Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:508/06.4BECTB
Secção:CA
Data do Acordão:12/16/2021
Relator:DORA LUCAS NETO
Descritores:RJUE;
PROJETOS ESPECIALIDADES;
IMPUGNAÇÃO MATÉRIA DE FACTO;
LIMITES FUNCIONAIS;
JUSTIÇA ADMINISTRATIVA
Sumário:Um dos limites funcionais da justiça administrativa é o da autocontenção do juiz administrativo perante a reserva de discricionariedade, no quadro de uma divisão equilibrada de poderes.
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

A…, interpôs recurso jurisdicional do acórdão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Castelo Branco, de 27.06.2013, que julgou parcialmente procedente a ação administrativa especial de impugnação de ato administrativo, por si intentada contra o Município da Guarda, sendo contrainteressados H…, S.A. e V…, anulando o ato de licenciamento, julgando improcedente o pedido de indemnização e não conhecendo do pedido condenatório.

Nas alegações de recurso que apresentou, concluiu como se segue – cfr. fls. 975 e ss., ref. SITAF:

«A) A Câmara Municipal da Guarda licenciou à Ré H…, por Alvará de Obra n.° 1…/ a construção de um imóvel, de raiz, porque em profundidade e em altura não era uma reconstrução de uma pequena casa, que no local existia, cuja implantação do projecto não cabia no lote da requerente, facto este apontado pelos Serviços do Município e reconhecido pela Ré, com a seguir se demonstra:

«o requerente não esclarece a origem da diferença de área existente entre as áreas abrangidas pelo projecto e referenciadas no processo inicial e as áreas constantes na presente planta de implantação.» (alínea F).

«... alegou ter havido lapso no levantamento topográfico, pelo que apresentou uma nova planta de implantação com diminuição da área de implantação que passou a ter 525m2 e ser coincidente com a área registada na Conservatória — ponto este esclarecido pelos senhores Peritos no seu Relatório!!! (que não viram nova planta) (alínea M)

B) Foi afirmado pelo réu Município (como já consta da matéria assente):

«O projecto localiza-se em terreno contíguo a um imóvel que comporta um edifício em processo de classificação (casa n.° … Rua B…) com despacho de abertura de 04.02.1997) pelo que é abrangido pela respectiva zona de protecção... na qual não podem ser autorizadas ou licenciadas obras sem o parecer prévio do IPPAR, conforme disposto pela Lei n.° 107/2001»

A Câmara Municipal da Guarda, autora desse processo, cometeu o erro de emitir o Alvará, em questão, sem respeito pela legislação e sem respeito pela sua própria deliberação anterior em prol do interesse público.

C) Que o terreno em que o réu e os contra interessados pretenderam implantar a obra objecto de licenciamento não admite a referida obra por falta de área disponível., disseram-no as testemunhas inquiridas a esta matéria; declarou-o a ré, como já se referiu na matéria assente e declarou-o a co-interessada H…, como consta da alínea M) da matéria assente; e comprova-se exaustivamente com os documentos juntos em audiência.

Todavia...

D) A obra foi licenciada devendo respeitar os limites do prédio do A. ( em toda a sua dimensão, altura, largura e profundidade ) designadamente o muro de separação deste com o terreno onde a obra é implantada, pelo que tal obra não é implantada no prédio do A. nem com invasão deste , sendo certo que o projecto aprovado salvaguardou o muro limitador do prédio do A., com o qual a construção aprovada não pode interferir (Resposta ao quesito 24.°)

(Provada esta matéria, que dúvidas o tribunal pode ter de que o muro era do A. e a Ré H… apoderou-se dele?!)

E) Provou-se que na aprovação do projecto não foi apresentado projecto referente a obras de demolição nem de remodelação dos terrenos (R. ao Quesito 10.°). E provou-se também a que não foi apresentado pelo interessado, para execução dos trabalhos de escavação, o projecto de escavação e de contenção periférica (R. ao quesito 12.°) matéria esta que foi determinante de muitas outras irregularidades e violações, designadamente, das violações dos direitos do A., porque se fosse feita e mantida a contenção periférica, não teria sido atingida a sua propriedade.

F) Certo que a co-interessada H…, SA foi notificada do parecer dos serviços da C.M.G., datado de 18/07/2006, para «...tomar as medidas necessárias para não agravar as condições de salubridade e segurança das edificações confinantes, segundo o estipulado no Decreto-Lei n.°273/2003- de 29 de Outubro - (alínea AA.) mas a partir daí a situação patrimonial do Autor agravou-se até atingir a espoliação que nela se verifica ainda hoje!!!

G) Os comportamentos das requeridas causaram no autor danos físicos e morais de reconhecida gravidade.

H) Foram violadas as disposições legais citadas e as que com elas se relacionam, designadamente do Decreto-Lei n.° 555/99, da Lei n.° 107/2001, da Portaria n.° 1110/2001, do Dec.-Lei n.° 273/2003, do Dec.-Lei n.° 794/76, art. 23.° PDM. (…)».

Também o Recorrido Município da Guarda veio recorrer da decisão do tribunal a quo, aqui concluindo que - cfr. fls. 1002 e ss, ref. SITAF:

«I - Não ficou provado que falta projecto de escavação.

II - Pelas razões expostas deve ser alterada a resposta ao quesito 12 de forma a obter a seguinte resposta: Art° 12: “Não Provado”.

III -O projecto de contenção periférica consta do projecto de estabilidade, constando deste os necessários muros de contenção conforme se verifica das respectivas plantas estruturais (fundações e piso1,2 e 3).

IV - A necessidade do projecto de escavação deve ser analisado conforme os casos.

V - No presente caso [não sendo] os trabalhos de escavação não constitui uma operação urbanística autónoma.

VI - O projecto de arquitectura caracteriza a área de escavação de solos e o projecto de estabilidade contempla os muros de contenção ou muros de contenção periférica.

