Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:11925/15
Secção:CA- 2º JUÍZO
Data do Acordão:04/16/2015
Relator:PEDRO MARCHÃO MARQUES
Descritores:RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL DO ESTADO; INDEMNIZAÇÃO; FUNCIONALISMO; PRIVAÇÃO DO VENCIMENTO.
Sumário:i) A execução do julgado anulatório constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação, praticando os actos e operações necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal anulado não tivesse sido praticado (situação hipotética actual).

ii) A reconstituição da situação patrimonial de funcionária que foi privada total ou parcialmente do seu vencimento devido a acto que foi anulado, não se faz directamente através do pagamento dos vencimentos ou parte deles que deixaram de ser auferidos, mas sim através de indemnização dos prejuízos concretamente sofridos em consequência do acto ilegal.

iii) Sendo o montante do salário que a funcionária auferiu de Setembro de 2006 a Julho de 2010 como auxiliar educativa inferior ao montante do salário a que teria direito se o acto declarado nulo não tivesse sido praticado, aquela diferença não pode deixar de ser considerada como um dano patrimonial e, como tal, indemnizável
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul:

I. Relatório

Instituto da Segurança Social, IP (Recorrente) interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa que, no âmbito da acção comum, com forma ordinária, proposta contra si por Fernanda …………. (Recorrida), julgou a acção procedente, por provada e, em consequência, condenou o Réu, ora Recorrente, a pagar à autora, ora Recorrida, a quantia de EUR 8.313,00 acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, devidos desde o vencimento de cada uma das quantias pecuniárias até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões:

1- A execução da sentença, consiste na prática pela Administração de todos os atos jurídicos e operações materiais necessários à reintegração efetiva na ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o ato ilegal não tivesse sido praticado - "reconstituição da situação atual hipotética". Claro que este preceito apenas poderá ter aplicação, quando a sua concretização for materialmente possível, o que não é o caso.

2- A douta sentença recorrida, entendeu que depois de anulado o despacho do Exmo. Vogal que não nomeou a A. em 2006, as quantias que a Administração lhe está obrigada a pagar a título indemnizatório, correspondem aos diferenciais salariais entre a carreira/categoria assistente técnica e a de auxiliar educativa.

3- Não se concorda, porém, com esse entendimento. A nossa jurisprudência e doutrina têm-se pronunciado, uniformemente, no sentido de que na ausência de serviço efetivamente prestado, a Administração não tem o dever de pagar ao funcionário os correspondentes vencimentos ou diferenças salariais, mesmo que a título indemnizatório, porquanto o direito à remuneração ser um direito sinalagmático que depende diretamente da prestação efetiva de trabalho.

4- Ora, estando perante uma relação de natureza laboral e sabendo que o direito ao vencimento é um direito sinalagmático que para ser auferido pressupõe a contrapartida de uma prestação efetiva de trabalho, impõe-se a conclusão que a reconstituição do art. 173° do CPTA é, in casu, absolutamente impossível em termos de facto, pois que o exercício efetivo de funções para o Réu por parte da A não ocorreu até 2010 e nem é passível de reconstituição.

5- Estamos perante um caso em que a A não só não exerceu efetivamente funções como assistente técnica para o ISS, IP. no período compreendido entre 2006 e 201O, como aliás, não exerceu quaisquer outras e a nenhum título, pois que no período referência, a A. encontrou-se ao serviço de outra entidade que não a demandada.

6- O princípio estatuído no art. 173° do CPTA, tem que se conformar com o princípio de que o vencimento corresponde ao efetivo exercício do cargo em que o funcionário esteja provido, sendo que é este último o princípio que prevalece.

7- Na verdade, é amplamente reconhecido no nosso ordenamento jurídico, que o direito à remuneração na administração pública não advém da simples qualidade do agente, mas sim do serviço que este efetivamente presta à Administração.

8- Assim, a sentença que anulou o despacho do Exmo. Vogal do CD que não nomeou a A. em 2006, foi integralmente cumprida com a sua nomeação na categoria/carreira de assistente técnico, com efeitos reportados a 01.09.2006.

9- Seria indevido que a recorrida viesse a poder beneficiar do vencimento de assistente técnico (mesmo a título indemnizatório) relativamente aos anos em que não prestou serviço naquela categoria, ainda que por ter sido impedida por despacho administrativo declarado nulo. Tal situação acabaria por constituir um benefício para si, e um manifesto abuso de direito (caso tal direito existisse) porquanto não prestou a atividade laboral, que constitui o sinalagma desse vencimento.

10- In casu, não se encontram verificados os pressupostos cumulativos geradores da responsabilidade civil do Estado (facto voluntário do agente; ilicitude desse facto; imputação do facto ao agente; dano resultante da violação do direito subjetivo ou da lei; nexo de causalidade entre o facto e o dano).

11- Na verdade, não tendo a A. legalmente direito ao pagamento das remunerações por funções que efetivamente não prestou, inexiste qualquer ilicitude no não pagamento por parte do ora recorrente, já que não só não foi violada qualquer norma, como também à recorrida não assiste o direito subjetivo de ser remunerada por funções que não prestou, nem mesmo a título indemnizatório.

