Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:59/09.5BELRS
Secção:CT
Data do Acordão:02/25/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:PRINCÍPIO DO DISPOSITIVO
PRINCÍPIO DO INQUISITÓRIO
DOCUMENTO PROTESTADO JUNTAR
Sumário:I - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão.
II - No contencioso tributário, a falta de contestação não implica a confissão dos factos nem qualquer efeito cominatório (artigos 110.º n.º 6 e 211.º, n.º 1, ambos do CPPT).
III - O princípio do dispositivo pressupõe a autorresponsabilização das partes incumbindo-lhes a iniciativa na instauração da acção, na delimitação e configuração do seu objecto e ainda o ónus de promover as diligências processuais destinadas à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.
IV - O princípio do inquisitório confere ao juiz a incumbência de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, não se destinando a suprir eventuais falhas de instrução pelas partes.
V – Está vedado ao juiz decidir que a parte não provou um facto, sem antes determinar a sua notificação para proceder à junção dos documentos que protestou juntar tendo em vista a prova de tal facto.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a primeira Sub-Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I – Relatório

M….., vem recorrer da sentença que, relativamente à acção de oposição no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….. e apensos, que o Serviço de Finanças de Lisboa – 4 instaurou por reversão das dívidas da sociedade “B….., Lda”, referentes a Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo ao último trimestre de 2005 e coimas de 2007, no valor global de € 10 126,51 (correspondendo € 8 678,61 a IVA e € 1 447,90 a coimas), julgou parcialmente procedente quanto às dívidas provenientes de coimas fiscais e improcedente quanto às dívidas tributárias.

A recorrente terminou as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões:

« 1 - Não se tendo provado a culpabilidade da Oponente/Recorrente quanto á insuficiência do património da sociedade, ónus que impendia sobre a A.F., conforme fundamentos da douta sentença, então, não pode a Oponente/Recorrente ser responsabilizada pela divida tributária, conforme dispositivo da douta sentença.

Trata-se pois, de oposição entre os fundamentos e a decisão, que importam na nulidade da sentença, conforme art. 668º, nº 1, c) do CPC.

2 - Os factos alegados pela Recorrente no requerimento de oposição, bem como os documentos juntos, são essenciais para a descoberta da verdade e para a boa decisão da causa, visto que, visam demonstrar a inculpabilidade da Recorrente quanto à diminuição do património da devedora principal, pois que,

3 - Tendo em consideração aqueles factos e dando à Oponente/ Recorrente a oportunidade de prova-los, carreando para os autos os meios de prova que julgasse convenientes, poderia aquela alcançar o objectivo que se propôs, provar que não foi culpa sua a diminuição do património da devedora principal, antes porém, tal deveu-se a factos fortuitos, alheios à sua vontade, como alegou.

4 – Não foi dada á Oponente a possibilidade de provar os factos que alegou e que são essenciais, nem foi notificada para juntar os documentos que protestou juntar conforme declaração no requerimento de oposição.

5 - Os factos alegados pela recorrente tendentes a demonstrar a sua inculpabilidade, não foram impugnados e como são essenciais para a descoberta da verdade, deveriam ter sido levados á base instrutória uns, e outros provados com base nos documentos juntos.

6 - È nosso entendimento que, a norma do artigo 24º, nº 1, alínea b) é aplicável aos casos em que, o responsável subsidiário não exercia o cargo de gerente ao tempo do nascimento do facto tributário, mas veio a exercê-lo depois, já o exercendo quando ocorreu o prazo legal de pagamento.

E, a norma do artigo 24º, nº 1, alínea a) é aplicável ao responsável subsidiário que, exerce a gerência/administração à data dos factos geradores do nascimento da divida tributária, como é o caso dos autos.

É pois esta a norma aplicável.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá dar-se provimento ao recurso, consequentemente, deverá ser decretada a nulidade da douta sentença substituindo-se por decisão julgando procedente a oposição ou deverá ser revogada ordenando-se a selecção da matéria de facto que inclua os factos essenciais alegados pela recorrente e bem assim possibilitando-se apresentação de meios de prova, pois, só assim se fará JUSTIÇA.»


Notificada da admissão do recurso jurisdicional, a Fazenda Pública, ora Recorrida, optou por não contra-alegar.


A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal Central, emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência desta primeira Subsecção do Contencioso Tributário para decisão.

