Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:04552/11
Secção:CT- 2º JUÍZO
Data do Acordão:11/09/2011
Relator:EUGÉNIO SEQUEIRA
Descritores:IMPUGNAÇÃO JUDICIAL.
IVA.
FUNDAMENTAÇÃO.
PRESSUPOSTOS PARA MI.
QUANTIFICAÇÃO. INQUISITÓRIO.
Sumário:1.Não padece do vício formal de falta de fundamentação a liquidação de IVA estribada em relatório do exame à escrita apropriado pelo despacho do Director de Finanças, na falta de acordo dos peritos em sede de Comissão de Revisão que, com clareza, precisão e suficiência, esclarece os concretos fundamentos porque aquela teve lugar;

2. Ocorrem os pressupostos para a AT lançar mão dos métodos indirectos no apuramento da matéria tributável quando, mercê das omissões e insuficiências da contabilidade, designadamente dos mapas das existências, não era possível apurar as reais vendas e os correspondentes proveitos;

3. Tendo a contribuinte invocado na petição inicial de impugnação o vício de excesso da quantificação apurada por métodos indirectos, cabia-lhe a ela, em primeira linha, ter junto ou requerido as pertinentes prova em ordem a demonstrá-lo, como modo de obter a procedência da mesma por este fundamento, não tendo o tribunal, por força do princípio do inquisitório, de se lhe substituir e de procurar demonstrar esse fundamento por ela invocado.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário (2.ª Secção) do Tribunal Central Administrativo Sul:

A. O Relatório.
1. Curral …………, Sociedade …………….., Lda, identificada nos autos, dizendo-se inconformada com a sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Ponta Delgada que julgou improcedente a impugnação judicial deduzida, veio da mesma recorrer para este Tribunal formulando para tanto nas suas alegações as seguintes conclusões e que na íntegra se reproduzem:

I. Conforme resulta da sentença recorrida, o Tribunal de primeira instância não apreciou, nem de forma sumária o vício de falta de fundamentação alegado pela Recorrente, uma vez que o Tribunal limita-­se a considerar que a liquidação de imposto está devidamente fundamentada, designadamente porque é efectuada parcialmente por remissão, embora a sentença não determine, para que documento a liquidação remete.
II. Note-se que na sentença recorrida, o Tribunal nem tão pouco dá como assente, que a fórmula utilizada pela DGCI para apurar o valor correspondente ao "consumo de existências vendidas" e perceptível e está determinado conforme a lei, uma vez que conforme a Recorrente alegou na petição inicial, da decisão do procedimento de revisão da matéria colectável a Recorrente não consegue retirar qual foi a fórmula utilizada pela DGCI para determinar tal valor, não podendo deste modo discutir se a mesma foi ou não correctamente apurada.
III. Neste sentido, por aplicação do princípio da legalidade bem como do princípio do dispositivo, o Tribunal deveria ter apreciado se o critério utilizado pela DGCI para determinar a matéria colectável omitida estava justificado com base nos critérios previstos no artigo 90.º da LGT, designadamente, se a DGCI justificou fundadamente a aplicação do mesmo critério, considerando que, em cumprimento do disposto no artigo 77.º n.º4 da LGT, caberia ao Tribunal determinar se na fundamentação do acto de liquidação a DGCI justificou i) os motivos da impossibilidade de comprovação e quantificação da matéria colectável; bem como os ii) critérios de determinação da matéria colectável, sob pena de falta fundamentação do acto impugnado.
IV. Note-se que na petição inicial, a ora Recorrente alegou que desconhece como é que a DGCI apurou que existira um consumo de existências vendidas superior ao declarado, o que significa que na fundamentação do acto impugnado, não está expressa de forma clara a forma como a DGCI determinou a alegada omissão de proveitos, questão esta, que apesar de suscitada pela Recorrente, o Tribunal pura e simplesmente desconsiderou, limitando-se a determinar de forma mais do que sumária que o acto impugnado está fundamentado.
V. Ademais, note-se que em manifesta violação do disposto no n.º 4 do artigo 77.º da LGT, o Tribunal não analisa e não se pronuncia fundamentadamente no que respeita ao critério utilizado pela DGCI na determinação da matéria colectável por aplicação de métodos indirectos, sendo que o Tribunal nem tão pouco aprecia se o critério "preço médio praticado pela Recorrente na comercialização de vinhos" enquadra-se no disposto no artigo 90.º da LGT, e se o mesmo é adequado à determinação do volume de proveitos alegadamente omitidos.
VI. Nos termos do artigo 125.º n.º 1 do CPPT, constitui nulidade da sentença, a falta de pronúncia do Tribunal sobre questões que o mesmo devesse apreciar, como é o caso de todas as questões referidas no presente recurso, as quais não foram objecto de qualquer pronúncia por parte do Tribunal recorrido, designadamente no que respeita à adequação dos critérios utilizados para determinação da matéria colectável, bem como no que respeita à legalidade da metodologia aplicada pela DGCI para determinar os proveitos omitidos.
VII. Ademais, note-se que o Tribunal não se pronuncia nem sumariamente, relativamente ao facto de o método determinado e aplicado pela DGCI constituir juridicamente um método de determinação directa da matéria colectável, e não um método indirecto, uma vez que, o volume de vinhos declarado à Comissão Vitivinícola foi declarado pela própria Recorrente, tendo o preço médio de comercialização dos produtos sido igualmente determinado com base na contabilidade, ou seja, por aplicação de métodos directos.
VIII. Ora, se a DGCI apurou a matéria colectável obtida pela Recorrente com recurso a métodos directos de determinação da matéria colectável, resulta provado nos presentes autos que não se verifica o pressuposto essencial previsto no artigo 87.º n.º 1 al. b) e artigo 88.º da LGT, que determinam que só é legítima a aplicação de métodos indirectos de tributação, nas situações em que seja impossível apurar a matéria colectável efectivamente obtida pelo contribuinte com recurso à contabilidade do mesmo (Vide neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 07 de Fevereiro 2001, no recurso com o n.º 044852, bem como o Acórdão de 04/11/2009, Processo nº 416/06, disponível em http:/www.dgsi.pt)
IX. Termos em que, a sentença recorrida deverá ser declarada nula com fundamento em omissão de pronúncia, nos termos da alínea d) do artigo 668.º do CPC, aplicável por remissão do artigo 2.º alínea e) do CPPT, bem como por aplicação do artigo 125.º nº1 do referido CPPT.
X. Caso assim não se entenda, o que só por mera cautela de patrocínio se admite, a sentença recorrida sempre teria de ser anulada com fundamento em erro de julgamento, com fundamento no facto de ao contrário do que alega o Tribunal de primeira instância, em violação do disposto no artigo 77.º n.º4 da LGT os actos de liquidação impugnados não estarem devidamente fundamentados, uma vez que a DGCI não expõe nem os pressupostos de determinação da matéria colectável por aplicação de métodos indirectos, nem os critérios utilizados na determinação da matéria colectável.
XI. Ao que acresce que a mesma sentença teria ainda de ser anulada com fundamento em erro de julgamento por não estarem preenchidos os pressupostos legais de determinação da matéria colectável com recurso a métodos indirectos de tributação, por falta de preenchimento do pressuposto "impossibilidade de apuramento da matéria colectável com recurso às regras de avaliação directa" previsto no disposto no artigo 87.º n.º 1 b) e no artigo 88.º da LGT.
XII. Consta ainda da sentença recorrida que o Tribunal considerou que a DGCI provou nos presentes autos que estão preenchidos os pressupostos legais de determinação da matéria colectável por aplicação de métodos indirectos de tributação, mais tendo o Tribunal considerado que a Recorrente não logrou provar o excesso na quantificação da mesma matéria colectável.
XIII. Ora, na sentença recorrida o Tribunal não faz qualquer apreciação crítica da prova produzida pela DGCI, limitando-se a considerar que a mesma é suficiente para legitimar a aplicação do disposto nos artigos 87.º e seguintes da LGT, nem faz qualquer análise crítica da prova produzida pela Recorrente, designadamente no que respeita ao facto de comprovadamente, durante o processo de produção e comercialização de vinhos, serem registadas perdas que constituem um custo em termos fiscais, e que justificam a diferença entre o vinho registado e o vinho objecto de certificação pela Comissão Vitivinícola.
XIV. Além de não fazer qualquer apreciação crítica da prova produzida, na sentença recorrida alega o Tribunal que a Recorrente "(. . .) não apresentou um único documento relativo a medição dos volumes de vinho, antes e depois dessas operações, ou a perda por derrame, por quebra de vasilhame, que pudesse pôr em causa essa operação" sendo que, uma vez que cabe à Recorrente o ónus da prova do excesso na quantificação da matéria colectável, considera o Tribunal que a impugnação deveria ser declarada improcedente, por não ter sido cumprido pela Recorrente o ónus da prova de tal excesso na quantificação da matéria colectável.
XV. Nos termos e por aplicação do disposto no artigo 114.º do CPPT, o Tribunal tem competência para determinar que sejam realizadas todas as diligências de prova essenciais à descoberta da verdade material, regra esta que constitui o princípio do inquisitório, que constitui um dos princípios essenciais do contencioso tributário.
XVI. Nos presentes autos, o Tribunal de primeira instância considerou que a prova produzida pela Impugnante não era suficiente para demonstrar o excesso na determinação da matéria colectável, alegando o Tribunal que para prova de tal facto seria necessário que a Recorrente apresentasse documentos relativos à medição do volume de vinhos, antes e depois da armazenagem do mesmo, ou documentos comprovativos da perda do mesmo produto por derrame ou por quebra de vasilhame, os quais comprovassem que a DGCI incorreu em manifesto excesso na determinação da matéria colectável.
XVII. Ora, nos termos do artigo 74.º n.º 1 e seguintes da LGT, no contencioso tributário, a regra do ónus da prova tem carácter meramente objectivo, e não subjectivo, devendo a mesma ser coordenada com a aplicação do princípio do inquisitório, que determina que tendo a Impugnante apresentado prova documental do excesso da DGCI na determinação da matéria colectável, cabia ao Tribunal determinar que fosse realizada prova adicional, de forma a formar a sua convicção, não lhe sendo legítimo pura e simplesmente indeferir a impugnação com fundamento em falta de provas que poderiam ter sido requeridas oficiosamente.
XVIII. Nos presentes autos, considerando que está em causa a aplicação da presunção legal prevista no disposto no artigo 86.º do CIVA, que determina que todos os produtos produzidos se consideram vendidos, atendendo ao princípio da tributação do lucro real previsto no artigo 104.º da Constituição, caberia ao Tribunal ordenar a realização de todas as diligências de prova que pudessem determinar o apuramento da verdade material, não podendo o mesmo bastar-se com uma presunção legal, abstendo-se de observar os seus deveres de investigação, desconsiderando o direito da Recorrente a demonstrar aquele que constitui o seu rendimento efectivo, considerando que, nos termos do artigo 3.º do CIVA, este imposto incide exclusivamente sobre o volume de vendas efectivas.
XIX. Do exposto resulta que a sentença recorrida deverá ser anulada, com fundamento em erro de julgamento, uma vez que assumindo o Tribunal que considera essencial para a descoberta da verdade material a junção aos autos de documentos comprovativos da medição dos vinhos produzidos e comercializados, de forma a determinar o volume de desperdícios registado, cabia ao Tribunal nos termos e por aplicação da regra prevista no artigo 114.º do CPPT, notificar a Recorrente para que procedesse à junção aos autos dos mesmos documentos.
XX. Não o tendo feito, o Tribunal violou de forma manifesta o princípio do inquisitório, previsto no artigo 114.º do CPPT, e violou ainda o princípio da tutela jurisdicional efectiva previsto no artigo 20.º da Constituição, considerando que, tendo consciência da necessidade de apresentação de prova adicional por parte da Recorrente, preferiu julgar improcedente a acção, em absoluta desconsideração do seu dever de ordenar a realização de todos os meios de prova admissíveis para apuramento da verdade material (Vide neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 30 de Setembro de 2009, no processo n.º 350/09 disponível in http://www.dgsi.pt.).
XXI. Termos em que, com os fundamentos expostos, a sentença recorrida deverá ser anulada, com fundamento em erro de julgamento, devendo a mesma ser substituída por outra que determine a realização de diligências de prova adicionais, caso o Tribunal entenda serem necessárias, para comprovar o excesso da matéria colectável apurada ­pela DGCI na decisão de aplicação de métodos indirectos de tributação.