12- Por outro lado, verifica-se igualmente a inexistência concreta de danos, pois o não auferimento das diferenças salariais entre a carreira de auxiliar educativa e a de assistente técnico, não são danos. Quando muito, poderiam considerar-se tão-somente lucros cessantes.

13- Danos poderiam existir se a A. tivesse exercido as funções da categoria de assistente técnica e não tivesse sido remunerada de acordo com ela, facto que se poderia traduzir numa perda. Mas a A. não exerceu as funções correspondentes a essa categoria. Mais, a A. não exerceu quaisquer funções para o Réu durante aquele período.

14- A A. nada perdeu, quando muito, não ganhou, o que no máximo poderá ser considerado como um lucro cessante, mas nunca como um dano.

15- O pagamento daqueles diferenciais remuneratórios a título de indemnização, resultariam para a A. num enriquecimento, pois que os pretensos danos por ela havidos, ficaram resolvidos com a sua integração com efeitos retroativos.

16- E não tendo esta direito ao pagamento de quaisquer diferenças remuneratórias, também não lhe assiste o direito ao recebimento de quaisquer juros de mora, porque mora não existe, dado que o ISS, IP. não faltou ao pagamento de quaisquer quantias a que a Autora tivesse direito.

17- Não se mostrando preenchidos os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil por ato ilícito, deverá a sentença ora recorrida ser revogada pelo douto Tribunal ad quem e o ora recorrente absolvido.

18- A sentença recorrida fez, por conseguinte, uma interpretação errada dos arts. 9° e 10º do anexo à Lei n.º 67/2007 de 31.12, do art. 563° do Código Civil e dos nºs 1 e 2 do art. 173° do CPTA.



A Recorrida apresentou contra-alegações, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.


Neste Tribunal Central Administrativo, o Ministério Público, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, não emitiu parecer


Colhidos os vistos legais, importa apreciar e decidir.


I. 1. Questões a apreciar e decidir:

As questões suscitadas pelo Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o Tribunal a quo incorreu em erro de julgamento de direito ao concluir estarem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado, com o que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou o Instituto da Segurança Social, IP a pagar à autora a quantia de EUR 8.313,00 acrescidos de juros de mora, vencidos e vincendos, devidos desde o vencimento de cada uma das quantias pecuniárias até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%, nos termos dos artigos 559.º, 804.º a 806.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.



II. Fundamentação

II.1. De facto

É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual se reproduz ipsis verbis:

A) Fernanda …………… era detentora da categoria de auxiliar educativa, tendo exercido as funções desta categoria desde 1999, primeiro na Escola EB 2, 3 Dr. ……….., na localidade de …….., Vila ……… e, depois na Escola ………, em regime de contrato administrativo de provimento. Acordo das partes.

B) Fernanda ......................... candidatou-se no concurso interno geral de ingresso para o provimento de 95 lugares vagos na categoria de assistente administrativo do quadro de pessoal do Centro Nacional de Pensões (CNP) aberto pelo aviso n.º7811/2004, publicado no D.R. 2.ª Série, n.º177, de 29 de Julho de 2004.Cfr. documento de folhas 15 e seguintes dos autos.

C) Naquele concurso Fernanda ………… ficou classificada no 54.º lugar da lista de classificação final, publicada no D.R. 2.ª série, n.º148, de 3 de Agosto, através do aviso n.º7061/2005, na vagas postas a concurso.

D) Com fundamento de que entretanto perdera a qualidade de agente administrativo Fernanda ………….. não foi nomeada na categoria de assistente administrativo pelo despacho do Vogal do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social, I.P. n.º16843/2006, publicado no D.R., 2.ª Série, n.º160, de 21 de Agosto de 2006 a páginas 15661/15662.

E) O Sindicato dos Trabalhadores da Função Pública do Sul e Açores em representação designadamente de Fernanda ……………. propôs no então Tribunal Administrativo e Fiscal de Lisboa acção administrativa especial em que formulava o pedido de declaração de nulidade ou, subsidiariamente a anulação do despacho n.º16843/2006, publicado no D.R., 2.ª Série, n.º160, de 21 de Agosto de 2006 a páginas 15661/15662, proferido pelo Vogal do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social I.P., e o pedido de condenação do Instituto da Segurança Social, I.P. ao reconhecimento do direito à nomeação dos associados do autor no quadro de pessoal do Centro Nacional de Pensões, na categoria de assistente administrativo, em conformidade com a respectiva ordenação na lista de classificação final e com efeitos reportados à data da nomeação dos candidatos identificados naquele despacho (Processo que correu termos com o n.º3068/06.2BELSB). Cfr. documento de folhas 15 e seguintes dos autos.

F) Naquele processo n.º 3068/06.2BELSB foi em 30 de Março de 2009 proferido Acórdão em que se decidiu julgar a acção procedente ¯declarando-se nulo o despacho impugnado e condenando-se o R. a reconhecer o direito à nomeação dos associados do autor no quadro de pessoal do Centro Nacional de Pensões, na categoria de assistente administrativo, em conformidade com a respectiva ordenação na lista de classificação final e com efeitos reportados à data da nomeação dos candidatos identificados no despacho objecto da presente acção.Cfr. documento de folhas 30 dos autos.

G) O Instituto da Segurança Social I.P. interpôs recurso jurisdicional daquele Acórdão para o Tribunal Central Administrativo Sul que por Acórdão de 17 de Dezembro de 2009 negou provimento ao recurso e confirmou o Acórdão recorrido. Cfr. documento de folhas 31 a 40 dos autos, que se dá por integralmente reproduzido.

H) O Instituto da Segurança Social I.P. nomeou em 13 de Julho de 2010 Fernanda ……………, e em execução daquele Acórdão, no quadro de pessoal do Centro Nacional de pensões, na categoria de assistente administrativa, com efeitos a 1 de Setembro de 2006. Cfr. documento de folhas 41 dos autos (Aviso n.º13861/2010 de 02 de Julho de 2010 da Directora da Unidade de Gestão Administrativa de Recursos Humanos do Departamento de Recursos Humanos do Instituto da Segurança Social, I.P., publicado no Diário da República, 2.º Série, n.º134, de 13 de Julho de 2010, página 37653).

I) O Instituto da Segurança Social I.P. não pagou a Fernanda …………….. a diferença da retribuição correspondente a assistente administrativo e auxiliar educativa no período de 1 de Setembro de 2006 a 13 de Julho de 2010. Acordo das partes.

J) Em Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2006, enquanto auxiliar educativa na Escola Secundária da Ramada Fernanda …………….. auferiu o vencimento de €486,10, de Janeiro a Dezembro de 2007 €493,39, de Janeiro a Dezembro de 2008 €503,75, de Janeiro a Dezembro de 2009 €518,35 e de Janeiro a Julho de 2010 €583,58. Cfr. documentos de folhas 42 a 47 dos autos.

K) O vencimento correspondente à categoria de assistente administrativo era em Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2006 de €640,52 de Janeiro a Dezembro de 2007 €650,23, de Janeiro a Dezembro de 2008 €663,88, de Janeiro a Dezembro de 2009 €683,13 e de Janeiro a Julho de 2010 €683,13. Cfr. documentos de folhas 45 a 47 dos autos e acordo das partes.

Não foi consignada factualidade não provada.



II.2. De direito

Vem questionada no recurso a sentença do Mmo. Juiz do TAC de Lisboa que, considerando que a autora, ora Recorrida, só não venceu como assistente administrativa desde 1 de Setembro de 2006 porque o acto declarado nulo foi praticado, sendo o facto ilícito causa adequada do dano, concluiu pela verificação dos pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado e julgou a acção totalmente procedente, por provada e, em consequência, condenou o réu, ora Recorrente, a pagar à autora a quantia de EUR 8.313,00 acrescidos juros de mora, vencidos e vincendos devidos desde o vencimento de cada uma das quantias pecuniárias até ao efectivo e integral pagamento, à taxa legal de 4%.

Diverge o Recorrente dessa conclusão, sustentando, em síntese, que o Acórdão de 30.03.2006, aqui em causa, que anulou o acto do Vogal do Conselho Directivo que não nomeou a ora Recorrida na categoria de assistente técnica, não é materialmente susceptível de execução por impossibilidade de reconstituição da sua situação na parte relativa aos diferenciais retributivos no período de 1.09.2006 a 13.07.2010, porque, considera o Recorrente, nesse período a Recorrida não lhe prestou a actividade profissional e a mesma já não é susceptível de efectivação. Ou seja, alega que, como já o havia feito na contestação, não tendo havido serviço efectivamente prestado, não haverá direito ao pagamento de qualquer vencimento, mesmo a título indemnizatório, porquanto o direito à remuneração é um direito sinalagmático que depende directamente da prestação efectiva de trabalho (conclusões 1. a 4. do recurso).

Por outro lado, alega que a ora Recorrida não exerceu as funções da categoria de assistente técnica, nem exerceu quaisquer funções para o ora Recorrente durante aquele período, tendo exercido sim as funções de auxiliar educativa para outra entidade, do que resulta, para além de qualquer ilicitude, a inexistência de qualquer dano patrimonial. Isto é, não se mostram preenchidos os pressupostos em que assenta a responsabilidade civil por acto ilícito (conclusões 5. a 17.).

Vejamos então, sendo que não vem questionado o julgamento da matéria de facto.

Relativamente ao primeiro leque de questões colocadas pelo Recorrente (nas conclusões 1. a 4. do recurso), que se prendem com a impossibilidade de reconstituição da situação da Recorrida na parte relativa aos diferenciais retributivos no período de 1.09.2006 a 13.07.2010, por esta não lhe ter prestado actividade profissional e a mesma já não ser susceptível de efectivação, inexistindo, assim, o carácter sinalagmático imprescindível para o percebimento do vencimento reivindicado, respondeu a sentença recorrida nos seguintes termos:

Como se decidiu por exemplo no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 17 de Janeiro de 2013 no processo 01438C/03 «A execução de sentenças anulatórias de actos administrativos, por princípio, deve consistir na reposição da situação que existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado e no cumprimento dos deveres que a Administração não cumpriu com fundamento nesse acto, por forma a que a ordem jurídica seja reintegrada e o executado colocado na posição a que tem direito.»

É o que estatuem os n.ºs 1 e 2 do artigo 173.º do CPTA: «1-(…) a anulação de um acto administrativo constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado, bem como de dar cumprimento aos deveres que não tenha cumprido com fundamento no acto entretanto anulado, por referência à situação jurídica e de facto existente no momento em que deveria ter actuado.