VII-O Senhor Juiz violou ou interpretou erradamente o disposto no Artigo 653.°, n.° 2 do C. P. Civil e o disposto no Artigo 11,°, n.° 1, alínea m) e n.° 5 da Portaria 1.110/2001 de 19/9, devendo estes dispositivos legais serem aplicados e interpretados no sentido exposto.» (sublinhados nossos).


Por sua vez, também, contra-alegou o Recorrido Município o recurso interposto pelo A., pugnado pela improcedência do mesmo – cfr. fls. 1016, ref SITAF.

Assim como o A., Recorrido, contra-alegou o recurso interposto pelo Recorrido Município, tendo aqui concluído que – cfr. fls. 1057 e ss., ref. SITAF:
« A) Ficou demonstrado que a Câmara Municipal licenciou à ré H…, pelo Alvará de Obra n°. 1…, a construção de um imóvel, de raiz, porque em profundidade e em altura não era uma reconstrução de uma pequena casa de rés do chão e andar que no local existia, cuja implantação do projeto não cabia na área do lote da requerente - facto que o Município verificou, documentou e que a mesma requerente veio a reconhecer, por escrito - sem que fosse apresentado novo projeto, que não excedesse a área do lote:
- pois do lado sul o prédio do autor tinha um muro e um ajardinado que foram ocupados com a construção que as rés executaram em profundidade e o logradouro está ainda destruído ...devido à esventração, conforme documentos e depoimentos constantes dos autos!
B) Consequentemente, no uso do referido Alvará, que a Câmara Municipal emitiu com violação da lei e do direito, a cointeressada H…, excedeu a sua área (que reconheceu ser apenas de 525 m2.) e invadiu as propriedades situadas a norte, nomeadamente a do autor, onde escavou o logradouro e derrubou um muro, apropriando-se dos respetivos terrenos para neles implantar uma parede do seu novo imóvel.
C) E tendo-se verificado que o projeto se localizava em terreno contíguo edifício em processo de classificação como imóvel de interesse público (casa n°. …da Rua B…) abrangido pela respetiva zona de proteção... a Câmara Municipal da Guarda, autora desse processo de qualificação, cometeu o erro de emitir o Alvará, sem respeito pela legislação e sem respeito pela sua anterior deliberação em prol do interesse público...»

Neste tribunal, o DMMP não se pronunciou.

Colhidos os vistos, vem o processo submetido à conferência desta secção de contencioso administrativo para decisão.