II – Delimitação do objecto do recurso

O objecto do recurso, salvo questões de conhecimento oficioso, é delimitado pelas conclusões dos recorrentes, como resulta dos artigos 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil.

Assim, considerando o teor das conclusões apresentadas, importa apreciar e decidir:

i) se a sentença é nula por contradição entre os fundamentos e a decisão;
ii) se ocorre erro de julgamento da matéria de facto e da valoração da prova;

iii) se a sentença incorreu em erro de julgamento por violação do dever de notificação da recorrente para juntar os documentos que, na petição inicial, protestou juntar;

iv) se se verifica erro de julgamento de direito


*

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1 – Fundamentação de facto


A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:

« 1. Em 19 de Junho de 2005 foi instaurada pelo Serviço de Finanças de Lisboa 4 contra da Sociedade B….., Lda., a execução fiscal n.° ….., tendo em vista a cobrança coerciva de dívidas de IRS relativo ano de 2004, nos montantes de € 268,29 e € 193,00, tituladas, respectivamente, pelas certidões de dívida n.°s ….. e ….. (cfr. docs. de fls. 28 e 29 dos autos);

2. Ao processo de execução supra identificado foram posteriormente apensados os processos de execução fiscal n.°s ….., ….., ….., todos por dívidas de IRS relativo ao ano de 2004, ….., por dívida de IVA relativo ao último trimestre do ano de 2005 e ….., por dívidas de Coimas fiscais relativas ao ano de 2007, instaurados, respectivamente, em 20 de Junho de 2005, 24 de Junho de 2005, 4 de Agosto de 2005, 23 de Março de 2006 e 23 de Junho de 2007, nos montantes de, respectivamente, € 461,29, € 461,29, € 658, 69, € 8.678,61, € 351,16, € 129,46, € 125,19, € 125,19, € 125,19, € 125,19, € 164,33, € 147,78, € 70,59 e € 83,82, tituladas, respectivamente, pelas certidões n.°s ….. (cfr. docs. de fls. 28 a 43 dos autos);

3. Em 22 de Agosto de 2005 a Oponente efectuou o pagamento das dívidas de IRS relativo ao ano de 2004, nos montantes de € 268,29, € 193,00, € 461,29, € 461,29 e € 658, 69, tituladas, respectivamente, pelas certidões de dívida n.°s ….., ….., ….., …..e ….. (cfr. docs. de fls. 28 a 32 dos autos);

4. Por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 de 17 de Março de 2008 foi determinada a notificação da Oponente, na qualidade de responsável subsidiário, para audição prévia sobre o projecto de despacho de reversão das dívidas em cobrança coerciva, com a seguinte fundamentação:

“Nos termos dos art.°s 23.° e 24.° da LGT a responsabilidade subsidiária efectiva-se por reversão contra os responsáveis subsidiários, dependendo esta da diligência da insuficiência de bens penhoráveis do devedor principal.

Pelas buscas e diligências efectuadas, não foram detectados bens ou rendimentos em nome do executado, concretamente, não é proprietário de bens imóveis, viaturas, contas bancárias ou outros tipos de rendimentos que possam servir de garantia para pagamento dos presentes autos.

Consideram-se verificadas as condições para reversão da dívida contra os responsáveis subsidiários, constantes dos documentos oficiais — designadamente registo na Conservatória e certidão de diligências, bem como Declarações de Rendimentos - Modelo n. ° 22 de IRC - Declarações Anuais de Rendimento - Visão do Contribuinte — Relações Inter pessoais, por Gerência de Facto, compreendendo o período da gerência e da dívida e de acordo com o disposto nos artigos 23. * 24. ° da LGT e 153. ° e 160, ° do CPPT” (Cfr. docs. de fls. 44 a 49 dos autos);

5. Em 30 de Abril de 2008, o Sr. Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 lavrou a seguinte decisão;

“Face às diligências de fls. ..., e estando concretizada a audição do(s) responsável(veis) subsidiário(s), prossiga-se com a reversão da execução fiscal contra M….. contribuinte n.° ….., morador em ….. Lisboa, na qualidade de Responsável Subsidiário, pela dívida abaixo discriminada.