2- Para efeitos do disposto no número anterior, a Administração pode ficar constituída no dever de praticar actos dotados de eficácia retroactiva que não envolvam a imposição de deveres, a aplicação de sanções ou a restrição de direitos ou interesses legalmente protegidos, bem como no dever de remover, reformar ou substituir actos jurídicos e alterar situações de facto que possam ter surgido na pendência do processo e cuja manutenção seja incompatível com a execução da sentença de anulação.»

Como refere o Professor Mário Aroso de Almeida «quando se fala da reconstituição da carreira do funcionário» em sede de execução de julgado anulatório «há dois planos que importa distinguir. O primeiro tem que ver com a operação intelectual, necessária mas sem expressão autónoma, da qual depende a identificação da posição em que o funcionário deve ser reintegrado ou recolocado. Em que é que consiste a operação intelectual de reconstituição de carreira do funcionário? Na tentativa de apurar de que maneira teria a carreira do funcionário evoluído sem o acto anulado, para o que se deve atender às circunstâncias que existiam e às normas que se encontravam em vigor em cada momento a que teria correspondido cada passo dessa evolução. Torna-se pois, necessário formular juízos reportados ao passado, ou mais precisamente, reportados aos diversos momentos com relevância no passado.

O segundo dos planos mencionados já tem que ver, uma vez realizada a operação intelectual à qual se acaba de fazer referência, com a satisfação dos direitos que, por efeito da repristinação, assistem ao funcionário quanto ao período intercorrente, no quadro da relação (complexa) de emprego público. Neste plano, está em jogo a adopção efectiva, por parte da Administração, dos actos e medidas que, durante todo esse tempo, ela deveria ter adoptado em relação ao funcionário – e porventura em relação a terceiros, mas por referência ao funcionário – Se a intervenção da decisão ilegal anulada não tivesse perturbado o curso provável dos acontecimentos. E nesta perspectiva se pode afirmar que no domínio da reconstituição da carreira do funcionário, a jurisprudência do nosso Supremo Tribunal Administrativo parece ter abraçado decididamente o critério da reconstituição da situação actual hipotética. O funcionário terá, assim direito à percepção dos benefícios que teria auferido entre o momento em que se começaram a produzir os efeitos do acto anulado e o momento em que é reintegrado ou recolocado – ou o momento em que sobreveio o evento que, independentemente do acto anulado, sempre teria posto termo à relação de emprego. (…) [sublinhado nosso].

A reconstituição da carreira do funcionário concretiza-se no cumprimento tardio dos deveres em que a Administração teria ficado constituída para com o funcionário durante o normal desenvolvimento da relação, se esta não tivesse sido perturbada pela modificação ilegalmente introduzida pelo acto anulado.

Neste plano, a Administração deve adoptar os actos e medidas que omitiu durante o período de tempo em que o acto anulado produziu efeitos e cuja adopção a definição emergente da sentença exija.»

Como se explica no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02 de Abril de 2008, relativo ao processo 0698/05 «A reconstituição da situação actual hipotética é o modo de ressarcir o lesado com a prática de actos administrativos ilícitos. Essa reconstituição corresponde, no essencial, à reparação do dano sofrido com o acto ilícito. Por isso no cômputo do dano devemos ter em conta não só a teoria da diferença (hoje consagrada no art. 566º do C. Civil: a indemnização tem como media a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos), mas ainda o relevo do contributo do lesado na configuração do dano ou na sua real dimensão (art. 570º do C. Civil).

Esta forma de delimitar o dano já era dominante, entre nós, antes do Código Civil de 1966 – cfr. MANUEL DE ANDRADE, Teoria Geral das Obrigações, Coimbra, 1963, pág. 350. PEREIRA COELHO, O Problema da Causa Virtual na Responsabilidade Civil, pág. 264, que entre os diversos sentidos da teoria da diferença considerava melhor, o «sentido segundo qual a diferença em que o dano a indemnizar se traduz e a diferença entre a situação real e a situação hipotética actual do património do lesado». Foi com este sentido que, no Direito Administrativo, se definiu o conteúdo do dever de executar as decisões judiciais anulatórias dos actos administrativos: «o dever de reconstituir a situação que actualmente existiria se o acto ilegal não tivesse sido praticado. É o que se chama a reconstituição da situação actual hipotética» – FREITAS DO AMARAL, Direito Administrativo, IV, Lisboa, 1988, pág 236. Em sentido idêntico VIEIRA DE ANDRADE, A Justiça Administrativa (Lições), 3ª Edição, pág. 289. Trata-se, como referem os autores, de um efeito «reconstitutivo ou reconstrutivo» da sentença, que corresponde – bem vistas as coisa – à reparação do dano causado pela ilicitude do acto. O art. 570º do C. Civil tem pois plena aplicação, pois está em causa a «reparação dos danos causados por um facto ilícito.»

Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 02 de Julho de 2002, relativo ao processo 0347/02 : «O direito ao recebimento de remunerações na função pública corresponde em geral, à contraprestação devida pelo serviço efectivo desempenhado. Na falta de norma específica que permita que o exercício de funções em comissão de serviço não exija o efectivo desempenho dessas funções, à indemnização a atribuir pela ilegal cessação de funções em comissão de serviço, deve corresponder, de acordo com a teoria da indemnização, à diferença entre as remunerações efectivamente recebidas pelo exercício de outras funções e as que corresponderiam ao exercício do cargo de que o lesado foi ilegalmente afastado (Teoria da indemnização).»

Como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de Julho de 2008, relativo ao processo 035910B «A reconstituição da situação patrimonial de funcionário que foi privado total ou parcialmente do seu vencimento devido a acto que foi anulado, não se faz directamente através do pagamento dos vencimentos ou parte deles que deixaram de ser auferidos, mas sim através de indemnização dos prejuízos concretamente sofridos em consequência do acto ilegal. (…)

O funcionário ilegalmente demitido que venha a ser reintegrado nos quadros da Administração Central tem direito a uma indemnização pelos danos decorrentes da prática do acto ilegal, cujo montante indemnizatório deve ser fixado, segundo o princípio da compensatio damni cum lucro, pela diferença – se a houver – entre a situação real e aquela que existiria se não tivesse ocorrido o afastamento (teoria da indemnização).»

Ou ainda, como se decidiu no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Maio de 2008, relativo ao processo 069/08 ¯O funcionário ilegalmente demitido que venha a ser reintegrado nos quadros da Administração Central tem direito a ma indemnização pelos danos decorrentes da prática do acto ilegal, cujo montante indemnizatório deve ser fixado, segundo o princípio da compensatio damni cum lucro pela diferença – se a houver – entre a situação real e aquela que existiria se não tivesse ocorrido o afastamento (teoria da indemnização).

Tendo-se provado que o autor durante o período em que esteve ilegalmente afastado exerceu clínica privada a tempo inteiro (embora não se tivessem apurado os respectivos montantes) deve ter-se por não provada a existência do dano, uma vez que o mesmo corresponde, nestes casos, á diferença entre os montantes deixados de receber e os montantes percebidos.»

Como se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 17 de Outubro de 2002, relativo ao processo 1695/98/A «Não tendo havido efectivo exercício de funções, a eliminação dos efeitos negativos da perda de vencimentos e outros abonos terá de operar através da indemnização por equivalente dos concretos prejuízos.»

Ou ainda como se decidiu no Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20 de Março de 2003, relativo ao processo 10417/01 «A concepção que melhor se amolda ao princípio da execução integral das sentenças administrativas, entendido como reconstituição da situação actual hipotética, é a que sustenta dever a Administração pagar os próprios vencimentos que o funcionário teria recebido se o acto ilegal não tivesse sido praticado.

O direito aos vencimentos (porventura, a diferença entre os vencimentos auferidos e aqueles que deveriam ter sido pagos) corresponde ao cumprimento de uma obrigação pecuniária em mora, pelo que impõe o pagamento dos juros moratórios legais, nos termos do disposto nos artigos 550.º e 806.º do Código Civil.»

Conforme se retira, assim, da fundamentação da sentença recorrida, foi entendido que o princípio da execução integral das sentenças administrativas, compreendido como reconstituição da situação actual hipotética, sustenta o dever de a Administração pagar os vencimentos que o funcionário teria recebido se o acto ilegal não tivesse sido praticado, o que ocorreu na situação da ora Recorrida, pois que esta, tal como provado, tinha direito a ser nomeada assistente administrativa desde 1.09.2006. Conclusão que é certeira, tendo presente a jurisprudência amplamente enunciada.

Com efeito, a execução das sentenças anulatórias dos tribunais administrativos não envolve, apenas, o poder da Administração proferir novo acto no respeito pelos limites decorrentes do caso julgado. Também lhe impõe a obrigação de desenvolver uma actividade de execução tendo em vista pôr a situação de facto de acordo com a definição de direito que resulta da decisão anulatória, ou seja, e nas palavras da lei (art. 173.º, n.º 1, do CPTA), com a finalidade de “reconstituir a situação que existiria se o acto anulado não tivesse sido praticado”. Trata-se, pois, de reconstituir a situação actual hipotética, o que significa que a Administração fica constituída no dever de executar a decisão anulatória, praticando os actos e operações necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal anulado não tivesse sido praticado.

Como se refere no acórdão do STA de 2.04.2008, proc. n.º 698/05, citado na sentença recorrida, “a reconstituição da situação actual hipotética é o modo de ressarcir o lesado com a prática de actos administrativos ilícitos. Essa reconstituição corresponde, no essencial, à reparação do dano sofrido com o acto ilícito. Por isso no cômputo do dano devemos ter em conta não só a teoria da diferença (hoje consagrada no art. 566º do C. Civil: “a indemnização tem como media a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos”), mas ainda o relevo do contributo do lesado na configuração do dano ou na sua real dimensão (art. 570º do C. Civil).

Sendo que, em aproximação do caso concreto, “a reconstituição da situação patrimonial de funcionário que foi privado total ou parcialmente do seu vencimento devido a acto que foi anulado, não se faz directamente através do pagamento dos vencimentos ou parte deles que deixaram de ser auferidos, mas sim através de indemnização dos prejuízos concretamente sofridos em consequência do acto ilegal” (v. o ac. do STA de 14.07.2008, proc. n.º 35910B).

O que nos leva a entrar na segunda parte do argumentário do Recorrente (conclusões 5. a 17.).

Neste capítulo, alega o Recorrente, em síntese, que não tendo a ora Recorrida legalmente direito ao pagamento das remunerações por funções que efectivamente não prestou, inexiste qualquer ilicitude no não pagamento, não lhe assistindo o direito subjectivo de ser remunerada por funções que não prestou, nem mesmo a título indemnizatório. Mais, para que existisse o direito à indemnização, imprescindível era também a existência concreta de danos, o que não se verifica no caso. Em suma, insiste o Recorrente que não tendo havido a contraprestação do trabalho, não há obrigação de pagamento, e não se poderia assim equacionar a existência de quaisquer danos, designadamente traduzidos no não pagamento das invocadas diferenças salariais.

Sobre esta questão, atinente à obrigação de indemnizar, escreveu-se na sentença recorrida:

“(…) vejamos em concreto se estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual por forma a aferir se a autora tem direito à indemnização que invoca.

O Supremo Tribunal Administrativo vinha decidindo, pacificamente, mesmo antes da Lei n.º67/2007 de 31 de Dezembro, aplicável ao caso dos autos, que a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas por factos ilícitos praticados pelos seus órgãos ou agentes, assenta nos pressupostos da idêntica responsabilidade prevista na lei civil, estabelecidos no artigo 483.º, n.º 1 do Código Civil, que exige a verificação cumulativa dos seguintes pressupostos: o facto constituído por um comportamento voluntário, que pode revestir a forma de acção ou omissão; a ilicitude, advinda da ofensa de terceiros ou disposições legais emitidas com vista à protecção de interesses alheios; a culpa, nexo de imputação ético -jurídica que liga o facto ao lesante; o prejuízo ou dano; e o nexo de causalidade entre o dano e o facto, apurado de acordo com a teoria da causalidade adequada.

Entendimento que se mantém plenamente válido. Para haver obrigação de indemnizar com fundamento em responsabilidade civil extracontratual de entidade pública têm de se verificar cumulativamente todos aqueles pressupostos.

Vejamos então.

A secção I, integrada no Capítulo II do anexo à Lei n.º 67/2007, sobre a Responsabilidade civil por danos decorrentes do exercício da função administrativa, dispõe sobre Responsabilidade por facto ilícito, definindo no artigo 9.º o conceito de ilicitude, para efeito de aplicação daquela lei.


Artigo 9.º
Ilicitude

1- Consideram -se ilícitas as acções ou omissões dos titulares de órgãos, funcionários e agentes que violem disposições ou princípios constitucionais, legais ou regulamentares ou infrinjam regras de ordem técnica ou deveres objectivos de cuidado e de que resulte a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos.

2- Também existe ilicitude quando a ofensa de direitos ou interesses legalmente protegidos resulte do funcionamento anormal do serviço, segundo o disposto no n.º 3 do artigo 7.º

A actuação ilícita, em sentido material, é aquela que tenha como consequência a lesão de direitos ou interesses legalmente protegidos de terceiros. Formalmente o conceito integra a violação de normas.

A ilicitude tanto pode resultar de uma acção, como de uma omissão, conforme se retira da primeira parte do n.º 1 do artigo supra transcrito, mas para que haja ilicitude por omissão é necessário que o órgão, funcionário ou agente da pessoa colectiva de direito publico tenha o dever de agir.

No caso dos autos está provado que despacho n.º16843/2006, publicado no D.R., 2.ª Série, n.º160, de 21 de Agosto de 2006 a páginas 15661/15662, proferido pelo Vogal do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social I.P. foi declarado nulo, e o Instituto da Segurança Social, I.P. foi condenado a reconhecer o direito à nomeação dos associados do autor no quadro de pessoal do Centro Nacional de Pensões, na categoria de assistente administrativo, em conformidade com a respectiva ordenação na lista de classificação final e com efeitos reportados à data da nomeação dos candidatos identificados naquele despacho entre os quais a ora autora.

Traduzindo a ilicitude uma conduta contrária aos fins de norma jurídica violada, e ao círculo de direitos subjectivos e interesses privados que tal norma visa tutelar, entende-se que está demonstrada a verificação de uma actuação ilícita.

Fernanda José Pinto Azevedo tinha direito a ser nomeada assistente administrativa desde 1 de Setembro de 2006.

O acto que indeferiu tal pretensão foi declarado nulo e a Fernanda ……………. foi jurisdicionalmente reconhecido aquele direito.

A culpa, consiste no nexo de imputação ético-jurídico que liga o facto à vontade do agente, exprimindo uma ligação reprovável ou censurável da pessoa com o facto ilícito. Agir com culpa, significa actuar em termos de a conduta do agente merecer reprovação ou censura do direito, no sentido de que pela sua capacidade e em face das circunstâncias concretas da situação, ser de concluir que ele podia e devia ter agido de outro modo.

No artigo 10.º, n.º 1 do anexo à Lei n.º67/2007, de 31 de Dezembro estabelece-se que a culpa «deve ser apreciada pela diligência e aptidão que seja razoável exigir, em função das circunstâncias de cada caso, de um titular de órgão, funcionário ou agente zeloso e cumpridor.»

Como se decidiu no Acórdão proferido no processo n.º3068/06.2BELSB «a caducidade do contrato administrativo de provimento verificada na pendência de concurso interno não figura entre as causas de exclusão de candidatura ao concurso geral de ingresso elencadas nos requisitos gerais do artigo 29.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º204/98, de 11 de Julho, nem nos requisitos especiais do artigo 8.º, n.º1, alínea b) do Decreto-Lei n.º404-A/98, de 8 de Dezembro exigidos no ponto 5 do aviso do concurso. (…) A existência do vínculo de agente constitui, assim um requisito exigível apenas na fase da admissão ao concurso interno.»

A ignorância daquelas normas relativas ao concurso que não pode deixar de ser considerada censurável, tomando como padrão um serviço medianamente organizado.

Pelo que cabe julgar verificado aquele pressuposto da responsabilidade civil extracontratual, o pressuposto culpa.

Para que haja obrigação de indemnizar é ainda condição essencial que haja dano, que o facto ilícito culposo tenha causado um prejuízo a alguém. O dano é a lesão, o prejuízo, a perda que o lesado sofreu em consequência de certo facto.

Fazendo apelo à teoria da indemnização que o Supremo Tribunal Administrativo e como acima referimos, tem adoptado, constatamos que o montante do salário que a ora autora auferiu de 1 de Setembro de 2006 a Julho de 2006 como auxiliar educativa é inferior ao montante do salário a que teria direito se o acto declarado nulo não tivesse sido praticado.

Aquela diferença não pode deixar pois de ser considerada um prejuízo.

Constituindo as diferenças entre os vencimentos auferidos e aqueles a que a autora tinha direito o cumprimento de uma obrigação pecuniária, a autora tem direito aos juros moratórios nos termos do disposto nos artigos 550.º e 806 do Código Civil.

O nexo de causalidade, pressuposto da responsabilidade civil, «consiste na interacção causa/efeito, de ligação positiva entre a lesão e o dano, através da previsibilidade deste em face daquele, a ponto de poder afirmar-se que o lesado não teria sofrido tal dano se não fosse a lesão (artigo 563.º do Código Civil)». Afere-se em função da idoneidade abstracta da conduta imputável ao réu para a produção (jurídica) do dano, sendo que existe tal idoneidade sempre que o resultado seja previsível ou normal. «A condição deixará de ser causa do dano, sempre que, segundo a sua natureza geral, era de todo indiferente para a produção do dano e só se tornou condição dele, em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, sendo portanto inadequada para este dano».

O artigo 563.º do Código Civil consagra a teoria da causalidade adequada «A obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão», à luz da qual deve arquitectar-se a reconstituição da situação hipotética do lesado, erigida pelo artigo 562.º como objectivo nuclear da obrigação de indemnização.

Ora, dos autos resulta que a autora só não venceu como assistente administrativa desde 1 de Setembro de 2006 porque o acto declarado nulo foi praticado.

Isto é, o facto ilícito é causa adequada do dano.

Assim, por estarem reunidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado cabe julgar a presente acção totalmente procedente (…)”.

E o assim decidido é de manter.

Na verdade, tal como apontado na sentença recorrida, é incontornável que está demonstrada a verificação de uma actuação ilícita: a ora Recorrida tinha direito a ser nomeada assistente administrativa desde 1 de Setembro de 2006, tendo o acto que indeferiu tal pretensão sido declarado nulo e a esta jurisdicionalmente reconhecido aquele direito. Na sentença recorrida julgou-se, pois, verificado o pressuposto relativo à ilicitude, ainda que implicitamente, com base quer na sua vertente objectiva – comportamento objectivamente antijurídico – quer subjectiva – desvalor da conduta quanto ao resultado, traduzido na violação de um direito ou interesse do particular (ilicitude subjectiva).

Está provado que o despacho n.º 16843/2006, publicado no D.R., 2.ª Série, n.º 160, de 21 de Agosto de 2006 a páginas 15661/15662, proferido pelo Vogal do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social IP foi declarado nulo, por decisão judicial, e que este Instituto, ora Recorrente, foi condenado a reconhecer o direito à nomeação dos associados do Sindicato dos Trabalhadores em Funções Públicas do Sul e Regiões Autónomas no quadro de pessoal do Centro Nacional de Pensões, na categoria de assistente administrativo, em conformidade com a respectiva ordenação na lista de classificação final e com efeitos reportados à data da nomeação dos candidatos identificados naquele despacho, entre os quais a ora autora. Donde, há ilicitude porque a actuação administrativa em causa foi julgada ilegal (nulidade), por erro sobre os pressupostos de direito e ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental, tendo resultado violado um direito subjectivo da ora Recorrida (neste sentido, o ac. deste TCAS de 20.03.2014, proc. n.º 7902/11).

Continuando, julgou-se igualmente verificado na sentença recorrida o pressuposto da culpa; e bem. Constituindo a culpa a imputação de um acto ilícito ao seu autor, traduzido numa conduta omissiva da diligência exigível a um pessoa média (cfr., i.a., o ac. deste TCAS de 14.07.2010, proc. n.º 4882/09), certo é que, como vem referido pelo Mmo. Juiz a quo, a ignorância das normas relativas ao concurso em questão – artigo 29.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º204/98, de 11 de Julho, e artigo 8.º, n.º1, alínea b), do Decreto-Lei n.º404-A/98, de 8 de Dezembro, exigidos no ponto 5 do aviso do concurso – não pode deixar de ser considerada censurável, tomando como padrão um serviço medianamente organizado. Aliás, em bom rigor, o preenchimento deste pressuposto da responsabilidade civil do Estado não vem sequer discutido pelo Recorrente que a ele se refere apenas conclusivamente (e apenas quando afirma que não se encontram verificados os pressupostos cumulativos geradores daquela responsabilidade – cfr. conclusão 11).

Alega ainda o Recorrente que não se verifica a existência de qualquer dano. Segundo o seu entendimento, “se é certo que existiu um não auferimento de valores, também é certo que a A. nada prestou para os auferir, e sendo esta uma relação de natureza laboral sempre teria que haver um sinalagma, uma contraprestação”. Porém, sem razão.

Por um lado, já se deixou devidamente estabelecido que a reconstituição da situação patrimonial da funcionária, que foi privada totalmente do seu vencimento devido a acto que foi anulado, não se faz directamente através do pagamento dos vencimentos ou parte deles que deixaram de ser auferidos, mas sim através de indemnização dos prejuízos concretamente sofridos em consequência do acto ilegal (v. supra), como vem decidido. Por outro lado, e nessa mesma sequência (lógica), tal como explicitado pelo Tribunal a quo: Fazendo apelo à teoria da indemnização que o Supremo Tribunal Administrativo e como acima referimos, tem adoptado, constatamos que o montante do salário que a ora autora auferiu de 1 de Setembro de 2006 a Julho de 2006 [devendo ler-se 2013, sendo o lapso de escrita manifesto no texto da sentença] como auxiliar educativa é inferior ao montante do salário a que teria direito se o acto declarado nulo não tivesse sido praticado. // Aquela diferença não pode deixar pois de ser considerada um prejuízo. // Constituindo as diferenças entre os vencimentos auferidos e aqueles a que a autora tinha direito o cumprimento de uma obrigação pecuniária, a autora tem direito aos juros moratórios nos termos do disposto nos artigos 550.º e 806 do Código Civil.” E assim é efectivamente.

Não pode deixar de se estranhar neste ponto a alegação do Recorrente quando afirma que “Assim, a A. nada perdeu, quando muito, não ganhou” (cfr. art. 28.º da alegação do recurso). Precisamente por não “ganhar”, devendo ter “ganho”, é que ocorre um dano na sua esfera patrimonial, correspondente este às diferenças de vencimento que a Recorrida auferiu no período em causa e aqueles a que tinha direito. Cálculos esses, aliás, que não vêm colocados em crise no recurso interposto.

Por fim, pretende sumariamente o Recorrente que não existe nexo de causalidade entre o facto e o dano. Ora, é por demais manifesto, tal como alegado pela Recorrida nas suas contra-alegações, que a prestação laboral a que haveria de ser dado cumprimento pela Recorrida só não se concretizou porque o Recorrente não o permitiu ao não a ter nomeado em lugar da categoria de assistente técnica a que tinha direito do quadro de pessoal do Centro Nacional de Pensões. Do que resultou, claro está, a inerente perda de vencimento, cujo probatório atesta. E tanto basta para dar como verificada a relação de causa-efeito a que o princípio da causalidade apela.

Mostra-se, assim, inequívoco que o facto ilícito praticado pela Administração – o Instituto ora Recorrente – é causa adequada do dano (art. 563.º do C.Civil), estando, assim, integralmente preenchidos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual do Estado. Sendo que o recurso a um equivalente indemnizatório encontra, como já se disse, justificação legal exactamente nas situações em que não é possível a reconstituição natural, como é o caso.

Razões pelas quais, improcedem todas as conclusões de recurso, tendo a sentença recorrida que ser integralmente confirmada.



III. Conclusões

Sumariando:

i) A execução do julgado anulatório constitui a Administração no dever de reconstituir a situação que existiria se não tivesse sido praticado o acto ilegal ou se esse acto tivesse sido praticado sem a ilegalidade que deu causa à anulação, praticando os actos e operações necessárias à reintegração da ordem jurídica violada, mediante a reconstituição da situação que existiria se o acto ilegal anulado não tivesse sido praticado (situação hipotética actual).

ii) A reconstituição da situação patrimonial de funcionária que foi privada total ou parcialmente do seu vencimento devido a acto que foi anulado, não se faz directamente através do pagamento dos vencimentos ou parte deles que deixaram de ser auferidos, mas sim através de indemnização dos prejuízos concretamente sofridos em consequência do acto ilegal.

iii) Sendo o montante do salário que a funcionária auferiu de Setembro de 2006 a Julho de 2010 como auxiliar educativa inferior ao montante do salário a que teria direito se o acto declarado nulo não tivesse sido praticado, aquela diferença não pode deixar de ser considerada como um dano patrimonial e, como tal, indemnizável.



IV. Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes da Secção do Contencioso Administrativo deste Tribunal Central Administrativo Sul em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida.

Custas pelo Recorrente.

Lisboa, 16 de Abril de 2015

Pedro Marchão Marques
Conceição Silvestre

Cristina Santos