TERMOS EM QUE, O PRESENTE RECURSO DEVERÁ SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO, SENDO POR CONSEGUINTE DECLARADA NULA, OU CASO ASSIM NÃO SE ENTENDA, ANULADA A SENTENÇA RECORRIDA, A QUAL DEVERÁ SER SUBSTITUÍDA POR OUTRA, QUE DETERMINE A ANULAÇÃO DO ACTO DE LIQUIDAÇÃO EM CAUSA NOS PRESENTES AUTOS, FAZENDO V. EXAS. A TÃO ACOSTUMADA JUSTIÇA


Foi admitido o recurso para subir imediatamente, nos próprios autos e no efeito meramente devolutivo.


A Exma Representante do Ministério Público (RMP), junto deste Tribunal, no seu parecer, pronuncia-se por ser negado provimento ao recurso, por a sentença recorrida ter feito uma correcta interpretação da matéria de facto a qual sustentou a integração jurídica da decisão alcançada.


Foram colhidos os vistos dos Exmos Adjuntos.


B. A fundamentação.
2. A questão decidenda. São as seguintes as questões a conhecer: Se a sentença recorrida padece do vício formal de omissão de pronúncia conducente à declaração da sua nulidade; E não padecendo, se os actos de liquidação de IVA se não encontram formalmente fundamentados; Se no caso se não verificavam os pressupostos para a AT lançar mão dos métodos indirectos na liquidação do imposto; Se a impugnante logrou provar o excesso de quantificação na matéria tributável apurada; E se na falta de prova desse excesso pela ora recorrente, cabia ao Tribunal ter ordenado ou realizado, oficiosamente, o carreamento para os autos da prova nesse sentido.


3. A matéria de facto.
Em sede de probatório o M. Juiz do Tribunal “a quo” fixou a seguinte factualidade, a qual igualmente na íntegra se reproduz, e que passamos a subordinar às seguintes alíneas:
a) Face ao pedido de reembolso de IVA relativo ao terceiro trimestre de 2008, no valor de € 50.000, a administração fiscal efectuou acção de inspecção tributária à impugnante, tendo por objecto o IVA relativo aos exercícios de 2005 a 2008 e o IRC relativo aos exercícios de 2005 a 2007.
b) A impugnante foi notificada a 20 de Maio de 2009 do projecto de relatório dessa inspecção e para, em 10 dias, querendo, exercer o direito de audição, nos termos previstos no artigo 60° da LGT, tendo exercido por escrito esse seu direito, a 5 de Junho de 2009.
c) A 9 de Junho de 2009, expressando a sua concordância com o apuramento efectuado pela Inspecção Tributária, o Director de Finanças …………… exarou despacho ordenando a elaboração dos documentos únicos de cobrança relativos aos períodos correspondentes a cada um dos 1 ° a 4° trimestres dos anos de 2006 a 2008, por concordar com o apuramento efectuado pela inspecção tributária.
d) A impugnante foi notificada, por carta registada expedida a 12 de Junho de 2009, para além do mais, do relatório da inspecção tributária e da fixação da fixação do imposto sobre o valor acrescentado (IVA) por métodos indirectos, nos termos dos art.ºs 87° a 90° da LGT, nos montantes de 190,52 €, de 109.974,31 € e de 4.159,16€, respectivamente para os anos de 2006, de 2007 e de 2008, sendo ainda informada de que poderia solicitar a revisão da matéria tributável.
e) O aludido relatório da inspecção tributária
- delimita os objectivos, âmbito e extenso da acção inspectiva (II),
- diz dos motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos (IV),
- explicita os critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos (V),
- anota as infracções verificadas (VII) e
- pronuncia-se sobre os argumentos aduzidos pela impugnante no exercício do seu direito de audição (VIII).
f) A parte respeitante aos motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos (IV)
a. analisa a estrutura de produção e comercialização da impugnante
b. faz o apuramento das suas vendas por confronto entre os elementos constantes da contabilidade do sujeito passivo (inventário das existências físicas iniciais e finais relativas aos exercícios de 2005 a 2008, compras a granel efectuadas no continente de vinho de mesa e tinto, vendas facturadas e declaradas nos exercícios de 2005 a 2008, respeitantes a vinhos comuns e regionais) e os elementos fornecidos à Comissão Vitivinícola Regional dos Açores (produção de vinho regional declarada pela impugnante a essa entidade)
c. constata que a impugnante omitiu existências de vinho, que deveriam ser declarados para efeitos fiscais, nos anos de 2006 e 2007, não o tendo sido
d. conclui, a partir tanto dessa errada inventariação das existências quanto do facto de não ser praticado sempre o mesmo preço de venda por produto
i) a impossibilidade da "comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, o que resulta da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade"
ii) estarem "reunidos os pressupostos para a avaliação indirecta".
g) Ao explicitar os "critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos" (V), a administração fiscal faz o cálculo do preço médio de venda/litro declarado por produto, a consequente determinação do valor das omissões de vendas por aplicação do valor obtido sobre as vendas não declaradas e, por via disso, o apuramento do IVA em falta.
h) Analisando os argumentos aduzidos pela impugnante no exercício do seu "direito de audição" (VIII), a administração fiscal constatou "a inexistência de quaisquer documentos nos quais se encontrem relevados os aludidos desperdícios" (posto que com desperdícios nas fases de produção/embalagem dos vinhos sustentara a impugnante a explicação para as omissões detectadas) e que "nem o contribuinte os vem agora apresentar".
i) A impugnante requereu revisão da matéria tributável a 14 de Julho de 2009 e nomeou perito para o procedimento de revisão.
j) Não tendo sido estabelecido acordo, por ocasião deste, a administração fiscal manteve as correcções efectuadas.
l) Do que foi a impugnante notificada, por carta registada com aviso de recepção expedida a 4 de Setembro de 2009, com a informação de que "a liquidação dos(s) imposto(s) com base na referida(s) fixação(ões), será oportunamente notificado pelos Serviços Centrais da DGCI, com emissão da(s) respectiva(s) nota(s) de cobrança, necessária(s) para proceder ao(s) pagamento(s) e de cuja notificação constará a indicação dos prazos e meios de defesa contra a liquidação".
m) Essas notificações referem como fundamentação a "liquidação adicional efectuada pelos serviços de inspecção tributária" e descriminam os "valores corrigidos".