Atenta a fundamentação infra, a qual tem de constar da citação, proceda-se à citação do(s) executado(s) por reversão, nos termos do Art.° 160° do C.P.P.T para pagar no prazo de 30 (trinta) dias, a quantia que contra si reverteu sem juros de mora nem custas (n. ° 5, do Art° 23° da L. G. T). ” (Cfr. docs. de fls. 50 e 51 dos autos);

6. Naquele dia 30 de Abril de 2008, o mesmo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4 lavrou despacho em que se lê:

[…] Verifica-se do processado, que aquele responsável não aproveitou, dentro do prazo aludido, da faculdade que lhe havia sido concedida.

O artigo 24° da Lei Geral Tributária delimita as situações passíveis de enquadrar a responsabilidade subsidiária dos corpos sociais da sociedade, cooperativas e empresas públicas.

Tal responsabilidade é do tipo ex-lege, isto é, caracteriza uma fiança legal, e os seus pressupostos assentam no exercício de funções de administração, direcção ou gerência, de facto ou de direito, e na presunção da existência de culpa funcional.

Demonstrada a gerência de direito, é de presumir a gerência de facto, dado que a ausência desta apenas poderá advir, de um lado, de inércia ou de falta de vontade do gerente e, por outro, da violação dos seus deveres para com a sociedade. E, exteriorizando o gerente, director ou administrativo, a vontade da sociedade nos mais diversos negócios jurídicos realizados (cfr. Artigos 248°, 249° e 250° do Código Comercial e Artigos 191°, 192°, 193°, 252°, 259°, 260°, 261°, 390°, 405°, 408°, 470°, 474° e 478°, todos do Código das Sociedades Comerciais), é lícito que este seja responsabilizado pelo cumprimento das obrigações públicas da sociedade, já que age através daquele.

Nestes moldes, ao abrigo de preceituado pelo Artigo 24.° da Lei Geral Tributária, e nos exactos termos do Artigo 160°do Código de Procedimento e de Processo Tributário, reverto a execução contra M….., o qual passa a responder, individualmente, pelo valor de € 10.126,51 (dez mil cento e vinte e seis euros e cinquenta e um cêntimos). ” (Cfr. doc. De fls. 52 e 53 dos autos).

7. No seguimento de citação, foi extraído mandado de citação pelo Chefe do Serviço de Finanças de Lisboa 4, tendo a certidão de citação sido assinada pela Oponente em 30 de Abril de 2008 (cfr. docs. de fls. 54 a 59 dos autos);

8. A presente oposição deu entrada no Serviço de Finanças de Lisboa 4 em 3 de Junho de 2008, conforme carimbo aposto na petição inicial (cfr. fls. 6 dos autos);

9. Em 29 de Fevereiro de 2000, foi constituída a Sociedade ….., Lda., cujo objecto social consistia na produção, importação, exportação e comércio por grosso e retalho de vestuário e acessórios de moda (cfr. fls. 1v do doc. de matrícula n. ° 8.900/000229 constante de fls. s.n. do processo instrutor);

10. Desde a data da constituição da sociedade sempre foi M….. quem geriu a sociedade B….., Lda. (cfr. o invocado no art. ° 20. ° da petição inicial e fls. lv do doc. de Matricula n.° 8.900/000229 constante de fls. s.n. do processo instrutor).»

Consta ainda da mesma sentença que «Com interesse para a decisão nada mais se provou de relevante.» e que «Assenta a convicção deste Tribunal no exame dos documentos constantes dos presentes autos e do processo instrutor, não impugnados, referidos a propósito de cada alínea do probatório»

III. 2 – Fundamentação de direito


O recurso que nos vem dirigido restringe-se ao segmento de improcedência da acção por o Juiz a quo ter julgado que a oponente, ora recorrente, não fez prova de não lhe ser imputável a falta de pagamento das dívidas tributárias, não estando em causa a responsabilidade da recorrente quanto às dívidas provenientes de coimas por dela ter sido considerada parte ilegítima.


