Acórdãos TCAS

Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul
Processo:141/11.9BEALM
Secção:CT
Data do Acordão:05/13/2021
Relator:ANA CRISTINA CARVALHO
Descritores:VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
VENDA
PRESCRIÇÃO
UTILIDADE DA DECISÃO DE GRADUAÇÃO
Sumário:I - Existindo reclamação com vista à verificação e graduação de créditos no processo de execução fiscal, a prescrição da dívida exequenda no processo principal declarada posteriormente à venda dos bens que garantiam os créditos reclamados, não determina a inutilidade da lide em relação ao processo de verificação e graduação que deverá prosseguir para os efeitos do disposto no artigo 245.º do CPPT, na redacção vigente à data;

II – Com a sua venda, os bens deixaram de constituir a garantia dos créditos dos reclamantes, daí que, se disponha no n.º 3 do artigo 824.º do CCivil que os direitos de terceiro que caduquem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
1
Decisão Texto Integral:Acordam, em conferência, os Juízes que compõem a Secção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul

I - RELATÓRIO

B….., S.A., inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Almada que, no quadro da reclamação de créditos no âmbito do processo de execução fiscal n.º -….., julgou extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos e ao abrigo do artigo 277.º alínea e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT, dela veio interpor o presente recurso formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

«I - Por sentença proferida a fls (Ref: 005559689) nos autos acima referidos foram os mesmos declarados extintos por inutilidade superveniente da lide nos termos da alínea e) do artigo 277 ° do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT.

II - A Recorrente discorda daquela decisão porquanto entende a mesma que os fundamentos empregados pelo Tribunal “a quo” incorrem em errónea interpretação e aplicação da lei aplicável.

III - No processo de execução fiscal nº …..e Aps instaurado contra a sociedade por quotas E….. Lda pelo Serviço de Finanças de Almada foram penhorados quatro fracções autónomas designadas pelas letras “D”, “F” "M" e "J" todas pertencentes ao prédio urbano constituído no regime da propriedade horizontal, sito na freguesia de Almada, concelho de Almada descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Almada sob o nº ….. e inscrito na respectiva matriz predial urbana sob o artigo …...

IV - A Recorrente foi citada para reclamar créditos no processo de execução fiscal n.º ….. - o que efectivamente fez -, para pagamento dos seus créditos pelo produto da venda dos quatro imóveis penhorados e sobre os quais tinha garantia real de hipotecas.

V - Foi feita a venda judicial com aceitação de propostas depósito do preço e adjudicação desses mesmos imóveis.

VI - À ordem do processo de execução fiscal encontra-se depositada, na presente data, a quantia de 120.013,00 € (cento e vinte mil e treze euros) referente às vendas dos quatro imóveis que se encontravam penhoradas no âmbito do processo de execução fiscal n° ….. e Aps.

VII - Por ofício nº 1002 de 21 de março de 2018 veio o Serviço de Finanças de Almada - 2 informar os presentes autos de verificação e graduação de créditos que o processo de execução fiscal n.° ….. foi extinto por prescrição em 16 de dezembro de 2014.

VIII - A extinção da execução não torna superveniente inútil o prosseguimento dos autos de verificação e graduação de créditos.

IX - A Recorrente só pode ser paga na execução fiscal pelos bens sobre que haver garantia real e conforme graduação dos seus créditos e os direitos sobre as coisas vendidas transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

X - Sem a sentença de verificação e graduação de créditos não podem ser feitos os pagamentos à Recorrente;

XI - De outro modo a Recorrente perdia a garantia real da hipoteca sobre os imóveis e sobre os produtos da venda para o qual aquela se transferiu.

XII - No caso em apreço, o Tribunal “a quo” não proferiu sentença de verificação e graduação de créditos como lhe competia, mas sim sentença a julgar extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide. nos termos do artigo 277.º alínea e) do CPC, aplicável ex vi do artigo 2.º alínea e) do CPPT;

XIII - Tal sentença violou, por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 796.º n.º 2, 847.º e 848. ° do CPC. n.° 1 do 261.º e n.º 3 do 265.º do CPPT.