II. Fundamentação

II.1. De facto

A matéria de facto constante da decisão recorrida é aqui transcrita ipsis verbis:
«(…)
A
O Autor tem inscrito a seu favor um prédio urbano, com logradouro, situado na Rua S…, freguesia da S…, da cidade da Guarda, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 9… e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 0… a confrontar de nascente com o proprietário, do poente com Rua, do norte com M… e do sul com J… (cfr. doc. n.° 1 junto com a p.i. que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
B
Em 17.01.2003 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou junto dos serviços Câmara Municipal da Guarda um exposição escrita e peças desenhadas, nos termos da qual “[...] na qualidade de proprietário de um imóvel sito na Rua B…, na Guarda, freguesia da S…, vem requerer a V. Exa., nos termos do disposto no art.° 88°, n.° 3 do Decreto-Lei n° 555/99, de 16 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 177/2001, de 4 de Junho, a emissão de um alvará, com vista à aprovação do licenciamento da reconstrução de um imóvel acima identificado [...]” (cfr. docs. a fls. 49 a 1 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
C
Em parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 27.03.2003, que mereceu despacho de concordância de 04.04.2003, relativamente à construção referida na alínea anterior da qual se retira-se que:
“[...] 3- A Planta de implementação apresentada, não é suficientemente esclarecedora, nomeadamente das relações estabelecidas com as edificações contíguas, pelo que deverá ser apresentada nova planta de implementação, desenhada “com a construção ao nível do terreno envolvente” (arruamentos), contendo as seguintes condições:
a) delimitação da propriedade na sua totalidade;
b) inscrição de confrontações;
c) a área ocupada com a construção, incluindo corpos balançados, escadas, varandas;
d) infra-estruturas existentes;
e) acessos e arruamentos devidamente cotados;
f) representação rigorosa dos edifícios envolventes;
4 - A área coberta proposta excede a área total descrita pela Certidão de Registo Predial, pelo que deve proceder-se à necessária rectificação.
5 - Nos termos do disposto pelo Decreto-Lei n° 409/98 de 23 de Dezembro, o processo carece do parecer prévio favorável do SNB, dado complementar um corpo destinado a escritórios (edifício de tipo administrativo).
6 - O projecto localiza-se em terreno contíguo a um imóvel que comporta um edifício em processo de classificação (casa n°..., Rua B… com despacho de abertura de 04.02.1997), pelo que é abrangido pela respectiva zona de protecção, na qual não podem ser autorizadas ou licenciadas obras sem o parecer prévio favorável do IPPAR, conforme disposto pela Lei n° 107/2001 de 8 de Setembro.
[...]” (cfr. doc. a fls. 51 a 50 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
D
Em despacho da Sra. Directora Regional do IPPAR 09.05.2003, exarado em anexo ao parecer dos respectivos serviços, datado de 08.05.2003, o projecto referido na alínea «B» foi “[...] aprovado condicionalmente, conforme parecer que se anexa [...]” (cfr. docs. a fls. 58 a 56 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
E
Em 16.10.2003 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou junto dos serviços Câmara Municipal da Guarda um exposição escrita e peças desenhadas, nos termos da qual “[...] enviamos nova planta de implantação, desenhada “com construção ao nível do terreno envolvente ” (arruamentos), contendo as seguintes indicações:
delimitação da propriedade na sua totalidade
inscrição de confrontações e alçados dos edifícios envolventes
área ocupada com a construção, incluindo corpos balançados, escadas, varandas
infraestruturas existentes
acesso e arruamento devidamente cotados
Enviamos ainda
estudo pormenorizado do “painel de azulejo”
[...]” (cfr. docs. a fls. 63 a 60 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
F
Em parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 13.11.2003, que mereceu despacho de concordância de 18.11.2003, relativamente à construção referida na alínea «B» retira-se que:
“1. O requerente apresenta elementos referentes aos processos emitidos pelo DPU e IPPAR, para complementar o projecto de arquitectura, encontrando-se os mesmos em moldes de ser anexados ao processo.
2. O parecer emitido pelo IPPAR, solicita a apresentação dos referidos elementos, pelo que deverá remeter-se um exemplar àquele instituto para apreciação.
3. O requerente não esclarece a origem da diferença de áreas existente entre as áreas abrangidas pelo projecto e referenciadas no processo inicial e as áreas constantes na presente planta de implantação.
[...]” (cfr. doc. a fls. 65 a 64 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
G
Em despacho da Sra. Directora Regional do IPPAR 05.12.2003, exarado em anexo ao parecer dos respectivos serviços, datado de 05.12.2003, o projecto referido na alínea «B» foi “[...] aprovado condicionalmente, conforme parecer que se anexa [...]” (cfr. docs. a fls. 70 a 68 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
H
Em despacho da Sra. Directora Regional do IPPAR 03.03.2004, exarado em anexo ao parecer dos respectivos serviços, datado de 02.03.2004, o projecto referido na alínea «B» foi “[...] emitido parecer favorável condicionado, conforme informação que se anexa [...]” (cfr. docs. a fls. 76 a 74 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
I
Em 10.09.2004 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou junto dos serviços da Câmara Municipal da Guarda os projectos de estabilidade, de alimentação e distribuição de energia eléctrica/ficha electrotécnica, de instalação de gás, de redes de abastecimento de águas, de drenagem de esgotos, de aguas pluviais, de instalações telefónicas e de telecomunicações, de comportamento térmico, de segurança contra incêndios e acústico (cfr. docs. a fls. 444 a 76 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
J
Em 17.02.2005 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou junto dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, aditamentos relativos aos projectos referidos na alínea anterior (cfr. docs. a fls. 76 a 473 a 455 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
K
Em parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 28.04.2005, que mereceu despacho de concordância de 04.05.2005, relativamente à construção referida na alínea «B» retira-se que:
“[]
2. A aprovação definitiva do projecto de arquitectura, encontra-se condicionada à dispensa pela câmara municipal, da cedência de áreas verdes e da localização de equipamentos públicos, para aplicação dos mecanismos de compensação, previstos no artigo 64.° do RMUE, dado tratar-se de uma operação urbanística de impacte semelhante a loteamento.
[...]” (cfr. doc. a fls. 475 a 474 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
L
No documento referido na alínea anterior, com data de 08.06.2005, encontra-se inscrito que: “A Câmara deliberou dispensar o requerente do cumprimento da Portaria no que respeita à cedência de áreas verdes e de área para equipamentos públicos, aplicando-se os mecanismos de compensação, devendo o requerente dar cumprimento às restantes condições da informação técnica” (cfr. doc. a fls. 475 a 474 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
M
Em 06.06.2005 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou junto dos serviços da Câmara Municipal da Guarda “[...] nova planta de implantação onde se esclarecem as dúvidas apresentadas no ponto 6. [...]” (cfr. docs. a fls. 485 a 483 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
N
Em parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 03.08.2005, que mereceu despacho de concordância de 08.08.2005, relativamente à construção referida na alínea «B» retira-se que:
“[]
3. No tocante à planta de implantação apresentada para esclarecimento da área correcta da parcela e limites de propriedade, verifica-se que a mesma não obedece às especificações referidas pela alínea b) do n.° 1.2 do artigo 13.° do RMUE, havendo dúvidas para além da área da parcela, quanto ao titular do espaço lateral por onde se efectua o acesso ao edifício apartir da Rua B….
[...]” (cfr. doc. a fls. 487 a 486 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
O
Em 19.08.2005 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Câmara Municipal da Guarda na qual referia que: “[...] junto envio documento comprovativo da inscrição do técnico autor do projecto de arquitectura, bem como nova planta de implantação. Segue também em anexo cópia do certificado de aprovação do projecto eléctrico que a certiel enviou [...]” (cfr. docs. a fls. 492 a 489 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
P
Foi embargada pela Câmara Municipal da Guarda, a demolição de um “muro de vedação”, sito na Rua B…, na Guarda (cfr. docs. a fls. não numeradas do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
Q
Em parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 26.09.2005, relativamente à construção referia na alínea «B», conclui-se que: “[...] 5. Em face do exposto, propõe-se a aprovação final do processo para posterior emissão do alvará de autorização de construção após apresentação dos elementos referido no ponto 2 e 4 da presente informação dando-se conhecimento ao requerente da necessidade de posterior apresentação da fase de projecto referida no ponto 3 [...]” (cfr. docs. a fls. 497 a 493 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
R
No parecer referido na alínea anterior encontra-se exarado o seguinte parecer do Sr. Director do Departamento de Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal da Guarda: “Parece de deferir o Projecto de Arquitectura e Especialidade, nos termos da presente informação e com as condições indicadas, podendo ser emitido o alvará de licença de construção mediante a liquidação das taxas legais em vigor e apresentação dos documentos indicados” (cfr. docs. a fls. 497 a 493 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).

S
Nos pareceres referidos nas duas alíneas anteriores, encontra-se exarado o seguinte despacho datado 04.10.2005: “Deferido” (cfr. docs. a fls. 497 a 493 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
T
Em 14.06.2006 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Câmara Municipal da Guarda na qual solicitava a emissão do alvará e se afirmava proceder à entrega da apólice de seguros, do termo de responsabilidade do técnico, do alvará de construção civil, do plano de segurança e saúde, do livro de obra (com menção do termo de abertura), de um exemplar do projecto eléctrico autenticado pela C… e da folha de dados estatísticos (cfr. docs. a fls. 524 a 499 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
U
Em 14.06.2006 a H…, S.A (Contra-interessada) apresentou uma exposição escrita junto dos serviços da Câmara Municipal da Guarda da qual se retira que: “[...] requerer a V. Exa se digne mandar autorizar a demolição parcial e temporária de um muro do edifício existente na Rua B…, junto entregamos o pedido por escrito que foi por nós feito ao IPPAR e o ofício do IPPAR em resposta à mesma [...]” (cfr. docs. a fls. 536 a 526 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
V
Em 16.06.2006 foi emitido o “Alvará de Licenciamento de Obras n.° 1…”, relativo à edificação referida na alínea «B» (cfr. doc. a fls. 525 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
X
Em parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 26.09.2005, relativamente à exposição escrita referia na alínea «U», conclui-se que: “[...] Em face do exposto propõe-se o levantamento do embargo, à obra de demolição parcial de muro, condicionado à apresentação de trabalhos arqueológicos, como referido no ponto 3, e remeter processo aos serviços de fiscalização para proceder em conformidade como o referido no ponto 4 da presente informação/parecer [...]” (cfr. doc. a fls. 538 a 537 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
Y
Com data de 28.06.2006 e no parecer referido na alínea anterior encontra-se exarado o seguinte parecer do Sr. Director do Departamento de Planeamento e Urbanismo da Câmara Municipal da Guarda com o seguinte teor: “Parece de deferir o pedido de licenciamento de obras de demolição parcial do muro de vedação, podendo emitir-se o respectivo alvará mediante a liquidação das taxas legais. Os serviços de fiscalização devem deslocar-se ao local e prestar informação sobre o exposto no ponto 4 do presente parecer efectuando registo fotográfico (urgente)” (cfr. doc. a fls. 538 a 537 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
Z
Nos pareceres referidos nas duas alíneas anteriores, encontra-se exarado o seguinte despacho datado 29.06.2006: “Concordo” (cfr. doc. a fls. 538 a 537 do PA que aqui se dá, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzido).
AA
A H…, S.A (Contra-interessada) foi notificada do parecer dos serviços da Câmara Municipal da Guarda, datado de 18.07.2006, para “[...] tomar as medidas necessárias, para não agravar as condições de salubridade e segurança das edificações confinantes, segundo o estipulado no Decreto-Lei n.° 273/2003 de 29 de Outubro [...]” (cfr. docs. a fls. 546 a 545 e 551 do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).
AB
Dão-se aqui por integralmente reproduzidos os demais documentos constantes do Processo Administrativo (PA) junto aos presentes autos.
AC
A petição inicial deduzida na presente acção administrativa especial foi expedida para este Tribunal por correio electrónico enviado a 14.09.2006.
AD
A contra-interessada H… tornou-se dona do imóvel tendo a nascente a Rua B…e a poente a Rua S…- Cfr. resposta ao quesito 1.° da base instrutória.
AE
Do urbano do A, e a separá-lo do quintal confinante do lado sul, foi construído um muro de vedação, em pedra de granito aparelhada e com as juntas do seu lado tomadas com argamassa de cimento - Cfr. resposta ao quesito 2.° da base instrutória.
AF
O licenciamento da obra nova de construção referido na alínea «B» aprovado pela Câmara Municipal da Guarda é um bloco de habitações e comércio com mais 3.000 m2 - Cfr. resposta ao quesito 5.° da base instrutória.
AG
A Câmara Municipal licenciou, para execução naquele local, e aprovou uma «ampliação de imóvel e construção de um bloco de habitações e comércio», com mais 3.000 m2 de área de construção- Cfr. resposta ao quesito 7.° da base instrutória.
AH
Foram destruídas rochas em profundidade a uma fundura abaixo do nível dos terrenos do Autor - Cfr. resposta ao quesito 9.° da base instrutória.
AI
Na aprovação do projecto não foi apresentado o projecto referente às obras de demolição nem de remodelação dos terrenos - Cfr. resposta ao quesito 10.° da base instrutória.
AJ
A obra licenciada implicou a destruição de uma construção existente - Cfr. resposta ao quesito 11.° da base instrutória.
AK
No caso dos presentes autos, não foi apresentado pelo interessado para a execução dos trabalhos de escavação o projecto da escavação e da contenção periférica - Cfr. resposta ao quesito 12.° da base instrutória.
AL
A construção licenciada tem oito pisos - Cfr. resposta ao quesito 15.° da base instrutória.
AM
A construção licenciada ocupa toda a área do lote - Cfr. resposta ao quesito 16.° da base instrutória.
AN
O alvará referido na alínea «V» diz respeito à aprovação de obras que incidem sobre um prédio situado na Rua B…- Cfr. resposta ao quesito 17.° da base instrutória.
AO
Da certidão do registo predial do prédio para o qual foi licenciada a obra consta uma área de 525 m2 - Cfr. resposta ao quesito 18.° da base instrutória.
AP
O terreno, à data do licenciamento, encontrava-se devidamente delimitado e circunscrito nas suas extremas, pelas pré-existências físicas (edifícios confinantes, muros divisórios da propriedade com terrenos contíguos, nos quais se inclui o terreno do Autor e via pública), sendo assim perceptível e mensurável a sua configuração e dimensão (limites e forma) - Cfr. resposta ao quesito 20.° da base instrutória.
AQ
A área de construção licenciada cabe na área do terreno da Contra-interessada H…, Lda. - Cfr. resposta ao quesito 21.° da base instrutória.
AR
A casa existente no local não se situava, (nem o respectivo terreno de implantação e a área não coberta do mesmo) no Centro Histórico da Guarda conforme carta do PDM da Cidade da Guarda - Cfr. resposta ao quesito 22.° da base instrutória.
AS
Existem precedentes edificados, constituídos e não é necessária a realização de novas infra-estruturas - Cfr. resposta ao quesito 23.° da base instrutória.
AT
A obra foi licenciada devendo respeitar os limites do prédio do A., (em toda a sua dimensão altura, largura e profundidade) designadamente o muro de separação deste com o terreno onde a obra é implantada, pelo que tal obra não é implantada no prédio do A. nem com invasão deste, sendo certo que o projecto aprovado salvaguardou o muro limitador do prédio do A. com o qual a construção aprovada não pode interferir - Cfr. resposta ao quesito 24.° da base instrutória.

AU
A construção pré-existente no terreno não possui qualquer valor histórico e arquitectónico reconhecido por qualquer Entidade - Cfr. resposta ao quesito 25.° da base instrutória.
AV
Os afloramentos rochosos em granito existentes no local também nada têm ou tinham que justifique qualquer atenção especial dado que se trata de uma situação perfeitamente comum nos solos da Cidade da Guarda - Cfr. resposta ao quesito 26.° da base instrutória.
AW
Os trabalhos de construção de desmonte de rocha são os necessários à execução da obra de edificação licenciada pela CM e não destruíram qualquer património ao qual tenha sido atribuído a classificação de histórico - Cfr. resposta ao quesito 27.° da base instrutória.
AX
A Câmara Municipal da Guarda procedeu à fiscalização, e vistoria dos trabalhos e propôs medidas para serem assumidas responsabilidades pelo dono da obra e pelo Técnico Responsável, obrigando a adoptar as adequadas quer a nível reparador quer preventivo, conforme consta do doc. n.° 10 junto com a petição inicial - Cfr. resposta ao quesito 29.° da base instrutória.
AY
O prédio do Autor e da Contra-interessada possuem um muro a servir ambas as propriedades - Cfr. resposta ao quesito 30.° da base instrutória.
AZ
A Contra-interessada tornou-se dona do imóvel, situado do lado Sul do prédio do Autor, casa essa que se encontrava em ruínas e já sem telhado e em que em momento algum, faz parte integrante do Centro Histórico da Guarda - Cfr. resposta ao quesito 31.° da base instrutória.
AAA
É desnecessária a realização de novas infra-estruturas - Cfr. resposta ao quesito 33.° da base instrutória.
AAB
Não se escavou parte do subsolo do logradouro do Autor - Cfr. resposta ao quesito 34.° da base instrutória.

AAC
Da memória descritiva e justificativa referente aos projectos de arquitectura consta que os mesmos se referem “à recuperação e ampliação de um imóvel existente na Rua B… (letra A na planta de implantação pela letra A) e da construção de um bloco, com acesso pela Rua S... (designado na planta de implantação pela letra B). [...] Uma vez que só uma das construções é sujeita a remodelações, havendo necessidade de apresentar desenhos de alteração e sobreposição, optou-se para que só as peças desenhadas referentes à proposta, fossem apresentadas em conjunto. Confrontações: A construção designada pela letra A, tem uma área de implantação de 135 m2 e de construção, 502 m2. Confronta a Sul com a Rua B…, a Poente com edifício (habitação/comércio) e a Nascente com uma pequena construção inicialmente destinada a garagem, sendo hoje um escritório. A construção designada pela letra B, tem uma área de implantação de 390 m2 e 1.598 m2 de construção (incluindo as caves). Confronta a Sul com edifício (habitação comércio) e a Nascente com a construção A. Esta construção, com acesso pela Rua S…, situa-se dentro da malha urbana na continuidade de um bloco situado a Sul. [...] São duas construções distintas mas não totalmente independentes, uma vez que a 1a cave, situada no bloco B (edifício a construir) será destinada a garagens dos escritórios e comércio da construção A, assim como uma área destinada a arrumos, pertencente ao piso térreo. [...] o bloco B, a construir de raiz, terá a entrada principal na rua S….. Situa- se dentro da malha urbana, contíguo com o bloco situado a Sul. [...] Construção A: trata-se de uma construção, de dois pisos, com paredes exteriores em alvenaria de granito à vista, sem qualquer interesse arquitectónico. A cobertura encontra-se em ruínas, assim como todo o seu interior. É pretensão do requerente proceder à recuperação deste imóvel (fachadas e espaço interior) e sua ampliação com mais dois pisos. [...] no alçado principal a parede exterior mantém-se sendo rebocada e pintada [.] propõem-se que a parede do alçado posterior seja demolida e reconstruída em betão e alvenaria de tijolo [...]” a construção B é a construir - (cfr. docs. a fls. 44 e ss do PA que aqui se dão, para todos os efeitos legais, como integralmente reproduzidos).» (sublinhados nossos).

II.2. De direito

i) Do recurso interposto pelo A.

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em apreciar se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento da matéria de facto e consequente erro de direito – cfr. alíneas A) a G) e H) das conclusões.

Relativamente ao recurso sobre o julgamento que recaiu sobre a matéria de facto – cfr. alegações de recurso e alíneas A) a F) das respetivas conclusões – resulta evidente que o Recorrente, ao arrepio do disposto no art. 640.º, nº 2, alínea a), do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA, não cumpriu o seu ónus de impugnação.

Na verdade, o Recorrente limita-se a nomear alguns depoimentos de testemunhas inquiridas, sem indicar com exatidão as passagens da gravação dos respetivos depoimentos em que se funda o seu recurso, e sem ter, embora por si também não fosse suficiente, procedido à transcrição dos excertos de tais depoimentos, que considerava relevantes para a peticionada alteração da decisão sobre a matéria de facto, como se impunha.

Nestes termos, imperioso se torna rejeitar o recurso interposto na parte que versou sobre o julgamento da matéria de facto – cfr. art. 640.º, n.º 2, alínea a), do CPC, ex vi art. 140.º do CPTA – por incumprimento do ónus de impugnação – e do consequente erro de julgamento de direito - por referência à alínea H) das conclusões de recurso -, pois que fica a faltar a base de facto para que do mesmo se pudesse conhecer e também em virtude de o referido erro estar imputado à entidade recorrida e não como erro da própria sentença.

Também não se revela possível conhecer da questão elencada na alínea G) das conclusões, pois que a mesma surge absolutamente desgarrada de qualquer alegação e fundamento consubstanciado, designadamente, no recurso da decisão sobre a matéria de facto e de direito proferida pelo tribunal a quo, na parte em que julgou improcedente o pedido indemnizatório que formulou nos autos, a saber «(…) o facto de o Réu ter licenciado a obra em causa sem os necessários projectos de remoção de terras e contenção periférica não permite concluir sem mais que se verifica o pressuposto da ilicitude. Com efeito, para tanto, seria necessário que o Autor tivesse alegado que os interesses que entende terem sido violados (destruição de casa e quintal transformando a área do antigo imóvel num fosso, corte de árvores frondosas que purificavam o ambiente, rompimento de rochas a martelo e a frio, ruídos e poeiras e derrube de um muro do autor) se situam no âmbito de protecção da norma violada pela Administração, ou seja, que a norma violada revelasse intenção normativa de protecção do interesse material do particular (cfr. acórdão do STA de 27/01/2010, proc. n.° 0308/09). Assim, não estamos perante danos que resultaram da ilegalidade do acto de licenciamento, nem está alegado que se este acto não padecesse daquela ilegalidade aqueles danos não teriam ocorrido, tanto mais que os danos tal como são alegados não serão causa directa e adequada da actuação ilegal do Réu (prolação de acto de licenciamento anulável) mas terão ocorrido em momento posterior a este, na fase de execução do projecto. Ora, estando em causa a violação de norma - art.° 11.°, n.° 1, alínea m) e n.° 5 da Portaria n.° 1110/2001 de 19/09 - para que a ilicitude fosse relevante para efeitos de responsabilidade civil seria necessário que o Autor, no presente processo, alegasse e provasse factos que nos levassem a concluir que se o acto tivesse sido instruído com os referidos projectos os danos alegados não se teriam produzido, o que não sucedeu. Em conclusão, os interesses que o Autor alega terem sido lesados não estão abrangidos pelo âmbito de protecção directa da norma vertida no art.° 11.°, n.° 1, alínea m) e n.° 5 da Portaria n.° 1110/2001 de 19/09 não se mostrando preenchido o pressuposto da ilicitude. Considerando que os requisitos da responsabilidade civil extracontratual são de verificação cumulativa e constatando-se inexistir o requisito da ilicitude, terá que soçobrar o pedido indemnizatório fundado em responsabilidade extracontratual do Estado formulado pelo Autor, sendo inútil a apreciação dos demais pressupostos.(…)».

Esta decisão não foi posta em causa nas alegações de recurso pelo que que carece de substanciação a alínea G) das conclusões do Recorrente A., que assim se apresenta como meramente conclusiva, o que impossibilita o seu conhecimento por este tribunal de recurso.

De onde resulta que o recurso interposto pelo Recorrente A., é rejeitado no seu todo.

ii) Do recurso interposto pelo R. Município

ii.1) Do erro de julgamento de facto em que incorreu a decisão recorrida ao ter julgado provado o facto correspondente ao quesito 12.

Insurge-se o Recorrente Município contra o assim decidido, alegando, em suma, que «1- O projecto de escavação e contenção periférica, que o douto Acórdão diz faltar, devia estar incluído no projecto de estabilidade (Art° 11°, n.° 5, alínea a) da Portaria 1110/2001 de 19/9).

2 - Sucede que, consultado o projecto de estabilidade, verifica-se que efectivamente constam do mesmo, os necessários muros de contenção, conforme se verifica das respectivas plantas estruturais (fundações e pisos 1, 2 e 3) e nas peças desenhadas designadas como “Muros de Contenção”.

3- Nas respostas dos Senhores Peritos aos quesitos 10 e 12 também não podem inferir-se “falta de contenção periférica ”. Assim responderam os Senhores Peritos:

a) Quesito 10.° “ Na aprovação do projeto não foi apresentado o projecto

referente às obras de demolição nem de remodelação dos terrenos nem o plano de segurança? “

Resposta dos Senhores Peritos: “Do processo consultado não faz parte qualquer licença de demolição e/ou escavação.

b) Esta resposta extravasa o quesito que não se refere a escavações pelo que deve ser considerada como não escrita a palavra “escavações” da resposta dos Peritos no quesito 10.°, sob pena de estarmos perante uma alteração dos factos aos quais o Município não pôde exercer o contraditório, o que ofende as garantias legais e constitucionais das partes e o direito de defesa dos direitos fundamentais do cidadão, das empresas ou da autarquia ( Art0 3o, n° 2 do C. P. Civil e Art0. 2.° da Constituição da República Portuguesa).

4- Aliás, também o Tribunal não considerou o projecto de escavação quando respondeu ao quesito 10.°

5 - Assim o quesito 10° teve a seguinte resposta:

“Provado apenas que na aprovação do projecto não foi apresentado projecto referente a obras de demolição nem de remodelação dos terrenos"

6 - O quesito 12.° tem a seguinte redacção:

a) No caso dos presentes Autos, não foi apresentado pelo interessado para execução dos trabalhos de escavação o projecto da escavação e da contenção periférica ?

b) Os Senhores Peritos responderam a este quesito nos seguintes termos:

Prejudicada pela resposta ao quesito 10 0

7 - Daqui resulta de forma inequívoca que a resposta ao quesito 12.° não poderia ultrapassar a matéria dada como provada no quesito 10.° e esta nada refere quanto ao projecto de “contenção periférica” e nada diz quanto a escavação. Assim, a resposta ao quesito 12° deveria apenas ter a seguinte resposta:

“provado a matéria constante da resposta ao quesito 10.° ” ou então a resposta de “ não provado “» (sublinhados e negritos nossos).

Vejamos.

Da matéria de facto supra consta que:

« (…) AI

Na aprovação do projecto não foi apresentado o projecto referente às obras de demolição nem de remodelação dos terrenos - Cfr. resposta ao quesito 10.° da base instrutória.

(…)

AK

No caso dos presentes autos, não foi apresentado pelo interessado para a execução dos trabalhos de escavação o projeto da escavação e da contenção periférica - Cfr. resposta ao quesito 12.° da base instrutória

Compulsada, por seu turno, a resposta dada à matéria de facto – cfr. fls. 797 e ss., ref. SITAF – da mesma resulta, que o tribunal a quo julgou então que:

«

(…)

»

Atentemos, por fim, na redação dos quesitos 10.º e 12.º, aqui em causa, nos quais se perguntava, respetivamente, o seguinte – cfr. fls. 206 e ss., ref. SITAF:

«10. Na aprovação do projecto não foi apresentado o projecto referente às obras de demolição nem de remodelação dos terrenos, nem o plano de segurança?

(…)

12. No caso dos presentes autos, não foi apresentado pelo interessado para a execução dos trabalhos de escavação o projecto da escavação e da contenção periférica

Neste pressuposto, pretende o Recorrente Município que, perante a resposta dada pelos peritos aos quesitos 10º e 12º supra enunciados, mais precisamente, quando se considerou prejudicada a resposta a dada ao quesito 12º pela resposta que havia sido dada ao quesito 10º, que naquela (12), mais não se poderia dizer do que o que se disse neste (10), mas não é assim. Vejamos porquê.

Na resposta que foi dada ao quesito 10º – a que corresponde a alínea AI da matéria de facto -, a convicção do tribunal a quo, resultou da prova pericial produzida e do processo administrativo instrutor, resultando deste a existência, apenas, de um plano de segurança, tendo o tribunal a quo respondido que, assim, não existia «projecto referente às obras de demolição nem de remodelação dos terrenos» – veja-se texto do quesito 10º.

No mesmo pressuposto, da existência, apenas, de um plano de segurança, surge a resposta dada ao 12.º, ou seja, de que ficou provado, também, que «não foi apresentado pelo interessado para a execução dos trabalhos de escavação o projecto da escavação e da contenção periférica.»

Razão pela qual, improcede o invocado erro de julgamento quanto à matéria de facto.

ii.2) Do erro de julgamento de direito em que incorreu a sentença recorrida através da interpretação que fez do art. 11,°, n.° 1, alínea m) e n.° 5 da Portaria n.º 1110/2001 de 19.09.

Vejamos.

O discurso fundamentador da sentença recorrida, foi, em suma, o seguinte:

«(…) Resultou provado que não foi apresentado pelo interessado para a execução dos trabalhos de escavação o projecto da escavação e da contenção periférica.

A portaria n.° 1110/2001, de 19/09, diploma que determina quais os elementos que devem instruir os pedidos de informação prévia, de licenciamento e de autorização referentes a todos os tipos de operações urbanísticas, prevê no art.° 11.°, n.° 1 que “o pedido de licenciamento de obras de edificação em áreas abrangidas por plano de pormenor, plano de urbanização ou plano director municipal deve ser instruído com os seguintes elementos: m) Projectos das especialidades caso o requerente entenda proceder, desde logo, à sua apresentação” e n.° 5 “os projectos das especialidades a que se refere a alínea m) do n.º 1, a apresentarem função do tipo de obra a executar, são nomeadamente os seguintes: a) Projecto de estabilidade que inclua o projecto de escavação e contenção periférica”.

Por conseguinte, o pedido de licenciamento de obras de edificação deve ser instruído com o projecto de estabilidade que inclua o projecto de escavação e contenção periférica quando o tipo de obra a executar assim o imponha. Sendo assim, a necessidade de tais projectos depende de uma análise casuística dependendo do tipo de obra que em concreto se pretenda executar.

No caso dos autos, sendo uma obra de recuperação e ampliação de imóvel (construção A e B) situado na malha urbana implicou escavação, daí que o pedido de licenciamento deveria ter sido instruído com o projecto de escavação e contenção periférica, o que não sucedeu nos presentes autos.

(…)

Em face do exposto, procede o vício de violação do disposto no art.° 11.°, n.° 1, m) e n.° 5 que conduz à anulabilidade do acto de loteamento.» (sublinhados e negritos nossos).

Contra este entendimento insurge-se o Recorrente Município, alegando, em suma, que «(…) A apresentação conjuntamente com os projectos de especialidade, de estudos específicos de escavação e contenção periférica, em edificações correntes é normalmente considerada desproporcionada, dado que apenas se justifica para obras de especial complexidade, quer pela envolvente edificada (edifícios instáveis, ou demolições com paredes de meação), quer pelo volume de escavação e/ou características de coesão dos solosE que, no caso, «(…) o projecto de arquitectura caracteriza a área de escavação de solos, necessária para a implantação da edificação, e o projecto de estabilidade contempla os muros de contenção, sendo as condições de execução dos trabalhos (contenção provisória), uma questão de gestão em obra, dos trabalhos a efectuar.» (sublinhados nossos).

Do exposto resulta que nos autos não está controvertido o facto de que o Recorrido contrainteressado não apresentou, aquando o pedido de licenciamento de obras, um «Projecto de estabilidade que inclua o projecto de escavação e contenção» - cfr. n.º 5 alínea m) do art. 11.º, da Portaria n.º 1110/2001, de 19.09.

Controvertido está se deveria tê-lo feito.

A sentença recorrida entendeu que sim, decidindo anular o ato impugnado.

O Recorrente Município entende que não, pois que, no caso em apreço, «o projecto de arquitectura caracteriza a área de escavação de solos, necessária para a implantação da edificação, e o projecto de estabilidade contempla os muros de contenção, sendo as condições de execução dos trabalhos (contenção provisória), uma questão de gestão em obra, dos trabalhos a efectuar».

Compulsadas as disposições legais aqui aplicáveis, resulta das mesmas que – cfr. citado n.º 5 supra - «Os projectos das especialidades a que se refere a alínea m) do n.º 1, a apresentar em função do tipo de obra a executar, são nomeadamente os seguintes: a) Projecto de estabilidade que inclua o projecto de escavação e contenção periférica;», de onde se conclui que, na verdade, nem sempre será necessária a apresentação deste tipo de projetos de especialidade.

Por seu turno, se atentarmos no disposto na alínea seguinte do mesmo n.º 5, ao dispor sobre a necessidade de se apresentar um «b) Projecto de alimentação e distribuição de energia eléctrica e projecto de instalação de gás, quando exigível, nos termos da lei», parece induzir a que na alínea anterior, ao contrário desta, a exigibilidade de tais projetos dependerá, apenas, de decisão casuística da entidade licenciadora, tal como resultaria de uma leitura isolada do corpo do n.º 5 do citado art. 11.º da Portaria n.º 1110/2001.

De que forma essa decisão, que o legislador pretende seja casuística e, como tal, a efetuar, em primeira linha, pela entidade licenciadora, pode ser sindicada em tribunal? É esta a questão que nos resta conhecer, e que se prende, no fundo, com os limites funcionais da justiça administrativa(1), sendo que, um deles, é, precisamente, «o da autocontenção do juiz administrativo perante a reserva de discricionariedade, no quadro de uma divisão equilibrada de poderes»(2). «Dantes, pretendia-se resolver a questão através da distinção radical entre duas zonas de atividade: a zona de mérito, submetida a regras não-jurídicas de “boa administração” e reservada à Administração, e a zona de legalidade, submetida à lei e sujeita a fiscalização judicial.»(3)«Sabemos hoje que não é assim e que toda a atividade administrativa, mesmo a que represente o exercício de poderes discricionários, está subordinada ao Direito – é jurídica, quer do ponto de vista funcional (visa encontrar a melhor solução para a realização do interesse público legalmente definido), quer do ponto de vista substancial (está sujeita a princípios como os da racionalidade, da boa fé, da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade) – e, nessa medida está sujeita a uma fiscalização jurisdicional (…). o respeito pela atribuição legal do poder discricionário impede, (…) que o tribunal possa ir além da condenação da Administração ao cumprimento estrito das imposições normativas decorrentes da lei ou dos princípios jurídicos na situação concreta, isto é, possa tomar decisões além das vinculações jurídicas que tornam devida a atuação administrativa (…) devendo limitar-se a uma condenação genérica ou diretiva (4).(sublinhados nossos).

Ora, no caso em apreço já vimos que a norma prevê que determinados projetos de especialidade sejam apresentados «em função do tipo de obra a executar», o que induz a que seja a entidade competente para o licenciamento que decida quando é que os mesmos devem ser apresentados.

Acresce que não resulta dos autos qualquer violação dos princípios boa fé, da igualdade, da imparcialidade, da justiça e da proporcionalidade ou da igualdade, nem tal foi alegado, designadamente, que o Recorrido Município, nesta obra, ao contrário do que sucede/sucedeu noutras obras similares, não solicitou os projetos de especialidade em causa.

Assim, é nosso entendimento que não poderia o tribunal a quo, não sem ter recorrido a outros elementos de facto, dos quais se pudesse concluir por uma atuação indevida, por referência aos princípios, do Recorrido Município, decido anular o ato impugnado por vício de violação de lei, pois que, a lei - no caso o n.º 5 do art. 11.º da citada Portaria n.º 1110/2001 de 19.09. -, ao determinar quais os elementos que devem instruir os pedidos de informação prévia, de licenciamento e de autorização referentes a todos os tipos de operações urbanísticas, relega para a entidade administrativa competente, a decisão, em função do tipo de obra a executar, sobre quais os projetos das especialidades a que se refere a alínea m) do n.º 1, da mesma norma, deverão ser apresentados.

Nestes termos, imperioso se torna conceder provimento ao recurso do Recorrido Município e revogar, nesta parte, a sentença recorrida.

III. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da secção do contencioso administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em:

a) Rejeitar o recurso interposto pelo Recorrente A.;

b) Conceder provimento ao recurso interposto pelo Recorrente Município e, em consequência,

c) Revogar a sentença recorrida na parte em que anulou o ato impugnado; e, julgando em substituição,

d) Julgar a ação totalmente improcedente.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16.12.2021

Dora Lucas Neto (Relatora)

Pedro Nuno Figueiredo

Ana Cristina Lameira

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(1) Vieira de Andrade, in A Justiça Administrativa, 14.ª edição, Almedina, 2015, pgs. 80-88.
(2) Idem, op. cit., pg. 81.
(3) Idem, op. cit. pg. 82.
(4) Idem, op. cit., pg. 82-87. Esta conclusão não contraria a posição de Mário Aroso de Almeida, no sentido de que esta imposição não vale, inteiramente, nos processos cautelares, onde este autor admite alguma intrusão judicial na discricionariedade administrativa, por se tratar de decisões com efeito provisório – v. nota de rodapé 156 – na medida em que, conforme interpretamos esta posição, ela refere-se à decisão cautelar em si, daí se referir, em primeira linha, a providências de natureza antecipatória, e não ao iter cognoscitivo que o juiz seguiu na apreciação dos requisitos necessários ao decretamento da providência.