i) Da nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão

A Recorrente alega que, em resultado da contradição entre os fundamentos e a decisão, a sentença é nula. Lendo o corpo da alegação na parte correspondente, percebe-se que a invocada nulidade resulta, de a fls. 12 da sentença se fazer menção a que, nos termos do disposto no artigo 24.º, n.º 1 a) da LGT cabe
à administração tributária «
alegar e demonstrar, além do mais, que os titulares dos respectivos órgãos sociais não acautelam devidamente a solvabilidade das empresa, omitiram actos de administração ou gestão adequados à salvaguarda dos interesses do fisco ou praticaram actos de dissipação patrimonial adequados a pôr em causa esses interesses, e assim violaram o dever geral de boa prática tributária, quando podiam e deviam ter agido de modo a cumprir esse dever» e a fls. 16 consta que «para que a reversão pudesse operar-se contra a Oponente competia à administração fiscal fazer alegação e prova dos factos integradores da culpa da oponente na insuficiência do património societário (…) a decisão de reversão é totalmente omissa nessa matéria». Conclui que estando a responsabilidade da recorrente prevista no artigo 24.º, n.º 1, al a) da LGT, não se tendo provado a sua culpabilidade, ónus que impendia sobre a AF, não pode a recorrente ser responsabilizada pela dívida tributária, conforme dispositivo da sentença, estando em causa a oposição entre os fundamentos e a decisão que importam a nulidade da sentença cf. artigo 668.º, n.º 1, c) do CPC.

A contradição decorrente da oposição entre os fundamentos e a decisão, tal como estabelece o artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC é cominada com a nulidade da sentença.

Porém, para que tal ocorra não basta uma qualquer divergência inferida entre os factos provados e a solução jurídica, podendo tal divergência consubstanciar antes um mero erro de julgamento (error in judicando). Conforme referem Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luis Filipe Pires de Sousa, CPC anotado, Volume I página 763, a nulidade prevista no artigo 615º, nº 1, alínea c) do CPC, que na versão aplicável ao caso dos autos constava do artigo 668.º «ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão, ou seja, em que a fundamentação aponta num sentido que contradiz o resultado final. Situações que, sendo violadora do chamado silogismo judiciário, em que as premissas devem condizer com a conclusão, também não se confunde com um eventual erro de julgamento, que se verifica quando o juiz decide contrariamente aos factos apurados ou contra norma jurídica que lhe impõe uma solução jurídica diferente.».

No caso, não se verifica a apontada contradição.

Se lermos a sentença concluímos que a coerência entre os fundamentos e a decisão é absoluta. Senão vejamos. Estavam em causa dívidas provenientes de IVA relativamente às quais a responsabilização subsidiária do gerente rege-se pelo artigo 24.º da LGT e dívidas provenientes de coimas cujo regime de responsabilização subsidiária está prevista no artigo 8.º do RGIT.

Ora, na página 12 da sentença recorrida o Juiz a quo procedeu ao enquadramento legal do instituto da reversão explicitando a diferença de regime entre a alínea a) e a alínea b) do n.º 1 do artigo 24.º da LGT concluindo relativamente aos casos em que é aplicável a alínea a) «Nestes casos, é a Administração Fiscal que incumbe alegar e demonstrar, além do mais, que os titulares respectivos dos órgãos sociais não acautelaram devidamente a solvabilidade da empresa, omitiram actos de administração ou gestão adequados à salvaguarda dos interesses do fisco ou praticaram actos de dissipação patrimonial adequados a pôr em causa esses interesses, e que assim violaram o dever geral de boa prática tributária, quando podiam e deviam ter agido de modo a cumprir esse dever.»

Prossegue a decisão recorrida referindo-se ao caso concreto declarando que «No caso, não estando em causa que foi a Oponente, de facto e desde sempre, a única gerente da sociedade devedora originária e a pessoa que sempre comandou os seus destinos, para que a Oponente se exima da responsabilidade subsidiária terá de demonstrar que a falta de entrega dos montantes em dívida não lhe é imputável (artigo 24.°. n.° 1 alínea b) da LGT). Se tal prova não tiver sido feita, ou se ficarem dúvidas quanto à não imputabilidade da falta de entrega do imposto apurado, a oposição não poderá proceder.

“In casu”, verifica-se que a Oponente não demonstra factos que permitam concluir que não lhe é imputável a situação de falta de solvabilidade da empresa para pagamento das dívidas, menos ainda, que manteve (entre a data do facto e a do pagamento a que faltou) uma actuação diligente e cuidada na orientação da sociedade devedora originária.»

A conclusão que na sentença se extrai da apreciação que se citou apenas em súmula, e que se mostra mais detalhadamente desenvolvida, é a seguinte: «Face ao exposto, entende o tribunal que a oponente não fez prova de não lhe ser imputável a falta de pagamento.