A que, nos termos da alínea a) do n.º1 do art.º 712.º do Código de Processo Civil (CPC, se acrescentam ao probatório mais as seguintes alíneas, em ordem a dele constar não só a factualidade relevante apurada pela inspecção tributária e constante do respectivo relatório e não infirmada por qualquer uma outra, quer outra com relevo para o mesmo fim:
n) No referido relatório da inspecção tributária referido em e) supra, quanto ao seu ponto IV, Motivos e exposição dos factos que implicam o recurso a métodos indirectos, menciona-se o seguinte:
...
i) Inventário das Existências físicas Iniciais e Finais, relativas aos exercícios de 2005, 2006, 2207 e 2008 (Anexos 2, fls. 1 a 5);
...
iii) Vendas facturadas e declaradas pelo sujeito passivo, nos exercícios de 2005, 2006, 2007 e 2008, respeitantes aos vinhos comuns e regionais (Anexos 4, 5, 6 e 7).
...
Assim, para apuramento das vendas de vinho, declaradas em cada exercício, recolhemos documento a documento, numa folha Excel, por produto, as unidades (garrafa de 75 cl) e respectivos valores facturados.
...
2 – Elementos solicitados à Comissão Vitivinícola Regional dos Açores
Para efeitos de certificação dos Vinhos Regionais, o sujeito passivo declara à Comissão Vitivinícola Regional dos Açores, a respectiva produção obtida em cada ano.
...
Produção de Vinho Regional declarada pelo sujeito passivo, em volume/litros, à Comissão Vitivinícola Regional dos Açores.
...
3 – Omissões de existências físicas
Conforme se constata pela análise do mapa anterior, o sujeito passivo, declarou à Comissão Vitivinícola Regional dos Açores a colheita no ano de 2004 de 7.900 litros de vinho Regional Tinto e de 4.000 litros de vinho Regional Branco, colheita esta que foi certificada pela referida Comissão no ano seguinte de 2005.
Assim, o sujeito passivo, em 31-12-2004, teria obrigatoriamente em existências, pelo menos, as referidas quantidades de vinhos regionais.
Contudo, na relação do inventário final do exercício de 2004, que corresponde ao inicial de 2005, não foram declaradas pelo sujeito passivo quaisquer existências de vinhos regionais.
No Exercício de 2006, declarou igualmente à Comissão Vitivinícola a seguinte colheita:
- 8.400 litros de vinho regional tinto, certificados no ano de 2007 e 1.550 litros certificados em 2008;
- 5.800 litros de vinho regional branco, certificados no ano de 2007;
- 1.550 litros de vinho regional reserva, certificados no ano de 2008.
Nestes termos, no inventário das existências finais de 2006, teria de constar, pelo menos, as quantidades de vinho referentes à colheita desse ano, o que não sucedeu, pois, não foram declarados quaisquer valores respeitantes a vinhos regionais.
Em face do exposto, vamos elaborar um novo mapa das existências finais de 2004 a 2008, o qual contempla não só as existências declaradas nos inventários elaborados pelo contribuinte, mas também as colheitas omitidas de vinho regional de 2004 a 2006 a que nos referimos anteriormente.
...
Em face do exposto, a errada inventariação física das existências, bem como o facto de não ser praticado sempre o mesmo preço de venda por produto, impossibilita a comprovação e quantificação directa e exacta dos elementos indispensáveis à correcta determinação da matéria tributável, o que resulta da inexistência ou insuficiência de elementos de contabilidade, pelo que se encontram reunidos os pressupostos para a realização da avaliação indirecta...
...
V. Critérios e cálculos dos valores corrigidos com recurso a métodos indirectos
A fim de apurar a matéria tributável por métodos indirectos, nos termos do art.º 90.º da Lei Geral Tributária ...vamos aplicar aos desvios de vinho, calculados nos mapas 5 a 8, os preços médios de venda declarados por produto.
V.1 – Cálculo do preço médio de venda/litro declarado por produto
Para determinar o preço médio de venda por produto, praticado pelo sujeito passivo, em cada ano, dividimos o valor das vendas declaradas pelo respectivo volume/litros, conforme mapas seguintes:
...
V.2 – Determinação das omissões de vendas em Valor
Para determinação das omissões de vendas em valor, vamos aplicar aos desvios de vinhos, detectados em cada exercício, nos mapas 6 a 9, os respectivos preços médios de venda declarados:
...
o) Em sede de Comissão de Revisão, na falta de acordo dos peritos, cada um deles entregou o seu laudo/parecer, tendo o Director de Finanças da Horta pelo seu despacho de 4-9-2009, mantido os valores de IVA apurados no relatório do exame à escrita com o recurso a métodos indirectos, não tendo deixado de rebater as invocadas quebras propostas pelo perito da contribuinte, tendo a final concluído:
Analisando ambos os laudos/pareceres, e com base nos fundamentos constantes do relatório da inspecção tributária, com os quais concordo integralmente, fixo, de harmonia com o disposto no n.º6 do art.º 92.º da Lei Geral Tributária, ao sujeito passivo.... Cfr. fls. não numeradas do PAT apenso.


4. Na matéria das suas nove primeiras conclusões das alegações do recurso, vem a ora recorrente assacar à sentença recorrida o vício formal de omissão de pronúncia, a existir, conducente à declaração da sua nulidade – bem como o respectivo e consequente pedido desde logo formulado na matéria dessa conclusão IX, de que ...“a sentença recorrida deverá ser declarada nula com fundamento em omissão de pronúncia” - porque o mesmo a ocorrer gerar, na realidade, a nulidade desta, nos termos do disposto nos art.ºs 668.º n.º1 alínea d), 660.º n.º2 e 713.º n.º2 do Código de Processo Civil (CPC), 143.º e 144.º do Código de Processo Tributário (CPT), e hoje dos art.ºs 124.º e 125.º do CPT, importa por isso conhecer, em primeiro lugar, desta invocada nulidade.

Aquela invocada nulidade só pode ocorrer, nos termos daquelas normas citadas em primeiro lugar, quando o Juiz deixe de pronunciar-se em absoluto de questão que deva conhecer, que por isso tenha sido submetida à sua apreciação e da qual não conheça, nem o seu conhecimento tenha sido considerado prejudicado pela solução dada a outra(s), como constitui jurisprudência abundante (1).

Como sabiamente invocava o Professor Alberto dos Reis - Código de Processo Civil Anotado, volume V, (Reimpressão), pág. 142 e segs - «Esta nulidade está em correspondência directa com o 1.º período da 2.ª alínea do art.º 660.º. Impõe-se aí ao juiz o dever de resolver todas as questões que as partes tiverem submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras....
São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzido pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Consubstancia, no caso, a recorrente, tal omissão de pronúncia, por o M. Juiz do Tribunal "a quo", na sentença recorrida ... o Tribunal de primeira instância não apreciou, nem de forma sumária o vício de falta de fundamentação alegado pela Recorrente, uma vez que o Tribunal limita-­se a considerar que a liquidação de imposto está devidamente fundamentada, designadamente porque é efectuada parcialmente por remissão, embora a sentença não determine, para que documento a liquidação remete.
...note-se que o Tribunal não se pronuncia nem sumariamente, relativamente ao facto de o método determinado e aplicado pela DGCI constituir juridicamente um método de determinação directa da matéria colectável, e não um método indirecto ... sendo assim estas as concretas “questões” que aponta como tendo sido omitido o seu conhecimento na sentença recorrida e que por si tenham sido articuladas na respectiva petição inicial de impugnação judicial, sendo certo, na verdade, que o juiz deve conhecer na sentença, ...das questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras, e não de todos os argumentos ou raciocínios expendidos pelo recorrente para sustentar a sua posição, nos termos do disposto no art.º 660.º n.º2 do CPC, sendo manifesto não ter ocorrido a apontada omissão de pronúncia, já que ambas as questões reputadas em falta pela ora recorrente, foram conhecidas na mesma sentença e não omitidas ou se lhe passou ao lado, na sentença que julgou improcedente a presente impugnação judicial e sobre que versa o presente recurso.

Na verdade, como de tal sentença se pode colher, a falta de fundamentação dos actos de liquidação em causa, com o recurso a métodos indirectos, foi a primeira questão nela conhecida que, depois de citar e transcrever a lei aplicável concluiu que “Tais regras foram respeitadas. A fundamentação apresentada é exaustiva, embora sucinta e parcialmente por remissão, com a lei expressamente admite. Contém as disposições legais aplicáveis e os motivos da impossibilidade da comprovação e quantificação directas e exactas da matéria tributável...Não colhe assim, o alegado vício de falta de fundamentação”, pelo que não houve esquecimento ou falta do conhecimento desta questão.

E o mesmo acontece com a outra invocada questão de ter sido utilizado um método directo na determinação da matéria colectável quando o apuramento de tal liquidação se encontrava a ser efectuado pelo método indirecto, onde igualmente, a mesma sentença, sobre tal questão não deixou de se pronunciar e de decidir ao nela se fundamentar que “A impugnante entende ainda que a DGCI não cumpriu o ónus da prova dos pressupostos constitutivos do direito a aplicar aos métodos indirectos, imposto pelo art.º 74.º, n.º1, da LGT. Ainda sem razão.
A Administração fiscal, a quem competia o ónus da prova da verificação desses requisitos, demonstrou-os...”, e isto ainda que não tenha expressamente referido tal aspecto ou vertente dessa questão, o certo é que decidiu da verdadeira questão relevante para a procedência ou não da impugnação judicial, de a AT ter cumprido o ónus probatório que sobre si lhe cabia, da existência no caso, de todos os pressupostos legais que a si lhe cabiam e que a autorizavam a que a matéria colectável fosse fixada por métodos indirectos, desta forma não tendo ocorrido a apontada omissão de pronúncia conducente à declaração de nulidade da mesma sentença.

Como é sabido, por questões a que se reporta a norma do art.º 668.º n.º1 d) do CPC, não abrangem os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir (2), como se pronuncia entre outros, o acórdão deste Tribunal de 27.9.2005, recurso n.º 738/05, tendo como relator o do presente.

No caso, tendo o M. Juiz do Tribunal “a quo” conhecido e decidido das invocadas e verdadeiras questões, no âmbito global em que as mesmas apareciam nessa petição inicial e eram susceptíveis de levar à procedência da impugnação judicial, tendo daí retirado as devidas implicações jurídicas na parte decisória da mesma sentença, desta forma não deixou de conhecer de qualquer “questão”, enquanto factualidade enformadora com aptidão para conduzir à procedência da impugnação judicial e à anulação respectiva (ou, eventualmente, à declaração da sua nulidade) das liquidações em causa, do citado montante, pelo que não ocorreu a apontada omissão de pronúncia, assim não podendo deixar de improceder a matéria das conclusões do recurso atinente a este vício formal, sendo de não declarar nula a sentença recorrida.


Improcede assim, a matéria das primeiras nove conclusões do recurso.


4.1. Para julgar improcedente a impugnação judicial considerou o M. Juiz do Tribunal “a quo”, em síntese, que as liquidações em causa se encontravam devidamente fundamentadas (formalmente), que se mostram reunidos os pressupostos legais para a AT lançar mão dos métodos indirectos na determinação dos matéria colectável e que a mesma cumpriu o ónus probatório que sobre si impendia em ordem a desconsiderar os dados e lançamentos decorrentes da escrita da ora recorrente e lançar mão dos métodos indirectos na determinação da matéria colectável desses exercícios, cujo excesso a impugnante não logrou provar.

Para a recorrente, de acordo com a matéria das restantes conclusões das alegações do recurso e que delimitam o seu objecto, para além da omissão de pronúncia já acima conhecida, continua a pugnar que os actos de liquidação não se encontram devidamente fundamentados, que no caso não se encontram reunidos os pressupostos para a passagem aos métodos indirectos e que o decidido, ao ter julgado a impugnação improcedente com o fundamento (também) em a ora recorrente não ter cumprido o ónus probatório que sobre si impedia, do excesso de quantificação, violaria o princípio da tributação pelo lucro real e o princípio do inquisitório, na medida que, se o tribunal entendia se necessária mais prova, deveria, ter procurado obtê-la, oficiosamente.

Vejamos então.
Quanto ao fundamento articulado de falta de fundamentação formal nos actos de liquidação impugnados de IVA dos períodos em causa, que a mesma continua a esgrimir na matéria da sua conclusão X), pela transcrição da parte relevante da matéria apurada em sede de inspecção tributária e não contrariada por qualquer uma outra, na alínea n), ora acrescida ao probatório, nenhumas dúvidas poderão restar dessa fundamentação do procedimento de inspecção para proceder à liquidação com recurso a métodos indirectos (3), mercê da impossibilidade de a mesma ter lugar pelo método directo, e que diríamos mesmo com ampla desenvoltura de toda a envolvência demonstrativa da falta de credibilidade da escrita da ora recorrente, especialmente quanto aos referidos inventários físicos das existências no que aos vinhos regionais dos Açores diziam respeito, os quais pura e simplesmente omitiam, nestes exercícios de 2006, 2007 e de 2008, nos termos das operações efectuadas no mesmo relatório, que, nos termos do disposto no art.º 63.º do RCPI pode em tais conclusões do relatório do exame à escrita estar contida, para além do dever de fundamentação constante do disposto nos art.ºs 77.º, 87.º, 88.º e 90.º da LGT, e que se mostra cumprido, que no caso, com clareza, congruência e suficiência, esteiam os actos de liquidação de IVA dos períodos em causa daqueles três anos, que enquanto instrumento destinado a levar ao conhecimento da contribuinte as razões porque teve lugar aquela concreta liquidação e não qualquer uma outra, não deixou de cumprir integralmente tal desiderato, para que a lei o veio estabelecer, que nem a ora recorrente veio colocar em causa o comprometimento desse fim, sendo patentes as razões invocadas nesse relatório porque a matéria tributável não podia ser operada com correcções técnicas apenas (método directo), bem como o critério utilizado de correcção se revela claro – preço médio de venda/litro declarado pelo sujeito passivo aplicado às omissões apuradas – pelo que igualmente não pode deixar de improceder a impugnação judicial, enquanto (também) arrimada a este vício formal de falta da sua fundamentação, como também se decidiu na sentença recorrida.

Na matéria da sua conclusão XI, continua a recorrente e esgrimir argumentos tendentes a pretender demonstrar que no caso se não encontravam reunidos os pressupostos para o lucro tributável ser apurado por métodos indirectos, bem podendo ter havido lugar a correcções técnicas apenas – cfr. também matéria da sua conclusão VIII – fundamentação que, como antes se já aflorou, também não pode colher.

Na verdade, como bem se apurou no relatório da inspecção efectuado, face à omissões encontradas nos citados inventários físicos relativos aos exercícios daqueles três anos, de pelo menos, as quantidades de vinho regional de que obteve a certificação pela respectiva Comissão Vitivinícola Regional dos Açores não se mostrarem reflectidos na sua contabilidade, designadamente nos referidos mapas de existências físicas, não permitiam apurar através dela, sobretudo, os correspondentes proveitos, já que, mesmo que as quantias de vinho comercializado pudessem ser apuradas através dos elementos fornecidos por tal entidade (a referida Comissão), sempre soçobrava o montante por que tais vendas importariam porque, como bem se diz no mesmo relatório, dado que o preço de venda por produto não ser sempre igual, sempre estes montantes de venda teriam de ser presumidos, calculados, por um qualquer critério externo a essas mesmas operações, para tentar alcançar a sua ordem de grandeza, o que só através da contabilidade da mesma se mostrava impossível alcançar e nem mesmo por correcção técnica de uma ou outra operação mal contabilizada, em que fosse possível utilizar o método directo.

Neste desiderato, não restava outra alternativa à AT que não fosse a de apurar os resultados desses exercícios por métodos indirectos, sob pena de beneficiar o infractor que não organiza a sua contabilidade de acordo com as regras comerciais e fiscais, o que a lei lhe atribui enquanto poder/dever, nos termos do disposto entre outros, dos art.ºs 82.º, n.º4 do CIVA, 18.º, 81.º, 82.º, n.º2, 83.º, n.º2, 87.º, alínea b) e 88.º, alínea a) da LGT (redacção de então), e que a mesma, no caso, não deixou de exercer.

E isto sem embargo de nessa avaliação indirecta puderem ser utilizados, como foram, diversos elementos recolhidos da contabilidade do sujeito passivo, já que a AT pode/deve, fundadamente, afastar os que não mereçam credibilidade e utilizar aqueles que a mereçam, de molde a apurar um resultado do exercício tão próximo da realidade quanto possível, com eventual utilização das regras da avaliação directa também, nos termos do disposto nos art.ºs 85.º, n.º2 e 90.º da LGT, e mesmo de anos diferentes daquele que se encontra a ser apurado, para serem extrapolados e aplicados no mesmo, tendo sempre em vista obter o resultado do exercício que o sujeito passivo teria alcançado e colmatar a falta desse apuramento pelo mesmo, através da sua contabilidade, o que a recorrente parece não querer entender, face aos termos em que se pronuncia na matéria das conclusões VII e VIII.

Na matéria das restantes conclusões do recurso, insurge-se a ora recorrente com a sentença recorrida, para além do mais, por esta ter julgado a impugnação improcedente (também) por falta de prova da mesma quanto ao excesso de quantificação da matéria colectável, cujo ónus assim, nela fez repousar, quando antes e abrigo do princípio do inquisitório, deveria o Tribunal, ele próprio, ter procurado obter para os autos, a correspondente prova.

Nos termos do disposto nos art.ºs 99.º da LGT, 13.º e 114.º do CPPT, vigora, efectivamente, no processo judicial tributário o princípio do inquisitório, segundo o qual o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, e não todas e quaisquer diligências de prova, mas apenas aquelas que em seu juízo, se lhe afigurem úteis ou necessárias para conhecer a verdade dos factos e apenas sobre os factos alegados ou de que oficiosamente possa conhecer.

A primeira conclusão a extrair de tal princípio, é que ele não pode ter uma abrangência tão alargada ou ilimitada como parece pretender a ora recorrente, mas apenas uma intervenção de segunda linha, sendo que, no caso da impugnação judicial, desde logo cabe à impugnante, com a apresentação da sua petição inicial ... oferecer os documentos de que dispuser, arrolará testemunhas e requererá as demais provas que não dependam de ocorrências supervenientes (cfr. art.º 108.º, n.º3 do CPPT, na redacção introduzida pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro).

Ou seja, de acordo com os factos e as razões de direito expostas nessa mesma petição, é à impugnante, em primeira linha, que lhe cabe ajuizar da necessidade da prova dos factos articulados e que melhor permitam obter a procedência da sua pretensão. Em suma, o princípio do inquisitório não prejudica o ónus de alegação e prova que recai sobre o interessado (4).

Na mesma linha de entendimento se pronuncia Jorge Lopes de Sousa (5) ao escrever:
Com a petição deve ser apresentada toda a prova que for possível, juntando-se os documentos e requerendo-se, desde logo, a realização das diligências que o impugnante pretende ver realizadas.

É o critério do juiz que prevalece no que concerne a determinar quais as diligências que são úteis para o apuramento da verdade, sendo inevitável em tal determinação uma componente subjectiva, ligada à convicção do juiz (6).

E nem o acórdão do STA que a ora recorrente invoca na matéria da sua conclusão XX (recurso n.º 350/09, de 30-9-2009) pode ir ao encontro da interpretação alargada que a mesma pretende para o princípio do inquisitório, como a mesma quer fazer crer.

Neste acórdão, em que se fez prevalecer o ditame deste princípio do inquisitório, reportava-se à instauração de uma outra oposição à execução fiscal e dos seus reflexos naquela em que se estava a decidir, e que logo o recorrente, na sua petição inicial de oposição, havia protestado juntar o documento comprovativo da sua dedução e que o tribunal de 1.ª instância, não só não ordenou a notificação do oponente para vir juntar tal documento como também, oficiosamente, não ordenou a produção de prova em ordem a apurar dessa dedução ou não, antes tendo julgado a causa, dando como não provada tal dedução, situação que, para além de se reportar à instauração de uma outra oposição também o oponente, oportunamente, havia protestado juntar o citado documento, desta forma assentando em factualidade que nada tem que ver com a relativa a estes autos, onde a ora recorrente pretendia ver aplicado tal princípio a um dos fundamentos que articulou como levando à procedência da sua pretensão e onde nada, quanto a provas, havia protestado juntar.

No caso, a ora recorrente na matéria dos art.ºs 78.º, 101.º, 104.º e 152.º e segs da sua petição inicial de impugnação, veio também articular o excesso de quantificação da matéria tributável apurada pela AT, fundando-se em perdas não contempladas no seu apuramento pela AT, resultantes de desperdícios na sua actividade, que não eram comercializados, tendo em vista obter a anulação das liquidações por cumprimento do ónus probatório contido no art.º 74.º, n.º3 da LGT, ou, pelo menos, a fundada dúvida nessa quantificação (cfr. art.º 177.º da mesma petição).

A sentença proferida pelo M. Juiz do Tribunal “a quo”, apreciando estas duas questões, a ambas negou ganho de causa, a primeira por falta da prova desse excesso, como lhe cabia e a segunda, por não ter aqui aplicação o regime da fundada dúvida previsto no art.º 100.º do CPPT, gerador da anulação da liquidação, quando a matéria tributável é apurada por métodos indirectos como no caso, parte esta em que a ora recorrente nem esgrime qualquer argumento tentando demonstrar o desacerto desta parte do decidido, que assim se mantém incólume.

Quanto ao invocado excesso de quantificação por não terem sido considerados quaisquer desperdícios, logo no laudo do perito do contribuinte em sede de comissão de revisão, são pugnadas quebras de 5% para os vinhos regionais e de 12% para os vinhos adquiridos no Continente, resultantes de transfegas, filtração, etc., que no despacho do Director de Finanças da …….., a fixar a matéria tributável não foram aceites, porque as mesmas não constavam contabilizadas nos Anexos A às Declarações Anuais (e teriam de constar, se existissem) bem como quanto aos vinhos regionais, apenas serem certificados após separação de borras e filtração de desbaste, não havendo razões para tais invocadas quebras, pelo que bem conhecia a contribuinte as razões para não aceitação das mesmas, desta forma deveria, em ordem ao apuramento da verdade dos factos, na sua petição inicial de impugnação judicial, ter vindo juntar ou requerer as adequadas provas tendentes a infirmar as razões avançadas para não aceitação dessas quebras, designadamente através de parecer pericial, já que a lei na norma do n.º2 do art.º 117.º do CPPT, veio eleger como prova privilegiada como meio de obter a anulação dos actos de liquidação nestes casos, os citados pareceres, mercê da complexidade e especialização que tais questões suscitam e que não se encontram ao alcance da apreensão da generalidade dos indivíduos.

Ora, na sua petição de impugnação judicial, não veio a ora recorrente juntar qualquer documento atinente a provar esta factualidade e nem a requerer qualquer outra tendente ao mesmo fim, não se percebendo sequer qual seria o documento que o Tribunal “a quo” poderia ter ordenado a sua junção com vista a obter o conhecimento desta realidade dos factos, como a mesma pretende, pelo que ao Tribunal “a quo” bem aplicou as regras do ónus da prova, no caso do n.º3 do art.º 74.º da LGT (7), a fim de ultrapassar o non liquet, ainda que de um ónus não subjectivo se trate, mas objectivo, como nesta parte bem alega a recorrente, não sendo nesta parte, também, a sentença recorrida passível da apontada censura.

Também sempre se dirá que, contrariamente ao invocado pela ora recorrente na matéria das suas conclusões XIII e XVII das suas alegações do recurso, nenhuma prova veio a fazer ou a oferecer no sentido de demonstrar o invocado excesso de quantificação da matéria tributável apurada pela AT, desta forma não podendo estar provado nos autos que durante o processo de produção e comercialização de vinhos serem registadas perdas, como a mesma invoca, quando nenhumas registou na sua contabilidade e nem veio a oferecer qualquer prova atinente (8), e nem colocar em causa o julgamento da matéria de facto tal como foi efectuado pelo Tribunal “a quo”, onde estas não aparecem dadas como provadas, de acordo com o disposto no art.º 685.º-B do CPC (redacção actual e já a aplicável), já que também este Tribunal, não vislumbra dos autos qualquer documento para, oficiosamente, ao abrigo do disposto no art.º 712.º do mesmo CPC, dar tal matéria como provada.

Também a interpretação seguida não pode ofender o princípio da tributação pelo lucro real que, aliás, é tendencial e não absoluto – cfr. art.º 104.º n.º2 da CRP – a tributação das empresas incide fundamentalmente sobre o seu rendimento real, que não exclusivamente, nem se pode mostrar violado o direito de acesso aos tribunais previsto no art.º 20.º da mesma CRP, que no caso foi assegurado, sendo a prova disso que a ora recorrente se encontra em juízo a fazê-lo, a não ser que a recorrente defenda que, sempre que não alcance êxito na pretensão tentada alcançar, se lhe esteja a frustar tal direito.


Improcede assim, toda a matéria das conclusões das alegações do recurso, sendo de lhe negar provimento e de confirmar a sentença recorrida que no mesmo sentido decidiu.


C. DECISÃO.
Nestes termos, acorda-se, em negar provimento ao recurso e em confirmar a decisão recorrida.


Custas pela recorrente.


Lisboa,9 de Novembro de 2011
Eugénio Sequeira
Aníbal Ferraz
Pereira Gameiro

(1) Cfr. entre outros, os acórdãos do STA de 2.10.1996 (ambos), recursos n.ºs 20472 e 20491.
(2) Cfr. neste sentido, para além do acórdão deste TCAS de 12.10.2004, recurso n.º 5815/01, entre muitos outros, os acórdãos do STJ de 2.10.2003 (ambos), recursos n.ºs 2585/03, Rec. Rev., 2.ª Secção e n.º 480/03, Rec. Agravo, 7.ª Secção.
(3) De resto, tal impossibilidade de apuramento do lucro tributável por métodos indirectos, mercê da impossibilidade de o ser pelo método directo, nem necessitava de ser expressamente invocado, bastando que os factos apurados para o efeito a concretizassem – cfr. neste sentido os acórdãos do STA de 7-6-2006 e de 7-10-2009, proferidos nos recursos n.ºs 1293/05 e 422/09, respectivamente.
(4) Cfr. neste sentido, o acórdão do TCAN de 17-1-2008, recurso n.º 641/07.
(5) In Código de Procedimento e de Processo Tributário, anotado, 2.ª Edição revista e aumentada, 2000, VISLIS, pág. 500, nota 14.
(6) Ob. cit. pág. 127, nota 11.
(7) Cfr. em caso paralelo, o recente acórdão do STA de 21-9-2011, proferido no recurso n.º 537/11.
(8) Sendo assim descabida a inserção de o Tribunal “a quo” não ter feito exame crítico de provas ...inexistentes (cfr. matéria da sua conclusão XIII) – cfr. art.º 659.º, n.º3 do CPC.