que os documentos, como meios de prova, da acção ou da defesa, devem ser apresentados com o articulado em que se invoquem os factos que se destinem a demonstrar. Não sendo apresentados com o respectivo articulado, ainda e por livre iniciativa das partes litigantes, enquanto apresentantes, podem ser juntos ao processo até ao encerramento da discussão em 1ª Instância (actualmente até vinte dias antes da realização da audiência final - cfr.artº.423, nº.2, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), embora com a condenação do apresentante em multa, salvo demonstração de que os não pôde oferecer com o articulado próprio.
Em fase de recurso, a lei processual civil (cfr.artºs.524 e 693-B, do C.P.Civil; artºs.425 e 651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), somente possibilita a junção de documentos ao processo, sempre e só com as alegações (ou contra-alegações) e não em momentos posteriores, quando ocorra alguma das seguintes circunstâncias:
1-Quando não tenha sido possível a respectiva apresentação em momento anterior (artº.524, nº.1, do C.P.Civil);
2-Quando se destinem à demonstração de factos posteriores aos articulados (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
3-Quando a respectiva apresentação se tenha tornado necessária em resultado de ocorrência posterior ao encerramento da discussão em 1ª Instância (artº.524, nº.2, do C.P.Civil);
4-Quando a junção de documentos se torne necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª Instância (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil);
5-Nos casos previstos no artº.691, nº.2, als.a) a g) e i) a n), do C. P. Civil (cfr.artº.693-B, do C.P.Civil).
A verificação das circunstâncias que se acabam de elencar tem como pressuposto necessário que os factos documentados sejam relevantes/pertinentes à decisão a proferir, o que decorre, desde logo, directamente da circunstância dos documentos cuja junção se pretende deverem ter por desiderato a prova dos fundamentos da acção e/ou da defesa (citado artº.523, do C.P.Civil) e, indirectamente e como consequência do que se vem de referir, do facto de o juiz se encontrar vinculado a mandar retirar do processo os que sejam impertinentes ou desnecessários, por força do estipulado no artº.543, do mesmo compêndio legal (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 23/3/2011, proc.4593/11; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; José Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, C.P.Civil anotado, Volume 3º., Tomo I, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 2008, pág.96 e seg.; António Santos Abrantes Geraldes, Recurso em Processo Civil, Novo Regime, 2ª. Edição Revista e Actualizada, Setembro de 2008, Almedina, pág.227 e seg.).
No que diz respeito à hipótese de junção de documentos quando esta se torne necessária em virtude do julgamento efectuado em 1ª Instância (cfr.nº.4 supra), o advérbio “apenas”, usado no artº.693-B, do C. P. Civil (cfr.artº.651, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6), significa que a junção só é possível se a necessidade do documento era imprevisível antes de proferida a decisão na 1ª Instância, isto é, se a decisão da 1ª Instância criar, pela primeira vez, a necessidade de junção de determinado documento. A lei quis, manifestamente, cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não podia razoavelmente contar antes da decisão da 1ª. Instância ser proferida (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 28/11/2013, proc.6953/13; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.533 e 534).
Revertendo ao caso dos autos, os documentos em causa devem considerar-se necessários para a prova do facto do prédio rústico inscrito na matriz cadastral sob o artº.49 secção "O" da freguesia do Montijo se situar em ... , local também denominado por ... , na freguesia e concelho do Montijo. Por outras palavras, tais documentos devem servir para prova da identidade do imóvel rústico mencionado nos nºs.1 e 5 do probatório supra, assim sendo admissível a sua junção em fase de recurso (cfr.documentos juntos a fls.275 a 277 dos autos), porquanto a questão da falta de identidade surgiu com a sentença do Tribunal "a quo". Por outro lado, enquanto facto instrumental (titularidade do prédio misto identificado no nº.5 do probatório, para efeitos tributários, em 31/12/1989), também o documento junto a fls.278 e 279 dos autos se revela necessário para a decisão da causa, assim devendo admitir-se a sua junção, ao abrigo do princípio da investigação vigente no processo judicial tributário (cfr.artº.99, nº.1, da L.G.Tributária; artº.13, nº.1, do C.P.P.Tributário), ao que se provirá no dispositivo do presente acórdão.
Quanto a tal factualidade remetem-se os recorrentes para o aditamento ao probatório constante dos nºs.15 e 16 da factualidade provada supra estruturada.
X
Os apelantes discordam do decidido aduzindo, em síntese e conforme supra se alude, que não podem haver dúvidas que só eram titulares de um único prédio que era o sito no ... , ou Salgueiro. Que admitindo que o terreno é o mesmo, dúvidas não restam que a sua aquisição foi anterior à entrada em vigor do dec.lei 442-A/88, de 30/11. Que para se considerar haver transmissão é necessário haver um contrato, independentemente da sua forma e, por outro lado, tem de haver a "traditio" do mesmo. Que no caso "sub iudice" se verifica a existência dos dois requisitos. Assim, quanto ao requisito temporal, verificamos que o imóvel foi adquirido pelos sujeitos passivos antes da entrada em vigor do dec.lei 442-A/88, de 30/11. Por outro, nos termos do nº.1, do artº.5, do dec.lei 442-A/88, encontra-se excluído de tributação em sede de IRS, relativamente à realização de mais valias para alienação do imóvel em causa, uma vez que o anterior regime não o tributava em mais valias. Que o imóvel adquirido pelos recorrentes e posteriormente alienado era um prédio rústico e não um terreno para construção e como tal não sujeito a tributação em sede de mais valias (cfr.conclusões 27 a 38 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo consubstanciar erro de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso padece de tal vício.
O acto tributário tem sempre na sua base uma situação de facto concreta, a qual se encontra prevista abstracta e tipicamente na lei fiscal como geradora do direito ao imposto. Essa situação factual e concreta define-se como facto tributário, o qual só existe desde que se verifiquem todos os pressupostos legalmente previstos para tal. As normas tributárias que contemplam o facto tributário são as relativas à incidência real, as quais definem os seus elementos objectivos (cfr.Alberto Xavier, Conceito e Natureza do Acto Tributário, pág.324; Nuno de Sá Gomes, Manual de Direito Fiscal, II, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, 1996, pág.57; A. José de Sousa e J. da Silva Paixão, Código de Processo Tributário anotado e comentado, 3ª. edição, 1997, pág.269). Só com a prática do facto tributário nasce a obrigação de imposto. A existência do facto tributário constitui, pois, uma condição “sine qua non” da fixação da matéria tributável e da liquidação efectuada (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 26/2/2013, proc.5713/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
Na construção do conceito de rendimento tributário o C.I.R.S. adopta a concepção de rendimento-acréscimo, segundo a qual a base de incidência deste tributo abrange todo o aumento do poder aquisitivo do contribuinte, incluindo nela as mais-valias (vistas enquanto acréscimos patrimoniais que não provêm de uma actividade produtiva, mas que têm algum significado económico e sendo passíveis de controlo pela A. Fiscal, nestas se incluindo as mais-valias prediais) e, de um modo geral, as receitas irregulares e ganhos fortuitos, os quais também devem ser considerados manifestações de capacidade contributiva (cfr.nº.5 do preâmbulo do C.I.R.S.; Paulo de Pitta e Cunha, A Fiscalidade dos Anos 90, O Novo Sistema de Tributação do Rendimento, Almedina, 1996, pág.20; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.379).
A mais-valia deve definir-se, em princípio, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se descreve como uma alienação onerosa, assim estando sujeita ao princípio da realização (cfr.artº.44, do C.I.R.S.; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 22/1/2013, proc.4771/11; José Guilherme Xavier Basto, ob.cit., pág.443 e seg.).
Revertendo ao caso dos autos, deve, antes de mais, fazer-se a exegese da norma constante do artº.10, do C.I.R.S., na redacção em vigor no ano de 2002 e com interesse no caso "sub judice" (cfr.artº.12, nº.1, do C.Civil):
Artº.10
(Mais-Valias)
1-Constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de:
a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis e afectação de quaisquer bens do património particular a actividade empresarial e profissional exercida em nome individual pelo seu proprietário;
(...)
3-Os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos actos previstos no n.º 1, sem prejuízo do disposto nas alíneas seguintes:
a) Nos casos de promessa de compra e venda ou de troca, presume-se que o ganho é obtido logo que verificada a tradição ou posse dos bens ou direitos objecto do contrato;
(…).
Releve-se que as normas de incidência dos tributos bem como as que concedem isenções ou exclusões de tributação, devem ser interpretadas nos seus exactos termos, sem o recurso à analogia, tornando prevalente a certeza e a segurança na sua aplicação (cfr.ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 2/10/2012, proc.5320/12; ac.T.C.A.Sul-2ª.Secção, 12/12/2013, proc.7073/13).
O artº.10, nº.1, al.a), do C.I.R.S., sistematicamente inserido na categoria de incrementos patrimoniais (normas de incidência real), apresenta-se como uma norma de delimitação da incidência. O preceito consagra um facto gerador de imposto (norma de incidência tributária) relativo às mais-valias realizadas com a alienação onerosa de bens imóveis que tenha sido originada fora dos quadros de uma actividade económica deliberada, visto que só então o respectivo ganho não será considerado um rendimento profissional ou empresarial, portanto, um rendimento inserido na categoria B (cfr.artº.3, do C.I.R.S.). O normativo em exame tem, portanto, subjacente a ideia de que o proveito a considerar mais-valia será um ganho inesperado ou imprevisto. Por outro lado, quanto ao momento em que o imposto é exigível, vector que é essencial para imputar a mais-valia tributável a um determinado ano fiscal, rege o artº.10, nº.3, do C.I.R.S. Quer dizer, o facto gerador reporta-se ao momento da prática do acto que "realiza" a mais-valia (cfr.José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.392 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.138 e seg.).
Face a este regime de tributação de mais-valias, vamos encontrar na lei normas de exclusão de incidência, sendo uma delas um preceito de direito transitório e constando do artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, diploma que aprovou e pôs em vigor o C.I.R.S.
A previsão e estatuição deste último preceito é a seguinte:
Artº.5
(Regime transitório da categoria G)
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código.
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.
(...).
A norma sob exegese exclui da tributação as mais-valias realizadas que não estavam sujeitas ao imposto de mais-valias que vigorava anteriormente à Reforma Fiscal de 1988 (Dec.Lei 46673, de 9/6/1965), quando tais activos tenham sido adquiridos antes da entrada em vigor do C.I.R.S., portanto 1/1/1989 (cfr.artº.2, do dec.lei 442-A/88, de 30/11). Ou seja, continuam não sujeitos a tributação em mais-valias os ganhos obtidos com a alienação de imóveis cuja aquisição haja sido anterior a 1/1/1989, exceptuados os terrenos para construção, cabendo ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor do C.I.R.S. (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 25/9/2013, rec.369/13; José Guilherme Xavier Basto, IRS: Incidência Real e Determinação dos Rendimentos Líquidos, Coimbra Editora, 2007, pág.425 e seg.; Rui Duarte Morais, Sobre o I.R.S., 2ª. edição, Almedina, 2010, pág.139).
“In casu”, desde logo se deve concluir, contrariamente ao entendimento da A. Fiscal (cfr.nº.10 do probatório), que o imóvel em causa era rústico à data da entrada em vigor do C.I.R.S., pelo que, em face do disposto no artº.5, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, os ganhos obtidos com a sua transmissão não se inserem no âmbito de incidência do I.R.S., visto não ser um terreno para construção (cfr.nºs.4 e 5 do probatório; ac.S.T.A-2ª.Secção, 4/2/2009, rec.872/08).
Haverá, agora, que saber se os impugnantes e ora recorrentes cumpriram com o ónus probatório de que a aquisição do prédio rústico identificado no nº.6 da factualidade provada se verificou em momento anterior à entrada em vigor do C.I.R.S., portanto antes de 1/1/1989, visto que só assim estavam as mais-valias produzidas com a venda do imóvel (em 2002), excluídas de tributação em I.R.S., rendimentos de categoria G, conforme o examinado supra.
Atenta a factualidade provada e não provada (cfr.nºs.1 a 5, 15 e 16 do probatório; matéria de facto não provada), deve constatar-se que os apelantes não fizeram prova da aquisição do prédio rústico sito em ... , também denominado por ... , na freguesia do Montijo em data anterior a 1/1/1989, sendo essa a conclusão a que chegou o Tribunal "a quo", a qual não foi impugnada pelos recorrentes, principalmente no que se refere à produção de prova testemunhal (cfr.nºs.13 e 14 do probatório; artº.640, nº.1, do C.P.Civil, na redacção resultante da Lei 41/2013, de 26/6). Por outras palavras, não fizeram os recorrentes prova de que, apesar de terem efectivamente comprado o identificado imóvel através de escritura realizada em 19/01/1989, já tinham entrado na posse do mesmo em data anterior a 1/1/1989.
Concluindo, de acordo com a factualidade provada/não provada não se encontram reunidos os requisitos para accionar a exclusão de incidência tributária prevista no artº.5, nº.1, do dec.lei 442-A/88, de 30/11, quanto à pessoa dos impugnantes e ora recorrentes e no que se refere à venda do imóvel rústico identificado no nº.6 do probatório.
Atento o relatado, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o presente recurso e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida, a qual não padece dos vícios que lhe são assacados, ao que se procederá na parte dispositiva deste acórdão.
X
DISPOSITIVO
X
Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste Tribunal Central Administrativo Sul em:
1-ADMITIR A JUNÇÃO AOS AUTOS dos documentos constantes de fls.275 a 279 do processo;
2-NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA que, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condenam-se os recorrentes em custas na instância principal.
X
Registe.
Notifique.
X
Lisboa, 27 de Março de 2014



(Joaquim Condesso - Relator)


(Catarina Almeida e Sousa - 1º. Adjunto)

Voto a decisão. Porém, não acompanho integralmente a fundamentação, concretamente na parte em que aí se faz referência à relevância da falta de prova que “ apesar de terem efectivamente comprado o identificado imóvel através de escritura realizada em 19/1/89, já tinham entrado na posse do mesmo em data anterior a 1/1.89”.
No caso da aplicação do regime transitório previsto no artigo 5º do DL 442-A/88, 30/11, concretamente do nº 2, entendo que a aquisição do direito de propriedade aí prevista – originária ou derivada – é a que acorre até 31.12.88
Nesta perspectiva, e estando em causa uma compra e venda ocorrida em 19/1/89, seria, para estes efeitos, irrelevante provar-se “tinham entrado na posse do mesmo em data anterior a 1/1/89”.

(Jorge Cortês - 2º. Adjunto)