Pelo que a presente oposição improcede no que respeita à reversão por dívidas tributárias.»

Conclusão que é reflectida no segmente decisório com o julgamento da improcedência da oposição relativamente às dívidas tributárias (segundo segmento da decisão).

Não esquecendo que estavam ainda em execução dívidas respeitantes a coimas fiscais, na sentença fez-se o enquadramento das normas aplicáveis, «Tratando-se de dívidas relativas ao ano de 2007, o regime legal da responsabilidade subsidiária dos administradores ou gerentes pelo seu pagamento é o do artigo 8.°, n.° 1, do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), aprovado pela Lei n.° 15/2001, de 5 de Junho, o qual dispõe: 1 - Os administradores, gerentes e outras pessoas que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas colectivas, sociedades, ainda que irregularmente constituídas, e outras entidades fiscalmente equiparadas são subsidiariamente responsáveis:

a) Pelas multas ou coimas aplicadas a infracções por factos praticados no período do exercício do seu cargo ou por factos anteriores quando tiver sido por culpa sua que o património da sociedade ou pessoa colectiva se tomou insuficiente para o seu pagamento;

b) Pelas multas ou coimas devidas por factos anteriores quando a decisão definitiva que as aplicar for notificada durante o período do exercício do seu cargo e lhes seja imputável a falta de pagamento.

É pois, certo que para que a reversão da execução pudesse operar-se contra a Oponente competia à Administração Fiscal fazer a alegação e prova dos factos integradores da culpa do Oponente na insuficiência do património societário.

E a verdade é que a Administração Fiscal também nada adiantou a este respeito. Nada ficou alegado ou demonstrado quanto à génese da situação de insuficiência patrimonial que esteve na origem da reversão da execução contra o Oponente. A decisão de reversão é totalmente omissa nesta matéria.

Assim sendo, a Oponente é parte ilegítima nas execuções por dívidas emergentes de Coimas fiscais.» Também quanto à apreciação levada a cabo sobre a responsabilidade da recorrente quanto às coimas se fez constar no segmento decisório que a oposição era julgada parcialmente procedente quanto às dívidas provenientes de Coimas fiscais.

Tratou-se pois, de analisar a responsabilidade por dívidas diferentes, a que são aplicáveis regimes diferentes, não se verificando a apontada contradição.

Donde se conclui pela improcedência do vício de nulidade que vimos apreciando.


ii) Do erro de julgamento da matéria de facto e da valoração da prova


Na conclusão 5 alega a recorrente que os factos alegados tendentes a demonstrar a sua inculpabilidade não foram impugnados e como essenciais que são, para a descoberta da verdade, deveriam ter sido levados à base instrutória uns e outros provados com base nos documentos juntos. É nas alegações que a recorrente identifica os artigos 6º ao 22º da petição inicial como factos essenciais para a descoberta da verdade.

Inexistindo base instrutória no processo tributário, e sendo o julgamento da matéria de facto efectuada na sentença considerar-se-á que a recorrente pretende impugnar a matéria de facto no entendimento de que os factos por si alegados na petição inicial deveriam considerar-se provados, e assim sendo, deveriam constar do probatório.

Importa ter presente que a impugnação da matéria de facto, tal como resulta do disposto no artigo 640.º do CPC, obedece a regras que não podem deixar de ser observadas. Dispõe-se na referia norma que:

«1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;

b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;

c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.

2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:

a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;

b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.

3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.»

Da leitura da citada disposição legal, em confronto com as conclusões da alegação de recurso resulta a conclusão de que a matéria de facto não foi impugnada de forma que, nos termos da lei, permita qualquer alteração da mesma.

Senão vejamos.

Não é pela falta de impugnação dos factos alegados e considerados essenciais pela recorrente que os mesmos hão de constar como factos provados. Importa não esquecer que o contencioso tributário tem especificidades que é necessário ter em conta. Conforme resulta do disposto nos artigos 110.º n.º 6 e 211.º, n.º 1, ambos do CPPT, a falta de contestação não implica a confissão dos factos. Ainda que não tivesse sido apresentada contestação, o que não sucede no caso dos autos, não poderia aplicar-se o efeito cominatório pretendido pela recorrente.