XIV - Deve a decisão proferida, e ora objecto do presente recurso, ser revogada e alterada, em conformidade com o que impõem os dispositivos legais aplicáveis, e que será, nos termos atrás referidos, proferindo a sentença de verificação e graduação dos créditos, graduando os créditos da Recorrente, garantidos por hipoteca voluntária sobre os bens imóveis melhor identificados nos autos à margem identificados.

TERMOS EM QUE, com o mui douto suprimento de V Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, e em consequência

Deve ser revogada a douta sentença recorrida, e a mesma substituída por outra que profira a sentença de verificação e graduação dos créditos, graduando os créditos da Recorrente, garantidos por hipoteca voluntária sobre os bens imóveis melhor identificados nos autos à margem identificados»


*


Não foram apresentadas contra-alegações.

*




Foi dada vista ao Ministério Público, e neste Tribunal Central Administrativo, o Procurador–Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência do recurso, porquanto, sustenta:


A prescrição da dívida fiscal em causa foi declarada por despacho do Chefe do Serviço de Finanças de Almada - 2.


A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide ocorre quando “por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objeto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui por ele já ter sido atingido por outro meio (cf. José Lebre de Freitas e Outros in Código de Processo Civil Anotado, Vol. 1.º, Coimbra Ed., pág. 512).


Desta feita, tendo sido declarada a prescrição do processo de execução fiscal, não pode, pois, ocorrer o prosseguimento do mesmo e o subsequente pagamento dos créditos reclamados, pelo que verificamos que a presente lide torna-se inútil.


Impõe-se, pois, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, nos termos do artigo 277.º, alínea e) do Código de Processo Civil ex vi artigo 2.º, alínea e) do Código de Procedimento e de Processo Tributário. E a razão é extremamente simples v.g. A prescrição é uma forma de extinção de direitos (e dos correspondentes deveres) em consequência do seu não exercício pelo que cessam todas as ações legais “ipso facto “. Ou “ a contrario “ não se fundamenta a verificação e graduação de créditos em dívidas prescritas e se assim não fosse a Lei determinaria o efeito .


Inexistindo novos argumentos ou questões a apreciar, concluímos que a mui douta DECISÃO deverá manter-se na Ordem Jurídica.”


*


Colhidos os vistos legais, vem o processo submetido à conferência para apreciação e decisão.

*


II - DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, do novo Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, o objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente no âmbito das respectivas alegações, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva conhecer oficiosamente, apenas estando este tribunal adstrito à apreciação das questões suscitadas que sejam relevantes para conhecimento do objecto do recurso.

Importa assim, decidir se a sentença recorrida incorreu:

i) em erro de julgamento ao considerar inútil o prosseguimento dos autos, após a declaração pelo órgão da execução fiscal, da prescrição da dívida em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º …..;

ii) em erro de julgamento de direito por errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 796.º, n.º 2, 847.º e 848.º do CPPT e 261.º e n.º 3 do artigo 265.º do CPPT ao jugar extinta a instância.

III - FUNDAMENTAÇÃO

III – 1. De facto


É a seguinte a decisão sobre a matéria de facto constante da sentença recorrida:

« A. O Município de Almada, a Caixa Económica Montepio Geral, a sociedade B….., S.A. e a Fazenda Pública reclamaram os seus créditos no âmbito do processo de execução fiscal n.º ….. (cf. fls. 1 a 168 dos autos);
B. Por despacho de 16.12.2014 do Chefe do Serviço de Finanças de Almada - 2 foi declarada a prescrição do PEF n.º ….. (cf. fls. 221 dos autos).»

Por se entender relevante à decisão a proferir, na medida em que documentalmente demonstrada, adita-se ao probatório, ao abrigo do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, ex vi artigo 281.º do CPPT, a seguinte factualidade:

C. O processo de execução fiscal n.º …..foi instaurado contra a sociedade denominada “E….., Lda” para cobrança coerciva de dívida de Contribuição Autárquica referente aos anos de 1999 e 2000 no valor de € 1 260,99 – cf. 1 a 3 do PEF apenso;

D. Ao processo de execução fiscal identificado no ponto anterior foi apensado o processo de execução fiscal n.º …..instaurado para cobrança de IMI de 2003 com base nas certidões de dívida n.ºs …..no valor de € 298,65 e n.º …..no valor de € 298,65 – cf. PEF apensos;

E. Foram apensados ao processo identificado em C, os PEF n.º ….. e ….. instaurados para cobrança de IMI de 2004 com base nas certidões de dívida n.ºs ….. e ….. no valor de € 999,33 cada referentes às fracções D, F, J e M do prédio urbano inscrita na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Almada, sob o artigo ….. – cf. PEF apensos e fls. 6 a 8 dos autos;

F. Foram apensados ao PEF identificado em C, os PEF n.ºs ….. , ….. , ….., ….., para cobrança de retenção na fonte de IRS no valor de € 41,00 cada, referente a 2004 instaurados com base nas certidões de dívida n.ºs ….., ….., …..e ….. – cf. PEF apensos;

G. Foram apensados ao PEF identificado em C, os PEF n.ºs ….., ….., ….., ….., ….., ….., ….., ….., ….., …..e ….. com base nas certidões de dívida n.ºs ….. no valor de € 41,00, n.º ….., ….., ….., ….., ….., ….. e ….., ….., ….., ….., e ….. no valor de € 33,00, cada provenientes de dívidas relativas a retenção na fonte de IRS – cf. PEF apensos;

H. Em 23/11/2000 a executada constituiu a favor da Caixa Económica Montepio Geral hipoteca voluntária, para garantia de mútuo, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de € 2 204 686,71, abrangendo as fracções D, F, J e M do prédio urbano sito na ….. e ….., em Almada, inscrita na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Almada, sob o artigo ….., e descrita na Conservatória do Registo Predial de Almada – 2, sob o registo n.º …..– cf. fls. 48 dos autos;

I. A referida hipoteca objecto de registado na Conservatória do Registo Predial de Almada em 08/11/2001 – cf. fls. 45 do PEF;

J . O Município de Almada emitiu a certidão de dívida com data de 25/05/2004 em que figura como devedor a executada, pela quantia de € 172 582,37, proveniente de «impostos indirectos – Loteamento e Obras» com prazo de pagamento até 27/11/2003 – cf. fls. 27 dos autos;

K. Em 29/03/2007 o Município de Almada efectuou a penhora das fracções D, F, J e M do prédio urbano sito na ….. e ….., em Almada, inscrita na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Almada, sob o artigo ….., e descrita na Conservatória do Registo Predial de Almada – 2, sob o registo n.º ….. para garantia do pagamento da quantia de € 296 495,48 em cobrança coerciva no processo de execução fiscal n.º …..proveniente de dívida de Loteamento e Obras (impostos indirectos) do ano de 2003, juros de mora e custas – cf. auto de penhora de fls. 29 dos autos;

L. As referidas penhoras foram registadas em 05/04/2007 – cf. fls. 49, 58, 78 e 89 do PEF;

M. Em 18/05/2007, no âmbito do processo identificado em C. e seus apensos, para pagamento da quantia de € 8 931,48 e acrescido, foi efectuada a penhora das fracções autónomas D, F, J e M do prédio urbano sito na ….. e ….., em Almada, inscrita na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Almada, sob o artigo ….., e descrita na Conservatória do Registo Predial de Almada – 2, sob o registo n.º ….. - cf. autos de penhora a fls. 28 e 25 do PEF;

N. As referidas penhoras foram registadas em 08/10/2007 – cf. fls. 49, 58, 78 e 89 do PEF;

O. Em 11/09/2008 foram adjudicadas as fracções D e F e em 06/10/2010 foram adjudicadas as fracções J e M identificadas no ponto J. – cf. fls. 176 a 179 do PEF e 206 dos autos;

P. Por apenso ao processo identificado em C e seus apensos, vieram reclamar créditos sobre a Executada:

P i) O Município de Almada, por créditos provenientes de tributos resultante de Loteamento e Obras do ano de 2003, juros de mora e custas, no montante de € 172 582,37 invocando a penhora sobre as fracções autónomas identificada em H – cf. reclamação apresentada em 30/10/2008 a fls. 23 e sgs dos autos;

P ii) B….., S.A., na sequência de cessão de créditos efectuada pela “Caixa Económica Montepio Geral”, por crédito emergente de mútuo, sob a forma de abertura de crédito em conta corrente até ao montante de € 2 204 686,71, tendo sido utilizado pela executada o capital no montante total de € 295 679,00 a que acrescem juros contados desde 23/11/2005, clausula penal de 4% ao ano sobre o capital em dívida, bem como prémios de seguro, imposto de selo e demais despesas num total de € 377 471,12 invocando hipoteca voluntária sobre os bens penhorados – cf. reclamação apresentada em 21/08/2008 a fls. 43 e sgs dos autos;

P iii) A Fazenda Pública, por créditos provenientes de IMI do ano de 2006, inscritos para cobrança em 2007 no valor de € 1 679,46, IRS de 2004 no valor de € 205,00 e de 2005 no valor de € 396,00, IRC de 2004 no valor de € 2 078,07, de 2005 no valor de € 16 001,60 e de 2006, no montante de € 1 515,51, quantias acrescidas de juros legais, invocando os privilégios creditórios previstos nos artigos 111.º do CIRS, 108.º, do CIRC e 122.º, n.º 1 do CIMI e artigo 744.º, n.º 1 do CCivil – cf. fls. 176 dos autos.

III – 2. De direito

O Mº juiz a quo, na sequência da informação prestada pelo órgão da execução fiscal no sentido de que o PEF n.º ….. fora extinto por prescrição em 16/12/2014 e no seguimento do parecer emitido pelo DMMP a folhas 222, julgou extinta a instância de verificação e graduação de créditos, por inutilidade superveniente da lide, no entendimento de que já não podia ser satisfeita a pretensão formulada pelos reclamantes, por ter sido declarada a prescrição da dívida fiscal em causa.

A recorrente não se conforma com tal decisão na medida em que não foi ido em conta o facto de ter ocorrido a venda dos bens. Tendo visto penhorar e vender na execução fiscal os imóveis sobre os quais os créditos por si reclamados gozavam da garantia real de hipoteca considera que se torna necessário o prosseguimento dos autos para graduação e pagamento dos seus créditos com o produto da venda dos mesmos, já que os direitos sobre as coisas vendidas se transferem para o produto da venda dos respectivos bens.

E assim é.

Não sendo a obrigação voluntariamente cumprida, tem o credor o direito de executar o património do devedor, conforme resulta do disposto no artigo 817.º do CCivil, constituindo o património do executado devedor é a garantia comum de todos os credores.

Existindo reclamação com vista à verificação e graduação de créditos no processo de execução fiscal, a prescrição da dívida exequenda no processo principal declarada posteriormente à venda dos bens que garantiam os créditos reclamados, não determina a inutilidade da lide em relação ao processo de verificação e graduação que deverá prosseguir para os efeitos do disposto no artigo 245.º do CPPT, na redacção vigente à data (antes da alteração operada pela Lei n.º 55-A/2010 de 31/12).

Na verdade, a venda dos bens da executada ocorrida no processo de execução fiscal é efectuada livre de ónus ou encargos, isto é, de direitos de garantia que os onerem. Assim sendo, tais bens deixaram de constituir a garantia dos créditos dos reclamantes. Daí que, se disponha no n.º 3 do artigo 824.º do CCivil que os direitos de terceiro que caduquem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

Em consonância com tal previsão legal, resulta do disposto no artigo 917.º n.º 2 do CPC (na redacção vigente à data da reclamação, por força do disposto no n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013 de 26/6, disposição que actualmente consta do n.º 2 do artigo 847.º) que, se a extinção da execução tiver lugar depois de vendidos os bens ou adjudicados, a execução prossegue somente para verificação e graduação dos créditos reclamados que tenham de ser objecto de liquidação para serem pagos pelo produto desses bens, conforme a graduação e até onde o produto obtido chegar, salvo se for exibido título extintivo de alguns destes créditos.

Donde se conclui que, com a adjudicação das fracções autónomas (cf. ponto N dos factos assentes), havendo concurso de credores, as garantias dos créditos dos reclamantes transferiram-se para o produto da venda impondo-se assim, proceder à sua graduação relativamente ao produto da venda, nos termos do disposto no artigo 917 n.º 2 do CPC. A sentença que assim não decidiu não se pode manter, devendo ser revogada.

Aqui chegados e havendo elementos nos autos que nos permitem conhecer do mérito da acção, observado que foi previamente o contraditório, importa agora apreciar.

Antes de mais, importa decidir a reclamação apresentada pela Fazenda Pública contra o crédito reclamado pelo Município de Almada no que se refere aos créditos provenientes de taxa de justiça, encargos e um acréscimo de 25%, calculado nos termos do artigo 199.º, n.º 5 do CPPT.

Considera a Fazenda Pública que tais créditos não podem ser admitidos porquanto não constituem quantia exequenda, nem beneficiarem de qualquer privilégio creditório, apenas detendo título executivo relativamente à quantia de € 172 582,37. Por essa razão, apenas este crédito e os respectivos juros de mora poderão ser reconhecidos, pois apenas estes gozam do mesmo efeito atribuído pela penhora.

Notificados os reclamantes para se pronunciarem sobre a impugnação nada disseram ou requereram.

Vejamos.

Decorre do estatuído no artigo 865.º, n.º 1 do CPC, na redacção vigente à data da reclamação, por força do disposto no n.º 4 do artigo 6.º da Lei n.º 41/2013 de 26/6 (constando actualmente no artigo 788.º), aplicável por remissão do artigo 246.º do CPPT, que só o credor que goze de garantia real sobre os bens penhorados pode reclamar, pelo produto destes, o pagamento dos respectivos créditos. Salientando-se que a reclamação tem sempre por base um título exequível, conforme resulta do n.º 2 do citado artigo 865.º do CPC.

A impugnação pode ter por fundamento quaisquer causas que extinguem ou modificam a obrigação ou que impedem a sua existência, conforme resulta do n.º 4 do artigo 866.º do CPC (regime que consta actualmente do artigo 789.º).

Tendo presente que a reclamação tem necessariamente por base um título executivo, e que a impugnação da Fazenda Pública se dirige precisamente à invocação da inexistência de título, relativamente à taxa de justiça, encargos e acréscimo de 25% calculado nos termos do n.º 5 do artigo 199.º do CPPT importa analisar o título em que o Município de Almada suporta a reclamação do crédito.

O Município de Almada, reclama o seu crédito apresentando como título executivo a certidão de dívida n.º 6126/2 de 2004, proveniente de dívida relativa a «loteamento e obras, no valor de € 172 582,37 cujo prazo de pagamento voluntário terminou em 27/11/2003 certidão que serviu para instaurar o processo de execução fiscal n.º …...

Os créditos reclamados provenientes de taxa de justiça e encargos não estão abrangidos pelo título executivo, nem gozam de garantia, não podendo ser admitidos. Apenas as custas do processo executivo de que o presente processo constitui incidente podem ser cobradas por gozarem de privilégio imobiliário, nos termos do disposto no artigo 743.º do CCivil.

O mesmo sucede com o acréscimo de 25%, calculado nos termos do n.º 5 do artigo 199.º do CPPT. Além do mais, o acréscimo de 25% previsto na aludida norma tem em vista a constituição de garantia idónea susceptível de assegurar a autorização do pagamento da dívida exequenda e respectivos juros que se vão vencendo, em prestações ou para o efeito de determinar a suspensão do processo executivo até à decisão do pleito em que esteja em discussão a legalidade da dívida exequenda. Pelo que, também quanto a tais créditos reclamados se mostra procedente a impugnação da Fazenda Pública.

Os restantes créditos não foram impugnados, não se verificando nenhuma excepção que devesse ter determinado a rejeição liminar, pelo que, se dão por reconhecidos nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 868.º do CPC.

Nos termos do disposto no artigo 240.º, n.º 2 do CPPT, o crédito exequendo não carece de reclamação.

Os créditos exequendos provenientes de Contribuição Autárquica relativos a 1999 e 2000 foram declarados prescritos pelo órgão da execução fiscal e assim sendo, não integram o âmbito dos créditos a concurso.

Vejamos agora, no que se refere ao concurso de credores, qual a graduação dos seus créditos, já que, como adiantámos, o credor reclamante só pode ser pago na execução pelos bens sobre que tiver garantia e conforme a graduação do seu crédito (cf. artigo 865.º n.º 1, actualmente artigo 788.º, n.º 1, do CPC).

Quanto ao crédito reclamado pela B….., garantido por hipoteca.

Nos termos do disposto no artigo 686.º, n.º 1, do CCivil, o crédito reclamado objecto do direito real de garantia hipotecária prevalece sobre os demais, salvo os créditos que beneficiem de privilégio especial ou de prioridade de registo.

A hipoteca abrange não apenas o capital, mas também os acessórios do crédito. No que se refere aos juros, a hipoteca nunca abrange mais do que os relativos a três anos conforme resulta do disposto no n.º 2 do artigo 693.º do CCivil.

Os créditos reclamados pela Fazenda Pública relativos a IMI, gozam do privilégio imobiliário, nos termos do artigo 744.º, n.º 1, do CCivil, que dispõe o seguinte: «Os créditos por contribuição predial devida ao Estado ou às autarquias locais, inscritos para cobrança no ano corrente à data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquela contribuição.» Esta norma é aplicável ao IMI por força da remissão expressa efectuada pelo artigo 122.º, n.º 1, do CIMI.

Assim, os créditos de IMI, inscritos para cobrança no ano corrente na data da penhora, ou acto equivalente, e nos dois anos anteriores, têm privilégio sobre os bens cujos rendimentos estão sujeitos àquele imposto, preferindo às garantias reais, ainda que anteriores, nos termos do artigo 751.º do CCivil.

Os créditos reclamados relativos a IRS, no que respeita ao pagamento do imposto nos últimos três anos, gozam de privilégio mobiliário geral e de privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou outro acto equivalente (cf. artigo 111.º do CIRS).

O mesmo regime é aplicável aos créditos reclamados referentes a dívidas de IRC. Por serem relativo aos últimos 3 anos anteriores à data da penhora, beneficiam do privilégio mobiliário geral e privilégio imobiliário sobre os bens existentes no património do sujeito passivo à data da penhora ou acto equivalente, previsto no artigo 108.º do CIRC na redacção que vigorou até 31/12/2009 (anterior ao CIRC republicado pelo Decreto-Lei n.º 159/2009, de 13/07, com efeitos a partir de 01/01/2010).

Os créditos reclamados pelo Município, referentes a imposto indirectos, gozam de privilégio mobiliário geral. Contudo, estando em causa a satisfação dos credores a concurso pelo produto da venda de um imóvel, o referido crédito goza apenas da preferência resultante da penhora, nos termos do artigo 822.º, n.º 1 do CCivil, isto é, o exequente adquire pela penhora o direito de ser pago com preferência a qualquer outro credor que não tenha garantia real anterior. Obedecendo a graduação à prioridade dos registos (cf. artigo 6.º do CRPredial).

Nos termos dos artigos 1.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16.03, as dívidas provenientes de juros de mora gozam dos mesmos privilégios que por lei sejam atribuídos às dívidas sobre que recaiam.

Tendo em conta que apenas estão em causa bens imóveis e que todos os credores a concurso detêm as garantias constituídas relativamente às quatro fracções a sua graduação em concreto será a mesma para cada fracção, pelo que se procederá à graduação em concreto simultaneamente para as quatro fracções.

Nos autos de execução supra indicados, em 18/05/2007, foram penhoradas as fracções autónomas identificadas pelas letras D, F, J e M, do prédio urbano sito na ….. e ….., em Almada, inscrita na matriz predial urbana da freguesia e concelho de Almada, sob o artigo …...

O crédito reclamado pela Fazenda Pública, relativo a IMI de 2006, beneficia de um privilégio especial, pelo que deve ser graduado em 1.º lugar (cf. artigo 744.º, n.º 1, do CCivil), bem como os respectivos juros de mora.

Os créditos reclamados pela B….., S.A., garantidos por hipoteca, devem ser graduados em segundo lugar, uma vez que foi registada antes da penhora (cf. artigo 686.º do CCivil). A hipoteca abrange não apenas o capital, mas também os acessórios do crédito. Relativamente aos juros, A garantia hipotecária nunca abrange mais do que os relativos a três anos, conforme resulta do disposto no artigo 693.º, n.º 2 do CCivil.

Em terceiro lugar a par graduam-se os créditos de IRS de 2004 e 2005, de IRC de 2004, 2005 e 2006 e respectivos juros, por serem créditos que gozam de privilegio imobiliário, por se encontrarem abrangidos na limitação temporal decorrente dos artigos 111.º do CIRS e 108.º do CIRC relativa aos últimos três anos.

Os créditos igualmente privilegiados, dar-se-á rateio entre eles, na proporção dos respectivos montantes» (cf. artigo 745.º, n.º 1, do CCivil).

Quanto aos demais créditos: os exequendos e os reclamados pelo Município de Almada e respectivos juros, não gozam de qualquer privilégio imobiliário, beneficiando, no entanto, da garantia resultante da penhora, de acordo com a prioridade do seu registo, o que significa que se graduam em quarto lugar os créditos reclamados pelo Município de Almada e em quinto lugar os créditos exequendos que também têm a garantia resultante da penhora posterior (cf. artigo 822.º do CCivil).

Sendo as importâncias arrecadadas insuficientes para solver os créditos com a mesma graduação, observar-se-á o disposto no artigo 262.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário quanto às dívidas tributárias e o disposto no artigo 785.º do Código Civil quanto às demais.

As custas da execução saem precípuas do produto da venda do bem penhorado – cf. artigo 541.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 246.º do CPPT, 743.º e 746.º do Código Civil.

Assim sendo, procede-se à graduação de créditos da seguinte forma:

1.º O crédito reclamado pela Fazenda Pública relativo a IMI relativo a 2006, e respectivos juros;

2.º Os créditos reclamados pela B….., S.A relativo a capital, acessórios do crédito e aos juros abrangendo apenas os relativos a três anos;

3.º A par, os créditos de IRS de 2004 e 2005, de IRC de 2004, 2005 e 2006 e respectivos juros;

4.º Os créditos reclamados pelo Município de Almada e respectivos juros;

5.º os créditos exequendos e respectivos juros.

IV – CONCLUSÕES

I - Existindo reclamação com vista à verificação e graduação de créditos no processo de execução fiscal, a prescrição da dívida exequenda no processo principal declarada posteriormente à venda dos bens que garantiam os créditos reclamados, não determina a inutilidade da lide em relação ao processo de verificação e graduação que deverá prosseguir para os efeitos do disposto no artigo 245.º do CPPT, na redacção vigente à data;

II – Com a sua venda, os bens deixaram de constituir a garantia dos créditos dos reclamantes, daí que, se disponha no n.º 3 do artigo 824.º do CCivil que os direitos de terceiro que caduquem nos termos do número anterior transferem-se para o produto da venda dos respectivos bens.

IV - DECISÃO


Termos em que, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do TCA Sul em conceder provimento ao recurso jurisdicional, revogar a sentença e julgando em substituição, verificar e graduar os créditos pela ordem indicada.

As custas saem precípuas do produto da venda do bem penhorado - cf. artigo 541.º do CPC, aplicável por força do disposto no artigo 2.º, alínea e) do CPPT.

Registe e notifique.

Lisboa, 13 de Maio de 2021.

A Relatora consigna e atesta, que nos termos do disposto no artigo 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13/03, aditado pelo artigo 3.º do DL n.º 20/2020, de 01/05, as Senhoras Desembargadoras Ana Pinhol e Isabel Fernandes, integrantes da formação de julgamento, têm voto de conformidade com o presente Acórdão.


Ana Cristina Carvalho