Importa ainda ter em conta que os factos alegados pela recorrente na petição (artigo 6º a 22º) constituem factos que implicavam a produção de prova, ónus que incumbia à recorrente. Não basta alegar os factos constitutivos do direito que se arroga, impõe-se que a parte que os alega, cumpra com o ónus de os provar, carreando para os autos os meios de prova que entenda aptos e idóneos para o efeito. Este é o princípio geral em matéria de ónus da prova constante do n.º 1 do artigo 343.º do Código Civil, nos termos do qual, compete ao autor a prova dos factos constitutivos – positivos ou negativos - do direito que se arroga e ao réu a prova dos factos impeditivos daquele. Regime que encontra consagração no procedimento e processo tributário no artigo 74.º, n.º 1 da LGT.

Ainda assim, importa referir que, não havendo uma indicação clara pela recorrente da decisão que, no seu entender, devia ser proferida sobre as questões de facto (no caso, que deveriam ter sido dados como provados), percorrendo os artigos da petição inicial indicados pela recorrente constatamos que os factos neles alegados: «passou a enfrentar forte concorrência», «diminuição da clientela», «ficou impossibilitada de solver as suas obrigações», «mudou a sede», registava prejuízos acumulados», não lhe foi possível levantar as benfeitorias realizadas no arrendado, o seu activo é composto por produtos com defeito de fabrico, «fora de moda», «insusceptíveis de venda», não seriam susceptíveis de integrar o probatório sem que a recorrente tivesse indicado meios de prova testemunhal e/ou documental para além da que indicou.

Assim sendo, incumbia à recorrente indicar na petição inicial os meios de prova com os quais pretendia efectuar a prova dos factos que invocava. Não o tendo feito, só a si poderá ser imputável a perda da oportunidade da produção da prova dos factos que invocou, designadamente pela falta de indicação de testemunhas a inquirir nos autos. Donde se conclui que improcede este segmento do recurso.


iii) Do erro de julgamento por violação do dever de notificação da recorrente para juntar os documentos que, na petição inicial, protestou juntar


Nas conclusões 2 a 4 invoca a recorrente que alegou factos e juntou documentos tendentes a provar esses factos, total ou parcialmente e que não lhe foi dada a possibilidade de provar os factos que invocou nem para requerer as provas que fossem idóneas a provar que não foi por culpa sua que se tornou insuficiente o património da devedora principal para satisfazer as dívidas fiscais. Invoca ainda que protestou juntar documentos que consistiam em guias de pagamento de impostos em valor superior a € 40 000,00 para prova do esforço que havia feito à custa do seu património e da sua família, conforme factos que alegou e não foi notificada para os juntar.

Nos termos do artigo 206.º do CPPT, com a petição em que deduza oposição à execução deve o executado/oponente juntar todos os documentos, arrolar as testemunhas e requerer as demais diligências de prova. No caso que temos vindo a apreciar não foi coartada a possibilidade de a recorrente requerer os meios de prova porque, como deixámos dito supra, essa possibilidade deveria ter sido exercida na petição inicial, conforme decorre das citadas disposições legais.

Na falta de indicação de testemunhas, não sendo do conhecimento do tribunal a existência de pessoas com conhecimento dos factos relevantes para a descoberta da verdade material, não haverá lugar ao agendamento da diligência de inquirição de testemunhas.

O sistema processual tributário é temperado pelos princípios do dispositivo e do inquisitório. O primeiro princípio pressupõe a autorresponsabilização das partes incumbindo-se-lhes a iniciativa na instauração da acção, na delimitação e configuração do seu objecto, cabendo-lhes ainda o ónus de promover as diligências processuais destinadas à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. O segundo princípio consagrado em diversas disposições legais, e actualmente, especificamente no artigo 411.º do CPC, aplicável ao processo tributário subsidiariamente, por forçado disposto no artigo 2.º alínea e) do CPPT, em termos semelhantes ao que dispunha o artigo 265.º, n.º 3 do CPC na sua versão anterior à aprovada pela Lei n.º 41/2013 de 26/6, reconduz-se à atribuição ao juiz da incumbência de «realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer

Como referem os autores já citados no CPC anotado Vol I pág 503, o princípio do inquisitório «não poderá ser invocado para, de forma automática, superar eventuais falhas de instrução que sejam de imputar a algumas das partes, designadamente quando esteja precludida a apresentação de meios de prova (cf. RC 12-3-19, 141/16).» Funcionado o princípio do dispositivo «no que concerne à alegação dos factos, mas concede-se ao juiz a faculdade e, simultaneamente, o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos. Continua a impender sobre as partes o ónus de indicação dos meios de prova, a observar, em regra, nos articulados (arts. 552º, nº6 e 572º, al d)), mantendo-se o normativo do art. 139º, nº 3, segundo o qual o decurso de um prazo perentório extingue o direito de praticar o ato. Mas por outro lado, o preceito faz apelo à realização de diligências que importem à justa composição do litígio, enquanto o art. 526º impõe ao juiz um verdadeiro dever jurídico que deve exercer sempre que no decurso da ação se revele a existência de testemunhas não arroladas».

Aqui chegados, impõe-se concluir que, não tendo a recorrente arrolado testemunhas e não resultando dos autos a identificação de pessoa que tivessem conhecimento de factos que relevassem para a descoberta da verdade material, não se impunha ao juiz a quo a abertura da instrução.

Quanto aos documentos que a recorrente protestou juntar.

Nas alegações explicita a recorrente que os documentos protestados juntar visavam demonstrar que que a recorrente realizou pagamentos de impostos da responsabilidade da devedora principal, de elevados montantes
à custa do seu património pessoal e da sua família para assim demonstrar que não contribuiu com actos ou omissões para a diminuição do património da devedora principal.

Se é certo que era à parte que incumbia a junção dos referidos documentos, não podemos esquecer o que supra se deixou dito relativamente ao princípio do inquisitório.

Na verdade, resulta dos autos que a recorrente alegou os factos que pretendia provar com os aludidos documentos que protestou juntar e identificou-os.

Vindo o Juiz a quo a decidir que «a Oponente não apresenta qualquer elemento de prova destas ou de quaisquer outras diligências que tenha realizado quando se confrontou com as dificuldades financeiras da sociedade devedora originária» e estando em causa, como está no processo, a apreciação da culpa da executada na insuficiência de património para o pagamento das dívidas tributárias, a prova relativa ao montante de impostos pagos, que a recorrente pretendia efectuar com a junção das guias de pagamento, alegando ter pago dívidas no valor de € 40 000,00 impunha-se que antes de proferida a sentença fosse dirigido à parte o convite à sua apresentação atento o princípio do inquisitório que impõe o dever de, tanto quanto possível, aferir a veracidade desses factos.

Concluímos assim pela procedência desta conclusão de recurso, o que implica considerar prejudicada a apreciação da questão relativa ao erro de julgamento na apreciação do direito (conclusão 6ª).

IV – CONCLUSÕES

I - A nulidade da sentença por oposição entre os fundamentos e a decisão prevista no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC ocorre quando existe incompatibilidade entre os fundamentos e a decisão.

II - No contencioso tributário, a falta de contestação não implica a confissão dos factos nem qualquer efeito cominatório (artigos 110.º n.º 6 e 211.º, n.º 1, ambos do CPPT).

III - O princípio do dispositivo pressupõe a autorresponsabilização das partes incumbindo-lhes a iniciativa na instauração da acção, na delimitação e configuração do seu objecto e ainda o ónus de promover as diligências processuais destinadas à tutela dos seus direitos e interesses legalmente protegidos.

IV - O princípio do inquisitório confere ao juiz a incumbência de realizar ou ordenar, mesmo oficiosamente, todas as diligências necessárias ao apuramento da verdade e à justa composição do litígio, quanto aos factos de que lhe é lícito conhecer, não se destinando a suprir eventuais falhas de instrução pelas partes.

V – Está vedado ao juiz decidir que a parte não provou um facto, sem antes determinar a sua notificação para proceder à junção dos documentos que protestou juntar tendo em vista a prova de tal facto.


V – DECISÃO

Termos em que, acordam os juízes que integram a 1ª Subsecção do Contencioso Tributário deste Tribunal Central Administrativo em conceder provimento ao recurso e em consequência revogar a sentença recorrida, determinando a baixa dos autos ao Tribunal a quo para aí, depois de notificada a recorrente para os fins acima indicados, ser proferida nova sentença.

Sem custas.

Lisboa, 25 de Fevereiro de 2021.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão as restantes Desembargadoras integrantes da formação de julgamento, as Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes.